sábado, 25 de agosto de 2012

Será a mente capaz de ver a totalidade do medo?


A vida vivida com medo é escura, é feia. A maioria de nós vive amedrontado de inúmeras formas, e precisa examinar se a mente é capaz de ficar totalmente livre do medo. Ninguém quer ficar livre do prazer, mas todos querem ficar livres do medo; e não percebemos que ambos andam sempre juntos; eles são, ambos, mantidos pelo pensamento. Eis porque é importante compreender o pensamento.

Temos medo da morte, da vida, da escuridão, do nosso vizinho, medo de nós mesmos, medo de perder o emprego, da insegurança, e os medos das camadas inconscientes mais profundas, ocultos nos recessos da mente. Será possível — e sem análise — a mente ficar livre do medo, de modo que fique realmente livre para aproveitar a vida? Não para perseguir o prazer, mas para aproveitar a vida? Isso não será possível enquanto existir o medo. Será que a análise eliminará o medo? Ou será a análise uma forma de paralisar a mente em relação à libertação do medo? A paralisia através da análise. A análise é uma das formas intelectuais de entretenimento. Porque na análise existe o analista e o analisado, quer o analista seja um profissional ou você mesmo. Quando existe a análise, existe a divisão entre o analista e o analisado e, portanto, conflito. E na análise você precisa de tempo; você leva dias, anos — dando a você mesmo a oportunidade de adiar a ação.

Você pode analisar todo o problema da violência indefinidamente, buscando explicações para as suas origens. Você pode ler volumes inteiros sobre as causas da violência. Tudo isso leva tempo e, enquanto isso, você usufrui da sua violência. A análise implica a divisão e o adiamento da ação e, por conseguinte, a análise traz mais conflito, e não menos. E a análise implica tempo. A mente que observa a verdade disso está livre da análise e é, portanto, capaz de lidar de frente com a violência, a qual é "o que existe". Se você observar a violência em você mesmo, a violência produzida pelo medo, pela insegurança, pela sensação de solidão, de dependência, da eliminação dos prazeres, e assim por diante, se você tem ciência disso e observa de modo total, sem análise, então você dispõe de toda a energia que foi dissipada através da análise para com ela ir além "daquilo que existe".

Como poderão os medos de raízes tão profundas, transmitidos a nós pela sociedade em que vivemos, herdados do passado, ser expostos, de modo que a mente adquira total e completa liberdade em relação a esse terror? Será possível isso através da análise dos sonhos? Podemos ver com nitidez o absurdo da análise. E será que, através dos sonhos, você ficará livre da violência?

Só porque os profissionais afirmam que você precisa sonhar — caso contrário ficará louco — será que você é obrigado a sonhar? Por que sonhar? Quando a mente está em atividade permanente, tanto de dia quanto de noite, ela não tem descanso, ela não adquire uma nova característica de novidade. A mente só se renova quando em completo silêncio, adormecida, em quietude total. Será a análise dos sonhos outra dessas falácias que aceitamos com facilidade? Os sonhos são a continuidade de nossa atividade diária através do sono, mas você produz ordem durante o dia — não a ordem semelhante à de um projeto de engenharia ou que está de acordo com o que é estabelecido por uma sociedade ou pelas sansões de uma religião; isso não é ordem, isso é amoldar-se. Onde existe conformidade e obediência não existe ordem. A ordem só existe quando você observa o quanto a sua própria vida é desordenada durante as horas de vigília. Através da observação dessa desordem surge a ordem. E quando você tem essa ordem na sua vida diária, os sonhos se tornam desnecessários.

Pode então a pessoa observar o medo na sua totalidade, na sua verdadeira raiz, na sua causa, ou apenas os seus galhos? É a mente capaz de observar, de ficar ciente, de dedicar atenção total ao medo, seja ele o medo oculto nas profundezas da mente ou aquele que se mostra nas expressões — diárias como o medo da dor de ontem voltando hoje, ou voltando de novo amanhã, ou o medo de perder o emprego, o medo da insegurança, interna e externa, o medo insuperável da morte. Há inúmeras formas de medo. Deveríamos arrancar cada galho ou encarar, enfrentar o medo na sua totalidade? Será a mente capaz de ver a totalidade do medo? Estamos acostumados a lidar com o medo fragmentado e nos preocupamos com esses fragmentos e não com a totalidade do medo.

Como vocês sabem, olhamos a raiva, a inveja, o ciúme, o medo ou o prazer como quem observa. Queremos livrar-nos do medo, ou perseguir o prazer. Portanto, há sempre um observador, alguém que olha, que pensa, de modo que olhamos o medo como se estivéssemos do lado de fora olhando para dentro. Pergunto, será que você é capaz de examinar o medo sem o observador? Concentre-se nessa questão: você é capaz de observar o medo sem o observador? O observador é o passado. O observador reconhece a reação que ele chama de medo em termos de passado; ele dá a isso o nome de medo. Sendo assim, ele está sempre olhando o presente a partir do passado e há, portanto, uma divisão entre observador e o observado. Então, será que você é capaz de observar o medo sem a reação a isso como algo do passado, que é o observador?

Será que fui claro? Veja: se você me insultou ou me elogiou, tudo isso fica acumulado na memória, que é o passado. E o passado é o que observa, é aquele que pensa. E se eu olho para você com os olhos do passado, não olho de modo original. Assim eu nunca o vejo com exatidão, eu o vejo com olhos que já foram corrompidos, que já foram embotados. Então, será que você é capaz de observar o medo sem o passado? Ou seja, não dar nome ao medo, não usar a palavra medo, mas apenas observar?

Quando você observa como um todo — e essa totalidade de atenção só é possível quando não existe observador, que é o passado — dissipa-se a totalidade do conteúdo da consciência com forma de medo.

Há o medo que vem de dentro e o que vem de fora. O medo de que meu filho morra numa guerra. A guerra é algo que está fora, uma invenção da tecnologia que desenvolveu instrumentos monstruosos de destruição. E, interiormente, eu me apego ao meu filho, eu o amo, mas eu o eduquei para se amoldar a essa sociedade na qual ele vive, que manda mantar. E então eu aceito o medo, tanto interior quanto essa invenção destrutiva chamada guerra, que vai matar o meu filho. E eu chamo isso amor ao meu filho! Isso é medo. Construímos uma sociedade corrompida, imoral; ela se preocupa apenas em possuir cada vez mais, em consumir. Não se preocupa com o desenvolvimento do mundo e dos seres humanos como um todo.

Sabem, nós não temos compaixão. Temos uma quantidade imensa de conhecimento e de experiência. Fazemos coisas extraordinárias na medicina, na tecnologia e na ciência, mas não temos compaixão de espécie alguma. Compaixão significa paixão por todos os seres humanos, por todos os animais, pela natureza. E como haverá compaixão quando existe medo, quando a mente está em permanente busca de prazer? Você quer controlar o medo, quer enterrá-lo e quer também a compaixão. Você quer tudo isso. Mas é impossível ter tudo isso. Você só pode ter compaixão quando não existe medo. Eis porque é tão importante compreender o medo nos nossos relacionamentos. E o medo extirpado quando você observa a reação sem lhe dar um nome. O próprio ato de dar um nome é uma projeção do passado. Assim, o pensamento sustenta e persegue o prazer, e o pensamento dá força ao medo — tenho medo do que pode acontecer amanhã; tenho medo de perder o emprego; tenho medo do tempo na forma de morte.

O pensamento é, pois, responsável pelo medo. E vivemos com o pensamento. Nossas atividades diárias baseiam-se no pensamento. Assim, qual o papel desempenhado pelo pensamento nos relacionamentos humanos? Se ele tem um papel, então o relacionamento é uma rotina, é medo e prazer mecânicos, cotidianos e sem sentido.

Krishnamurti - Da gravação de um diálogo público em São Francisco, 11 de março de 1973

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O observador é a coisa observada

O observador é o censor que não deseja o medo; o observador é o conjunto de todas as suas experiências relativas ao medo. E, assim, o observador está separado da coisa a que chama medo; há espaço entre ambos; está perpetuamente tentando dominá-lo ou dele fugir, e daí provém essa batalha entre ele próprio e o medo — essa batalha que é uma enorme perda de energia.

Observando-o, aprendereis que o observador é meramente um feixe de idéias e lembranças sem validade, sem substância nenhuma, ao passo que aquele medo é uma realidade; assim, estais tentando compreender um fato com uma abstração, e isso, naturalmente, não podeis fazer. Mas, será o observador, que diz "Tenho medo", diferente da coisa observada, o medo? O observador é o medo e, uma vez percebido isso, não há mais dissipação de energia no esforço para livrar-se do medo, e o intervalo de tempo-espaço, entre o observador e a coisa observada, desaparece. Quando percebeis que sois uma parte do medo, que não estais separado dele, que vós sois o medo, então nada podeis fazer a seu respeito: o medo terminou totalmente.

Krishnamurti

Solidão

Que coisa estranha é a solidão, e como ela é assustadora! Nunca nos permitimos muita intimidade com ela; e se por acaso o fazemos, rapidamente fugimos. Fazemos qualquer coisa para fugir da solidão, para encobri-la. Nossa preocupação consciente e inconsciente parece ser evitá-la ou superá-a. Evitar e superar a solidão são ações igualmente fúteis; embora reprimidos ou negligenciados, a dor e o problema ainda existem. Você pode se perder na multidão e ainda estar completamente sozinho; você pode estar intensamente ativo, mas a solidão silenciosamente se insinua a você; ponha o livro de lado, e lá está ela. Diversões e bebidas não podem afogar a solidão; você pode escapar dela temporariamente, mas quando o riso e os efeitos do álcool terminam, o medo da solidão retorna. Você pode ser ambicioso e bem-sucedido, pode ter enormes poderes sobre os outros, pode ser rico em conhecimento, pode tomar parte em um culto religioso e se esquecer de si mesmo no palavrório dos rituais; mas, faça o que quiser, a dor da solidão permanece. Você pode existir somente por seu filho, pelo Mestre, pela expressão de seu talento; mas, como a escuridão, a solidão cobre você. Você pode amar ou odiar, fugir disso segundo seu temperamento e suas exigências psicológicas; mas a solidão estará lá, esperando e observando, retirando-se apenas para se aproximar novamente.

A solidão é a percepção do isolamento total; nossas atividades não são fechadas em si mesmas? Embora nossos pensamentos e emoções sejam expansivos, não são exclusivos e separadores? Não estamos buscando controle em nossos relacionamentos, em nossos direitos e posses, e com isso criando resistência? Não consideramos o trabalho como “seu” e “meu”? Não estamos identificados com o coletivo, com o país, ou com alguns? Toda a nossa tendência não é isolarmo-nos, dividir e separar? A própria atividade do Eu, em qualquer nível, é um modo de isolamento; e a solidão é a consciência do Eu sem atividade. A atividade, física ou psicológica, torna-se um meio de auto-expansão. E quando não existe atividade de tipo algum, há uma percepção do vazio do Eu. É esse vazio que buscamos preencher, e passamos nossas vidas preenchendo-o, em níveis nobres ou desprezíveis. Pode parecer que não há danos sociológicos em preencher esse vazio em níveis nobres; mas a ilusão gera dor e destruição incalculáveis, que podem não ser imediatos. A ânsia de preencher esse vazio – ou de fugir dele, que é a mesma coisa – não pode ser sublimada ou reprimida; pois quem é a entidade que vai suprimir ou sublimar? Não é essa mesma entidade uma outra forma de anseio? Os objetos de anseio podem variar, mas não serão semelhantes todos os anseios? Você pode mudar o objeto de seu anseio, da bebida para o pensamento; mas sem entender o processo do anseio a ilusão será inevitável.

Não existe uma entidade separada do anseio; só existe anseio, não existe ninguém que anseia. O anseio assume diferentes máscaras, em momentos diferentes, dependendo de seus interesses. A memória desses interesses variados encontra o novo, o que produz conflito, e assim, aquele que escolhe nasce, estabelecendo a si mesmo como uma entidade separada e distinta do anseio. Mas a entidade não é diferente de suas qualidades. A entidade que tenta preencher ou fugir do vazio, da incompletude, da solidão, não é diferente daquilo que ela evita; ela é aquilo. Ela não pode fugir de si mesma; tudo que pode fazer é entender a si própria. Ela é sua solidão, seu vazio; e enquanto considerá-lo como algo separado de si, estará em ilusão e em interminável conflito. Só quando experienciar diretamente que ela é sua própria solidão, poderá haver libertação do medo. O medo existe apenas em relação a uma idéia, e a idéia é a reação da memória como pensamento. O pensamento é o resultado da experiência; e embora ele possa ponderar sobre o vazio, ter sensações a respeito, ele não pode conhecer o vazio diretamente. A palavra “solidão”, com suas lembranças de dor e medo, impede a experienciação do novo. A palavra é lembrança, e quando a palavra não é mais signifcativa, o relacionamento entre o experienciador e o experienciado é totalmente diferente; assim, aquele relacionamento é direto e não através de uma palavra, por meio da memória; o experienciador é a experiência, o que resulta em libertação do medo.

Amor e vazio não podem permanecer juntos; quando há o sentimento de solidão, o amor não existe. Você pode esconder o vazio sob a palavra “amor”, mas quando o objeto de seu amor não existe mais ou não responde, você tem consciência do vazio e se sente frustrado. Usamos a palavra “amor” como um meio de fugir de nós mesmos, de nossa própria insuficiência. Agarramo-nos à pessoa que amamos, somos ciumentos, sentimos saudades quando ela não está presente e ficamos totalmente perdidos quando ela morre; e depois buscamos conforto de alguma outra forma, em alguma crença, em algum substituto. Isso é amor? O amor é uma idéia, o resultado de associações; o amor não é algo a ser usado como uma fuga de nossa própria infelicidade; e quando nós realmente o usamos, criamos problemas que não tem solução. O amor não é uma abstração, mas sua realidade só poderá ser experienciada quando a idéia, a mente, não for mais o fator supremo.

Krishnamurti - Comentários sobre o viver

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Por que vivemos com problemas não resolvidos


Por que vivemos com problemas não resolvidos
5ª palestra em Saanen - 17 de julho de 1984

  • Por que vivemos com problemas não resolvidos?
  • Por que temos estes problemas?
  • Por que vivemos com tantas questões?
  • Estaria nosso cérebro condicionado aos problemas?
  • Pode a consciência, a psique estar livre?
  • Podemos aprender juntos a arte de escutar?
  • O que é a consciência?
  • Pode a consciência estar completamente vazia?
  • Existe um fim para o sofrimento?
  • O que é amor?
  • O que é meditação?
  • Qual o significado da morte?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pode a totalidade da mente tornar-se silenciosa?

(...) Para a maioria de nós, o pensar é de suma importância; mas é de fato? Ele tem sua importância, mas o pensamento não pode descobrir aquilo que não é produto do pensamento. O pensamento é resultado do "conhecido" e, por conseguinte, não pode sondar o "desconhecido", o incognoscível. O pensamento não é desejo, desejo que tem por objeto as necessidades materiais ou um elevado alvo espiritual? Não nos referimos ao pensamento do cientista, no seu laboratório, ou o pensamento do matemático, absorvido em seus cálculos, etc., porém ao pensamento conforme opera em nossa vida de cada dia, em nossos diários contatos e reações. Para subsistir, somos forçados a pensar. O pensar é o processo da subsistência de um indivíduo ou de uma nação. O pensar — que é desejo, sob o aspecto mais vulgar ou mais sublime — é sempre e necessariamente egocêntrico e um fator de condicionamento. Não importa se estamos pensando no Universo, em nosso próximo, em nós mesmos, ou em Deus — todo pensar é limitado, condicionado, não acha?(1)
(...) Temos acumulado conhecimentos a respeito de tantos aspectos da vida — medicina, guerra, leis, ciências — e temos pelo menos algum conhecimento de nós mesmos, de nossa consciência. Com tão vasto cabedal de conhecimentos, estamos livres do sofrimento, da guerra, do ódio? Se soubermos mais ainda, seremos libertados? Podemos saber que a guerra será inevitável enquanto o indivíduo, o grupo, o país for ambicioso, ávido de poder, e no entanto cada um de nós continua a seguir o caminho que conduz à guerra. Aquele centro onde se gera o antagonismo, o ódio, pode ser transformado radicalmente pelo conhecimento? O amor não é o oposto do ódio; se, pelo conhecimento, se transforma o ódio em amor, isso não é amor. Essa transformação produzida pelo pensamento, pela vontade, não é amor, porém, tão só, uma outra forma conveniente de autoproteção. (2)
(...) O pensamento é reação do pretérito, reação da memória, não é exato? A memória é tradição, experiência, e sua reação a qualquer experiência nova é produto do passado; nessas condições, a experiência está sempre a tornar mais forte o passado. A mente é o resultado do passado, do tempo; o pensamento é o produto de muitos dias passados. Quando o pensamento deseja transformar-se, tentando ser ou não ser isto ou aquilo, apenas perpetua a si mesmo, sob um nome diferente. Sendo produto do "conhecido", o pensamento nunca poderá experimentar "o desconhecido"; resultado do tempo, nunca compreenderá o atemporal, o Eterno. O pensamento deve cessar para que possa existir o Real.(3)
Veja senhor, temos tanto medo de perder aquilo que pensamos possuir, que nunca examinamos a fundo estas coisas. Só damos atenção à superfície de nós mesmos e vivemos a repetir palavras e frases de muito pouca significação; e, assim, continuamos medíocres e geramos antagonismos tão irrefletidamente como geramos filhos.(4)
Não há dúvida de que a mente está sempre a buscar algum resultado, algum meio de realizar algo. A mente é um instrumento que foi ajustado, parte por parte, ela é produto do tempo e só pode pensar em termos de resultado, de realização, de algo que se precisa ganhar ou evitar.(5)
(...) O próprio pensamento é o fabricante dessa rede; o pensamento só pode conduzir à amplidão do tempo, que é a esfera onde o saber, a ação, a virtude, têm muita importância. O raciocinar, por mais requintado ou por mais simples que seja, não pode quebrar o pensamento. A consciência como "experimentador", "observador", "selecionador", "censor", "vontade", tem de extinguir-se, voluntariamente, de maneira feliz, sem esperança alguma de recompensa. Deixa então de existir a entidade que busca. Isso é meditação. A realidade não pode ser procurada; ela existe quando aquele que busca não existe. A mente é tempo, e o pensamento não pode descobrir o imensurável.(6)
(...) Quando a mente está toda ocupada com suas penas, esperanças e temores, não lhe sobra espaço para a liberdade. O processo egocêntrico do pensamento só serve para tolhê-la mais ainda; e assim começa a funcionar o círculo vicioso. A preocupação desvaloriza, amesquinha, superficializa a mente. Uma mente preocupada não é uma mente livre, e a preocupação a respeito da liberdade gera, do mesmo modo, mediocridade. A mente permanece medíocre, quer esteja preocupada com Deus, o estado, a virtude ou o próprio corpo. Essa preocupação com o corpo impede a adaptabilidade ao presente, impede-lhe de adquirir vitalidade e mobilidade, mesmo em grau limitado. O "eu", com suas preocupações, atrai sobre si mesmo penas e problemas, que também atingem o corpo; e a apreensão relativa aos males físicos opera, mais ainda, em detrimento do corpo. Não significa isso que se deva ser negligente com a saúde, mas a preocupação com a saúde, tal como a preocupação com a Verdade, com idéias, só serve para proteger a mediocridade da mente. Há uma vasta diferença entre a mente preocupada e a mente ativa. A mente ativa está em silêncio, vigilante, sem fazer escolha.(7)
(...) O silêncio deve ser diligentemente cultivado, nutrido, fortalecido? E quem é o "cultivador"? Ele é diferente da totalidade do nosso ser? Existe silêncio, uma mente tranquila, quando um desejo domina todos os demais ou levanta defesas contra eles? Há silêncio quando se disciplina, molda e controla a mente? Não subentende tudo isso a existência de um censor, um pretenso "eu superior", que controla, julga, escolhe? Mas existe tal entidade? Se existe, não é produto do pensamento? O pensamento que se divide em "superior" e "inferior", "entidade permanente" e "entidade impermanente", é, obstante, produto do passado, da tradição, do tempo. Nesta divisão ele acha a sua própria segurança. Agora, o pensamento, buscando a segurança no silêncio, postula um método ou sistema que lhe ofereça o que deseja. Em lugar das coisas mundanas, aspira agora ao prazer do silêncio, fazendo, assim, nascer o conflito entre o que é e o que deveria ser. Não há silêncio, onde há conflito, repressão, resistência... Não haverá silêncio, se existe uma entidade a buscá-lo. Só se realizará o silêncio da mente tranquila, quando não existir mais "o que busca", quando não existir mais o desejo. Sem responder, faça esta pergunta a si mesmo: Pode a totalidade de nosso ser tornar-se silenciosa? Pode a totalidade da mente — a mente consciente e bem assim a inconsciente — tornar-se tranquila?(8)
(...) Não é curioso como a mente engana a si mesma? A mente não gosta de ser perturbada, não gosta de ser arrancada de seus velhos padrões, seus confortáveis hábitos de pensamento e de ação; ao ver-se perturbada, procura meios e modos de estabelecer novas delimitações, novas "pastagens", onde possa viver em segurança. É essa zona de segurança que quase todos andamos buscando, e o desejo de proteção, segurança, nos faz dormir. Circunstâncias, uma palavra, um gesto, uma experiência, poderão acordar-nos, perturbar-nos, contudo desejamos voltar a dormir novamente. Isso está acontecendo a todas as horas, à maioria de nós e não é um estado desperto. O que precisamos compreender são as maneiras em que a mente se põe a dormir, não acha?(9)
(...) Se cuidarmos apenas de conhecer as maneiras como a mente se põe a dormir, iremos de novo encontrar um meio, talvez diferente, de vivermos sem perturbações, em segurança. O importante é "ficar desperto" e não perguntar como ficar desperto; o desejo de como é desejo de segurança.
"Que se pode fazer então?"
Ficar com o descontentamento, sem o desejo de apaziguá-lo. O desejo de não ser perturbado é o que deve ser compreendido. Esse desejo, que assume várias formas, é o impulso a fugir de o que é. Desaparecendo esse impulso — não em virtude de compulsão, sob qualquer forma, consciente ou inconsciente — só então desaparece a dor do descontentamento. A comparação de o que é com o que deveria ser, causa dor. O cessar da comparação não é um estado de contentamento; é um estado de vigilância, livre das atividades do "eu".(10)
(...) "Mas como esvaziar a mente de seu saber?"
Não há nenhum "como". A prática de qualquer método só pode tornar a mente mais condicionada ainda, porque, com ele, temos um resultado e não uma mente livre do saber, do "eu". Não se necessita de método, porém, apenas, de um percebimento passivo da verdade relativa do saber.(11)
(...) O reconhecimento é o "processo do conhecido", produto do passado. A mente tem medo daquilo com que não está familiarizada... O que se experimenta se torna "o conhecido", o passado, e é desse passado, desse conhecido, que provém o reconhecimento. Enquanto houver esse movimento, vindo do passado, não existirá "o novo".(12)
(...) O pensamento é produto do tempo; o pensamento está ancorado no passado, não pode em tempo algum existir livre do passado. Se o pensamento se liberta do passado, deixa de ser pensamento. Especular sobre o que existe além da esfera da mente é de todo em vão. Para intervenção dAquilo que se acha além do pensamento, é necessário que o pensamento — o "eu" — deixe de existir. A mente deve estar, de todo, imóvel, tranquila — com a tranquilidade da ausência de "motivo". A mente não pode atraí-lo a si. A mente pode dividir, e de fato divide, a sua esfera de atividades, classificando-as em nobres e ignóbeis, desejáveis e indesejáveis, superiores e inferiores, mas todas estas divisões e subdivisões estão dentro dos limites da própria mente; e, assim, todo movimento da mente, em qualquer direção que seja, é reação do passado, e aquele que não a percebe permanecerá na sua escuridão, não importa o que faça; suas penitências e votos e disciplinas e sacrifícios poderão ter uma significação sociológica, confortante, mas nenhum valor tem, com relação à Verdade.(13)
A mente é semelhante a uma máquina a funcionar noite e dia, está sempre a "tagarelar" e sempre ocupada — acordada ou dormindo. Ela é veloz e inquieta como o mar. Uma outra parte dessa intrincada e complexa máquina procura controlar o seu movimento e, desse modo, começa o conflito entre os desejos e ânsias opostas. Uma parte pode ser chamada "eu superior" e a outra "eu inferior", mas todas as duas se acham na esfera da mente. A ação e reação da mente, do pensamento, são quase simultâneas e quase automáticas. Todo esse processo — consciente e inconsciente, de aceitação e rejeição, de sujeição e luta para ser livre, é extremamente rápido. A questão, pois, não é de como controlar esse complexo mecanismo, já que todo controle produz atrito e dissipação de energia; a questão é de saber se essa mente, que se move tão acelerada, pode diminuir a sua velocidade.(14) Reflexões sobre a vida, pág. 252
(...) Nunca notou, senhor, que quando estamos a observar uma coisa, a mente se torna mais lenta? Ao observar aquele carro que lá vai, pela estrada, ou ao olhar atentamente para qualquer objeto físico, a sua mente não está funcionando mais devagar? A vigilância, a observação torna, de fato, a mente mais vagarosa. O contemplar um retrato, uma imagem, um objeto, serve para aquietar a mente, o que também se consegue com a repetição de uma frase; mas, nesse caso, o objeto ou a frase se torna muito importante, mais importante do que a diminuição da velocidade da mente e o que é possível descobrir então... Prestamos deveras atenção a alguma coisa, ou interpomos entre o observador e a coisa observada uma cortina de preconceitos, valores, juízos, comparações, condenações?... Se me permite sugerir, não se deixe embargar por palavras ou por conclusões positiva ou negativa. Pode haver observação sem essa cortina? Por outras palavras, pode haver atenção quando a mente está ocupada? Só a mente desocupada pode prestar atenção. A mente se torna lenta, alertada, quando há vigilância, que é a atenção da mente desocupada.(15)
(...) A mente é o resultado de muitos milhares de anos de tradição e experiência. É capaz de invenções fantásticas, desde as mais simples às mais complexas. É capaz de extraordinárias alucinações, e vastas percepções. As experiências e esperanças, as ânsias, as alegrias e os conhecimentos acumulados, tanto do grupo como do indivíduo, tudo está lá, depositado nas camadas mais profundas da consciência, e é possível ressuscitar as experiências, visões, etc., herdadas e adquiridas. Dizem que certas drogas podem produzir uma lucidez, uma visão de grandes profundidades e alturas, libertar a mente de suas agitações, conferindo-lhe grande energia e acuidade. Mas é necessário a mente atravessar esses ocultos e sombrios corredores para alcançar a luz? E quando por qualquer desses meios ela encontra luz, é a luz do Eterno? Ou é a luz do "conhecido", da coisa reconhecida, produto da busca, da luta, da esperança? É necessário passar por esse fastidioso "processo" para se achar o imensurável? Pode-se deixar de lado tudo isso e chegar àquilo que se pode chamar amor?(16)
(...) É necessário passar por todas essas experiências? São elas necessárias para abrir a porta do Eterno? Não podem ser deixadas de lado? O essencial, afinal de contas, é o autoconhecimento, que faz nascer a mente tranquila. A mente tranquila não é produto da vontade, da disciplina, das várias praticas destinadas a subjugar o desejo. Todas essas práticas e disciplinas só tem o efeito de fortalecer o "eu", e a virtude se torna então um outro rochedo, sobre o qual o "eu" pode edificar a sua morada de importância e respeitabilidade. A mente precisa estar vazia do "conhecido", para que se torne existente o incognoscível. Se não se compreende as atividades do "eu", a virtude começa por vestir a capa da importância. O movimento do "eu", com sua vontade e desejo, suas buscas e acumulações, tem de cessar inteiramente. Só então se tornará existente o atemporal. O atemporal não pode ser chamado ou atraído. A mente que procura atrair o Real por meio de várias práticas e disciplinas, por meio de preces e atitudes, só pode receber suas próprias e agradáveis "projeções", que não são o Real.
"Percebo agora, depois de tantos anos de asceticismo, disciplina e automortificação, que minha mente está cativa na prisão que ela própria construiu, e que as paredes dessa prisão precisam ser demolidas. Como por mãos à obra?"
O próprio percebimento de que elas precisam desaparecer é suficiente. Toda ação, visando demoli-las, põe em movimento o desejo de realização, ganho, fazendo, portanto, nascer o conflito dos opostos, o "experimentador" e a "experiência", a entidade que busca e a coisa buscada. Perceber o falso como falso é, em si, suficiente, porquanto esse próprio percebimento liberta a mente do falso.(17)
(...) A mente está cativa na prisão que ela própria construiu, a prisão de seus desejos e esforços, e todo movimento dela, em qualquer direção, se faz dentro dos limites da prisão; mas, não estando cônscia disso, a mente, no seu sofrer e no seu conflito, busca um agente exterior que possa libertá-la. Em geral, acha o que procura, mas esse achado é produto de seu próprio movimento. Ela continua cativa, cm a só diferença de ser uma prisão nova — o que lhe é mais satisfatório e confortante.(18)
(...) Se a mente perceber a verdade disso, não à força de argumentação, convicção ou crença, mas pelo ser simples e atenta, tem então fim o pensamento. O findar do pensamento não é sono, abatimento da vitalidade, estado de negação; é um estado de todo diferente.(19)

(1) Reflexões sobre a vida, pág. 206
(2) Reflexões sobre a vida, pág. 207
(3) Reflexões sobre a vida, pág. 207
(4) Reflexões sobre a vida, pág. 207
(5) Reflexões sobre a vida, pág. 184
(6) Reflexões sobre a vida, pág. 184
(7) Reflexões sobre a vida, pág. 216
(8) Reflexões sobre a vida, pág. 216-217
(9) Reflexões sobre a vida, pág. 220
(10) Reflexões sobre a vida, pág. 220-221
(11) Reflexões sobre a vida, pág. 228
(12) Reflexões sobre a vida, pág. 236
(13) Reflexões sobre a vida, pág. 237-238
(14) Reflexões sobre a vida, pág. 252
(15) Reflexões sobre a ida, pág. 253
(16) Reflexões sobre a vida, pág. 259-260
(17) Reflexões sobre a vida, pág. 260-261
(18) Reflexões sobre a vida, pág. 242
(19) Reflexões sobre a vida, pág. 243

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Teorias e especulações nada significam diante do que é

18 de agosto de 1961

Chovera quase toda a noite e esfriara muito; caíra neve sobre os montes e colinas. Soprava um vento cortante. Os prados verdes, de um verde surpreendente, estavam extraordinariamente brilhantes. E choveu também praticamente todo o dia e, somente ao entardecer, começou a clarear e o sol despontou entre as montanhas. Estávamos seguindo por um caminho que ia de aldeia a aldeia, caminho que circundava fazendas entre esplêndidas campinas verdejantes. Os postes que sustinham os pesados cabos de eletricidade erguiam-se de forma impressionante contra o céu do entardecer e era belo, havia força, quando se admirava aquelas imponentes estruturas de aço contra as nuvens que passavam céleres. Ao cruzarmos uma ponte de madeira, vimos o riacho transbordando de tanta chuva; ele corria depressa com a força e a energia que só os riachos das montanhas têm. Ao olharmos o riacho de cima abaixo, contido entre barrancos firmes de pedras e árvores, nos conscientizamos do movimento do tempo: passado, presente, futuro. A ponte era o presente e toda a vida passava e vivia através do presente.

Mas, além de tudo isso, existia ao longo daquela senda lamacenta e varrida pela chuva, uma outra coisa, um mundo que não poderia jamais ser alcançado pelo pensamento, pelas atividades e pelos eternos pesares do ser humano. Esse mundo não resultava nem de esperança nem de fé. Não estávamos plenamente conscientes dele, naquele momento, pois havia muito a observar, sentir e cheirar: as nuvens, o céu pálido azul das montanhas, o sol no meio delas e a luz do entardecer pairando sobre o campo iluminado, e ainda o perfume dos currais e das flores escarlates ao redor das casas das fazendas. Este outro mundo estava lá cobrindo tudo, sem deixar nada de fora e quando nos deitamos, ele chegou de mansinho, enchendo nossas mentes e corações. Ficamos então conscientes de sua beleza sutil, de seu amor e de sua paixão. Não amor entronizado nas imagens, evocado nos símbolos, nos quadros e nas palavras, nem o que se encarapuça na inveja e no ciúme, mas o que está livre do pensamento, do sentimento, como um movimento em curva, perene. Sua beleza participa do auto-abandono da paixão. Não existe paixão por essa beleza se não houver austeridade. Austeridade não é um produto da mente, cuidadosamente alcançada à custa de sacrifícios, supressão e disciplina. Tudo isso precisa acabar naturalmente, pois, para essa outra coisa, não tem sentido. Ela foi se infiltrando, com sua incomensurável, desmedida riqueza. Este amor não tinha nem centro nem periferia e era tão completo, tão invulnerável que nele não havia sombra nem jamais possibilidade de destruição.

Sempre olhamos de fora para dentro; partindo do conhecimento prosseguimos rumo a novos conhecimentos, sempre acrescentando, sendo que no caso, a própria subtração é uma outra forma de adição. E nossa consciência é composta de milhares de lembranças e de reconhecimentos, estando ciente do farfalhar das folhas, da flor, do transeunte, da criança que corre pelos campos; ciente da pedra, do riacho, da luminosa flor vermelha, do cheiro ruim de um chiqueiro. A partir dessas lembranças e reconhecimentos, a partir dessa reações externas, tentamos nos conscientizar dos recessos interiores, dos motivos e necessidades profundas, mergulhando mais e mais nas vastas profundezas da mente. Todo esse processo de desafios e respostas, de experimentar e reconhecer as atividades claras e ocultas, tudo isso é consciência vinculada ao tempo.

A taça não é só forma, cor, desenho, mas também o vazio dentro dela. A taça é o vazio contido dentro da forma; sem esse vazio não existiria nem taça, nem forma. Reconhecemos a consciência por outros indícios, por suas limitações, em altura e profundidade, de pensamento e sentimento. Mas tudo isso constitui a forma externa da consciência – a partir do exterior procuramos atingir o interior, do conhecido sondamos, esperando encontrar o desconhecido. É possível sondar do interior para o exterior? O aparelho que sonda de fora para dentro, já conhecemos, mas existe um aparelho que parta do desconhecido para o conhecido? Existe? E como pode existir? Não pode existir. Se existe, ele é reconhecível e sendo reconhecível pertence ao campo de conhecido. Essa estranha benção chega quando quer, mas como cada visita ocorre, bem lá no fundo, uma transformação: tudo muda.

Krshnamurti – Sobre Deus

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O Aprender a conhecer-se

Se considerais importante conhecerdes a vós mesmo só porque eu ou outro disse que é importante, receio então que esteja terminada toda comunicação entre nós. Mas, se concordamos ser de vital importância compreendermos a nós mesmos, totalmente, torna-se então diferente a relação entre vós e mim e poderemos explorar juntos, fazer com agrado uma investigação cuidadosa e inteligente.

Eu não vos exijo fé; não me estou arvorando em autoridade. Nada tenho para ensinar-vos — nenhuma filosofia nova, nenhum sistema novo, nenhum caminho novo para a realidade; não há caminho para a realidade, como não o há para a verdade. Toda autoridade, de qualquer espécie que seja, sobretudo no campo do pensamento e da compreensão, é a coisa mais destrutiva e danosa que existe. Os guias destroem os seguidores, e os seguidores destroem os guias. Tendes de ser vosso próprio instrutor e vosso próprio discípulo. Tendes de questionar tudo o que o homem aceitou como valioso e necessário.

Se não seguis alguém, vos sentis muito solitário. Ficai solitário, pois. Porque tendes medo de ficar só? Porque vos defrontais com vós mesmo, tal como sois, e descobris que sois vazio, embotado, estúpido, repulsivo, pecador, ansioso — uma entidade insignificante, sem originalidade. Enfrentai o fato; olhai-o e não fujais dele. Tão logo começais a fugir, começa a existir o medo. Ao investigar-nos não nos estamos isolando do resto do mundo. Não se trata de um processo mórbido. O homem, em todo o mundo, se vê enredado nos mesmos problemas diários, tal como nós, e, assim, investigando a nós mesmos, não estamos de modo nenhum procedendo como neuróticos, porque não há diferença entre o individual e o coletivo. Este é um fato real. Criei o mundo tal como sou. Portanto, não nos desorientemos nesta batalha entre a parte e o todo. 

Tenho de estar cônscio de todo o campo de meu próprio ser, que é constituído da consciência individual e social. É só quando a mente transcende a consciência individual e social, que posso tornar-me a luz de mim mesmo, a luz que nunca se apaga.

Pois bem; onde começarmos a compreender a nós mesmos? Aqui estou eu, e como é que vou estudar-me, observar-me, ver o que realmente está sucedendo em meu interior? Só posso observar-me em relação, porque a vida é toda de relação. De nada serve ficar sentado num canto a meditar sobre mim mesmo. Não posso existir sozinho. Só existo em relação com pessoas, coisas e idéias e, estudando minha relação com as pessoas e coisas exteriores, assim como com as interiores, começo a compreender a mim mesmo. Qualquer outra forma de compreensão é mera abstração, e não posso estudar-me abstratamente; não sou uma entidade abstrata; por conseguinte, tenho de estudar-me na realidade concreta — assim como sou, e não como desejo ser.

A compreensão não é um processo intelectual. A aquisição de conhecimentos a vosso próprio respeito e o aprendizado de vós mesmo são duas coisas diferentes, porque o conhecimento que a vosso respeito acumulais é sempre do passado, e à mente que leva a carga do passado é uma mente lamentável. O aprendizado de vós mesmo não é como o aprendizado de uma língua, uma técnica ou uma ciência; neste último caso, naturalmente, tendes de acumular e memorizar, pois seria absurdo voltar sempre de novo ao começo. Mas, no campo psicológico, o aprendizado de vós mesmo está sempre no presente, ao passo que o conhecimento está sempre no passado e, como a maioria de nós vive no passado e está satisfeita com o passado, o conhecimento se torna sumamente importante para nós. É por essa razão que endeusamos o homem erudito, talentoso, sagaz. Mas, se estais aprendendo a todo momento, a cada minuto, aprendendo pelo observar e pelo escutar, aprendendo pelo ver e atuar, vereis então que o aprender é um movimento infinito, sem o passado.

Se dizeis que aprendereis a conhecer-vos gradualmente, acrescentando sempre mais alguma coisa, pouco a pouco, não vos estais estudando agora como sois, porém por meio do conhecimento adquirido. O aprender requer muita sensibilidade. Não há sensibilidade se existe alguma idéia, que é do passado, dominando o presente. A mente já não é então ágil, flexível, alertada. A maioria de nós não é sensível, nem mesmo fisicamente. Comemos em excesso, sem nos importarmos com o regime mais adequado; abusamos do fumo e da bebida, e, dessa maneira, o nosso corpo se torna pesado e insensível; a capacidade de atenção do próprio organismo se embota. Como pode haver uma mente muito alertada, sensível, clara, se o próprio organismo está embotado e pesado? Podemos ser sensíveis a certas coisas que nos atingem particularmente, mas, para sermos completamente sensíveis a tudo o que decorre das exigências da vida, não deve haver separação entre o organismo e a psique. Trata-se de um movimento total.

Para compreendermos qualquer coisa, temos de viver com ela, observá-la, conhecer-lhe todo o conteúdo, a natureza, a estrutura, o movimento. Já experimentastes viver com vós mesmos? Se o experimentardes, começareis a ver que "vós" não sois uma entidade estática, porém uma coisa vigorosa, viva. E, para poder viver com uma coisa viva, vossa mente também tem de estar viva. Não pode, porém, estar viva, se está enredada em opiniões, juízos e valores.

Para observardes o movimento de vossa mente e de vosso coração, de vosso ser inteiro, necessitais de uma mente livre; e não de uma mente que concorda e discorda, que toma partido numa discussão, disputando por causa de meras palavras, porém que acompanha a discussão com a intenção de compreender. Isso é dificílimo, porque não sabemos olhar nem escutar o nosso próprio ser, assim como não sabemos olhar a beleza de um rio, ou escutar o murmúrio da brisa entre as árvores.

Quando condenamos ou justificamos, não podemos ver com clareza, e também não podemos fazê-lo quando nossa mente está a tagarelar incessantemente; não observamos então o que é; só olhamos nossas próprias "projeções". Temos, cada um de nós, uma imagem do que pensamos ser ou deveríamos ser, e essa imagem, esse retrato, nos impede inteiramente de vermos a nós mesmos como realmente somos.

Uma das coisas mais difíceis do mundo é olharmos qualquer coisa com simplicidade. Como nossa mente é muito complexa, perdemos a simplicidade. Não me refiro à simplicidade no vestir ou no comer, no usar apenas uma tanga ou bater um recorde de jejum, ou qualquer outra das absurdas infantilidades que os santos praticam; refiro-me àquela simplicidade que nos torna capazes de olhar as coisas diretamente e sem medo, capazes de olhar a nós mesmos sem nenhuma deformação, de dizer que mentimos quando mentimos e não esconder o fato ou dele fugir.

Outrossim, para compreendermos a nós mesmos, necessitamos de muita humildade. Se começais dizendo: "Eu me conheço" — já travastes o processo do auto-aprendizado; ou, se dizeis "Não há muito que aprender a meu respeito, porque sou apenas um feixe de memórias, idéias, experiências e tradições" — tereis também parado o processo de aprendizado a vosso próprio respeito. No momento em que alcançais qualquer alvo, perdeis o atributo da inocência e da humildade; no momento em que chegais a uma conclusão ou começais a examinar com base no conhecimento, está tudo acabado, porque então estais traduzindo tudo o que é vivo em termos do velho. Mas se, ao contrário, não tendes nenhum ponto de apoio, nenhuma certeza, nenhuma perfeição, estais em liberdade para olhar, e quando olhais uma coisa em liberdade, ela é sempre nova. Um homem seguro de si é um ente morto.

Mas, como ser livre para olhar e aprender, quando nossa mente, da hora do nascimento à hora da morte, é moldada, por uma determinada cultura, no estreito padrão do "eu"? Há séculos vimos sendo condicionados pela nacionalidade, a casta, a classe, a tradição, a religião, a língua, a educação, a literatura, a arte, o costume, a convenção, a propaganda de todo gênero, a pressão econômica, a alimentação que tomamos, o clima em que vivemos, nossa família, nossos amigos, nossas experiências — todas as influências possíveis e imagináveis — e, por conseguinte, nossas reações a cada problema são condicionadas.

Percebeis que estais condicionado? Esta é a primeira coisa que deveis perguntar a vós mesmo, e não como vos libertardes do condicionamento. Pode ser que nunca vos livrareis dele, e se disserdes "Preciso livrar-me dele", podereis cair noutra armadilha, noutra forma de condicionamento. Assim, percebeis que estais condicionado? Sabeis que até mesmo quando olhais uma árvore e dizeis "Aquela árvore é uma figueira" ou "Aquela árvore é um carvalho", o dar nome à árvore, que é conhecimento botânico, de tal maneira vos condiciona a mente que a palavra se interpõe entre vós e o real percebimento da árvore? Para entrardes em contato com a árvore tendes de tocá-la com a mão, e a palavra não vos ajudará a tocá-la.

Como podeis saber que estais condicionado? Que é que vos diz isso? Que é que vos diz que estais com fome? — não como teoria, porém o fato real da fome? Do mesmo modo, como é que descobris o fato real de que estais condicionado? Pela vossa reação a um problema, a um desafio, não é? Reagis a cada desafio segundo o vosso condicionamento e como vosso condicionamento é inadequado reagirá sempre inadequadamente.

Quando vos tornais cônscio dele, esse condicionamento de raça, de religião e cultura vos faz sentir aprisionado? Considerai uma única modalidade de condicionamento, a nacionalidade, considerai-a seriamente, com pleno percebimento, para verdes se vos agrada ou se vos revolta, e se vos revolta, se sentis vontade de libertar-vos de todo condicionamento. Se vosso condicionamento vos satisfaz, é óbvio que nada fareis a respeito dele; mas, se não vos sentis satisfeito ao vos tornardes cônscio dele, percebereis que nunca fazeis coisa alguma sem ele. Nunca Por conseguinte, estais sempre vivendo no passado, com os mortos.

Só percebereis por vós mesmo o quanto estais condicionado quando se manifestar um conflito na continuidade do prazer ou na fuga à dor. Se tudo ao redor de vós decorre de maneira perfeitamente feliz, vossa esposa vos ama, vós a amais, tendes uma bonita casa, filhos interessantes e dinheiro à farta, nesse caso não estais cônscio de vosso condicionamento. Mas, quando surge uma perturbação, quando vossa esposa olha para outro homem, ou perdeis vossa fortuna, ou vos vedes ameaçado pela guerra ou qualquer outra coisa que cause dor ou ansiedade — então sabeis que estais condicionado. Quando lutais contra uma perturbação qualquer ou vos defendeis de uma dada ameaça exterior ou interior, sabeis então que estais condicionado. E, como a maioria se vê perturbada na maior parte do tempo, seja superficialmente, seja profundamente, essa nossa própria perturbação indica que estamos condicionados. Enquanto um animal é mimado, reage agradavelmente, mas no momento em que se vê hostilizado, toda a violência de sua natureza se revela.

Vemo-nos perturbados a respeito da vida, da política, da situação econômica, do horror, da brutalidade e do sofrimento existentes tanto no mundo como em nós mesmos, e essa perturbação nos revela quão estreitamente condicionados estamos. Que devemos fazer? Aceitar a perturbação e ir vivendo com ela, como o faz a maioria dos homens? Acostumar-nos com ela, assim como nos acostumamos com uma dor nas costas? Conformar-nos com ela?

É tendência de todos nós conformar-nos com as coisas, acostumar-nos com elas, delas culpando as circunstâncias. "Ah, se as coisas estivessem correndo bem, eu seria diferente", dizemos, ou "Dai-me a oportunidade e eu me preencherei", ou "Esmaga-me a injustiça de tudo isso" — sempre a culparmos das nossas perturbações os outros ou o nosso ambiente ou a situação econômica.

Se nos acostumamos com a perturbação, isso significa que nossa mente se embota, assim como uma pessoa pode acostumar-se de tal maneira com a beleza que a cerca, que nem a nota mais. Tornamo-nos indiferentes, calejados, insensíveis, e nossa mente se embota mais e mais. Se não podemos acostumar-nos com a perturbação, dela tratamos de fugir, recorrendo a uma certa droga, ou ingressando num partido político, bradando, escrevendo, assistindo a uma partida de futebol, indo a uma igreja ou templo, ou procurando outro tipo de divertimento.

Por que razão fugimos dos fatos reais? Temos medo da morte — isso apenas para exemplo — e inventamos teorias, esperanças e crenças de toda espécie, para disfarçarmos o fato da morte, mas esse fato continua existente. Para compreendermos um fato cumpre olhá-lo e não fugir dele. Em geral, temos tanto medo do viver como do morrer. Temos medo de nossa família, da opinião pública, de perder nosso emprego, nossa segurança, medo de centenas de outras coisas. O fato simples é que temos medo, e não que temos medo disto ou daquilo. Mas, porque é que não podemos enfrentar esse fato?

Só podemos enfrentar um fato no presente; mas, se nunca o deixais estar presente, porque estais sempre a fugir dele, nunca podereis enfrentá-lo, e, tendo criado uma verdadeira rede de fugas, estamos dominados pelo hábito da fuga.

Ora, se sois sensível, sério, por pouco que seja, não só estareis cônscio de vosso condicionamento, mas também dos perigos dele decorrentes, da brutalidade e do ódio a que ele conduz. Por que então, se estais vendo o perigo de vosso condicionamento, não agis? É por que sois indolente? Indolência é falta de energia; entretanto, não vos faltará energia em presença de um perigo físico imediato — uma serpente no vosso caminho, um precipício, um incêndio. Por que então não agis ao verdes o perigo de vosso condicionamento? Se vísseis o perigo do nacionalismo para vossa própria segurança, não agiríeis?

A resposta é que não vedes. Por um processo intelectual de análise podeis ver que o nacionalismo leva à autodestruição, mas nisso não há nenhum conteúdo emocional. Só quando há esse conteúdo emocional, tendes vitalidade.

Se vedes o perigo de vosso condicionamento como um mero conceito intelectual, jamais fareis coisa alguma em relação a ele. No perceber um perigo como uma mera idéia, há conflito entre a idéia e a ação e esse conflito tira-vos a energia. Só quando vedes o condicionamento e o seu perigo imediatamente, tal como vedes um precipício, é só então que agis; portanto, ver é agir.

A maioria de nós percorre a vida desatentamente, reagindo sem pensar, de acordo com o ambiente em que fomos criados, e tais reações só acarretam mais servidão, mais condicionamento; mas, no momento em que aplicardes toda a atenção ao vosso condicionamento, ver-vos-eis inteiramente livres do passado; ele se desprenderá naturalmente de vós.

Krishnamurti - Liberte-se do Passado

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Busca do homem

Através das idades veio o homem buscando uma certa coisa além de si próprio, além do bem-estar material — uma coisa que se pode chamar verdade, Deus ou realidade, um estado atemporal — algo que não possa ser perturbado pelas circunstâncias, pelo pensamento ou pela corrupção humana.
O homem sempre indagou: Qual a finalidade de tudo isto? Tem a vida alguma significação? Vendo a enorme confusão reinante na vida, as brutalidades, as revoltas, as guerras, as intermináveis divisões dá religião, da ideologia, da nacionalidade, pergunta o homem, com um profundo sentimento de frustração, o que se deve fazer, o que é isso que se chama viver e se alguma coisa existe além de seus limites.
E, não podendo encontrar essa coisa sem nome e de mil nomes que sempre buscou, o homem cultivou a fé — fé num salvador ou num ideal, a fé que invariavelmente gera a violência.
Nesta batalha constante que chamamos "viver", procuramos estabelecer um código de conduta, conforme a sociedade em que somos criados, quer seja uma sociedade comunista, quer uma pretensa sociedade livre; aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição hinduísta, muçulmana, cristã ou outra. Esperamos que alguém nos diga o que é conduta justa ou injusta, pensamento correto ou incorreto e, pela observância desse padrão, nossa conduta e nosso pensar se tornam mecânicos, nossas reações, automáticas. Pode-se observar isso muito facilmente em nós mesmos.
Durante séculos fomos amparados por nossos instrutores, nossas autoridades, nossos livros, nossos santos. Pedimos: "Dizei-me tudo; mostrai-me o que existe além dos montes, das montanhas e da Terra" — e satisfazemo-nos com suas descrições, quer dizer, vivemos de palavras, e nossas vidas são superficiais e vazias. Não somos originais. Temos vivido das coisas que nos tem dito, ou guiados por nossas inclinações, nossas tendências, ou impelidos a aceitar pelas circunstâncias e o ambiente. Somos o resultado de toda espécie de influências e em nós nada existe de novo, nada descoberto por nós mesmos, nada original, inédito, claro.
Consoante a história teológica garantem-nos os guias religiosos que, se observarmos determinados rituais, recitarmos certas preces e versos sagrados, obedecermos a alguns padrões, refrearmos nossos desejos, controlarmos nossos pensamentos, sublimarmos nossas paixões, se nos abstivermos dos prazeres sexuais, então, após torturar suficientemente o corpo e o espírito, encontraremos uma certa coisa além desta vida desprezível. É isso o que tem feito, no decurso das idades, milhões de indivíduos ditos religiosos, quer pelo isolamento, nos desertos, nas montanhas, numa caverna, quer peregrinando de aldeia em aldeia a esmolar, quer em grupos, ingressando em mosteiros e forçando a mente a ajustar-se a padrões estabelecidos. Mas, a mente que foi torturada, subjugada, a mente que deseja fugir a toda agitação, que renunciou ao mundo exterior e se tornou embotada pela disciplina e o ajustamento — essa mente, por mais longamente que busque, o que achar será em conformidade com sua própria deformação.
Assim, para descobrir se de fato existe ou não alguma coisa além desta existência ansiosa, culpada, temerosa, competidora, parece-me necessário tomarmos um caminho completamente diferente. O caminho tradicional parte da periferia para dentro, para, através do tempo, da prática e da renúncia, atingir gradualmente aquela flor interior, aquela íntima beleza e amor — enfim, tudo fazer para nos tornarmos estreitos, vulgares e falsos; retirar as camadas uma a uma; precisar do tempo: amanhã ou na próxima vida chegaremos — e quando, afinal, atingimos o centro, não encontramos nada, porque nossa mente se tornou incapaz, embotada, insensível.
Após observar esse processo, perguntamos a nós mesmos se não haverá outro caminho totalmente diferente, isto é, se não teremos possibilidade de "explodir" do centro.
O mundo aceita e segue o caminho tradicional. A causa primária da desordem em nós existente é estarmos buscando a realidade prometida por outrem; mecanicamente seguimos todo aquele que nos garante uma vida espiritual confortável. É um fato verdadeiramente singular esse, que, embora em maioria sejamos contrários à tirania política e à ditadura, interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem, permitindo-lhe deformar a nossa mente e a nossa vida. Assim, se de todo rejeitarmos, não intelectual, porém realmente, a autoridade dita espiritual, as cerimônias, rituais e dogmas, isso significará que estamos sozinhos, em conflito com a sociedade; deixaremos de ser entes humanos respeitáveis. Ora, um ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de aproximar-se daquela infinita, imensurável realidade.
Começais agora por rejeitar uma coisa que é totalmente falsa — o caminho tradicional — mas, se o rejeitardes como reação, tereis criado outro padrão no qual vos vereis aprisionado como numa armadilha; se intelectualmente dizeis a vós mesmo que essa rejeição é uma idéia importante, e nada fazeis, não ireis mais longe. Se entretanto a rejeitardes por terdes compreendido quanto é estúpida "e imatura, se a rejeitais com alta inteligência, porque sois livre e sem medo, criareis muita perturbação dentro e ao redor de vós, mas vos livrareis da armadilha da respeitabilidade. Vereis então que cessou o vosso buscar. Esta é a primeira coisa que temos de aprender: não buscar. Quando buscais, agis, com efeito, como se estivésseis apenas a olhar vitrinas.

Krishnamurti 

domingo, 5 de agosto de 2012

A importância da energia da maturidade para a revolução radical

Creio que a maioria de nós percebe a necessidade de uma revolução radical de que resulte uma nova dimensão do pensamento, isto é, que comecemos a pensar num nível completamente diferente, pois, de modo nenhum podemos continuar como estamos, e sempre estivemos, ou seja repetindo um padrão e "funcionando" dentro de seu limites. O comportamento ou conduta restrita a um conceito... o funcionar dentro de um padrão constitui uma continuidade do que foi; e penso que a maioria de nós está bem consciente de que essa "revolução de repetição", não é a verdadeira revolução.
(...) Mas como, de que maneira e em que nível irá se realizar essa revolução? Veja o que está ocorrendo neste país: industrialmente, talvez esteja progredindo muito; cientificamente, um pouco atrasado, bastante na retaguarda, quem sabe, do Ocidente; mas, moral, intelectual e religiosamente, se acha estagnado... E se observa, também, que a mente, o próprio cérebro se tornou mecânico e, por conseguinte, repetitivo: lhe ensine um certo padrão de comportamento, certas normas de conduta, certas atitudes, desejos, ambições, etc., e ele ficará funcionando dentro desse canal, desse padrão. Observa-se tudo isso... tanta miséria, sordidez, ineficiência, absoluta falta de consideração por quem quer que seja, total ausência de afeição, de amor, a perpétua repetição de frases, idéias, teorias sobre a existência ou inexistência de Deus, o padrão socialista, o padrão religioso, o padrão comunista, etc.
Ora, observando-se tudo isso, se percebe a necessidade de uma radical transformação da própria natureza do cérebro. O cérebro, dizem os antropólogos, existe há dois milhões de anos. E podemos continuar por outros dois milhões de anos a repetir o mesmo padrão: sofrimento, dor, mulher, família, filhos, marido, disputas, nacionalidades, esquerda, direita, a asserção de que há Deus, a asserção de que não há Deus, de que devemos ser virtuosos, de que devemos isto ou aquilo. Podemos continuar indefinidamente a repetir o mesmo padrão — ligeiramente modificado, alterado, mas sempre repetido.
Pode-se, por conseguinte, ver que a própria natureza do cérebro deve passar por uma tremenda revolução — revolução que lhe interessa, não na qualidade de indivíduo unicamente interessado em seu pequeno cérebro, porém, na qualidade de ente humano.    
(...) É possível a você e a mim promover essa mutação no uso do próprio cérebro, uma revolução que não seja processo gradativo, no tempo, porém revolução, mutação imediata, resultante da compreensão imediata?  Quando falamos de "compreensão" entendemos, com efeito, que compreendemos alguma coisa imediatamente, e não que a "compreenderemos depois de amanhã" — não é exato? Em geral se entende, pela palavra "compreender", compreender imediatamente. Ela implica, por conseguinte a inexistência do amanhã... ou compreendemos uma coisa de imediato, ou não a compreendemos em absoluto. Buscar a compreensão por meio das ideias supõe o tempo, um período, uma distância que se tem que percorrer para atingir a compreensão, se tornar bom, se tornar não violento. Temos a ideia, temos a distância e, para percorrer essa distância, necessitamos de tempo; se trata por conseguinte, de um processo gradual. Esse é um  dos fatores constitutivos da mente que tão condicionada foi pelo tempo, que pensa que só através do tempo se pode alcançar alguma coisa... Esse é um dos tradicionais padrões de nosso pensamento, radicado no próprio cérebro. E perceber a sua falsidade é compreender a vital importância de uma completa transformação, agora mesmo.
(...) Ao perceberdes a verdade de que não existe amanhã, psicologicamente, então toda a estrutura cerebral, mental, emocional, psicológica, sofrerá uma tremenda transformação. A nosso ver, esta é a única revolução possível, atualmente, e quem sabe, sempre.
(...) Estamos falando da necessidade de uma tremenda revolução, uma revolução que, obviamente, tem de ser religiosa. Por "revolução religiosa" entendo uma revolução completa, total, não fragmentária. Trata-se da realidade total e não da realidade econômica, da realidade social, da realidade psicológica, que são realidades fragmentárias. E toda revolução fragmentária só levará a repetição do que foi, apenas modificado; isso tem sido provado repetidamente... A revolução francesa, a revolução comunista... Tais revoluções retornam sempre ao velho padrão, ao ponto de partida; após o massacre de milhões de pessoas, voltam ao mesmo e antigo padrão, em nível um pouco mais alto ou mais baixo.
(...) Percebe-se a necessidade dessa revolução; percebe-se que, para realiza-la, requer-se ardor, maturidade e energia. E como produzir essa maturidade e essa energia?... Como é possível isso?... Como produzir essa maturidade e essa energia? Ou ela não é produzível?  
(...) Percebemos a necessidade de uma revolução fundamental na própria estrutura do cérebro; "estrutura", não no sentido biológico, porém a estrutura de nosso pensar, o padrão de nossos pensamentos, impulsos, ânsias. Para se promover a revolução fundamental, necessita-se de grande quantidade de energia; e essa energia só pode tornar-se existente quando há maturidade — não a maturidade que pensamos poder alcançar mediante o ajuntamento de muitos fragmentos. Mas, como suscitar essa maturidade?
(...) Ora, quem poderá lhe dizer o que fazer a respeito deste problema? Você tem fé em algum líder, inclusive na pessoa que está sentada aqui neste estrado?... Por certo você tem toda confiança nos políticos, nos instrutores, nos homens religiosos; toda confiança nos livros, nesta ou naquela coisa "sagrada", e agora tudo isso perdeu sua significação, não é verdade? As guerras continuam; há ódio, aflição, confusão, fome; e os políticos oferecem o céu deles. Mas, infelizmente você não tem ninguém em quem confiar verdadeiramente — confiar verdadeiramente, e não teoricamente. Assim sendo, o que você fará? O que irá fazer?
(...) Quando você compreender, quando perceber, realmente que não há, fora de você, ninguém que possa lhe ajudar — você já não se achará no estado de maturidade? Você estará então livre do medo de errar, do medo de não fazer o que é certo. Você não acha?
Assim, a primeira dificuldade é compreender que não há sistema, religioso ou político, que não há ninguém, nenhum ditador religioso ou político que possa lhe ajudar. Ao perceber esse fato, realmente e não teoricamente, esse percebimento já não constitui uma verdadeira revolução da inteligência?

Krishnamurti — Uma nova maneira de agir — 20/11/1964

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sobre o despertar da Inteligência Amorosa

Eu me sentia supremente feliz, pois tinha visto. Nada mais seria como antes. Bebi das águas claras e puras da fonte da vida e minha sede foi aplacada. Nunca mais terei sede. Nunca mais estarei na escuridão total. Eu vi a Luz. Toquei a compaixão que cura toda a tristeza e todo sofrimento; não para mim, mas para o mundo. Estive no topo da montanha e olhei para os Seres poderosos. Vi a luz gloriosa e curadora. A fonte da Verdade foi-me revelada e as trevas, dissipadas. O amor, em toda a sua glória, inebriou meu coração; meu coração não mais poderá estar fechado. Bebi da fonte da Alegria e da Beleza eterna. Estou inebriado de Deus.(1)

Para mim há uma realidade; há uma realidade eterna e vivente - à qual você pode chamar Deus, imortalidade, eternidade, ou o que quiser. Há alguma coisa viva, criadora, que não pode ser descrita, porque a realidade frustra toda descrição. Nenhuma descrição da verdade pode ser duradoura, e não passará jamais de uma ilusão de palavras. Você não pode saber o que seja amor pela descrição de outrem; para conhecer o amor é preciso que você mesmo o experimente. Você não pode conhecer o gosto do sal enquanto não o provar por si mesmo. Entretanto, desperdiçamos tempo buscando uma descrição da verdade, em vez de procurarmos encontrar a maneira de realizá-la. Digo-lhe que não posso descrever, não posso exprimir em palavras essa vivente realidade que está além de toda idéia de progresso, de toda idéia de crescimento. Cuidado com o homem que tenta descrever essa vivente realidade: ela não pode ser descrita, tem de ser experimentada, vivida.(2) 

Eu realizei aquilo que para mim é a suprema felicidade - não a oriunda do prazer, mas a que promana dessa quietude interior que é a segurança da tranqüilidade, a realização da inteireza. Em tal estado não existe progresso, mas sim realização continua, na qual todos os problemas, toda as complexidades se esvaecem. Essa verdade, essa integridade interna, existe em todas as coisas; em todo o ser humano; e essa realidade interna jamais está ausente no que é mínimo como também jamais se exaure no que é Maximo. Para mim, a verdade, essa integridade de que falo, acha-se em todas as coisas. Portanto, a idéia de que você necessita progredir em direção a realidade, é uma idéia falsa. Não se pôde progredir na direção de uma coisa que sempre está presente. Não se trata de avançar para o exterior ou de voltar-se para o interior, mas sim de se libertar dessa consciência que se percebe a si mesma como separada. Quando você houver realizado tal integridade, verá que tal realidade não têm ela futuro nem passado; e todos os problemas relacionados com tais coisas desaparecem inteiramente. Uma vez que o homem realize isso, vem-lhe a tranqüilidade, não a da estagnação, porém a da criação, a do ser eterno. Para mim a realização desta verdade é a finalidade do homem.(3)

Quanto a mim, creio em uma realidade que existe de momento em momento e que, absolutamente, não se encontra na esfera do tempo. Essa realidade representa a única solução aos múltiplos problemas da nossa vida. Quando uma pessoa percebe essa realidade, ou quando ela surge, é ela um fator de libertação; mas nenhuma soma de argumentação intelectual, de disputa, de conflito econômico, social ou religioso, resolverá os problemas gerados pela mente.(4)

Pelo pensamento não se pode conceber o imensurável, porque o pensamento tem sempre medida. O sublime não está encerrado na estrutura do pensamento e da razão, nem tampouco é produto da emoção e do sentimento. A negação do pensamento é ação, (…) é amor. Se você está em busca do sublime, não o achará; ele deverá vir a você se tiver boa sorte e essa “boa sorte” é a janela aberta de seu coração, e não do pensamento.(5)

Assim, Deus, ou a Verdade, (…) é uma coisa que vem à existência momento a momento, e que só acontece num estado de liberdade e espontaneidade, (…). Deus não é coisa da mente, não se manifesta por meio de autoprojeções; só vem quando há virtude, que é liberdade. Virtude é ver diretamente o fato como ele é, e o ver o fato é um estado de felicidade. Só quando a mente transborda de felicidade, quando está tranqüila, sem nenhum movimento próprio, (…) projeção do pensamento, consciente ou inconsciente - só então desponta na existência o eterno.(6)

O abandono da personalidade, do “eu”, não se dá por ato de vontade; a travessia para a outra margem não é uma atividade dirigida para um fim ou ganho. A Realidade apresenta se na plenitude do silêncio e da sabedoria. Você não pode chamar a Realidade, ela deverá vir por si mesma; você não pode escolher a Realidade, ela é que deverá lhe escolher.(7)

Que nos está impedindo de dar o salto? O que nos impede é a tradição, que é memória, que é experiência (…). Tanto nos satisfazemos com palavras, com explicações, que não damos o salto, mesmo percebendo a necessidade de saltar. Alvitra-se que não ousamos nos lançar à corrente porque temos medo do desconhecido. Mas, me é possível saber o que acontecerá, me é possível conhecer o desconhecido? Se eu o conhecesse, não haveria então temor algum - e não seria o desconhecido. Nunca me será dado conhecer o desconhecido, se não me aventuro.(8)

O que estou dizendo é que, para viver com grandeza, para pensar criativamente, tem o indivíduo de estar por completo aberto à vida, isento de quaisquer reações autoprotetoras, tal como se dá quando você se acha enamorado. Você tem, pois, de estar enamorado da vida. Isso exige grande inteligência, não informações ou conhecimentos, porém sim essa grande inteligência que desperta quando você defronta a vida abertamente, completamente, quando a mente e o coração estiverem por completo vulneráveis em face da vida.(9)

Enquanto a mente está ativa, formulando, fabricando, inventando, criticando, não pode haver criação; e eu lhe asseguro que a criação vem silenciosamente, com extraordinária rapidez, sem compulsão, ao você compreender a verdade de que a mente precisa estar vazia, para que se realize a criação. Ao perceber a verdade disso, então, instantaneamente, há criação. (…) A criação só se realiza quando a mente, com seus motivos e sua corrupção, deixa de funcionar. (…) Assim, a única coisa necessária é que a mente, que é pensamento, deixe de funcionar; e então, lhe asseguro, você conhecerá a criação. Só há criação quando a mente, compreendendo sua própria insuficiência, (…) pobreza, (…) solidão, finda. Estando cônscia de si mesma, ela põe fim a si própria; então, aquilo que é criador (…), imensurável, aparece, sutil e velozmente.(10) 

Se você quiser conhecer a beatitude da verdade, deve se tornar plenamente apercebido dessas barreiras autodefensivas e derrubá-las. Isso exige um esforço contínuo e firme. A maior parte das pessoas não deseja fazer esse esforço. Querem antes que se lhes diga exatamente o que devem fazer, (…) assemelham-se a máquinas (…) Enquanto você, (…) voluntariamente, não se libertar dessas ilusões, não pode haver compreensão da verdade. Ao dissolver essas ilusões de autoproteção, a mente desperta para a realidade e para o êxtase da realidade.(11)

O êxtase da Realidade encontra-se pela inteligência desperta e no mais alto grau de intensidade. Inteligência não significa cultivo da memória ou da razão, mas, sim, uma percepção da qual é banida a identificação e a escolha.(12)

Só mediante seu pessoal discernimento sobre a causa do sofrimento, e não pelas explanações de outrem, é que podem ser abertos os portais da máxima beatitude, que conduzem ao êxtase do entendimento.(13)

O êxtase do entendimento vem somente quando há grande descontentamento, quando, em torno de você, todos os falsos valores forem destruídos.(14) 

Nesse estado de êxtase, de extrema alegria, tendo perdido a única coisa que lhe prende em baixo, o “eu”, você encontrará a única fonte de inspiração, a única beleza de que necessita, e a única verdade digna de a ela aderir, de por ela lutar, digna de que se sacrifiquem todas as coisas para obtê-la.(15)

Você não pode ser feliz enquanto não fizer a felicidade de outros, e você só pode tornar outros felizes, se você houver entrado nesse Reino (…) obedecido, (…) colhido os murmúrios daquela Voz que é Eterna. Só desse modo poderá guiar homens, lher dar felicidade, (…) coragem na luta pela nobreza, animá-los para escutarem seus próprios murmúrios da Divindade.(16)

Enquanto o centro estiver criando a escuridão, e o pensamento estiver operando nela, haverá a desordem, e a sociedade será como é agora. Para nos afastarmos disso, temos de ter a visão intuitiva. A visão intuitiva só pode ocorrer quando há um lampejo, uma luz repentina, que elimina não apenas a escuridão como também o seu criador.(17)

A mente iluminada não pede mais luz - ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante em instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, indene. Só a mente iluminada, a mente sã, pode ver o que está fora dos limites do tempo.(18)

Fontes das citações:
(1) Krishnamurti - Vida e Morte de Krishnamurti - Teosófica
(2) Krishnamurti - Coletânea de Palestras, 1931
(3) Krishnamurti - Senhor do Dia de Amanhã
(5) A Outra Margem do Caminho, pág. 56
(6) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 184
(7) O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 84-85
(8) Que Estamos Buscando?, pág. 93-94
(9) Palestras em New York City, 1935, pág. 60 
(10) A Arte da Libertação, pág. 177- 178 
(11) Palestras no Chile e México, 1935, pág. 76-77
(12) O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 199
(13) Palestras no Brasil, pág. 72-73
(14) Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 135 
(15) O Reino da Felicidade, pág. 62 
(16) O Reino da Felicidade, pág. 59 
(17) A eliminação do tempo psicológico 
(18) Krishnamurti - Saanen, Suiça, 30 de julho de 1964

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Quando o pensamento cessa

É estranha a importância que damos à palavra impressa, aos chamados livros sagrados. Os estudiosos, como os leigos, são aparelhos que reproduzem sons gravados; eles continuam repetindo as gravações por mais que elas possam ser alteradas com freqüência. Estão interessados em conhecimento e não na experiênciação. Ele é um impedimento à experienciação. Mas é um abrigo seguro, a preservação de uns poucos; e como os ignorantes ficam impressionados com o conhecimento, o conhecedor é respeitado e reverenciado. O conhecimento é um vício, como a bebida alcoólica; ele não traz entendimento. O conhecimento pode ser ensinado, mas não a sabedoria; deve haver libertação do conhecimento para a chegada da sabedoria. O conhecimento não é moeda de compra da sabedoria; mas o homem que entrou no refúgio do conhecimento não se arrisca a sair, pois a palavra alimenta seu pensamento e ele fica gratificado com o pensar, que é um impedimento para o experienciar; e não há sabedoria sem experienciar. O conhecimento, a idéia e a crença atrapalham a sabedoria.

Uma mente ocupada não é livre, espontânea, e somente na espontaneidade pode haver descoberta. Uma mente ocupada está fechada em si mesma; é inacessível, não vulnerável, e nisso está sua segurança. O pensamento, por sua própria estrutura, é isolador; ele não pode se tornar vulnerável. O pensamento não pode ser espontâneo, ele jamais pode ser livre. O pensamento é a continuação do passado e aquilo que continua não pode ser livre. Só existe liberdade naquilo que tem fim.

A mente ocupada cria aquilo com que ela está trabalhando – pode fabricar o carro de bois ou o avião a jato. Nós podemos pensar que somos estúpidos, e somos estúpidos. Podemos pensar que somos Deus, e somos nossa própria concepção: “Eu sou Esse”.

“Mas certamente, é melhor estar ocupado com as coisas de Deus do que com as coisas do mundo, não é?”
O que pensamos, somos; mas é o entendimento do processo do pensamento que importa, não o que pensamos. Se pensamos sobre Deus ou sobre a bebida, não importa; cada um tem seu efeito particular; mas em ambos os casos o pensamento está ocupado com sua própria projeção. Idéias, ideais, metas e assim por diante são, todas, projeções ou extensões do pensamento. Estar ocupado com as próprias projeções, em qualquer nível, é cultuar o Eu. O Eu, com um “E” maiúsculo, é ainda a projeção do pensamento. Seja o que for que ocupe o pensamento, é o que é; e o que é, nada mais é do que pensamento. Assim, é importante entender o processo do pensamento.

O pensamento é a reação ao desafio, não e? Sem desafio não há pensamento. O processo de desafio e reação é experiência; e experiência verbalizada é pensamento. A experiência não é somente do passado, mas também do passado em combinação com o presente; é o consciente, assim como o oculto. Esse resíduo de experiência é memória, influencia; e reação da memória, do passado, é o pensamento.

“Mas isso é tudo que existe no pensamento? Não existe maior profundidade no pensamento do que a mera reação da memória?”
O pensamento pode se colocar em diferentes níveis, e o faz, o estúpido e o profundo, o nobre e o desprezível; mas ainda é pensamento, não é? O Deus do pensamento ainda é da mente, da palavra. O pensamento de Deus não é Deus, é meramente a reação da memória. A memória é duradoura, e portanto pode parecer profunda; mas por sua própria estrutura ela nunca poderá ser profunda. A memória pode estar oculta, fora da visão imediata, mas isso não a torna profunda. O pensamento nunca pode ser profundo ou nada além do que o Eu é. O pensamento pode atribuir-se maior valor, mas continua a ser pensamento. Quando a mente está ocupada com sua própria projeção, não foi além do pensamento, somente assumiu um novo papel, uma nova pose; sob o disfarce, ainda é pensamento.

“Mas como pode alguém ir além do pensamento?”
Esse não é o ponto, é? Alguém não pode ir além do pensamento, pois o “alguém”, o criador do esforço, é resultado do pensamento. Na descoberta do processo do pensamento, que é autoconhecimento, a verdade do que é acaba com o processo do pensamento. A verdade do que é não pode ser encontrada em qualquer livro, antigo ou moderno. O que é encontrado é a palavra, mas não a verdade?”

“Então, como o individuo encontra a verdade?”
O individuo não a encontra. O esforço de encontrar a verdade produz um fim projetado; e esse fim não é a verdade. O resultado não é a verdade; o resultado é a continuação do pensamento, estendido ou projetado. Somente quando o pensamento termina existe a verdade. Não há o fim do pensamento pela compulsão, pela disciplina, por qualquer forma de resistência. Ouvir a historia do que é produz sua própria libertação. É a verdade que liberta, não o esforço para ser livre.

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