terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

SOBRE A EDUCAÇÃO

PERGUNTA: Atualmente, em nosso pais, está o governo procurando modificar o sistema educativo. Podemos conhecer as vossas idéias sobre a educação, e como pode ser ministrada?

KRISHNAMURTI: Este assunto é de enorme magnitude, e querer tratá-lo em poucos minutos e de todo absurdo, dada a vastidão do seu conteúdo; entretanto, expô-lo-emos o mais clara e simplesmente possível, porque há sempre um grande deleite em ver-se uma coisa claramente, sem se estar influenciado pelas opiniões, idéias e ensinamentos de outras pessoas, sejam elas o governo, os especialistas, ou os luminares da pedagogia. Que tem acontecido pelo mundo, após tantos séculos de educação? Tivemos duas guerras catastróficas, que por pouco não destruíram o homem, isto é, o homem como agente de cultura.

Vimos que a educação falhou, resultando na mais horrível destruição que o mundo já conheceu. Que sucedeu depois? Reconhecendo a falência da educação, os governos começaram a interferir, com o fim de controlar a educação. Não é verdade isso? Querem os governos dirigir a vossa educação, controlar-vos o pensamento, ensinar-vos o que pensar, e não a pensar. Assim, pois, sempre que o governo intervém, surge o disciplinamento, a sistematização, como temos visto ocorrer no mundo inteiro. Não importa aos governos a felicidade das massas, o que lhes interessa é a produção de uma máquina eficiente; e, como estamos numa era técnica, o que eles querem são técnicos, para montarem a maravilhosa máquina moderna, chamada sociedade. Esses técnicos funcionarão com toda a eficiência, e, portanto, automaticamente. É isso um acontecimento mundial, sejam os governos da direita ou da esquerda. Não querem os governos que penseis, mas, se pensais, tendes então de pensar segundo urna determinada orientação ou em conformidade com os mandamentos das organizações religiosas. Acabamos de passar por esse processo — o controle pela religião organizada, pelos sacerdotes e pelo Governo. Dele resultou desastre e a exploração do homem.

Se o homem é explorado em nome de Deus, ou em nome do Governo, vem a dar no mesmo. Mas como o homem é humano, chega o dia em que ele deita abaixo o sistema. Este é, pois, um dos problemas; enquanto a educação for a serva do governo, não há esperanças. Tal é a tendência que por toda a parte encontramos, na época atual, ou inspirada pela direita, ou pela esquerda por quanto se se deixar o indivíduo pensar por si mesmo, poderá rebelar-se, e por essa razão é necessário eliminá-lo. Há vários métodos de eliminação, que escusa examinar.

Senhores, ao considerarmos o problema da educação, precisamos saber qual é a finalidade da educação, a finalidade da vida. Se nos falta clareza a esse respeito, para que então somos educados? Que é que tem real importância? Para que vivemos? Por que lutamos? Se não vos está claro isso, não tem a educação significado algum, não achais? Uma época será técnica, outra religiosa, a seguinte outra coisa qualquer, e assim por diante. Estamos falando a respeito de um sistema e não é, pois, interessante verificarmos para que ele serve? Estais sendo educados unicamente para terdes um emprego? Nesse caso, estais fazendo da vida um meio para terdes um emprego, e de vós mesmos um homem adaptável a uma rotina. É essa a finalidade da educação? Precisamos considerar o problema sob esse aspecto, em vez de limitar-nos a repetir chavões. Para uma vida que não esteja liberta de todos os sistemas, quer modernos, quer antigos, que não esteja liberta, mesmo das idéias mais avançadas e progressistas, não terá a educação significado algum. Se ignorais para que viveis, se desconheceis a finalidade da educação, porque então tanta balbúrdia em torno da educação? Nas condições atuais, estais sendo levados á boca dos canhões. Estais sendo convertidos em carne para canhão. Se é isso que queremos, importa então que nos tornemos altamente eficientes na arte de matar, e é isso, exatamente, que está acontecendo, não é verdade? Existem atualmente mais exércitos, mais armamentos, aplica-se mais dinheiro para fins de guerra bacteriológica e destruição atômica, do que nunca, em toda a história, e para que possais desempenhar-vos eficientemente de vossos misteres, é necessário que sejais técnicos de primeira ordem, e, por conseguinte, estais-vos tornando instrumentos de destruição. Tudo isso não se deve a educação? Estai-vos tornando carne para canhão, e vossas mentes estão sendo disciplinadas para esse fim. Ou, quando não é assim, vós vos tornais industriais, poderosos homens de negócios, amontoar dinheiro, avidamente, ou virgula, se tal não vos interessa, aplicai-vos ao estudo, aos livros, ou aspirais a uma vida de cientista, fechada num laboratório. E, se existe uma finalidade mais elevada para nossas vidas e nós a não descobrimos, tem então vida muito pouca significação; é como se estivéssemos a suicidar-nos, e de fato estamos-nos suicidando, com o tornar-nos maquinas, maquinas religiosas ou políticas. Assim sendo, a educação é de importância insignificante.

Qual é então a utilidade ou a finalidade de nossa vida? Não vou dizê-lo, e não conteis com isso. Estamos viajando junto. Devemos voltar as costas a todas as divisões e distinções, isto é, devemos encontrar o que é real, o que é Deus, o que é eternidade e o que é felicidade; porque ao homem que já é feliz nada o preocupa. Um homem apaixonado, ama a todo o mundo. Não existem para ele distinções de classe. Não lhe interessa liquidar outra pessoa, porque essa pessoa tem mais do que ele. Se a felicidade é a verdadeira felicidade, não tem então significado algum o que estamos fazendo atualmente. Pra achar a realidade, é necessário que haja liberdade, necessário que estejamos livres do pensamento condicionado, pois só assim poderemos descobrir se alguma coisa existe para além dos valores sensoriais. Não é da absurda liberdade política, que necessitamos; é da libertação de todo condicionamento, de todas as exigências psicológicas que nos condicionam o pensar. Virá a liberdade pela educação, por qualquer sistema de governo, quer esquerda, quer da direita? Podem os pais, ou, o ambiente, dar a liberdade? Se assim é, adquire o ambiente importância extraordinária, porquanto os pais precisam ser educados nas mesmas condições que o educador. Se o educador está confuso, condicionado, estreitado, limitado, tolhido por idéias supersticiosas antigas ou modernas, o educando sofrerá.

O educador é, portanto, muito mais importante; isto é, a educação do educador é mais importante do que a educação da criança. Significa isso que são os pais e os mestres que primeiro precisam ser educados. Mas querem eles ser educados, ser radicalmente transformados? Absolutamente, e pela razão muito simples de que desejam a permanência. O que querem é o “status quo”, que as coisas fiquem como estão, com guerras, e concorrência, e um mundo político em que ninguém se entende, em que todos vivem a empurrar-se e destruir-se mutuamente.

Vós me perguntais o que eu faria relativamente à educação. É matéria muito vasta. Se desejais que as coisas continuem como estão, deveis aceitar o sistema atual, que ao nos traz guerras e confusão constante e nunca um momento de tranqüilidade. E é muito mais difícil educar o educador do que a criança, porque o educador já se tornou estúpido. Não me parece que compreendeis o que está sucedendo no mundo e como tudo se apresenta catastrófico. O educador está se tornando insensato, e não sabe o que fazer. Está confuso. Passa de um sistema para outro, de um mestre para outro, dos mais modernos aos mais antigos, sem nunca encontrar o que procura, pela razão muito simples de que não descobriu que a fonte da confusão está em si próprio Como pode um homem em tais condições despertar a inteligência em outro homem? Este é, pois, um dos problemas.

Quê é a criança? É um produto de vós mesmos, não é verdade? Por isso mesmo, já está condicionada, não achais? Ela é o resultado do passado e do presente. A idéia de que, se lhe déssemos liberdade, a criança se desenvolveria naturalmente, parece falaz, porquanto, em verdade a criança é o próprio pai, e o pai a criança, com certas modificações de tendências. Para dardes liberdade a uma criança, precisais primeiramente compreender a vós mesmos, que lhe dais a liberdade e que a educais. Se tenho a missão de educar uma criança, mas não compreendo a mim mesmo e começo, assim, com a minha “reação condicionada”, de que maneira posso dar-lhe instrução? De que maneira posso despertar-lhe a inteligência? Esta é unta parte do problema. Há, ainda a alimentação, os desvelos e o amor. Em geral, não temos verdadeiro amor aos nossos filhos, embora gostemos de falar desse amor. Senhores, a educação e coisa importantíssima, e sem o amor não vejo como possa haver educação. Quando amais uma pessoa, vós a compreendeis porque é esse vosso sincero empenho. Amamos nossos filhos? Amamos nossas esposas, ou maridos? Amamos o nosso próximo? Não; porque, se os amássemos, este mundo seria diferente. Não há verdadeira educação, quando ela é ministrada de acordo com um sistema. Quando amamos tem de haver comunhão instantânea, no mesmo nível e ao mesmo tempo, mas, como estamos estéreis e vazios, os governos e os sistemas assumiram a nossa missão. O educador torna-se importante, torna-se significativo o ambiente, porque nós não sabemos amar.

Não duvido de que achareis que eu nada disse positivo a respeito da educação. Mas, não é o pensamento negativo a mais elevada forma de pensar? Não é certo que a sabedoria vem através negação? Não ponhais o que digo em vossas garrafas velhas, privando-vos assim do seu perfume. Senhores, estai certos da que para se transformar o mundo é necessária a regeneração dentro em nós mesmos. Sabemos que há planos para educação dos nossos filhos, mas, naturalmente, os planos não têm amor. É por isso que se produzem máquinas. Temos intelecto, mas que é feito dele? Estamos virando carne para canhão. Não somos criadores. Não somos pensadores. Não sabemos amar, e estamos apenas a mourejar, com as nossas mentes rotineiras, e, por isso, nos tornamos ineficientes; assim, o governo que quer eficiência para a destruição, vai tornar-nos eficientes. Mas há uma eficiência inspirada pelo amor, que está muito acima da eficiência da máquina.

Krishnamurti – Do livro: Uma nova maneira de viver -16 de novembro/1947


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