terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

SOBRE A CRENÇA E A CONFIANÇA


PERGUNTA: Qual é a diferença entre crença e confiança? Porque condenais a crença?

KRISHINAMURTI: Vejamos primeiramente o que é crença e o que é confiança. Que quer dizer crença? Porque necessitamos de crer? Não é porque temos o desejo de estar certos, seguros? Psicologicamente, é perturbador não se ter uma crença, não é verdade? Se não tendes crença em Deus ou num partido político, ficareis muito perturbados, não é exato? O temor, a crença na reencarnação, e em dúzias de coisas. Nessas condições, crença é uma exigência de segurança feita pela mente, e, por isso, que acontece? A mente, procurando segurança, procurando a crença, cria a crença. Ela a cria por si mesma, ou aceita as crenças de outros, e, quer ela própria a tenha criado, quer a tenha recebido de outros, a mente adota e diz “ee creio”. Ou, “projeta” a crença para o futuro e faz dela uma certeza, uma garantia, de acordo com a qual a mente disciplina a si própria.

Como fatores diferentes só podem conduzir a crenças diferentes, um crê em Deus, e outro crê que não há Deus. Um é maometano, outro hindu, outro cristão, e que acontece então? O desejo de estar em segurança, psicologicamente, cria infalivelmente a divisão, porquanto estais criando e dando importância a várias coisas que são secundárias.

Vede o que a crença está fazendo no mundo. Política ou religiosamente, há inúmeros planos, que acreditais capazes de resolver as nossas dificuldades. Há crenças religiosas extraordinariamente variadas, e cada indivíduo se atém à sua própria crença, porque ela lhe dá conforto; e o individuo se torna um meio de propaganda e exploração. A crença, inevitavelmente, divide. Quando tendes uma crença e buscais a segurança em vossa crença pessoal, vós vos separais daqueles que procuram a segurança em outras formas de crença. Por conseqüência, todas as formas de crença se baseiam no separatismo, embora preguem a fraternidade. É precisamente o que está acontecendo no mundo, porquanto a crença é uma oculta exigência psicológica de preenchimento. Isto é, com preencherdes a vós mesmos mediante uma crença, pensais que sereis felizes. É por isso que a crença se torna um fator extraordinariamente importante, na religião, na política, etc...

Se vos sentísseis um ser humano, julgais que estaríeis lutando por essa maneira? Sois um hindu a lutar com um muçulmano e a vos matardes mutuamente; os ingleses lutaram contra os alemães, assim por diante. Como vimos, a crença se forma em virtude do desejo de preenchimento, de segurança e porque reclamamos segurança e lutamos para alcançá-la, temos um fim, um objetivo, e esse fim é uma “projeção” de nós mesmos. Se o fim fosse desconhecido, não teríamos a crença. Ele é uma “projeção” do indivíduo e, por isso, gera o separatismo, tornando-se uma barreira entre vós e os outros, e isso é exatamente o que está acontecendo. Não estou inventando uma teoria, mas sim, descrevendo um fato, um fato psicológico e orgânico. Todos – chefes e seguidores – acreditam num padrão, porque o julgam muito seguro. Se analisardes a crença, com muito cuidado, verificareis que ela é uma forma de preenchimento, de exploração mútua, e que não conduz a solução alguma. Eis o que a crença tem feito por nós.

E que significa confiança? A maioria de nós confia em alguém ou em alguma coisa. Se praticastes uma coisa, se lestes livros, etc., isto vos dá uma certa confiança, porque haveis praticado, executado uma coisa muitas vezes, com confiança. É uma forma de agressividade, isso. Sabeis fazer uma coisa, e estais satisfeitos com vós mesmos. “Sei fazer isso, e você não sabe”. A confiança num nome, numa capacidade, é agressão, não achais? Tal confiança é por igual exploração, a qual, também, tem a afinidade com a crença. Por conseqüência, a crença e a confiança são coisas semelhantes. São as duas faces da mesma moeda.

Mas, há uma outra espécie de confiança, que nasce do autoconhecimento. Não devia propriamente chamar-se confiança, mas, à falta de melhor termo, chamemo-la “confiança”. Quando há o percebimento, quando a mente está cônscia do que pensa, do que sente e do que faz, não só nas camadas superficiais da consciência, mas ainda nas camadas mais profundas, quando estamos plenamente cônscios de tudo quanto se contém na consciência, vem então um sentimento de liberdade, de segurança, dado por esse conhecimento. Quando sabeis reconhecer uma serpente, vós estais livre dela, não é verdade? Quando sabeis que determinada coisa é venenosa, sentis uma segurança, uma liberdade, até então desconhecida. Há uma segurança, uma alegria extraordinária, uma esperança criadora, um sentimento de vitalidade, depois de explorarmos o nosso “ego”, e nada disso se baseia na crença. Depois de devassado o “ego”, depois que todos os seus artifícios e recessos são conhecidos da mente, está a mente, então assegurada do seu criador, e, por conseguinte, ela cessa de criar, e nesse cessar há criação.

Senhores, não estejais hipnotizados. Podeis, como disse no inicio desta palestra, estar naquele estado acolhedor, para que a semente lançada crie raízes. Espero com toda a sinceridade que a semente haja vingado, porque não são palavras, o que vos dará liberdade. O que vos libertará, o que livrará a todos nós do pecado e do sofrer, é aquele sentimento, aquela percepção do que “é”. É o conhecê-lo exatamente – e não traduzi-lo, explicá-lo, pô-lo de lado – é o conhecê-lo exatamente, o percebê-lo livremente, que traz a liberdade. E é só pela liberdade que se dá a conhecer a Verdade.

Krishnamurti – 9 de novembro de 1947 – Do livro: Uma Nova Maneira de Viver. - ICK


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