domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sobre a arte de saber ouvir

Nós não ouvimos. Há muitos ruídos em nossa volta; dentro de nós, há muita conversa, muitos questionamentos, muitas demandas, muitas urgências e compulsões. Temos tantas coisas e nunca ouvimos totalmente, completamente a nenhuma delas até o fim. E se você gentilmente ouvir, verá que apesar se si mesmo, a mutação, esse vazio, essa transformação, a percepção do que é verdade, surge. Você não precisa fazer nada, porque o que fizer vai interferir, pois você é ganancioso, invejoso, está cheio de ódio, ambição, e todos os prejuízos que o pensamento pode fazer.

Assim, se você puder ouvir feliz, sem esforço, então talvez no silêncio calmo e profundo saberá o que é verdade. E só essa verdade liberta, e nada mais. É por isso que você tem que ficar completamente sozinho. Não pode escutar pelo outro; não pode ver com os olhos do outro; não pode pensar com os pensamentos do outro. Mas contudo você ouve pelos outros, vê através de atividades, de santos, do que outros ditam. Assim, se você puder afastar todas essas coisas secundárias, as atividades dos outros, e ser simples, calmo, e ouvir, então você descobrirá.

Jiddu Krishnamurti

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Meditações sobre a Verdade

Tendes que ser "impiedosos" com vós mesmos e viver no "verdadeiro estado de investigação". A menos que vos investigueis profundamente, em vosso interior, não tendes a possibilidade de descobrir o que é verdadeiro. Ninguém vos pode levar a esse descobrimento - ninguém! - e, por conseqüência, nenhum sistema. A verdade não é uma coisa estática, que fica à vossa espera, enquanto seguis um sistema uniforme, enquanto praticais dia a dia um certo método, enquanto aprimorais a vossa mente e o vosso coração para alcançar aquele estado a que chamais "a verdade". A Verdade não espera por vós!

Não procureis um caminho, um método. Não há métodos nem caminho para a verdade. Não procureis um caminho, mas tornai-vos apercebidos do obstáculo. O apercebimento não é apenas intelectual; é simultâneamente mental e emocional; é a plenitude da ação. Então, nessa chama de apercebimento, todos esses obstáculos se desmoronam porque os penetrastes. Então podereis perceber diretamente, sem escolha, aquilo que é verdadeiro. A vossa ação será assim oriunda da plenitude e não da insuficiência da segurança; e nessa plenitude, nessa harmonia da mente e do coração, está a realização do eterno.

Só os indivíduos amadurecidos encontrarão a Verdade. Aquele que alcançou a madureza não segue caminho algum, seja o caminho dos Adeptos, seja o caminho do saber, da ciência, do devotamento ou da ação. O homem que foi posto num determinado caminho, não está amadurecido e não encontrará, jamais, o Eterno, o atemporal... Aqueles de nós que estão seguindo determinados caminhos, tem interesses adquiridos, interesses mentais, emocionais e físicos, e esta é a razão porque achamos tão difícil o amadurecer; como nos será possível abandonar aquilo que estamos apegados há cinqüenta ou sessenta anos?... Mas, vós vos entregastes a uma organização, da qual sois presidente, secretário ou simples membro... O homem que se entregou a um determinado caminho ou norma de ação, está preso a sistemas, e não encontrará a Verdade. Através da parte nunca se encontra o todo. Através de uma estreita fenda da janela, não podemos ver o céu, o céu maravilhoso e brilhante, e só pode ver com clareza o céu o homem que está de fora, longe de todos os caminhos, de todas as tradições, e nesse homem há esperanças...

A todo aquele que deseja descobrir a verdade, o real, o eterno, cumpre que abandone todos os livros, sistemas, "gurus", pois aquilo que deseja achar só se achará quando compreender a si próprio. É a Verdade que liberta; não o meio, ou o sistema. Só a Verdade pode libertar-nos. A compreensão apenas pode vir quando não estamos seguindo alguém, quando não existe a autoridade de espécie alguma - seja a autoridade da tradição, seja a autoridade dos livros, do guru, da nossa própria experiência. Nossa experiência é resultado de nosso condicionamento, e tal experiência não pode ajudar-nos a descobrir o que é a Verdade.

Visto que a nossa mente está, em geral, narcotizada pelas idéias de outras pessoas e pelos livros, e visto que está constantemente a repetir o que outro disse, tornamo-nos repetidores e não pensadores. Se citais o Bhagavad-Gita, ou a Bíblia, ou os livros sagrados chineses, por certo não fazeis mais do que repetir. Não achais? E o que repetis não é a Verdade. É uma mentira, pois a Verdade não pode ser repetida. Uma mentira pode ser ampliada, encarecida e repetida, mas a Verdade não pode; e enquanto repetis a Verdade, deixa ela de ser a Verdade, e por isso são destituídos de importância os livros sagrados, uma vez que através do autoconhecimento, através de vós mesmos, podeis descobrir o eterno.

Para mim, a verdade, essa integridade de que falo, acha-se em todas as coisas. Portanto, a idéia de que necessitais progredir em direção a realidade, é uma idéia falsa. Não se pôde progredir na direção de uma coisa que sempre está presente. Não se trata de avançar para o exterior ou de voltar-se para o interior, mas sim de se libertar dessa consciência que se percebe a si mesma como separada. Quando houverdes realizado tal integridade, vereis que tal realidade não têm ela futuro nem passado; e todos os problemas relacionados com tais coisas desaparecem inteiramente. Uma vez que o homem realize isso, vem-lhe a tranqüilidade, não a da estagnação, porém a da criação, a do ser eterno. Para mim a realização desta verdade é a finalidade do homem.

Algumas pessoas vão à Índia, mas não sei por que fazem isso: a verdade não está lá; o que está lá é a fantasia, e a verdade não é uma fantasia. A verdade está onde você está. Não em algum país estrangeiro, mas onde você está. A verdade é o que você está fazendo, como está se comportando. Está aí, não nas cabeças raspadas e naquelas bobagens que os homens têm feito.

Os que desejam deveras descobrir a Verdade relativa aos seus problemas, devem, naturalmente, por à margem tudo quanto é autoridade. Isto é dificílimo, porque quase todos nós estamos cheios de temor. Precisamos de alguém para nos escorar, para nos dar coragem; precisamos do "irmão mais forte" - aquele que mora na Rússia, ou na Inglaterra, ou na América, ou do outro lado do Himalaya, ou "ali na esquina". Todos precisamos de alguém para ajudar-nos. Enquanto estivermos encostados em alguém, nunca chegaremos a compreender o "processo" do nosso pensar; negaremos, assim, a nós mesmos, o descobrimento da Verdade.

Ansiamos a segurança e esse anseio é um obstáculo à nossa libertação pelo conhecimento da Verdade. Cada um de nós deseja submeter-se a algum padrão; porque a submissão é mais fácil do que a vigilância. A submissão a padrões representa a base de nossa existência social, pois temos medo de estar sós. O temor e a renúncia a pensar acarretam a aceitação e a submissão, a aceitação de autoridade. Tal como acontece com o indivíduo assim também acontece com o grupo, com a nação.

Só pode manifestar-se a Realidade quando a mente percebe o seu próprio processo, percebe o quanto está condicionada, e quanto está livre do seu próprio processo de reconhecimento. Só então há possibilidade de a mente ficar tão tranquila que seja capaz de receber aquilo que é a Verdade. A Verdade é atemporal. Não depende do tempo. Por conseqüência, não pode ser aprendida e guardada para uso, ou lembrada e seu nome repetido. Por conseguinte, a Verdade é criadora. É ela sempre nova, e a mente nunca pode compreemdê-la.

A verdade não está longe de nós. Ela se acha à nossa frente,e só temos de saber olhá-la. A mente cheia de preconceitos, conclusões, crenças, não tem nenhuma possibilidade de vê-la; e um dos nossos piores preconceitos é o processo analítico. Percebendo isso, o abandonareis. E, uma vez abandonado, ele não tornará a enredar-vos; nunca mais pensareis com propósitos de ascenção, de repressão, de resistência, porque tudo isso está implicado na análise.

Para descobrir o que é verdadeiro, ou qual a finalidade da vida, ou para achar a verdade relativa a reincarnação ou qualquer problema humano, aquele que investiga, que busca a verdade, que deseja conhecer a verdade, precisa estar absolutamente certo de suas intenções. Se estas consistem em procurar segurança, o conforto, então, é bem evidente que ele não deseja a verdade; porque a verdade pode ser uma das coisas mais devastadoras e desconfortáveis. O homem que busca o conforto, não deseja a verdade: deseja apenas segurança, proteção, um refúgio onde não seja perturbado. Já o homem que busca a verdade, tem de abrir a porta às perturbações; porque só nos momentos de crise há o estado de alerta, há vigilância, ação. Só então aquilo que é pode ser descoberto e compreendido.

A Verdade não pode ser ensinada; tendes de descobri-la por vós mesmos; mas não tereis possibilidade de descobri-la se começardes com o pressuposto de que a Verdade existe ou não existe, de que Deus existe ou não existe. Só poderemos descobrir se existe ou não a Verdade, se começarmos a aprender, se passarmos a investigar, a indagar; e não há investigação quando se começa com uma conclusão, um pressuposto.

Se observades vossa própria mente, vereis quanto é difícil estar-se livre de conclusões. Afinal, o que sabeis é uma série de conclusões, constituída daquilo que vos foi ensinado, do que aprendestes dos livros ou do que achastes em vossas próprias reações - e sobre tal base começais a pensar, a levantar o edifício do pensamento! Mas, sem dúvida, a mente que deseja descobrir o que é Verdade ou Deus, deve começar sem nenhum pressuposto, nenhuma conclusão, quer dizer, livre para investigar. E se observades vossa própria mente, vereis que não é livre. Está cheia de conclusões, pejada de conhecimentos, provindo de muitos milhares de dias passados; ela pensa segundo o Gita, segundo a Bíblia ou o Alcorão, ou um certo instrutor, e começa com o pressuposto de que o que dizem é a Verdade. Mas, se ela já sabe o que é a Verdade, é claro que não tem necessidade de procurar a Verdade.

Uma mente torturada, frustrada, moldada pelo que a rodeia, que se conforma à moral social estabelecida é, em si própria, confusa; e uma mente confusa não pode descobrir o que é a Verdade. Para a mente descobrir esse estranho mistério -- se tal coisa existe - - ela precisa de construir as bases de uma conduta moral, o que não tem nada a ver com a moralidade social, uma conduta sem medos e, portanto, livre. Só então -- depois de lançada esta base profunda -- a mente poderá prosseguir no sentido de descobrir o que é meditação, essa qualidade de silêncio, de observação, no qual o "observador" não existe. Se esta base de conduta correcta não está presente na existência de cada um, na sua acção, então a meditação tem muito pouco significado.

Aqueles que desejam entender, que estão procurando descobrir o que é eterno, sem começo e sem fim, caminharão juntos com maior intensidade, e constituirão um perigo para tudo o que não é essencial, para as ilusões, para as sombras. E eles se congregarão, tornar-se-ão a chama, pois compreendem. Este é o conjunto de pessoas que devemos criar, e este é o meu propósito. Por causa dessa verdadeira amizade... haverá uma cooperação de verdade da parte de cada um. E não haverá autoridade.

Autor: Krishnamurti

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

É Amor o chamado "amor à família"?

Você não pode aprender o amor com o pensamento, nem pode cultivar o amor com o pensamento. Só pode compreender o amor e saber o que significa amar, quando morre para o ciúme, para a estreita esfera da família, quando o pensamento não dita as ações da vida. Quando você ama, pode fazer tudo o que deseja fazer, porque a vida é sem conflito. A mente que é ambiciosa, ávida, invejosa, desejosa de autoridade – essa mente não tem amor, embora fale muito de amor, como os políticos, os gurus, que estão sempre a falar em amor, com o coração vazio, e cheios de conflitos e de ardentes desejos; nunca há um momento em que, dentro deles próprios, tudo esteja morto, e sua mente esteja inteiramente vazia. Só quando a mente está completamente vazia, é possível compreender essa coisa extraordinária chamada “amor”. Quando você diz “amo meu marido, meu filho”, não ama; porque, se o marido ou a mulher lhe vira as costas, sente ciúme, sente cólera, amargor. É isso o que você chama “amor”. O amor não têm apego. E, portanto, amor não significa “amor à família”.

Krishnamurti - Uma Nova Maneira de Agir - Cultrix

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sobre a mente

A mente é um empecilho para a descoberta da verdade. Mas ela é um fenomenal instrumento de criação depois que ela já foi colocada devidamente em seu lugar, depois que ela já foi transcendida e, portanto, é usada apenas como um instrumento com sua função própria, que é de criar, refletir, representar e relacionar no seu nível e em níveis inferiores a Verdade, o Desconhecido que a transcende e que é eternamente novo; enquanto isto não acontece, o que ela faz é viajar, macaquear, imitar, submeter ou ser submetida por outras mentes mais ou menos poderosas, mas igualmente medíocres e limitadas como ela.

Krishnamurti

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mediocridade

Todos os sistemas e métodos geram tradições, produtivas de mediocridade mental; e uma mente medíocre, em face de um problema importante, inevitavelmente o traduzirá em conformidade com seu condicionamento...se estamos realmente atentos, percebemos que no próprio praticar de um sistema a mente se deixa por ele prender e, por conseguinte, não pode libertar-se, expurgar-se, purificar-se. Dependente do sistema, a mente traduz o desafio ou a ele corresponde em conformidade com esse condicionamento...É óbvio, portanto, que os sistemas não libertam a mente, e, penso que esse fato deve ser compreendido perfeitamente.

Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O medo psicológico


Enquanto existir a divisão entre o pensador e o pensamento, haverá conflito. Enquanto existir tal divisão haverá necessariamente medo. O pensador procura então controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo , livrar-se dele. Por conseguinte, está sempre a considerá-lo como coisa separada dele próprio e, por esta razão, nunca se liberta do medo. Temos aqui, outrossim, uma das causas principais: da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre observador e a coisa observada, há contradição, separação: o medo lá ele cá. E observando o medo, o observador deseja livrar-se dele; por conseguinte, tenta todos os métodos de libertar-se do medo.

Se não há pensador, porém apenas o estado de medo – o estado de medo, e não a entidade que sente medo – é possível então compreender o medo, examiná-lo. É o que agora farei rapidamente.
Que realmente é o medo – o medo psicológico? É um estado em que, psicologicamente, se está consciente de um perigo: o perigo de perder a esposa, de perder um emprego, etc. Psicologicamente, que é esse medo? É o tempo, sem dúvida. Se não houvesse o tempo, não haveria medo. Por isso que posso pensar numa certa coisa – pensar no perigo, pensar em perder o emprego, pensar na morte, pensar no intervalo entre a realidade atual e o que poderá acontecer – esse lapso de tempo constitui a causa do medo. Se não houvesse tempo,  se não houvesse amanhã, correspondente ao pensamento “Que irá acontecer amanhã?”, se a mente se ocupasse tão somente com o real estado de medo, que aconteceria então? Há o tempo cronológico, marcado pelo relógio. Mas, se não há tempo psicológico – não só o tempo referente ao dia de ontem – isto é, se o pensamento não se ocupa com o que irá acontecer amanhã ou não volta ao que já aconteceu, para relacioná-lo com o presente – vemo-nos então, não em presença do medo, porém apenas em presença de um estado.

Se vos tendes observado, sabei o que realmente ocorre quando sentis medo, quando existe perigo psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo que se descubra o que eu sou. Se isso se descobrisse, eu poderia perder minha reputação, minha posição, etc. Assim sendo, cubro-me com uma máscara. E atrás dessa máscara há sempre ansiedade, sentimento de culpa, o sentimento da necessidade de estar sempre atento, para nunca tirar a máscara e deixar ver o que atrás dela se esconde. Esse é o meu estado, que me inspira medo. Pois bem. Que está ocorrendo? Não estais suficientemente interessado em minha pessoa para arrancar-me a máscara e olhar. Porque tendes também vossas próprias máscaras – muitas delas  - isso não vos interessa. Mas, eu estou pensando que podeis olhar. Esse “podeis” refere-se ao futuro; e o passado representa algo que pratiquei e que podeis descobrir. Estou todo enredado no tempo; e nesse tempo – que pode ser uma fração de segundo, ou um dia, ou dez anos -  nesse tempo está o pensamento enredado. O pensamento o criou -  o pensamento de poderdes olhar o que se oculta atrás de  minha máscara. É,  pois, o pensamento que cria o medo, e o medo existe por causa do tempo. Não há fugir, não há dizer: “Não terei medo do tempo”. Tendes de compreender esse sutilíssimo processo.
Outrossim se investigardes suficientemente esta questão, descobrireis também que, realmente, verdadeiramente, nunca experimentais esse estado de medo. Não é o mesmo estado de quem se vê, fisicamente, na borda de um precipício ou frente a frente com um réptil venenoso. O sentimento de medo é então imediato, e requer uma reação imediata. Mas a maioria de nós provavelmente nunca olhou face a  face o estado de medo, porque só  o atingimos através de palavras, e são estas que geram o medo. Tomemos por exemplo, a palavra “morte”. Não vou falar a respeito de morte; deste assunto trataremos noutra reunião. Estou me referindo a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo”, etc. A palavra representa um papel de extraordinária importância em nossa vida. A palavra “morte” evoca toda sorte de imagens e temores: a palavra ou o símbolo, ou coisa que vistes na rua – o transporte de um defunto, que é um símbolo. A palavra, como vemos, gera o medo.

Tratai,  pois, de compreender o que está implicado nesse extraordinário processo do medo: palavra, tempo, ideal, disciplina, ajustamento, e essa separação entre experimentador e coisa experimentada. Vereis que tudo isso está implicado, quando começardes a investigar o medo; e tendes de compreendê-lo totalmente, e não por fragmentos. E, se chegastes até aí, tendes de descer muito mais fundo ainda, pois precisais investigar de modo completo a questão do consciente e do inconsciente.

A maioria de nós vive na superfície. Todas as nossa atividades, toda a nossa rotina, todas a nossas sensações se acham na superfície. Nunca penetramos, nunca sondamos as profundezas de nossa consciência, a fim de compreendê-las. E, para compreender, deve a mente superficial, que está sempre ativa, quietar-se completamente.

A mente precisa libertar-se totalmente do medo, porque, se há qualquer sombra de medo, em qualquer nível inexplorado, oculto, da consciência, esse medo projetará uma ilusão obscurante. A mente que deveras deseja compreender o que é verdadeiro, real -  o extraordinário estado da mente que compreende essa coisa chamada Verdade – não deve ter, psicologicamente, medo de espécie alguma. Há o medo instintivo, que é perfeitamente natural. Esse medo é necessário; se não existe, o indivíduo é neurótico. Trata-se da reação normal de uma mente sã. Mas estamos falando sobre o medo psicológico, que é um estado neurótico. A mente que deseje deveras compreender, que deseje empreender uma viagem de exploração e profunda compreensão dessa coisa extraordinária que se chama Realidade – onde não há medida, tempo, ilusão, imaginação – deve estar completamente livre do medo. Essa mente, por conseguinte, nunca estará vivendo no passado e nem no futuro. Mas não vos apresseis a interpretá-la como uma coisa que está vivendo no presente, na maneira como o entendem certos filósofos de grande fama, filósofos desiludidos, que preconizam viver completamente no presente, aceitar tudo – o bom, o mau, o indiferente – no presente, nele viver e dele tirar o melhor proveito possível. Não é necessário citar o nome dessa filosofia a que estou aludindo. Já disse o suficiente a seu respeito; sabemos o que ela é.

Assim, pois, a mente que está bem consciente de tudo o que se relaciona com o medo, não se interessa pelo passado; mas, quando o passado se  apresenta, sabe o que tem de fazer, sem dele se servir como um degrau para o futuro. Essa mente,  por conseguinte está vivendo no presente ativo e, portanto, compreende cada movimento de pensamento, de sentimento, de medo, logo que se manifesta. Muito há que aprender. Não há fim ao aprender. Por conseguinte, não há nele medo, desespero, ansiedade. Deveis entranhar-vos disso completamente, para que nunca vos vejais envolvido nas coisas que foram feitas no passado ou que serão feitas no futuro, envolvido no tempo como pensamento. Só a mente que se esgotou de todo esse medo, pode estar vazia. Nesse estado de vazio, pode-se compreender o que é supremo, o que não tem  nome.

Krishnamurti - Madrasta 1964

A forma suprema de segurança absoluta

O homem cego ao perigo é um tolo; há algo de errado com ele. Nós, entretanto, não vemos o perigo dessas ilusões nas quais buscamos segurança. O homem que age pela inteligência percebe o perigo. Nessa inteligência há segurança absoluta. O pensamento criou várias formas de ilusão - nacionalidades, classes, diferentes deuses, crenças, dogmas, rituais diferentes e as extraordinárias superstições religiosas que permeiam o mundo - e nelas ele tem procurado segurança. Não vemos o perigo dessa segurança, dessa ilusão. Quando percebemos esse perigo - não como uma idéia, mas como um fato real - esse ver é inteligência, a forma suprema de segurança absoluta. Portanto, existe uma segurança absoluta: é a de ver o verdadeiro no falso.

Krishnamurti - Perguntas e Respostas - Cultrix

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sobre a educação

É nosso dever criarmos uma escola onde o estudante não seja constrangido, fechado, esmagado pelas nossas idéias, pela nossa estupidez, pelos nossos temores; para que se desenvolva e se torne capaz de compreender os seus problemas e de enfrentar a vida inteligentemente. Vocês sabem o que isso reclama: não só um estudante inteligente, um estudante cheio de vitalidade, mas também um verdadeiro educador. Mas não há verdadeiros educadores, nem verdadeiros estudantes; eles estão ainda por nascer; e temos de esforçar-nos, de investigar, de trabalhar com energia, até que essa coisa se torne realidade. Vocês sabem que para se cultivar uma bela rosa, necessita-se muito desvelo. Para escrevermos um poema, precisamos ter o sentimento, ter as palavras próprias para exprimí-lo. Tudo isso requer desvelo, vigilância. Por conseguinte, vocês não acham muito importante, que esta nossa escola seja um estabelecimento de tal ordem? Se não o for, não será por culpa de ninguém mais, senão de vocês mesmos e dos seus mestres. Não digam: "os mestres não cuidam disso". A culpa será deles, se se não criar um tal estabelecimento. Ninguém mais irá criá-lo. Outros não o criarão; nós - vocês e eu e os mestres - iremos criá-lo. Esta é a verdadeira revolução: termos em nós o sentimento de que esta é a escola que vocês, e eu, e os mestres - todos juntos - estamos edificando.

Krishnamurti - Debates sobre educação

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mais além da crença

Nos damos conta de que a vida é desagradável, dolorosa, triste; desejamos algum tipo de teoria, algum tipo de especulação ou satisfação, algum tipo de doutrina que explique tudo isto, e assim caímos enredados em explicações, palavras, teorias, e gradualmente as crenças criam raízes muito profundas e se tornam imóveis, porque por detrás dessas crenças, mais forte os dogmas. E quando examinamos estas crenças: a cristã, a hindu, a budista, etc., encontramos que dividem as pessoas. Cada dogma,   cada crença tem uma série de rituais, de compulsões que atam e separam os seres humanos. De modo que começamos uma indagação para averiguar o que é o verdadeiro, qual é o significado desta miséria, desta luta, desta dor; e prontamente caímos presos em crenças, rituais, teorias. A crença é corrupção, porque por detrás da crença e a moralidade se esconde a mente, o "eu" que se torna cada vez maior, poderoso e forte.

Consideremos a crença em Deus, a crença em algo, é religião. Pensamos que crer é ser religioso. Compreende? Se não acreditamos, nos considerarão ateus, seremos condenados pela sociedade. Uma sociedade condenará os que acreditam em Deus, e outra sociedade condenará aos que não acreditam. Ambas são a mesma coisa. Assim, pois, a religião se torna uma questão de crença; e a crença atua e exerce sua influência sobre a mente. Desse modo, a mente jamais pode ser livre. Porém, só em liberdade podemos descobrir o que é o verdadeiro, o que é Deus; não podemos fazê-lo mediante nenhuma crença, porque nossa própria crença projeta o que pensamos que deve ser Deus, o que pensamos que deve ser a verdade.

Krishnamurti - O Livro da Vida

Sobre Religião

Religiões por todo o mundo, através de seus sistemas e das armadilhas de sua exploração organizada, procuram ensinar o homem a amar, a pensar, a viver sã e inteligentemente; mas como pode um sistema criar amor ou ensiná-los a pensar sem egoísmo? Como não desejais fazer isto, como não quereis viver completa, integralmente, com a mente e o coração vulneráveis, criastes um sistema que se tornou vosso mestre, um sistema que é contrário e destruidor do pensamento e do amor. Portanto, é completamente inútil multiplicar os sistemas. Se a mente se libertar da ilusão de suas exigências e desejos de auto-proteção, então haverá amor, inteligência; então não mais existirá esta divisão gerada por religiões e crenças; o homem não mais se levantará contra o homem.

Krishnamurti - Palestras no Brasil

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Por que acreditamos?

A crença não nos brinda com o entusiasmo? Pode sustentar-se o entusiasmo sem nenhuma crença? E, se é necessário o entusiasmo, o que se requer é um tipo diferente de energia, de vitalidade, um impulso diferente? A maioria de nós sente entusiasmo por uma ou outra coisa. Somos muito veementes, muito entusiastas com relação a concertos, a exercícios físicos, ou quando vamos a um "piquenique". A menos que seja alimentado a todo tempo por uma coisa ou outra, o entusiasmo se desvanece e temos um entusiasmo novo por outra coisa. Existe uma força, uma energia que se sustenta a si mesma, que não dependa de nenhuma crença?

A outra pergunta é: Necessitamos, por acaso, uma crença, de qualquer tipo que seja? Se assim for, por que é necessária? Esse é um dos problemas envolvidos. Não necessitamos "acreditar" que existe o por do sol, que existem as montanhas, os rios. Não necessitamos "acreditar" que discutimos com nossas esposas. Não necessitamos "acreditar" que a vida é uma terrível luta com sua angústia, seu conflito e sua constante ambição; isso é um fato. Porém, necessitamos uma crença quando queremos escapar de um fato frente a uma realidade.

Krishnamurti - O Livro da Vida

A mente agitada pela crença

A religião de vocês, sua crença em Deus, é um modo de escapar da realidade; portanto, absolutamente não é religião. O homem rico que acumula dinheiro a base da crueldade, da falsidade, de astuta exploração, acredita em Deus; e vocês também acreditam em Deus, também são astutos, invejosos, cruéis, desconfiados. É possível encontrar a Deus por meio da falsidade, do enganar e das artimanhas da mente? O fato de você colecionar todos os livros sagrados e os diversos símbolos de Deus, indica que você é uma pessoa religiosa? De modo que a religião não é uma fuga a respeito dos fatos; a religião é compreender o fato do que somos em nossa existência cotidiana: a maneira como falamos, o tipo de conversas que sustentamos, o modo como nos dirigimos aos nossos empregados, como tratamos nossa esposa, a nossos filhos e vizinhos. No entanto, como não compreendemos a relação com nosso próximo, com a sociedade, com a nossa esposa e nossos filhos, tem que haver confusão; a mente confusa, faça o que fizer, só criará mais confusão, mais problemas e conflitos. Uma mente que foge do factual, dos fatos da relação, jamais encontrará Deus; uma mente agitada pela crença não conhecerá a verdade. Porém, a mente que compreende sua relação com a propriedade, com as pessoas, com as ideas, que já não luta mais com os problemas gerados pela relação,  uma mente para a qual a solução não é a fuga, senão a compreensão do amor, só uma mente assim pode compreender a realidade.

Krishnamurti - O Livro da Vida 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Compreender «o que é»

Certamente, um homem que compreende a vida, não necessita de crenças. Um homem que ama não tem crenças; ama. O que tem crenças é o homem consumido pelo intelecto, porque o intelecto está sempre buscando segurança, proteção, sempre está evitando o perigo e, por isso, engendram ideias, crenças, ideais, atrás dos quais possa s proteger. O que acontecerá se você abandonar a violência diretamente agora? Seriam um perigo para a sociedade; e devido a mente antecipar o perigo, diz: "Alcançarei o ideal de não violência dentro de dez anos", o qual é um processo fictício, falso...Compreender o que é, é muito mais importante do que criar e seguir ideais, dado que os ideais são falsos e o que é, é o real. Para compreender o que é se requer uma enorme capacidade, uma mente rápida e livre de preconceitos. Devido ao fato de que não queremos afrontar e compreender o que é, inventamos as numerosas vias de fugas e lhe damos formosos nomes, tais como ideal, crença, Deus. Certamente, só quando vejo o falso como falso, minha mente é capaz de perceber o verdadeiro. Uma mente confundida pelo falso jamais pode encontrar a verdade. Portanto, devo compreender o que é falso em minhas relações, em minhas ideias, nas coisas que estão ao meu redor, porque perceber a verdade exige que se compreenda o falso. Sem eliminar as causas da ignorância, não pode haver iluminaçãobuscar a iluminação quando a mente se debate com a ignorância é absolutamente vão e sem sentido. Por conseguinte, devo começar a ver o falso em minhas relações com as ideias, com as pessoas, com as coisas. Quando a mente vê o que é falso, se manifesta o verdadeiro; então, há êxtase, há felicidade. 

Krishnamurti - O Livro da Vida

Compreender «o que é»

Certamente, um homem que compreende a vida, não necessita de crenças. Um homem que ama não tem crenças; ama. O que tem crenças é o homem consumido pelo intelecto, porque o intelecto está sempre buscando segurança, proteção, sempre está evitando o perigo e, por isso, engendram ideias, crenças, ideais, atrás dos quais possa s proteger. O que acontecerá se você abandonar a violência diretamente agora? Seriam um perigo para a sociedade; e devido a mente antecipar o perigo, diz: "Alcançarei o ideal de não violência dentro de dez anos", o qual é um processo fictício, falso...Compreender o que é, é muito mais importante do que criar e seguir ideais, dado que os ideais são falsos e o que é, é o real. Para compreender o que é se requer uma enorme capacidade, uma mente rápida e livre de preconceitos. Devido ao fato de que não queremos afrontar e compreender o que é, inventamos as numerosas vias de fugas e lhe damos formosos nomes, tais como ideal, crença, Deus. Certamente, só quando vejo o falso como falso, minha mente é capaz de perceber o verdadeiro. Uma mente confundida pelo falso jamais pode encontrar a verdade. Portanto, devo compreender o que é falso em minhas relações, em minhas ideias, nas coisas que estão ao meu redor, porque perceber a verdade exige que se compreenda o falso. Sem eliminar as causas da ignorância, não pode haver iluminaçãobuscar a iluminação quando a mente se debate com a ignorância é absolutamente vão e sem sentido. Por conseguinte, devo começar a ver o falso em minhas relações com as ideias, com as pessoas, com as coisas. Quando a mente vê o que é falso, se manifesta o verdadeiro; então, há êxtase, há felicidade. 

Krishnamurti - O Livro da Vida

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Quando há amor, o "eu" está ausente


A realidade, a verdade não pode ser reconhecida. Para que a verdade se manifeste, devem desaparecer a crença, os conhecimentos, a experiência, a persecução da virtude que é muito diferente de ser virtuoso. A pessoa virtuosa, consciente de que persegue a virtude, jamais pode encontrar a realidade. Pode ser uma pessoa muito descente; essa pessoa é completamente distinta do homem que pertence a verdade, do homem que compreende. Para esse homem, a verdade se manifestou. Um homem consciente de ser virtuoso e, portanto, de ser justo, jamais pode compreender o que é a verdade, porque a virtude é para ele a cobertura do "eu", o fortalecimento do "eu", dado que está perseguindo a virtude. 

Quando diz: "Devo viver sem inveja", o estado no qual é não invejoso e que ele experimenta, fortalece o "eu". Por isso é tão importante ser pobre, não só nas coisas do mundo, senão também em crença e conhecimento. Um homem rico em riquezas mundanas, ou o homem rico em crenças e conhecimentos, jamais conhecerá nada, senão obscuridade, e será centro de todo dano e de toda controvérsia. 

Porém, se você e quem lhe fala, como indivíduos, pordemos ver todo este funcionamento do "eu", saberemos o que é amor. Lhe asseguro que essa é a única reforma que pode transformar o mundo. O amor não é o "eu"; o "eu" não pode conhecer o amor. 

Se diz "eu amo", então, no próprio dizer, no próprio experimentá-lo, está ausente  o amor. Quando amamos, o "eu" está ausente.  

Onde existe o amor, não existe o "eu".

Krishnamurti - O Livro da Vida

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Mais além de toda experimentação

Compreender o "eu" requer muitíssima inteligência, um estado de intensa vigilância, de alerta, de agudez mental, uma incessante observação para que o "eu" não possa escapulir-se. Como sou muito sério, quero dissolver o "eu". Quando digo isso, entendo que é possível dissolver o "eu". Por favor, seja paciente.

Prontamente digo: "Quero dissolver este "eu", e no processo que sigo para dissolvê-lo, intervém a experimentação do "eu"; em consequência, o "eu" se fortalece. Como é possível, então, que o "eu" não experimente? Pode-se ver que a criação não é em absoluto uma experiência do "eu". A criação tem lugar quando o "eu" está ausente, porque a criação não é um fato intelectual, não pertence a mente, não é autoprojetada; é algo que está mais além de toda experimentação tal como a conhecemos. Pode estar a mente completamente quieta, num estado de não reconhecimento, ou seja, de não experimentação, um estado em que a criação possa ter lugar? Quer dizer, quando o "eu" não está ai, quando se acha ausente. Estou me expressando com clareza ou não? O problema é este, não é verdade? Qualquer movimento da mente, positivo ou negativo, é uma experiência que de fato fortalece o "eu". Pode a mente não reconhecer? Isso pode ocorrer somente quando há completo silêncio, porém, não o silêncio que é uma experiência do "eu" e que, portanto, o fortalece.

Krishnamurti - O Livro da Vida

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A Verdadeira Revolução

Estamos todos à beira de um precipício. Toda esta civilização em que o homem tinha tanta fé, está ameaçada de destruição; as coisas que temos criado e cultivado com tanto carinho, todas estão em jogo atualmente. Para que o homem se salve do precipício, torna-se necessária uma verdadeira revolução – não uma revolução sangrenta, mas uma revolução de regeneração interior. Não é possível regeneração sem autoconhecimento. Sem vos conhecerdes a vós mesmos, nada podeis fazer. Temos que pensar em cada problema profundamente e de maneira nova; e para o fazer, precisamos libertar-nos do passado, o que significa que o “processo” de pensamento deve findar. Nosso problema consiste em compreender o presente, na sua enormidade, com suas inevitáveis catástrofes e desgraças – precisamos encarar tudo isso de maneira nova. Não pode haver nada novo se transportamos sempre conosco o passado, se analisamos o presente por meio do “processo” do pensamento. Eis porque, para se compreender um problema, necessita-se o findar do pensamento. Quando a mente está tranqüila, quieta, serena, só então está resolvido o problema. Por conseguinte, é importante a compreensão de si mesmo. Vós e eu temos que ser o sal da terra, professando um novo pensamento, uma nova felicidade.

Krishnamurti - A ARTE DA LIBERTAÇÃO

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A compreensão do desejo

Começamos, pois, a ver que a mente deve ser vigilante e sensível. Estou empregando a palavra "mente" para designar o "intercâmbio" entre cérebro e a coisa que controla o cérebro; pois a mente não consta apenas de nervos e células cerebrais, mas também daquilo que é ao mesmo tempo transcendente e constituído de células - a coisa total. A mente que a maioria de nós possui está sobrecarregada de problemas, aos quais todos os dias acrescentamos novos problemas. Dessa maneira, todo o nosso ser se torna embotado e perdemos toda a sensibilidade. E quando não somos sensíveis, fazemos esforço. Vede, por favor, o círculo vicioso em que estamos aprisionados.

Assim, pois, a compreensão do desejo é necessária. Tendes de compreender o desejo e não viver sem desejo. Se matais o desejo, ficais paralisado. Se olhais o por do sol à vossa frente, esse próprio ato de olhar constitui um deleite, se sois sensível. Isso também é desejo - o deleite. E não podeis ver o por do sol e com ele deleitar-vos, se não sois sensível. Se, vendo um homem rico passar em seu luxuoso carro, não podeis deleitar-vos com isso - não porque desejeis um carro igual, mas porque simplesmente vos deleita ver um homem conduzindo um belo carro; ou se, vendo um pobre ente humano, sujo, andrajoso, inculto, desesperado, não sois capaz de infinita piedade, afeição, amor - não sois sensível. Como podeis encontrar a realidade, se não tendes essa sensibilidade, esse sentimento?

Assim, para compreender o desejo, é preciso compreender, escutar cada murmúrio da mente e do coração, cada alteração do pensamento e do sentimento; é preciso observar o desejo, tornar-se sensível a ele, vivo para ele. Não podeis tornar-vos vivo para o desejo, se o condenais ou se o comparais. Deveis estar solicitamente atento ao desejo, porque ele vos dará uma compreensão imensa. E dessa compreensão provém a sensibilidade. Sois então sensível, não apenas fisicamente sensível à beleza, à sordidez, às estrelas, ao sorriso ou às lágrimas, mas sensível também à todos os murmúrios, todos os sussurros que vos povoam a mente - vossas secretas esperanças e temores.
E desse escutar, desse vigiar, vem a paixão, aquela paixão aliada do amor. Só esse estado estado é que pode cooperar. E só esse estado que é capaz de cooperar, sabe quando não se deve cooperar. Por conseguinte, em virtude dessa profunda compreensão e vigilância, a mente se torna eficiente, lúcida, cheia de vitalidade e de vigor; e só essa mente pode viajar para muito longe.

Krishnamurti - O Despertar da Sensibilidade

Pode a mente vulgar tornar-se sensível?


Preste atenção à pergunta, o significado que existe atrás das palavras: Pode a mente vulgar tornar-se sensível? Se digo que minha mente é vulgar, e trato de tornar-me sensível, o esforço mesmo de tornar-me sensível, é vulgaridade. Por favor, veja isto. Não se sinta perplexo, observe-o. Enquanto que, se reconheço que sou vulgar, sem tratar de mudar isso, sem procurar tornar-me sensível, se começo a compreender o que é vulgaridade, se a observo em minha vida cotidiana, se observo meu modo voraz de comer, o modo rude como trato as pessoas, o orgulho, a arrogância, a grosseria de meus hábitos e pensamentos, então, essa mesma observação transforma o que é. De igual modo, se sou estúpido e digo que devo tornar-me inteligente, o esforço de tornar-me inteligente é tão só uma forma ampliada de necessidade, uma vez que o importante é compreender a loucura. Por muito que possa tratar de tornar-me inteligente, minha loucura haverá de continuar. Posso adquirir o refinamento superficial da erudição, posso ser hábil em citar livros, repetir passagens de grandes autores, porém, basicamente, seguirei sendo um estúpido. A Em vez disso, se vejo e compreendo a loucura tal como se expressa em minha vida cotidiana no comportamento com meu funcionário, no modo como considero meu próximo, ao homem pobre, ao homem rico, ao caixa da loja — então, essa mesma percepção alerta traz consigo a dissolução da loucura.

Krishnamurti - O Livro da Vida

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Meditação: o fim do conflito.


Eu penso, que um dos nossos maiores problemas na vida, deve ser certamente, saber que nossas mentes deterioram, declinam, assim que envelhecemos ou, deterioram mesmo quando somos bem jovens, sendo especialista em determinado campo, não estando totalmente conscientes de toda a nossa complexa área da vida. Deve ser um grande problema descobrir se é realmente possível parar com essa deterioração para que a mente seja sempre fresca, jovem,  clara, decidida. E, é realmente possível terminar com este declínio? Esta noite, se me permitem, eu gostaria de entrar nisso, porque para mim, meditação é libertar a mente do conhecido.

E a questão aqui surge: é realmente possível acabar com esse processo, dessa mente, desse cérebro, assim como da mente, a entidade total, completa? E também: é possível manter a psique, o corpo, extraordinariamente vivos, alertas, com energia, etc.? Assim, isso me parece ser uma grande questão e, portanto, um grande desafio para descobrir. Agora, a investigação disto, não apenas verbalmente, mas não verbalmente, a investigação, o exame disto, é meditação. Esta palavra, a própria palavra é tão mal empregada. Existem tantos métodos de meditação, se entendemos um, entenderemos todos os sistemas e formas de meditação. Mas, a questão central, que iremos conversar juntos nesta noite é essa: se a mente pode reaver, rejuvenescer a si própria, se ele apode se tornar fresca, jovem e sem medo. O fato é que existe deterioração e se a pessoa olha para ela, e traduz essa deterioração, ou tenta transcendê-la, ou ir além dela, em termos de inclinação pessoal, temporal, etc., isso se torna um negócio muito ordinário. Mas, se você observa, como você observaria uma árvore, um por do sol, a luz na água, os contornos de uma colina azul, apenas observar isso, apenas observar o processo do que realmente está acontecendo em cada um de nós, então, nós iremos juntos. E, se você não pode fazer isso, haverá acúmulo e não seremos capazes de andar pela estrada juntos, porque estamos interessados na totalidade do processo do viver e esse processo total do viver, como se observa, está sempre criando uma imagem sobre nós mesmos e sobre os outros, imagem através da experiência, através do conflito e, estamos conscientes que existe uma imagem em cada um de nós, sobre nós mesmos? E essa imagem começa a se formar, mais e mais forte, mais e mais cristalizada então, é o fim de tudo. Assim, a pessoa está consciente disso? E se a pessoa está consciente disso, quem é a entidade que está consciente da imagem? Você entende a questão? A imagem é diferente do criador da imagem? Ou, o criar a imagem e a imagem são a mesma coisa? Porque, a menos que se entenda esse fator muito claramente, o que iremos investigar não estará claro. Eu percebo que eu tenho uma imagem sobre mim mesmo, que eu sou isso ou aquilo, que eu sou um grande homem ou um homem insignificante. Meu nome é conhecido, desconhecido, você sabe, toda a estrutura verbal e não verbal sobre si mesmo, consciente ou escondida. E, eu percebo que a imagem existe. Se realmente eu fico atento, vigilante, sei que existe essa imagem se formando o tempo todo, e o observador que está atento a essa imagem sente-se diferente da imagem, isso é o que está acontecendo. Espero que estejamos esclarecendo tudo isso! E, o observador então começa a dizer para si mesmo que esta imagem é o fator que produz deterioração, portanto, preciso destruir esta imagem afim de atingir o resultado maior, tornar a mente jovem e fresca e tudo mais. E ele luta, explica, justifica, ou acrescenta, esforça-se para mudá-la para uma imagem melhor. É muito importante entender que o esforço, a luta, em diferentes formas, tanto fisicamente, como psicologicamente, como competição, como lição, agressão, violência, ou um dos sentimentos acumulados, etc., é um dos fatores da deterioração. Assim, quando a pessoa percebe que o observador é o criador da imagementão todo o nosso processo de pensar passa por uma tremenda mudança. E essa imagem é o conhecido. Assim, enquanto o cérebro, enquanto a mente toda, na qual estão reunidos os cérebro e o corpo, a mente toda, funciona dentro do campo da imagem, que é o conhecido, no qual a pessoa pode estar consciente ou não, neste campo se encontra o fator de deterioração. Certo? Por favor, não aceite isso como uma idéia que você vai refletir quando você for para casa — você não irá refletir de qualquer jeito — mas aqui estamos fazendo isso, considerando a coisa juntos, portanto, você deve fazê-lo agora, não quando você vai para casa e diz: "Bem, eu tomei nota e entendi isso, eu refletirei sobre isso". Não tome nota porque isso não ajuda de forma alguma.

Assim, surge a questão: é possível esvaziar a mente do conhecido?  Você entende? Estou sendo claro? A pessoa deve ter perguntado esta questão vagamente ou com um propósito, o que ela sofre, tem ansiedades, se é possível ir além; ou a pessoa tem várias indicação sobre isso, agora estamos perguntando isso, estamos perguntado isso como uma questão que precisa ser respondida, como um desafio que precisa ser respondido. E este desafio não é um desafio externo, mas um desafio interno, psicologicamente. E vamos descobrir se é possível esvaziar a mente do conhecido; este esvaziar da mente é meditação. E devemos entrar nesta questão da meditação, quero dizer, explicar isso um pouco. Todo povo asiático, está condicionado por esta palavra. As ditas pessoas religiosas sérias estão  condicionadas por esta palavra, porque através da meditação elas esperam encontrar algo além da mera existência diária. E, para encontra isso, eles tem vários sistemas, muito, muito sutis ou muito grosseiros como o "Zen" e também este chamado sistema meditativo, existe concentração, fixar a mente numa idéia, em um pensamento em si, etc., e também a várias formas de estimulação, forçar a si mesmo estimular o seu ego e isso é para expandir a consciência, mais e mais, através da vontade, do esforço, da concentração, através da determinação de forçar, forçar, forçar, e, ao estender dessa consciência espera-se chegar num estado diferente, ou a uma diluição diferente, ou atingir aquele ponto que a mente consciente não pode atingir. Ou a pessoa toma muitas, muitas drogas, incluindo a última, o LSD, etc., que dá — por um momento — uma tremenda estimulação a todo sistema e, neste estado, experimenta-se coisas extraordinárias, coisas extraordinárias através de estimulação, através de concentração, através de disciplina, através de passar fome, jejuar. Se a pessoa jejua por alguns dias ela tem obviamente coisas peculiares que lhe acontecem e a pessoa toma drogas e isso lhe dá num momento, torna o corpo extraordinariamente sensível, e você vê cores das mais extraordinárias que você nunca tinha visto antes. Você vê tudo tão claramente que não existe espaço entre você e essa coisa que você vê. Isso acontece em várias formas por todo o mundo. A repetição das palavras, como fazem os católicos, essas orações tolas que tornam a mente um pouco calma, quieta, obviamente é um truque. Se você fica repetindo, repetindo, repetindo, você se torna tão embotado que obviamente você vai dormir e você pensa que isso é uma mente muito quieta. Mas, isso não é meditação. Assim, a pessoa põe de lado tudo isso, — mesmo que estejamos comprometidos com isso —, podemos jogar pela janela tudo isso. E, enquanto você está escutando, espero que você vá jogar isso fora, porque vamos entrar em algo bem mais profundo que essa invenções. Podemos colocar isso tudo de lado, porque, quanto mais se pratica uma disciplina mais a mente se torna embotada, mecânica, e esse processo mecanizante, rotineiro, torna a mente de alguma forma quieta, mas não é a quietude de uma tremenda energia, entendimento. Então, podemos continuar a investigar se é realmente possível libertar a mente do conhecido, não apenas o conhecido de mil anos, mas também o de ontem, que é a memória, o que não significa que eu esqueço o caminho para casa onde moro, ou a tecnologia. Isso obviamente a pessoa de ter, isso é essencial, se não nós não podemos viver. Estamos falando de coisas a um nível mais profundo, o nível profundo onde a imagem está sempre ativa. A imagem, que é o conhecido está funcionando o tempo todo e se essa imagem e o criador da imagem — que é o observador — se é possível esvaziar a mente disso e, o esvaziar do conhecido é meditação. Eu só posso entender você quando eu não tenho nenhuma imagem sobre você. Mas, se a nossa é uma relação amigável, ou marido e mulher, e tudo mais, tem uma imagem, e a imagem que eu tenho e que você tem sobre mim, estas imagens tem relacionamento e todo nosso relacionamento é baseado nisso. A pessoa vê muito claramente que somente quando a imagem não interfere, — imagem como conhecimento, pensamento, emoção, etc. — não interfere, é que eu posso olhar, ouvir, entender. Isso aconteceu com todos nós, quando de repente, você discute, argumenta, mostra, etc., de repente, sua mente se torna quieta e você vê, você diz: "Por Deus! Eu entendi!" Este entendimento é uma ação, não é uma idéia, certo?

Assim, existe entendimento, ação, só que ação num sentido diferente da ação que nós conhecemos, que é a ação da imagem, do conhecido. Estamos falando de um entendimento que é uma ação quando a mente está quieta completamente. Nela, o entendimento, como ação, acontece. Assim, existe entendimento e ação, apenas quando a mente está completamente quieta — e essa mente nova, quieta não é induzida por qualquer disciplina, por qualquer esforço — e a meditação então é, a que a pessoa pode fazer quando está sentada num ônibus ou andando pela rua, lavando louça, ou sabe Deus o que mais. E meditação não tem nada a ver com respiração e tudo isso. Não há nada misterioso sobre isso; o mistério da Vida está além de tudo isso, além da imagem, além do esforço, além da atividade centralizada, egocêntrica, subjetiva, auto-centrada. Existe um vasto campo de algo que nunca pode ser encontrado através do conhecido. E o esvaziar da mente só pode acontecer, não verbalmente, só quando não existe observador como o observado. Tudo isso exige uma tremenda atenção, percepção, uma percepção que não é concentração, apenas observar sem escolher, quero dizer, escolha acontece apenas quando existe confusão, não quando existe claridade. Assim, a percepção acontece apenas quando não existe escolha ou quando você está consciente de todas as escolhas conflitantes, desejos conflitantes, as tensões, apenas observar todo esse movimento de contradições e sabendo que o observador é o observado e, portanto, nesse processo, não existe escolha nenhuma, mas apenas observar o que é. E isso é inteiramente diferente de concentração. E essa observação traz uma qualidade de atenção na qual não existe nem o observador e nem o observado e este esvaziar da mente, com todas as experiências, que ela teve, é meditação. E só pode ser esvaziado todas as experiências quando cada experiência, a pessoa se torna consciente dela, vê todo conteúdo dela, sem escolha e, portanto, ela passa, portanto não existe marca dessa experiência, como uma ferida, como algo a recordar, para reconhecer e guardar. Assim, a meditação é um processo muito árduo, não é apenas, uma coisa a ser feita por velhas senhoras ou homens que não tem nada para fazer. Isso exige uma tremenda atenção o tempo todo. Então, você descobrirá, por você mesmo, — não, não é uma questão de experiência, não existe o contar — então, quando a mente está completamente quieta, sem qualquer forma de sugestão, como o hipnotismo, ou seguir um método, quando a mente está completamente quieta, então existe uma qualidadeuma dimensão diferente, que o pensamento não tem possibilidade de imaginar ou experimentar. Então a pessoa está além de toda busca, porque não existe procura — uma mente mente que está cheia de luz não procura — é só a mente, a mente embotada, confusa, que está sempre procurando, esperando encontrar. O que ela encontra é o resultado de sua própria confusão.

Veja por favor, se você entende uma questão, você entendeu todas as questões. E assim, o que é importante nisso tudo, não perguntar questões, ou respostas, ou as explicações, é que as explicações não tem valor algum. O que tem valor é como você pergunta a questão e o que você está esperando desta questão. Se você está atento ao que você está perguntando, você verá está questão sem nenhuma dificuldade, portanto, não existe professor algum. Você mesmo é tudo — tanto o professor, o aluno — você sabe, tudo. Isso lhe dá uma liberdade tremenda para investigar.

Krishnamurti - Palestra nº 4 - da primeira série intitulada "Revolução Real", realizada em 1966,  palestras em que, pela primeira vez, Krishnamurti permitiu ser filmado.

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