sexta-feira, 29 de junho de 2012

Dr. A. W. Anderson - Instrodução aos ensinamentos de Krishnamurti


J.Krishnamurti - Instrodução aos ensinamentos de J.Krishnamurti com Dr. A. W. Anderson

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O Eterno, Infinitamente Sagrado

     O cérebro, que é tão antigo e extraordinariamente hábil, e que possui um espectro  infinito de capacidades, evoluiu com o tempo até chegar a adquirir uma enorme quantidade de conhecimento. Mas, será possível que, do jeito como  se encontra tão fortemente condicionado e exposto ao desgaste ele possa ser rejuvenescido? Poderá este nosso cérebro livrar-se de todo o sentido de continuidade, de modo a poder começar de novo? Poderá esse cérebro tornar-se completamente inocente? Emprego a palavra inocente  no sentido de  ser incapaz de  sentir mágoa. Ou seja, um cérebro que seja não só incapaz de magoar os outros como também incapaz de se deixar magoar.
     O nosso cérebro — o cérebro de todos nós, seres humanosevoluiu ao longo de  tempo sem conta e foi condicionado tanto pelas diferentes culturas como pelas religiões assim como também pelas pressões econômicas e sociais. Esse cérebro tem prevalecido por um incontável período de tempo nessa continuidade, até ao presente, e assim pôde encontrar sentido de segurança  através desse longo período de duração. É por essa razão que aceitamos a tradição, porque pela tradição e pela imitação, pelo conformismo, nós obtemos segurança, do mesmo modo que através da ilusão. É evidente que todos os nossos deuses não passam de uma ilusão, criada pelo pensamento. Qualquer crença ou fé constitui uma forma de ilusão. Não há necessidade nenhuma de se ter uma crença ou uma fé; no entanto, se possuirmos uma crença, seja em Deus, em Jesus, em Krishna ou o que quiserem, isso dar-nos-á a sensação de sermos protegidos e de nos acharmos no seio de Deus; todavia isso não passa de uma ilusão.
     Mas estávamos a questionar a possibilidade do cérebro descobrir um fim para a continuidade do tempo. Essa continuidade, que se acha baseada na continuidade do conhecimento, é considerada como um avanço, como uma forma de progresso e evolução, mas eu estou precisamente a contestar isso. Sempre que o cérebro procura a continuidade torna-se mecânico. Todo o pensamento é um processo mecânico porque se baseia na memória, quepor seu turnoconstitui uma resposta do conhecimento. Assim, não existe tal coisa como 'pensamento novo'.
     O "eu", o "mim", é um processo de continuidade. O "eu" tem sido utilizado por milhares de anos, geração após geração e constitui um processo de continuidade. Mas tudo aquilo que é contínuo é mecânico, e não contém nada de novo. Perceber isso é uma coisa maravilhosa.
     Por favor, peço-lhes que escutem em silêncio; não concordem comigo mas escutem apenas. Enquanto o cérebro registar mágoas e sofrimento,  isso dar-lhe-á sentido de continuidade. Dá-nos a ideia de um "eu" que possui um sentido de existência contínuo. Enquanto o cérebro registar, á semelhança do computador, há de ser mecânico. Quando somos insultados ou  elogiados o cérebro regista, como vem fazendo há milhares de anos. Tal é o nosso condicionamento; todo um movimento no sentido do progresso. Porém, queremos saber se será possível registar somente aquilo que for relevante e nada mais que isso. Porque haveremos de registar uma mágoa? Porque devemos registar quando alguém nos insulta ou lisonjeia? Quando registamos issoquando o cérebro faz o registo dissoesse registo impede a observação daquele que nos insultou. Quer dizer, vocês observam a pessoa que acabou de os insultar ou elogiar com uma mente, com um cérebro que fez o registo daquilo,  de modo que não consideram a pessoa em questão. Mas porque  esse registo forma uma continuidade, encontramos segurança nela. O cérebro diz: " Como já fui magoado uma vez, o melhor é registar isso, conservar a sua lembrança para desse modo evitar ser magoado no futuro". Fisicamente isso pode ser determinante, mas psicologicamente será? Nós fomos magoados porque a mágoa constitui um ato de nos movermos no tempo da construção da imagem que possuímos de nós mesmos, e dessa forma sempre que essa imagem sofre uma alfinetada sentimos mágoa. Enquanto preservarmos  uma imagem de nós mesmos sempre poderemos sair magoados. Portanto será possível não possuirmos imagem nenhuma e, consequentemente, registo nenhum? Estamos a estabelecer a base para a pesquisa daquilo que constitui a meditação.
     Será possível não registarmos psicologicamente e registarmos unicamente aquilo que for relevante  e necessário? Quando tivermos estabelecido ordemquando existir ordem na nossa vidaentão deverá resultar liberdade. Mas somente a mente desordenada segue no encalço  da liberdade. Quando chegamos a possuir uma ordem total, então essa mesma ordem representará liberdade.
     Para nos aprofundarmos neste assunto, precisamos compreender a natureza da nossa consciência. Essa consciência é formada pelo  seu conteúdo e não existe separada desse conteúdo. Esse conteúdo forma a nossa consciência. E o conteúdo é a nossa tradição, as nossas ansiedades, o nosso nome, a nossa posição. Isso forma  o conteúdo e  molda a nossa consciência. Poderá toda esta consciênciaque inclui o cérebroa mente com todo o seu conteúdo, ter noção de si própria, noção da sua duração, e tomar uma parte dessa consciência (como o apego) para a fazer cessar voluntariamente? Isso significará um rompimento com toda a continuidade. Perguntava se será possível registarmos unicamente aquilo que for necessário e relevante e nada mais além disso. Entendamos toda a beleza dessa questão e as suas implicações, a sua intensidade. Eu afirmo que é possível. Eu poderia explicar, porém a explicação não é um fato. Não se deixem apanhar pelas explicações, mas procurem chegar ao fato por intermédio delas. Então as explicações não mais terão  importância.    
   O movimento do tempo, o movimento do pensamento, o movimento do passado, modificados no presente, prosseguem e formam uma continuidade. Isso é todo o movimento que o cérebro regista; de outra forma não seria possível possuirmos conhecimento. O conhecimento implica continuidade, e, portanto, ao encontrar segurança nessa continuidade o cérebro é forçado a fazer registo. Esse movimento alastrou a todo o campo psicológico. Mas o conhecimento é sempre limitado. Não existe conhecimento omnipotente, porém o cérebro ao encontrar segurança no movimento do conhecimento, adere a ele, e passa a interpretar todo o incidente de acordo com o passado. E desse modo o passado adquire uma tremenda importância para o cérebro, porque  ele próprio  é esse  passado.
     Todavia, é lógico que o vosso próprio intelecto perceba com muita clareza que, aquilo que sofre continuidade não possui nada de novo,  aquele aroma novo; nem a nova terra nem o novo céu. Desse modo o intelecto questiona-se da possibilidade de uma cessação da continuidade que não constitua perigo para o cérebro, porque, caso não passemos pelo processo dessa continuidade então estaremos perdidos. Se pusermos  um fim á continuidade, o que será de nós? O cérebro mostrou que só pode funcionar com base na segurança, seja ela verdadeira ou falsa, mas a continuidade do processo de registo conferiu-lhe segurança. Aí nós dizemos para connosco: " Regista somente o que for necessário e relevante, e nada mais". Mas subitamente o cérebro sente-se perdido. Ele funciona com base na busca de segurança e por isso  diz: " Dá-me segurança e eu prosseguirei no encalço dela".
     Existe segurança é claro, mas não esse tipo de segurança. Consiste ela ao invés, em colocar o conhecimento e o pensamento no seu devido lugar. A própria ordem no viver só é possível quando o cérebro tiver compreendido o modo desordenado em que vive,  enquanto que, ao mesmo tempo chama a isso  segurança. Quando tomar consciência do quanto a segurança implica em colocar cada coisa em ordemou seja, registar tudo aquilo que for relevante e não o irrelevanteentão o cérebro dirá: "Eu compreendi a coisa,  captei-a, consegui obter um insight sobre todo este movimento da continuidade". E dessa forma obtém um clarão de compreensão. Esse insight é o resultado da ordem completa que acontece quando o cérebro dispôs cada coisa no seu devido lugar. Então poderemos ter um insight completo sobre a totalidade do movimento da consciência, e desse modo o cérebro registará somente aquilo que for necessário e nada além disso. Mas isso implica que a atividade do cérebro sofra uma mudança,  do mesmo modo que a própria estrutura do cérebro, porque a visão de uma coisa de modo renovadocomo que pela primeira vezconduz à operação de uma nova função. Quando o cérebro vislumbra algo de novo, passa a existir uma função nova, e passa a nascer um organismo novo. É completamente necessário que a mente e o cérebro se tornem jovens,  revigorados, joviais, inocentes, juvenis, mas isso só acontecerá quando não existir nenhuma forma de registo.
     Fará o amor parte desta consciência? O amor poderá sofrer continuidade? Dissemos que a consciência é continuidade e tradição. Mas será que o amor faz parte  desse campo ou está totalmente apartado dele? Eu estou simplesmente a expor a questão, a desafiar uma resposta. Não parto do pressuposto de que faça ou deixe de fazer. Mas, se fizer parte desse campo da consciência, não fará também parte do pensamento? O conteúdo da nossa consciência é criado pelo pensamento. As crenças, os deuses, a superstição, as tradições, o medo, tudo isso faz parte do pensamento. Mas fará o amor parte desse pensamento ou desta consciência? Ou seja, será o amor desejo, prazer, sexo? O amor fará parte do processo do pensamento? Será uma recordação?
     Enquanto o intelecto for predominante, o amor não poderá, possivelmente, existir  nem surgir, qual orvalho da madrugada. Mas a nossa civilização adora o intelecto porque o intelecto possibilitou a criação de teorias sobre Deus, e criou princípios e ideais. Portanto, o amor fará parte dessa corrente, dessa consciência? Poderemos ter amor quando sentimos ciúme?  Poderemos sentir amor quando nos achamos apegados á nossa esposa, ao nosso marido, ou filho? Poderemos ter amor quando carregamos a lembrança, a recordação, a imagem da atração sexual? Poderá o amor ter continuidade? Por favor, pensem bem nisso porque nós não temos amor  no coração e por isso o mundo se encontra na  confusão em que está.
   Para alcançarmos esse amor, é preciso que a corrente da consciência sofra um  findar: a inveja, o antagonismo, a ambição, o desejo de poder, o desejo de nos tornarmos melhores e sermos pessoas ilustres, a busca de poderseja o poder de levitar, o de efetuar negócios, o poder que a  posição confere, o poder da política,  da religião ou o poder que exercemos sobre a nossa mulher, marido ou  filhos. Onde existir um sentimento de egoísmo, não poderá existir esse amor. Mas esse processo de registar constitui a essência do egoísmo. O fim da nossa infelicidade será o início da compaixão, porém nós usamos a infelicidade como meio para avançarmos e nos tornarmos melhores. Mas é, ao invés, pelo findar de uma coisa que poderá ocorrer algo de infinitamente novo.
     Devemos possuir espaço, não fisicamente mas espaço mental, o que significa  não andarmos tão ocupados. Mas a nossa mente está sempre ocupada: "Como poderei parar de tagarelar?" ou "Eu preciso produzir espaço na mente; Preciso ficar em silêncio", etc. A dona de casa ocupa-se da cozinha ou  dos filhos, o devoto ocupa-se com o seu Deus, o homem vulgar ocupa-se com a sua profissão, com o sexo, com o trabalho, com o objeto da sua ambição, ou então com a sua posição. A mente está inteiramente ocupada, de modo que não resta espaço nenhum.
     Devemos estabelecer na nossa vida uma ordem que não tenha nada a ver com a ordem da disciplina nem do controle. Pudemos perceber com toda a inteligência como a ordem só pode resultar da compreensão da própria desordem. Muito importa que produzamos ordem na nossa vida e nos nossos relacionamentos, porque a vida é relacionamento,   movimento,  atitude   empreendida no campo da relação. Porque se o  relacionamento com a nossa esposa, marido, com os filhos ou com os vizinhos não possuir ordemestejam eles próximos ou afastadosentão esqueçam toda a meditação. Se não possuirmos ordem na nossa vida e tentarmos meditar, cairemos na armadilha das ilusões. Mas se agirmos com seriedade e possuirmos essa ordem que não é temporária mas absoluta, então essa ordem poderá dar lugar á ordem cósmica porque estará em relação com ela. Essa ordem cósmica é o pôr do sol, o surgimento da lua e a maravilha do céu noturno com toda a sua beleza. A simples observação superficial do cosmos e do universo através do telescópio não constitui um fator de ordem. Mas se a nossa vida possuir ordem, nesse caso possuiremos uma relação extraordinária com o universo.
     Todavia se a mente se encontrar a abarrotar não poderemos ter ordem nem espaço mental. Como poderá ter espaço se ela se encontrar cheia de problemas? Para possuirmos espaço mental temos de resolver cada problema imediatamente, á medida que surge. Isso faz parte da meditaçãoe não carregar problemas continuamente, dia após dia. Será pois possível não andarmos tão constantemente ocupadoso que não denota falta de responsabilidade? Antes pelo contrário, quando não estamos ocupados podemos dedicar toda a nossa atenção á responsabilidade. Somente a mente ocupada pode tornar-se presa da confusão, o que torna a responsabilidade uma coisa  repugnante e chega a comportar a possibilidade da culpa. Mas por favor, não me perguntem como poderão deixar de andar tão ocupados, porque nesse caso passarão a ocupar-se de um sistema, um método ou simples lugares-comuns. Se conseguirem perceber, captar numa percepção direta, o quanto uma mente ocupada pode ser  destrutiva, e é destituída de toda liberdade e espaço, então desocupar-se-ão naturalmente.
     E nesse caso poderemos velar pela atenção. Será que  neste momento estão a prestar atenção? Que significa prestar atenção? Se estiverem a prestar atenção de verdade, não haverá um centro a partir do qual o façam, e essa atenção não poderá sofrer continuidade, como talvez gostariam que acontecesse. A continuidade é desatenção. Quando prestamos atençãoquer dizer, quando escutamos, nessa atenção não existe um centro que diz: "Eu estou a aprender, eu estou a escutar, eu estou a perceber". Existe somente o enorme sentido de totalidade, que constitui essa observaçãoescutar e aprendermas nela, não se dá nenhum movimento do pensamento. Essa atenção não pode ser sustentada por nenhum acto contínuo. Quando o pensamento declara que deve descobrir a forma de lhe chegar  ou alcançá-la, esse movimento de a tentar capturar  deverá constituir uma forma de desatençãofalta de atenção. Mas, ter consciência desse movimento exterior torna-se atenção, ficar atento. Captaram a coisa?
     A mente deve possuir amplitude de espaço, mas isso só pode acontecer se não houver a tagarelice do pensamento e se  resolvermos cada problema à medida que for surgindo. Só poderemos possuir amplitude de espaço mental quando não possuirmos um centro, porque no momento que detivermos um centro, então terá que haver uma área circundante, terá de existir um  movimento do centro para a periferia. Mas esse espaço implica a ausência desse centro, de modo que resulte absolutamente destituído de limites. A atenção implica que devemos aplicar toda a nossa energia no escutar, pela observação, mas nisso não existe centro nenhum. Daí surgirá uma mente que terá compreendido a ordem e se acha livre do medo, uma mente que terá posto fim ao sofrimento, que terá compreendido a natureza do prazer e lhe terá conferido a função adequada.
     E então colocaremos a questão: Qual será a natureza da mente que se encontra completamente imersa no silêncioe não como alcançar esse silêncio, nem como conseguir ter paz de espíritoestou a referir-me à qualidade da mente que está mergulhada num silêncio absoluto e intemporal. Qual será?
     Existe silêncio entre duas notas musicais, silêncio entre dois pensamentos ou entre dois movimentos; existe o silêncio que separa duas guerras e o silêncio que antecede a discussão seguinte entre marido e mulher. Não me estou a referir a essa qualidade de silêncio, porque ela é temporária e finita. Estou a referir-me a um silêncio que não pode ser produzido pelo pensamento e que não é cultivável;  que sucede somente quando compreendermos todo o movimento da existência. Nisso há silêncio; não se trata de perguntas e respostas nem  desafio ou buscatudo isso permanece de lado. Esse silêncio possui um enorme sentido de espaço e beleza,  um extraordinário sentido de energia. Nessa altura poderá ocorrer aquilo que é eterno e infinitamente sagrado; que não é nem produto da civilização nem do pensamento. Esse é todo o movimento da meditação.

Krishnamurti - O significado autêntico da meditação — 14 Jan. 1979
                                                       
                                                                                          

terça-feira, 26 de junho de 2012

O que entendemos por transformação?

A transformação não está no futuro, não pode estar no futuro. Ela só pode realizar-se agora, momento por momento. Assim sendo, que entendemos por transformação? Ora, é muito simples: é ver o falso como falso, e o verdadeiro como verdadeiro. Ver a verdade no falso, e ver o falso naquilo que foi aceito como verdade. Ver o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro, é transformação, porque quando se vê uma coisa como verdadeiro, é transformação, porque quando se vê uma coisa claramente, como verdade, esta verdade liberta. Quando se vê que uma coisa é falsa, esta coisa falsa se extingue. Quando se vê que as cerimônias são vãs repetições, quando se percebe a verdade a respeito desta coisa e não se justifica a coisa, há transformação, não há? — porque é mais um grilhão que se desfaz. Quando se vê que a distinção de classes é falsa, gera conflitos, cria miséria, divisão entre os homens, se se percebe a verdade a esse respeito, essa própria verdade liberta. O próprio percebimento dessa verdade é transformação, vocês não acham? Se, rodeados que estamos de tantas coisas falsas, percebemos sua falsidade, momento por momento, haverá transformação. A verdade não é cumulativa. Ela se apresenta momento a momento. O que é cumulativo, o que se acumula, é a memória, e através da memória nunca se achará a verdade, porque a memória acontece ao tempo, ao passado, ao presente e ao futuro. O tempo, que é continuidade, nunca achará aquilo que é eterno. A eternidade não é continuidade. O que tem duração não é eterno. A eternidade se acha no momento. A eternidade está no agora. O Agora não é reflexo do passado, nem continuação do passado através do presente, para o futuro.

A mente desejosa de transformação futura, ou que vê a transformação como um alvo final, nunca achará a verdade, porque a verdade é uma coisa que tem de vir de momento a momento, que tem de ser descoberta sempre de novo; não pode haver descobrimento pela acumulação. Como se pode descobrir o novo, levando-se a carga do velho? Só com o desaparecimento dessa carga, de descobre o novo. Para descobrir o novo, o eterno, no presente, momento por momento, é necessário ter a mente extraordinariamente vigilante, que a mente não esteja em busca de resultado algum, nem ocupada em vir a ser. A mente que está empenhada em vir a ser, jamais conhecerá a felicidade completa do contentamento; não o contentamento da complacência, não o contentamento por um resultado alcançado, mas o contentamento que vem quando a mente percebe a verdade em o que é, e a falsidade em o que é. A percepção dessa verdade é de cada momento, e essa percepção é retardada pela verbalização do momento. 

A transformação não é um fim, um resultado. A transformação não é um resultado. Resultado implica resíduo, uma causa e um efeito. Onde há causalidade, tem de haver efeito, necessariamente. O efeito é simplesmente o resultado do vosso desejo de transformação. Quando vocês desejam serem transformados, estão ainda pensando em termos de vir a ser; quem está empenhado em vir a ser não pode saber o que é ser. A verdade é ser, de momento a momento; e a felicidade que continua, não é felicidade. A felicidade é aquele estado de ser que é atemporal. O estado atemporal só pode vir quando há descontentamento tremendo — não o descontentamento que se canalizou em certa via, por onde se evade, mas o descontentamento que não tem saída, que não tem qualquer via de fuga, que não está em busca de preenchimento. Só então, nesse estado de supremo descontentamento, pode a realidade manifestar-se. Esta realidade não pode ser comprada, ou vendida, ou repetida. Não pode ser colhida nos livros. Ela tem de ser encontrada a cada momento, no sorriso, na lágrima, debaixo da folha morta, nos pensamentos erradios, na plenitude do amor. 

O amor não é diferente da verdade. O amor é aquele estado em que o processo de pensamento, como tempo, se imobilizou completamente. Onde há amor, há transformação. Sem amor, nada significa a revolução, porque a revolução, nesse caso, é simples destruição, decomposição, miséria crescente. Onde há amor, há revolução, porque o amor é transformação, momento por momento.

Krishnamurti - Sobre o Amor

Descobriremos o que é o amor se compreendermos o que o amor não é, porque, sendo o amor o desconhecido, só podemos nos aproximarmos dele depois de rejaitar o conhecido. O desconhecido não pode ser descoberto pela mente que está repleta do conhecido. O que vamos fazer, é procurar compreender os valores do conhecido, considerar o conhecido e, depois de o considerarmos, pura e simplesmente, sem condenação, a mente se tornará livre dele e saberemos, então, o que é o amor. Assim, devemos chegar-nos ao amor de maneira negativa e não, positiva.

O que é o amor para a maioria de nós? Quando dizemos que amamos uma pessoa, o que queremos dizer? Queremos dizer que possuímos a pessoa. Da posse nasce o ciúme, porque se eu o perder, ou a perder, o que acontecerá? me sentirei vazio, perdido. Por conseguinte, legalizo a posse, retenho-o, ou retenho-a em meu poder. Do possuir a pessoa, resulta o ciúme, resulta o temor e os inumeráveis conflitos inerente a posse. Ora, posse não é amor, é?

O amor, por certo, não é um sentimento. Ser sentimental, ser emotivo, não é indício de amor, porque a sentimentalidade e a emoção, não passam de meras sensações. A pessoa religiosa, que chora por Jesus, por Krishna, por seu guru ou por outro qualquer, é apenas sentimental, emotiva. Está se deixando dominar pela sensação, que é um processo do pensamento e o pensamento não é amor. O pensamento é resultado da sensação; assim, a pessoa sentimental, emotiva, não pode, de modo algum, conhecer o amor. Não somos emotivos e sentimentais? A sentimentalidade, a emotividade, são apenas uma forma de auto-expansão.  Estar cheio de emoção não é amor, por certo, porque uma pessoa sentimental pode ser cruel, quando seus sentimentos não são correspondidos, quando não pode dar expansão aos sentimentos. Uma pessoa emotiva pode ser incirada ao ódio, à guerra, ao morticídio. O homem sentimental, lacrimosamente religioso, esse homem por certo não tem amor. 

Perdão é amor? O que subentende o perdão? Você me insulta, eu me ressinto; guardo na memória o insulto. Depois, forçado pelas conveniências ou pelo arrependimento, digo, "lhe perdôo". primeiro guardo, depois rejeito. O que significa isso? Que eu continuo a ser a figura central. Continuo a ser importante; sou eu quem está perdoando. Com essa atitude eu é que sou importante, não o homem que supostamente me insultou. Por conseguinte, quando acumúlo ressentimentos, e depois rejeito esses ressentimentos, e a isso chamo eprdoar, não há amor. O homem que ama não guarda inimizade, todas essas coisas lhe são indifererentes.   Arrependimento, perdão, um estado de relação em que há posse, ciúme, medo — nada disso é amor. São só coisas da mente, não é verdade? Enquanto a mente for o árbitro, não há amor, porque a mente só arbitra segundo seu interêsse de posse, e seu veredicto é sempre em favor da posse, sob diferentes formas. A mente pode apenas corromper o amor; não pode fazer nascer o amor, não pode oferecer beleza. Você pode descrever um poema sobre o amor, mas isso não é amor. 

Por certo, não há amor, quando não há verdadeiro respeito, quando não respeitamos os nossos semelhantes, seja nosso criado, ou nosso amigo. Você já notou que não sabe respeitar, que não sabe ser benevolente, generoso para com seus criados, para com as pessoas ditas subalternas? Vocês têm respeito pelos que estão em cima, pelo patrão, pelo milionário, pelo homem que tem uma suntuosa residência e um título, pelo homem que pode lhes dar uma posição melhor, um emprego melhor, de quem vocês podem ganhar alguma coisa.Mas vocês tratam a pontapés os que estão abaixo de vocês; para esses, você têm uma linguagem especial. Por conseguinte, onde não há respeito, não há amor. Onde não há compaixão, caridade, benevolência, não há amor. E como a maioria de nós se acha nesse estado, não temos amor. Não somos nem respeitosos, nem compassivos, nem generosos. Somos dominados pelo desejo de posse, cheios de sentimentos e emoções, que podem ser dirigidos para qualquer lado, para o assassínio, para a matança, ou para a unificação em torno de algum plano estravagante e ignorante. Em tais condições, como pode haver amor? 

Vocês só conhecerão o amorquando todas essas coisas tiverem cessado, acabado, quando você não possuírem, quando não forem emocionalmente devotos à um objeto. Tal devoção é súplica, é busca de alguma coisa, de maneira diferente. O homem que reza não conhece o amor. Visto que vocês têm inclinação para a posse, visto que buscam um fim, um resultado pela devoção, pela oração, que torna vocês sentimentais, emotivos, não existem, naturalmente, amor; não há amor, é evidente, quando não há respeito. Vocês podem dizer que tem respeito, mas o respeito de vocês é pelo superior, simples respeito inspirado pelo desejo de alguma coisa, ou respeito do medo. Se vocês sentissem respeito, realmente seriam tão respeitosos para com os mais humildes como para os chamados superiores. Como não temos esse respeito, não temos amor. Quão piucos de nós são generosos, indulgentes e caridosos! Vocês são generosos quando quando isso lhes compensa; você são caridosos quando esperam alguma retribuição. Quando essas coisas desaparecerem e deixarem de ocupar as suas mentes, e quando as coisas da mente não mais encherem os seus corações, então haverá amor. E só o amor pode transformar a loucura, a insanidade que vai pelo mundo hoje em dia — e não os sistemas, nem as teorias,  quer da esquerda, quer da direita. Só amam realmente, quando não possuem, quando não são invejosos, ávidos, quando são respeitosos, quando vocês têm compaixão e caridade, quando vocês têm consideração para com sua esposa, seus filhos, seu vizinho, seus pobres criados. 

O amor não pode ser pensado, o amor não pode ser cultivado, o amor não pode ser exercitado. A prática do amor, o exercitar da fraternidade,  está ainda dentro da esfera da mente e, por conseguinte, não é amor. Quando tudo isso tiver cessado, então, nascerá o amor, e você saberão então o que é amar. O amor não é então quantitativo, mas qualitativo. Vocês não dizem "amo o mundo inteiro"; quando sabem amar a um só, sabem amar o todo. Porque não sabemos amar a um só, nosso amor à Humanidade é fictício. Quando você amam, não há nem um, nem muitos: só há amor. 

Só quando houver amor, poderão todos os problemas ser resolvidos, e  conheceremos então a sua bem-aventurança, sua felicidade.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Educação

A vida não é um processo de estudo, de acumulações. A vida não é uma escola em que vocês se submetem a exames sobre o que aprenderam, sobre o que aprenderam das experiências, das ações, do sofrimento. A vida é para ser vivida, não para que dela aprendamos.

Se consideram a vida como algo que devem aprender, agem apenas superficialmente. Isto é, se a ação na vida diária é apenas um meio para uma recompensa, para um fim, então a ação mesma não tem valor.

Krishnamurti

Unidade

O desejo de unidade baseia-se no medo. Vocês querem se unir a alguém porque temem a solidão. Para mim não existe coisa que se pareça com unidade.

Vocês necessitam se unir a tudo e pensam poder encontrar sua unidade na verdade, nas rochas, nas coisas. Isto é uma falsa concepção. Quando realizarem a plenitude, ela é íntegra em si mesma. Portanto, é completa por toda a parte, não está unida ou separada seja do que for. O rio está de contínuo procurando o mar, porém o mar não pode entrar pelo rio. Aquilo que é completo não pode penetrar no que é incompleto.

Estamos sempre lutando com a nossa vacuidade, por nos apegarmos a coisas que nos rodeiam, e que em si mesmas são incompletas, e chamamos a isto de unidade, ao passo que em nós mesmos é que existe plenitude e na sua realização não há isolamento. Nessa plenitude não há separação nem unidade.

Krishnamurti

terça-feira, 5 de junho de 2012

Conforto

A teia da vida é tecida com as coisas vulgares, e a essas coisas vulgares da vida vocês podem dominar.

Podem dar-lhes originalidade, podem, por meio delas, criar grandeza, ou destruí-las por falta de compreensão. A teia da vida e a sua compreensão estão ao alcance do seu domínio e não ao de outros. Quando abandonam a outros o domínio de sua vida, vem a infelicidade, vem a autoridade que pode ser decepada como uma árvore e o conforto da sombra que lhe corresponde se esvai.

Limitando e atraiçoando, por esse modo, a verdade, o medo penetra na mente e no coração, o medo do bem e do mal, o medo oriundo da moralidade estreita, o medo do céu e do inferno. E sobre esse fundo de medo pintam inumeráveis crenças, que opõem limitações à vida. Por causa desse medo, manifesta-se o desejo de buscar o conforto. Eu, porém, digo à vocês, não busquem o conforto e sim entendimento. A busca de conforto é a limitação da vida, ao passo que a busca da compreensão é a libertação dela, e só se pode alcançar a liberdade, por meio da experiência. Que outro conforto pode existir a não ser  da compreensão da verdade? Querem atingi-la sem luta, sem uma lágrima. Um armazém de drogas espirituais, antídotos para os temores, é o que a maioria das pessoas procura. É por isso que buscam o auxílio externo para sustentar vocês. Atemorizam-se ao fazerem frente a qualquer das suas fraquezas: experimentar a vocês mesmo é vencer vocês.

Inexperientes das grandes alturas, das grandes solidões, do isolamento da vida externa, pensam que devem levar com vocês os seus amigos, as suas qualidades, as suas igrejas, as suas moralidades, as suas dignidades, os seus ritos e a suas religiões.

Nessas grandes altitudes, não necessitam dessas coisas.

O homem acha-se colhido pela sombra do presente, embaraçado e, por esse modo, cria a tristeza. A vida é para ele uma luta, um esforço constante, um contínuo acotovelamento.

Krishnamurti

Autoridade

Se um homem deseja obedecer e seguir a um outro, ninguém pode impedi-lo; porém é o superlativo da falta de inteligência e leva a grande infelicidade e frustração.

Se aqueles de vocês que estão me ouvindo, começarem  a pensar real e profundamente sobre a autoridade, não mais seguirão a ninguém, inclusive a mim próprio. Como disse, porém, é muito mais fácil seguir e imitar do que, realmente, libertar o pensamento da limitação do medo, e bem assim, da compulsão e da autoridade. 

Admitir a autoridade é abandonar-se à influência de outros, o que implica sempre o propósito, o desejo de se obter algo em retorno; ao passo que na outra há absoluta insegurança; e como as pessoas preferem a ilusão do conforto, da segurança, seguem a autoridade com sua frustração. Se, porém, a mente discerne a ilusão do conforto ou da segurança, nasce a inteligência, o desconhecido, a essência da vida.

Krishnamurti

domingo, 3 de junho de 2012

Observação

Para se perceber qualquer coisa na vida, tem que haver uma certa calma na mente, não uma calma disciplinada – nesse caso não é calma, é uma mente sem vida. Ora, uma mente em conflito não deixa observar nada, observar eu próprio. Portanto, se estou em permanente conflito, em constante movimento, a mexer, a falar, eternamente a fazer perguntas, a explicar; aí não é possível haver qualquer observação. É isso que a maior parte de nós faz, quando estamos perante 'o que é'. Portanto, vemos que só pode haver observação quando não há conflito. Para não haver conflito, podemos tomar um tranquilizante, um comprimido, para ficarmos tranquilos, mas não é isso que dá percepção, isso apenas nos faz é dormir; e isso é provavelmente o que a maior parte de nós quer.

Ora, para observar, tem que haver uma certa tranquilidade na mente; e se vê ou não o que é a verdade, depende da qualidade da mente.

Krishnamurti

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