sábado, 30 de novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

sábado, 16 de novembro de 2013

A morte do místico, Jiddu Krishnamurti, por Osho

Jiddu Krishnamurti morreu segunda-feira passada, em Ojai, na califórnia. No passado você falou dele como um ser iluminado. Você poderia, por favor, comentar sobre a sua morte?

“a morte de um ser iluminado como j. Krishnamurti não é algo para se estar triste é algo a ser comemorado com músicas e danças. É um momento de regozijo.

Sua morte não é uma morte. Ele conhece a sua imortalidade. A sua morte é apenas a morte do corpo como organismo. Mas Jiddu Krishnamurti vai continuar a viver na consciência universal, para sempre e sempre.

Apenas três dias antes de Jiddu Krishnamurti ter morrido, um dos meus amigos estava com ele e me informou que as suas palavras para ele foram muito estranhas. Jiddu Krishnamurti estava muito triste e ele simplesmente disse uma coisa: "eu perdi a minha vida. As pessoas estavam me ouvindo como se eu fosse um entretenimento".

O místico é uma revolução, ele não é um entretenimento.

Se você o ouvir, se você o deixar, se você abrir as portas para ele, ele é puro fogo. Ele vai queimar tudo que é lixo em você, tudo que é velho em você, ele vai transformá-lo, purificá-lo em um novo ser humano. É arriscado permitir o fogo queimar seu ser, ao invés de abrir as portas, você imediatamente fecha todas as portas.

Mas entretenimento é outra coisa. Ele não transforma você. Ele não o torna mais consciente, ao contrário, ele ajuda você a ficar mais inconsciente por duas, três horas, para que você possa esquecer todos os seus medos, preocupações, ansiedades, de modo que você pode se perder no entretenimento. Você pode notar isso: como o ser humano vem passando através dos séculos, ele conseguiu criar mais e mais entretenimento, porque ele precisa cada vez mais estar inconsciente.

Ele tem medo de ser consciente, porque estar consciente significa passar por uma metamorfose, uma transmutação, uma transformação.

Eu fiquei mais chocado com a notícia do que com a morte. Um homem como Jiddu Krishnamurti morre e os jornais não têm espaço para se dedicar a esse homem que durante 90 anos continuamente veio ajudar a humanidade a ser mais inteligente, a ser mais madura. Ninguém trabalhou tão duro e por tanto tempo. Foi publicada apenas uma notícia pequena, imperceptível e se um político espirra ele faz manchetes."

Osho

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um olhar sobre nossas relações - IV

O que chamamos relação,
é isolamento

A vida é experiência, experiência em relação. Não se pode viver no isolamento; a vida portanto, é relação, e relação é ação. E como adquirir a capacidade de compreender as relações, que é a vida? Não significam as relações, não só comunhão com pessoas, mas também intimidade com coisas e ideias? A vida são relações, que se expressam no contato com coisas, pessoas, ideias. Compreendendo as relações, teremos capacidade para enfrentar a vida de maneira completa, adequada. Nosso problema, portanto, não é ter capacidade — pois esta não é independente das relações — porém, antes, compreender as relações, o que naturalmente produzirá a capacidade de pronta flexibilidade, pronto ajustamento, pronta reação.

As relações, sem dúvida, são um espelho em que nos descobrimos. Sem relações não existimos. Ser é estar em relação, estar em relação é existir. Só existis em relação, de outro modo não existis, a existência nada significa. Não é porque pensais, que existis, que vos tornais existentes. Existis porque estais em relação, e é a falta de compreensão das relações que causa conflito.

Ora, não há compreensão das relações porque nos servimos delas apenas como meio de promover alguma realização, promover transformação, promover o "vir a ser". Mas as relações são um meio de autodescobrimento, porque estar em relação é ser, é existência. Sem relações, não existo. Para compreender a mim mesmo, preciso compreender as relações. As relações são um espelho, em que posso ver-me, a mim mesmo. Esse espelho pode deformar ou refletir fielmente o que é. Mas a maioria de nós vê nas relações as coisas que prefere ver; não vê o que é. Preferimos idealizar, fugir, preferimos viver no futuro, a compreender aquelas relações no presente imediato.

Ora, se examinarmos nossa vida, as relações existentes entre nós, veremos que elas constituem um processo de isolamento. Não estamos verdadeiramente interessados uns nos outros; embora falemos muito a esse respeito, não estamos de fato interessados. Só estamos em relação com alguém enquanto essas relações nos agradam, enquanto nos proporcionam um refúgio, enquanto nos satisfazem. No momento em que ocorre qualquer perturbação, causadora de desconforto para nós, abandonamos essas relações. Em outras palavras, só há relações enquanto estamos satisfeitos. Isso pode parecer uma maneira rude de falar, mas se examinardes realmente vossa vida, com muita atenção, vereis que é um fato. Evitar um fato é viver na ignorância, que nunca pode produzir relações corretas. Se examinarmos nossas vidas e observarmos nossas relações, veremos que elas são um processo de criação mútua de resistência, de uma muralha por sobre a qual nos olhamos e nos observamos, uns aos outros. Conservamos sempre a muralha e permanecemos atrás dela, quer seja da muralha psicológica, quer seja da material, da muralha econômica, da muralha nacional. Enquanto vivemos no isolamento, atrás da muralha, não há relações entre nós. Vivemos fechados, porque achamos muito mais agradável, muito mais seguro. O mundo está tão fracionado, há tanto sofrimento, tanta dor, guerra, destruição, miséria, que desejamos fugir e viver dentro das muralhas protetoras de nosso ser psicológico. As relações, pois, no caso de quase todos nós, são, de fato, um processo de isolamento, e é bem óbvio que tais relações criam uma sociedade, também causadora de isolamento. É isso, exatamente, o que está acontecendo no mundo inteiro: vós permaneceis no vosso isolamento, e estendeis a mão por cima da muralha, chamando a isso nacionalismo, fraternidade, ou o que quiserdes, mas o fato é que continuam a existir os governos soberanos, com seus exércitos. Enquanto apegados às vossas limitações, pensais poder criar a unidade mundial, a paz mundial — coisa de todo impossível. Enquanto tiverdes uma fronteira nacional, econômica, religiosa, ou social, é bem claro que não pode haver paz no mundo.

O processo de isolamento está ligado à busca de poder. Quer estejamos buscando o poder individualmente, quer para um grupo racial ou nacional, haverá isolamento, porque o próprio desejo de poder, de posição, é separatismo. Afinal, é isso o que cada um deseja, não é verdade? Cada um quer ocupar uma posição poderosa, uma posição de domínio, seja no lar, seja no escritório, seja num regime burocrático. Procura cada um o poder e nessa busca de poder fundará uma sociedade baseada no poder — militar, industrial, econômico, etc. — o que também é evidente. O desejo de poder não é, por sua própria natureza, causador de isolamento? Julgo muito importante compreender isso, porque o homem que deseja um mundo pacífico, um mundo em que não haja guerras, não haja destruição e miséria, em escala aterradora, imensurável, deve compreender esta questão fundamental. Um homem afetuoso, benevolente, não tem espírito de poderio e portanto não está ligado a nacionalidade nem a bandeira alguma. Esse homem não tem bandeira.

Não há coisa tal como viver no isolamento; nenhum país, nenhum povo, nenhum indivíduo pode viver no isolamento. Entretanto, porque estais em busca de poder, de tantas maneiras diferentes, criais o isolamento. O nacionalista é uma praga, porque, com seu espírito nacionalista, patriótico, está construindo uma muralha de isolamento. Tão identificado está com seu país, que ergue uma muralha contra outro país. Que acontece quando construímos uma muralha contra alguma coisa? Essa coisa fica a chocar-se constantemente contra vossa muralha. Quando resistis a uma coisa, essa própria resistência indica que estais em conflito com ela. O nacionalismo, por consequência, que é um processo de isolamento, que é um resultado de busca de poder, não pode trazer paz no mundo. O homem que é nacionalista e fala de fraternidade, está mentindo, está vivendo em estado de contradição.

Pode-se viver no mundo sem o desejo de poder, de posição, de autoridade? Pode-se, é claro. Vivemos assim quando não nos identificamos com uma coisa "maior". Essa identificação com uma coisa "maior" — o partido, a pátria, a raça, a religião, Deus — é busca de poder. Porque vós mesmos sois vazios, embotados, sois fracos, gostais de identificar-vos com uma coisa maior. Esse desejo de identificação com uma coisa maior é desejo de poder.

As relações são um processo de auto-revelação e se, desconhecendo a nós mesmos, desconhecendo as tendências de nossa mente e do nosso coração, procuramos apenas estabelecer uma ordem externa, um sistema, uma fórmula engenhosa, o que estabelecermos terá pouca significação. O importante é que compreendamos a nós mesmos em relação com os outros. As relações se tornam, assim, não um processo de isolamento, mas um processo no qual descobrimos nossos próprios "motivos", nossos próprios pensamentos, nossos próprios desígnios; e esta descoberta é o começo da libertação, o começo da transformação.

  Jiddu Krishnamurti — A primeira e última liberdade     

Um olhar sobre nossas relações - I

É possível haver algum relacionamento entre nós quando usamos a nós mesmos para nossa satisfação mútua? Quando você usa outra pessoa para seu conforto, como usa um móvel, você está se relacionando com aquela pessoa? Você está se relacionando com o móvel? Você pode chamá-lo de seu e isso é tudo; mas você não tem um relacionamento com ele. De modo semelhante, quando você usa outra pessoa em seu proveito psicológico ou físico, geralmente chama essa pessoa de sua, você a possui; e a posse é relacionamento? O Estado usa o indivíduo e o chama de seu cidadão; mas ele não tem relacionamento com o indivíduo. Ele simplesmente o usa, como uma ferramenta. Uma ferramente é uma coisa morta, e não pode haver relacionamento com aquilo que está morto. Quando usamos o homem com um propósito, ainda que nobre, nós o queremos com um instrumento, uma coisa morta. Não podemos usar uma coisa viva, então nossa demanda é por coisas mortas. O uso de outro torna aquela pessoa o instrumento morto de nossa satisfação. O relacionamento pode existir apenas entre os vivos, e o uso é um processo de isolamento. É esse processo de isolamento que gera conflito, antagonismo entre o homem e o homem.

(...)
A existência é relacionamento; existir é estar relacionado. Relacionamento é sociedade. A estrutura de nossa sociedade atual, por se basear no uso mútuo, produz violência, destruição e infelicidade; e se o suposto Estado revolucionário não alterar os fundamentos desse uso, só poderá produzir, talvez um nível diferente, ainda mais conflito, confusão e antagonismo. Enquanto precisarmos psicologicamente um dos outros, e nos usarmos não poderá haver relacionamento. Relacionamento é comunhão; e como poderá haver comunhão se houver exploração? Exploração envolve medo — e o medo, inevitavelmente, leva a todo tipo de ilusões e infelicidade. O conflito só existe na exploração, e não no relacionamento. O conflito, a oposição e a inimizade existem entre nós quando há o uso de outro como um meio de prazer, de realização. Esse conflito, obviamente, não pode ser resolvido pelo uso dele mesmo como um meio para uma meta autoprojetada; e todos os ideais, todas as utopias, são autoprojetados. perceber isso é essencial, pois assim conseguiremos experienciar a verdade de que o conflito em qualquer forma destrói o relacionamento, o entendimento. Só há entendimento quando a mente está silenciosa; e a mente não está silenciosa quando está presa a uma ideologia, dogma ou crença ou quando está associada ao padrão da própria experiência, de suas lembranças. A mente não está silenciosa quando ela é disciplinada, controlada e verificada; essa mente é uma mente morta, está se isolando por meio de várias formas de resistência, criando assim, inevitavelmente, infelicidade para si mesma e para os outros.

A mente só está silenciosa quando não está presa em pensamentos, que é a rede da própria atividade. Quando a mente está quieta, não tornada quieta, um fator verdadeiro, o amor, toma forma.

  Jiddu Krishnamurti

Um olhar sobre nossas relações - II

Família: o auto-interesse egocentrado

Você considera o casamento uma instituição para estabelecer uma família? A família não é uma unidade em oposição à sociedade? Não é o centro do qual todas as atividades se irradiam, um relacionamento exclusivo que domina todas as outras formas de relacionamento? Ela não é uma atividade fechada em si mesma que produz divisão, separação, o importante e o humilde, o poderoso e o fraco? A família como um sistema parece resistir a tudo; cada família se opõe a outras famílias, outros grupos. A família, como sua propriedade, não é uma das causas da guerra?

(...) A família como está agora é uma unidade de relacionamento limitado, fechada em si mesma e exclusiva. Os reformadores e os supostos revolucionários tentaram abolir esse espírito de família exclusivista que gera todo tipo de atividade antissocial; mas ela é um centro de estabilidade como o oposto da insegurança, e a atual estrutura social no mundo inteiro não pode existir sem essa segurança. A família não é uma simples unidade econômica, qualquer esforço para resolver essa questão nesse nível obviamente fracassará. O desejo por segurança não é apenas econômico, mas muito mais profundo e complexo. Se o homem destruir a família, encontrará outras formas de segurança por meio do Estado, do coletivo, da crença e assim por diante, que, por sua vez, gerará os próprios problemas. Precisamos entender o desejo por segurança interior e psicológica, e não simplesmente substituir um padrão de segurança por outro.

Então o problema não é a família, mas o desejo de estar seguro. O desejo de segurança não é, em qualquer nível, exclusivo? Esse espírito de exclusividade revela-se na família, na propriedade, no Estado, na religião, etc. Esse desejo de segurança interior não estabelece formas exteriores de segurança  que são sempre exclusivas? O próprio desejo de estar seguro destrói a segurança. Exclusão e separação devem, inevitavelmente, produzir desintegração; o nacionalismo, o antagonismo de classes e a guerra são seus sintomas. A família como meio de segurança interior é uma fonte de desordem e catástrofe social.

(...) Somente quando não procurarmos a segurança interior é que poderemos viver exteriormente seguros. Enquanto a família for o centro da segurança, haverá desintegração social; enquanto a família for usada como um meio para um fim autoprotetor, deverá haver conflito e infelicidade.(...) Enquanto eu usá-la, ou outra pessoa, para minha segurança psicológica, interior, terei de ser exclusivo; eu serei o mais importante, eu terei o maior significado; é a minha família, a minha propriedade. O relacionamento de utilidade é baseado na violência; a família como meio de segurança interior mútua provoca conflito e confusão.

(...) Usar o outro como meio de satisfação e segurança não é amor. O amor nunca é segurança; o amor é um estado no qual não há o desejo de estar seguro; é um estado de vulnerabilidade; é o único estado no qual a exclusividade, a animosidade e o ódio são impossíveis. Nesse estado, a família pode tomar forma, mas ela não será exclusiva, fechada em si mesma.

(...) É bom estar consciente dos comportamentos habituais do próprio pensamento. O desejo interior de segurança expressa-se exteriormente pela exclusão e violência, e, enquanto seu processo não for totalmente entendido, não poderá haver amor. O amor não é outro refúgio na busca por segurança. O desejo por segurança precisa cessar totalmente para o amor existir. O amor não é algo que possa ser produzido por meio da compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a própria negação do amor.(...) Só o amor pode produzir uma revolução ou transformação radical no relacionamento; e o amor não é um produto da mente. O pensamento pode planejar e formular estruturas magníficas de esperança, mas só levará a mais conflito, confusão e infelicidade. O amor existe quando a mente astuta e fechada em si mesma não existe.

 Jiddu Krishnamurti — Comentários sobre o viver 

Um olhar sobre nossas relações - III

A complexidade dos relacionamentos

Relacionamentos são complexos e difíceis, e poucos conseguem sair deles ilesos. Embora quiséssemos que fosse estático, duradouro e contínuo, o relacionamento é um movimento, um processo que deve ser profunda e completamente entendido, e não forçado a se conformar a um padrão interno ou externo. A conformidade, que é a estrutura social, perde seu peso e autoridade somente quando há amor. O amor no relacionamento é um processo purificador, pois revela os mecanismos do Eu. Sem essa revelação, o relacionamento tem pouca importância.

Mas como lutamos contra essa revelação! A luta assume muitas formas: controle ou submissão, medo ou esperança, ciúme ou aceitação e assim por diante. A dificuldade é que nós não amamos; e se de fato amamos, queremos que isso funcione e uma forma particular, não lhe damos liberdade. Nós amamos com nossas mentes e não com os nossos corações. A mente pode se modificar, mas o amor, não. A mente pode se tornar invulnerável, mas o amor, não; a mente pode sempre se retrair, ser exclusivista, tornar-se pessoal ou impessoal. O amor não é para ser comparado e tolhido. Nossa dificuldade está naquilo que chamamos de amor, que realmente é da mente. Enchemos nossos corações com as coisas da mente e mantemos nossos corações sempre vazios e cheios de expectativas. É a mente que se apega, que é ciumenta, que controla e destrói. Nossa vida é dominada pelos centros físicos e pela mente. Nós não amamos e deixamos em paz, mas ansiamos ser amados; nós damos a fim de receber, que é a generosidade da mente, não do coração. A mente está sempre buscando garantia, segurança; e pode o amor ser garantido pela mente? Pode a mente, cuja própria essência é temporal, perceber o amor, que é sua própria eternidade?

Mas mesmo o amor do coração tem seus próprios truques; pois corrompemos tanto nosso coração que ele é hesitante e confuso. É isso que torna a vida tão dolorosa e cansativa. Em um momento nós achamos que temos amor e no próximo ele é perdido. Aí entra uma força imponderável, que não é da mente, cujas fontes não podem ser sondadas. Essa força é mais uma vez destruída pela mente; pois nessa batalha a mente, invariavelmente, parece ser a vitoriosa. Esse conflito dentro de nós mesmo não será resolvido pela mente astuta ou pelo coração hesitante. Não há um meio, uma maneira de fazer esse conflito terminar. A própria busca por um meio é outro anseio da mente por domínio, para livrar-se do conflito e ficar tranquila, para ter amor, para tornar-se algo.

Nossa maior dificuldade é estar ampla e profundamente atentos ao fato de que não existem meios para o amor como um objetivo desejável da mente. Quando entendemos isso real e profundamente, há uma possibilidade de receber algo que não é desse mundo. Sem o toque desse algo, façamos o que quisermos, não poderá haver felicidade duradoura no relacionamento. Se você receber essa graça e eu não, naturalmente, estaremos em conflito. Você pode não estar em conflito, mas eu estarei; e em minha dor e tristeza eu me desligarei. A dor é tão exclusiva quanto o prazer, e até que exista aquele amor que não seja uma construção minha, o relacionamento será dor. Se houver a benção daquele amor, você nada poderá fazer a não ser me amar pelo que sou, pois então não moldará o amor segundo o meu comportamento. Quaisquer que sejam os truques da mente, somos independentes; embora possamos estar em contato um com o outro em alguns pontos, a integração não é com você, mas dentro de mim. Essa integração não é resultado da mente em nenhum momento; ela toma forma somente quando a mente está inteiramente silenciosa, tendo alcançado o limite da suas forças. Somente assim não existe dor no relacionamento.

Jiddu Krishnamurti — Comentários sobre o viver       

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Posso livrar-me da rede de linguagem?

Brockwood Park 1978 - Conversa 1

sábado, 19 de outubro de 2013

sábado, 31 de agosto de 2013

A verdade não lhe pertence, nem a mim

Você não pode achar a verdade por intermédio de ninguém. Como o pode? A verdade, de certo, não é uma coisa estática; não tem morada fixa; não é um fim, um alvo. Pelo contrário, é viva, dinâmica, ativa, cheia de vitalidade. Como pode ser um fim? Se a verdade fosse um ponto fixo, não seria a verdade; seria mera opinião. Senhor, a verdade é o desconhecido, e a mente que procura a verdade a verdade nunca a achará. Porque a mente está constituída do conhecido, é resultado do passado, produto do tempo — e isso pode observar por si mesmo. A mente é o instrumento do conhecido e, por consequência, não pode achar o desconhecido; só pode mover-se do conhecido para o conhecido. Quando a mente procura a verdade, a verdade que leu nos livros, essa “verdade” é uma auto-projeção; porque em tal caso, a mente apenas está em busca do conhecido, um conhecido mais agradável do que o anterior. Quando a mente procura a verdade, está em procura de sua própria projeção, e não da verdade. Afinal de contas, todo ideal é auto-projeção; é fictício, irreal. O que existe é o que é, e o oposto não existe. Mas uma mente que busca a realidade, que busca a Deus, está em busca do conhecido. Quando você pensa em Deus, seu Deus é “projeção” do seu próprio pensamento, resultado de influências sociais. Só se pode pensar no conhecido; você não pode pensar no desconhecido; não pode se concentrar na verdade. No momento em que pensa no desconhecido, ele não é mais que o conhecido, de você mesmo projetado. Assim, Deus, ou a verdade, não podem ser pensados. Se você pensa nela, não é a verdade. A verdade não pode ser procurada; ela vem a nós. Só podemos procurar o que é conhecido. Quando a mente não é torturada pelo conhecido, pelos efeitos do conhecido, só então a verdade pode revelar-se. A verdade se encontra em cada folha, em cada lágrima; ela tem de ser conhecida de momento a momento. Ninguém pode lhe levar à verdade; e se alguém lhe guia, só pode levar-lhe ao conhecido.

A verdade só pode manifestar-se na mente que está livre do conhecido. Ela surge num estado em que o conhecido está ausente, não funciona. A mente é o depósito do conhecido, o resíduo do conhecido; e para que a mente esteja naquele estado no qual o desconhecido se manifesta, tem de estar cônscia de si mesma, de suas experiências anteriores, tanto conscientes como inconscientes, das suas respostas, reações, da sua estrutura. Quando há autoconhecimento completo, o conhecimento termina, e a mente fica completamente vazia do conhecido. Só então a verdade pode vir até você, sem ter sido chamada. A verdade não lhe pertence, nem a mim. Não podemos adorá-la. No momento em que a conhecemos, ela é irreal. O símbolo não é real, a imagem não é real; mas quando há compreensão do “eu”, desaparecimento do “eu”, desponta então a eternidade.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?     


O aguçamento da percepção pelo observar da dor

Breve relato sobre a adicção livresca por conhecimento

Percepções sobre experiência, achismo e autoafirmação

Pode haver uma mente eterna?

Por que, inicialmente, a mensagem de K soa abstrata?

A empatia chega com a honestidade emocional

Sendo apenas um instrumento da mensagem

Sobre o entrave das palavras

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A experiência do abençoado estado

Todo pensamento e sentimento se desvaneceram deixando o cérebro imóvel e quieto... Desperto e sensível, o cérebro observava tudo sem reagir, sem experimentar; embora livre ainda de qualquer movimento interno, não estava insensibilizado ou drogado pela memória. De repente, a sublime presença daquela coisa singular sem impunha com toda a sua força, não apenas no mundo exterior, mas também nos mais íntimos recessos daquilo que antes fizera parte da mente. O pensamento tem seus limites, resultantes da reação; todo e qualquer motivo serve de molde ao pensamento e ao sentimento; a experiência vem do passado e o reconhecimento é sempre do conhecido. Mas, aquele abençoado estado não deixava marcas, pois sua forte, nítida e impenetrável presença tinha a intensidade da chama sem cinzas. O êxtase que vinha dali não deixava vestígios na memória, porquanto não havia o ato de experimentar. Ele simplesmente existia, em total liberdade, alheio à busca e às lembranças.

Não existe a possibilidade de o passado encontrar-se com o incognoscível; nada os poderia reunir; nenhuma ponte ou caminho nos permitirão conhecer aquela desconhecida benção. Jamais se deu o encontro de ambos, pois o passado deve simplesmente findar para que se revele o grandioso mistério daquela coisa singular.  

Jiddu Krishnamurti — 23 de janeiro de 1962

domingo, 25 de agosto de 2013

O entrave da “cortina de palavras” do intelecto

Pergunta: Você diz que, para haver compreensão, a mente, a memória e o processo do pensamento precisam desaparecer; todavia, você está nos comunicando algo. O que você diz representa experiência de algo do passado, ou o experimenta no momento em que o comunica?

Krishnamurti: Quando é que vocês se comunicam? Quando é que comunicam ao outro a experiência de vocês? Depois de ter tido a experiência, e não no momento do experimentar. A comunicação não é mais do que um resultado anterior. Precisam da memória, das palavras, dos gestos, para transmitir uma experiência que tiveram. A comunicação de vocês é, pois, a expressão de uma experiência já terminada.

Ora, quando é que compreendem, quando é que há compreensão? Não sei se já notaram que só há compreensão quando a mente está muito quieta, ainda que seja por um segundo; dá-se o lampejo da compreensão quando não há verbalização do pensamento. Experimentem e verão que terão o clarão da compreensão, aquela extraordinária rapidez da intuição, quando a mente está muito tranquila, quando o pensamento está ausente, e quando a mente não está cheia de barulho por ela mesma produzido. Nessas condições, a compreensão de qualquer coisa — de um quadro moderno, de uma criança, de sua esposa ou seu vizinho — ou a compreensão da verdade, que está em todas as coisas, só pode despontar quando a mente está muito tranquila. Mas tal tranquilidade não pode ser cultivada, porquanto, se cultivam a mente para a tranquilidade, não terão uma mente tranquila, mas sim, uma mente morta.

É essencial ter-se uma mente tranquila, a fim de compreender-se, o que é bastante óbvio para aqueles que já experimentaram tudo isso. Quanto mais se interessarem por alguma coisa, quanto maior a intenção de compreender, tanto mais simples, clara e livre estará a mente. Cessa, então, a verbalização. Afinal de contas, o pensamento é palavra, e a palavra é que perturba. É “a cortina de palavras, a memória, que se interpõe entre o desafio e a “resposta”. É a palavra que está respondendo ao desafio, o que chamamos intelectualização. Assim sendo, a mente que vive a tagarelar, a verbalizar, não pode compreender a verdade — a verdade nas relações, não é uma verdade abstrata. Não existe verdade abstrata. Mas a verdade é muito sutil. É a sua sutilidade que é difícil seguir. A verdade não é abstrata. Ela nos vem súbita, às escuras, e por isso a mente não a pode reter. Como um ladrão, nas sombras da noite, ela vem às escuras, e não quando preparamos para recebê-la. A recepção de vocês não é mais do que um convite da avidez. Assim, pois, uma mente que está presa na rede das palavras, não pode compreender a Verdade.

A segunda questão é a seguinte: Não é possível comunicar a experiência no momento do experimentar? Para a comunicação, necessita-se da memória “factual”. Quando falo a vocês, emprego palavras, as quais vocês e eu compreendemos. A memória é resultado do cultivo da faculdade de aprender e armazenar palavras.

Deseja saber o interrogante como é possível haver uma mente que não expresse ou comunique simplesmente um fato depois de passado, depois da experiência, mas, sim, que seja capaz de experimentar e ao mesmo tempo comunicar a experiência. Isto é, uma mente nova, uma mente fresca, uma mente que experimenta  sem a interferência da memória, da memória do passado. Vejamos, pois, primeiro, a dificuldade aqui existente.

Como já disse, em geral, nós comunicamos depois da experiência; por conseguinte, a comunicação se torna um obstáculo a novas experiências; porque a comunicação, a verbalização, só tem o efeito de fortalecer a lembrança daquela experiência. E esse fortalecer da lembrança de uma experiência impede-nos de receber livremente a próxima experiência. Comunicamos uma experiência, ou para fortalecê-la ou para a retermos. Nós a verbalizamos, a fim de fixa-la como lembrança, ou para comunica-la. O próprio fixar de uma experiência pela verbalização representa o fortalecimento de uma experiência já terminada. O que se fortifica, por conseguinte, é a memória; e, por isso, é a memória que faz frente ao desafio. Em tal estado, no qual a resposta ao desafio é puramente verbal, a experiência do passado se torna um obstáculo. Nessas condições, a nossa dificuldade consiste em experimentar e comunicar, sem que a verbalização constitua um obstáculo a novas experiências.

Se em todas estas discussões e palestras, eu me limitasse a repetir a experiência do passado isso não somente seria terrivelmente enfadonho para vocês e para mim, mas também iria fortalecer o passado e, portanto, impedir o “experimentar” no presente. O que, com efeito, se dá é que a “experiência” se processa simultaneamente com a sua comunicação. A comunicação não é verbalização, não é o vestir a experiência. Se vestimos a experiência, se lhe colocamos uma vestimenta, se a moldamos, perder-se-á o seu perfume e a sua profundeza. Só pode haver, portanto, uma mente fresca, uma mente nova, quando o experimentar não é revestido de palavras. E no expressar verbalmente a experiência existe o perigo de a vestir, dar-lhe forma e figura e, portanto, de carregar a mente com a imagem, com o símbolo. Só é possível ter-se uma mente nova, uma mente fresca, quando não é a palavra que importa, mas a experiência. Esse experimentar, se dá momento por momento. Não pode haver “experimentar”, se isso se torna um processo acumulativo, porquanto, em tal caso, é a acumulação que experimenta, e não existe o experimentar. Só há experimentar, momento por momento, quando há acumulação. A verbalização é acumulação. É extremamente difícil e árduo expressar e ao mesmo tempo não nos deixarmos prender na rede das palavras.

A mente é, afinal, de contas, o resultado do passado, de ontem. E aquilo que não está subordinado ao tempo não pode ser seguido pelo tempo. A mente não pode seguir aquilo que é extraordinariamente veloz, que não está no espaço, nem no tempo, mas naquele estado da mente em que há o experimentar, em que não há “vir a ser”, em que tudo é novo. É a palavra que faz velho “o que é”. É a memória de ontem que veste o presente. E para se compreender o presente, é necessário o experimentar. Mas o experimentar é impedido quando a palavra se torna de suma importância. Nessas condições, só há uma mente nova, uma mente que está a experimentar continuamente, sem moldar nem ser moldada pela experiência, quando a palavra, o passado não é utilizado como meio de “vir a ser”.

Jiddu Krishnamurti — O que te fará feliz?
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sábado, 24 de agosto de 2013

É possível a total libertação do "eu"?

Pergunta: Parece-me que no momento em que entra em cena o “eu”, apresenta-se um problema. Esse “eu” coloca-se então a trabalhar para resolver o problema, e isso é absurdo. Não é o próprio “eu” o único problema?

Krishnamurti: Sim, senhor, evidentemente. Enquanto há um centro, há uma periferia, que é o tempo psicológico. E a questão é: em face das caóticas exigências criadas pelo “eu” — minha pátria, minha religião, minha família, meu seguro, minha hipoteca, meu isto e meu aquilo  — exigências em que está enredado todo o ente humano, é possível viver neste mundo e eliminar o “eu”, não teoricamente, porém realmente, assim como se extirpa um câncer? É possível viver num dado país, exercer um emprego, ter esposa, marido, filhos, ter uma casa, e ao mesmo tempo não ter nenhum centro? Percorrer alegremente a vida toda e livre da dor — é possível isso?

(...) O hábito é, essencialmente, um feixe de “memórias”, ou seja o “eu”.

Ora, é possível, vivendo neste mundo, abandonar completamente esse feixe? Mais uma vez, peço-lhes que não digam que é ou não é possível. Vocês têm que investigar, têm que estar cônscios dele, têm que penetrá-lo — não movidos pelo desespero, nem pela esperança de acabar com ele, mas simplesmente com o fim de descobri-lo. Eu digo que isso pode e deve ser feito, pois, do contrário, nossa vida continua muito sórdida. Vocês podem ser capazes de escrever poesias, podem ser um homem famoso, exercer um cargo importante, possuir uma bela casa, uma esposa encantadora, filhos talentosos, etc. etc.; mas, enquanto não estiverem libertados do “eu”, continuarão dentro da prisão construída pelo homem, incapaz de irem além.

(...) Pergunta: Quando não há “eu”, que é isso que olha e escuta?

Krishnamurti: Veja, isso já é uma questão teórica. Quando morrem para tudo o que conhecem, quando para vocês já não existe ontem nem amanhã, nem o presente no sentido de tempo psicológico, que existe então? Como posso responder-lhes? Verbalmente, posso dizer-lhes que existe algo imenso, algo extraordinariamente vivo; mas isso nada lhes significará. A meu ver, a questão real é esta: É possível eliminar o “eu”? Se a examinarem profundamente, vocês mesmos responderão à pergunta.  

Pergunta: Estou contaminado pela sociedade. Como poderei livrar-me dessa contaminação?

Krishnamurti: Ora, a questão não é de como se libertarem dessa contaminação, porque, assim, apenas criam outro conflito, outro problema. O “eu” não está contaminado pela sociedade; ele próprio é a contaminação. O “eu” é uma coisa que se formou pelo conflito, pela inveja, pela ambição e o desejo de poder, pela agonia, o sentimento de culpa, o desespero. E é possível o “eu” dissolver-se sem conflito?

Isso não são questões teóricas ou teológicas. Se uma pessoa tem sério interesse em compreender a si própria, verá que todo esforço para dissolver o “eu” tem motivo; resulta de uma reação e, por conseguinte, faz parte ainda do “eu”. Que se pode fazer, então? Pode-se ver o fato e nada fazer em relação a ele. O fato é que todo pensamento, todo sentimento é resultado da sociedade, com suas ambições, sua inveja, sua avidez; e esse processo inteiro é o “eu”. O próprio ato de perceber inteiramente esse processo constitui a sua dissolução; não se precisa fazer esforço nenhum para dissolvê-lo. Perceber uma coisa venenosa é deixar de tocá-la.   

(...) Pergunta: Depois de nos “esvaziarmos” do “eu”, que há para preencher a mente?

Krishnamurti: Como posso responder-lhe? Primeiro, trate de “esvaziar” a mente e, depois, você descobrirá o que há. Não só você, pessoalmente, senhor: todos nós. Esta é uma questão de interesse geral. Temos muito medo do vazio e desejamos preenche-lo. Temos medo de nossa esgotante solidão, e procuramos fugir dela. É o fugir que gera o medo; mas o fugir nos coloca ativos e, por isso, quando fugimos, pensamos que estamos muito positivos. Quando tiverem compreendido essa solidão, depois de atravessá-la e ultrapassá-la, descobrirão por si mesmos o que quando o “eu” já não existe. Mas, como em tudo mais, senhor, devem começar pelo vazio. A taça só é útil quando vazia. Mas, para compreender esse vazio, é preciso atravessá-lo num clarão, por assim dizer, e lançar a base correta. Então, vocês saberão; nunca mais perguntarão o que além daquele vazio.

Ouvinte: Então, por certo, o significado da vida é este: a taça deve ser útil.

Krishnamurti: A taça só pode ser útil quando vazia. Vocês podem então enchê-la com o que gostam. Mas se a taça de vocês está cheia — cheia de sofrimento, aflição, conflito — que utilidade ela tem? Senhor, que utilidade tem nossa vida, tal como é: competição, guerras, conflitos internacionais, divisão entre Oriente e Ocidente, entre esta e aquela religião? Que utilidade tem isso?

Interpelante: Você não me entendeu bem. Ao dizer “a taça dever ser útil”, eu quis dizer que a finalidade da vida é cumprir a vontade de Deus.

Krishnamurti: Todo político, todo negociante, todo general preparador de guerras, fala sobre “a vontade de Deus”. O comunista também fala da “vontade de Deus”, mas no seu caso se trata da “vontade do Estado”, etc. etc. Que é a “vontade de Deus”? Só poderão averiguar isso quando já não estiverem buscando, já não estiverem pedindo, quando já não pertencerem a nenhum grupo separado, quando já não tiverem medo, quando se acharem num estado de completa incerteza — que não significa demência. Nesse estado, o pensamento já não busca um pouso seguro. Então, talvez, aquilo que se pode chamar “Deus” — ou outro nome qualquer — começará a atuar.  

Jiddu Krishnamurti — O homem e seus desejos em conflito 
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Desfrutando da abstinência de crises

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Um novo olhar sobre nossa vida passada

Observando nosso vício de buscar por meios de fuga

Sobre os efeitos do medo de ficar só

Por que nossa ação é sempre auto-protetora?

Na esfera do ego à espera do Real

O pensamento sempre quer enraizar-se

Como não ter solidão quando se é um fragmento?

O orgulho é o ego manifesto

Valores finitos não matam a sede do Infnito

O vazio é inerente à todo ser humano

O sentimento de solidão e isolamento

Estar só é estar aberto para o outro

Pode o estado criativo ser fruto da mente?

Fugir da solidão é fugir do medo

Sobre as várias fugas da solidão

Por que a ânsia de falar de Krishnamurti?

A solidão social e a mente tagarela

Raiva


A raiva tem essa qualidade peculiar de isolamento; como a tristeza, ela isola o indivíduo, e durante esse tempo, pelo menos, todo o relacionamento acaba. A raiva tem a força e a vitalidade temporária do isolado. Há um estranho desespero na raiva; pois isolamento é desespero. A raiva da decepção, do ciúme, da ânsia de ferir, dá um alívio violento cujo prazer é a auto-justificação. Nós censuramos os outros e essa mesma censura é a justificação de nós mesmos. Sem algum tipo de postura, seja de auto-virtuosismo ou auto-degradação, o que somos? Usamos de todos os meios para nos apoiar; e a raiva, assim como o ódio, é um dos modos mais fáceis. A raiva simples, um acesso repentino que é rapidamente esquecido, é uma coisa; mas a raiva que é deliberadamente construída, que foi fermentada e que busca machucar e destruir, é algo inteiramente diferente. A raiva simples pode ter uma causa psicológica passível de ser percebida e remediada; mas a raiva como resultado inerente a uma causa psicológica é muito sutil e difícil de lidar. A maioria de nós não sem importa de sentir raiva, nós encontramos uma desculpa para isso. Por que não devemos ficar zangados quando há maus-tratos a terceiros ou a nós mesmos? Desse modo, nos tornamos justificadamente zangados. Nunca dizemos apenas que estamos zangados e paramos aí; entramos em elaboradas explicações para sua causa. Jamais dizemos que estamos com ciúme ou amargos, mas o justificamos ou explicamos. Perguntamos como pode existir amor sem ciúme, ou dizemos que as ações de outra pessoa nos fizeram amargos e assim por diante.

É a explicação, a verbalização, silenciosa ou falada, que sustenta a raiva, que dá a ela escopo e profundidade. A explicação, silenciosa ou falada, age como um escudo contra a descoberta de nós mesmos como somos. Queremos ser elogiados ou adulados, esperamos algo; e quando essas coisas não acontecem, ficamos decepcionados, tornamo-nos amargos e ciumentos. Então,violenta ou delicadamente, culpamos outras pessoas; dizemos que o outro é responsável por nossa amargura. Você é de enorme importância, pois eu dependo de você para minha felicidade, para minha posição e prestígio. Eu me realizo através de você, então você é importante par mim; eu devo vigiá-lo, devo possuí-lo. Através de você, fujo de mim; e quando sou lançado de volta a mim mesmo, tendo medo de meu próprio estado, fico irritado. A raiva assume muitas formas: decepção, ressentimento, amargura, ciúme, etc.

O armazenamento da raiva, que é ressentimento, exige o antídoto do perdão; mas o armazenamento da raiva é muito mais relevante do que o perdão. O perdão é desnecessário quando não existe a acumulação da raiva. O perdão é essencial se existe ressentimento; mas estar livre da adulação e do sentimento de mágoa, sem a dureza da indiferença, leva à misericórdia, à caridade. Não é possível livrar-se da raiva pela ação da vontade, pois a vontade é parte da violência. A vontade é o resultado do desejo, o anseio de ser; e o desejo, em sua própria natureza, é agressivo, dominador. Reprimir a raiva pela ação vigorosa da vontade é transferir a raiva para um nível diferente, dando a ela outro nome; mas é ainda parte da violência. Para estar livre da violência, e não se trata do cultivo da não-violência, deve haver o entendimento do desejo. Não existe um substituto espiritual para o desejo; ele não pode ser reprimido ou sublimado. Deve ser dada atenção ao desejo, silenciosa e desprovida de escolha; e essa atenção passiva é a experienciação direta do desejo sem que o experienciador lhe dê um nome.


Krishnamurti – Comentários sobre o viver

sábado, 17 de agosto de 2013

É possível haver consciência sem palavra?

Texto lido:

Abrindo mão do conhecimento e teorias de terceiros

Texo lido:

Percebendo os impulsos intelectualistas

Texto lido:

Exercitando a difícil arte da escuta atenta

Texto lido:

À quem serve as observações de Krishnamurti?

Texto lido:

Questionar a morte é questionar a vida

Texto lido:

Por que temos medo da morte da conhecida mediocridade?

Texto lido:

Será possível morrer antes de morrer?

Texto lido:

Sobre o medo da solidão da morte

Texto lido:

Surto psicótico ou experiência de pico?

Texto lido:

A única verdade é que é tudo mentira

Texto lido:

Como é a vida após a morte?

Texto lido:

Existe ou não existe vida após a morte?

Texto lido:

O Sagrado não pode ser captado pela palavra

Texto lido:

Vivenciando a morte momento a momento

Texto lido:

Existe algo melhor que este planeta?


Texto lido: http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/por-que-dizemos-que-algo-deve-existir.html

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O pensamento nunca pode produzir uma revolução vital

Um estado de relações baseado no pensamento, que é costume, que é hábito, produz, infalivelmente, uma sociedade estática, e a ação do reformador, que deseja modificar essa sociedade, é sempre ação de morte, de escuridão, ou a reação de uma mente estática. Se você observar, poderá verificar que o que nos faz cediços, na vida de relação, é o pensar, pensar, pensar... o calcular, julgar, pesar, o ajustar-nos; e a única coisa que pode nos libertar disso é o amor, que não é um processo de pensamento. Não se pode pensar no amor. Podemos pensar na pessoa que amamos, mas não podemos pensar no amor.

Assim, pois, o homem que ama é o verdadeiro revolucionário e é a pessoa verdadeiramente religiosa; pois, o que é realmente religião, não está baseado no pensamento, ou na crença, ou nos dogmas. Uma pessoa que é como um saco de crença e dogmas não é uma pessoa religiosa, é uma pessoa estúpida; ao passo que o homem que realmente ama é o verdadeiro revolucionário, e nele há transformação.

Assim, pois, o amor não é um processo de pensamento; não podemos pensar no amor; Você pode, talvez, imaginar o que ele seja, mas isso representa meramente um processo de pensamento, e não é amor; e o homem que ama é o homem verdadeiramente religioso, quer ame um só, quer ame a todos. O amor não é nem pessoal em impessoal; é amor — ele não conhece fronteiras, não conhece classes nem raças. O homem que ama é revolucionário; só ele é revolucionário. O amor não é produto do pensamento, porquanto o pensamento é resultado da memória, resultado de condicionamento, e só pode produzir morte e decomposição.

Vemos, pois, que só pode haver uma verdadeira revolução, uma transformação fundamental, quando existe o amor, e essa é a religião mais sublime. Esse estado se manifesta quando cessa o processo do pensamento, quando renunciamos a esse processo. Só podemos renunciar a uma coisa depois de a compreendermos, e não rejeitando-a. Uma comunidade, uma sociedade, um grupo pode ser verdadeiramente revolucionário e transformar-se continuamente, apenas num tal estado e não em conformidade com uma fórmula; porque toda fórmula é mero produto de um processo de pensamento e, portanto, intrinsecamente, a causa de um estado estático. Pode-se ver também que o ódio não pode produzir uma revolução radical, porquanto, inevitavelmente, tudo aquilo que resulta de conflito, antagonismo, confusão, não pode ser real, não pode ser criadoramente revolucionário. O ódio é o resultado desse processo de pensamento; o ódio é pensamento; e aquela transformação que o amor traz só pode realizar-se ao cessar o processo do pensamento; por consequência, o pensamento não pode, nunca, produzir uma revolução vital.

Jiddu Krishnamurti — 6 de fevereiro de 1949

Do ajustamento materialista ao ajustamento espiritualista



Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Deixando de alimentar expectativas de terceiros



Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Enfrentando os Agentes Smiths do pensamento condicionado



Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

A importância das conversas nutritivas



Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Atravessando a janela do ser que somos



Texto estudado neste encontro:
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Observando nossos muros de autoproteção



Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Observando os impulsos de intolerância


Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Observando nossos jurássicos muros de auto-defesa


Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Enquanto existe um "eu" é impossível fugir de ser magoado


Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Um momento de oásis no deserto do real


Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

Quando o falar é prata e o escutar é ouro



Texto estudado neste encontro:
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2013/08/destruindo-nossos-velhos-muros-de.html

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Destruindo nossos velhos muros de autodefesa

Na mesma varanda, com o perfume do jasmim e a flor vermelha da árvore alta, havia um grupo de moças e rapazes, de rostos brilhantes e aparência extraordinariamente jovial. Um dos membros do grupo perguntou:

Interrogante: Alguma vez você fica magoado, senhor?

Krishnamurti: Fisicamente, você quer dizer?

Interrogante: Não é bem isso. Não sei como expressá-lo em palavras, mas sentimos em nosso íntimo que as pessoas podem nos causar mal, ferir-nos, fazer-nos infelizes. Alguém diz qualquer coisa e nós nos encolhemos. Refiro-me a isso quando falo em nos magoar. Todos nos magoamos uns aos outros desse jeito. Alguns o fazem deliberadamente, outros sem o saber. Por que ficamos magoados? É tão desagradável!

Krishnamurti: A mágoa física é uma coisa, e a outra é muito mais complexa. Se você for magoado fisicamente, saberá o que fazer. Irá procurar um médico e ele tentará curá-lo. Mas se a lembrança da mágoa persistir, você estará sempre nervoso e apreensivo, o que criará uma forma de medo, justificado pela permanência da lembrança da mágoa passada, que não quer ver repetida. Isso é perfeitamente compreensível e o medo pode tornar-se neurótico ou ser tratado de modo sadio, sem excessiva preocupação. Mas a outra mágoa, a interior, necessita de cuidadosa análise. Precisamos aprender muita coisa sobre ela.

Em primeiro lugar, por que você fica magoado? Desde a infância, este parece ser um fator importante em nossas vidas: não se magoar, não ser ferido por outra pessoa, por uma palavra, por um gesto, por um olhar, por uma experiência. Por que nos magoamos? Porque somos sensíveis, ou porque temos uma imagem de nós mesmos que precisamos proteger, que sentimos ser importante para a nossa existência, uma imagem sem a qual nos sentimos perdidos, confusos? Existem as duas razões: a imagem e a sensibilidade. Compreendem o que queremos dizer com o sermos sensíveis tanto física como interiormente? Se forem sensíveis e um tanto tímidos, retrair-se-ão em si mesmos, erguerão um muro ao redor de si mesmos, a fim de não serem magoados. É o que fazem, não é? Uma vez que tenham sido magoados por uma palavra ou por uma crítica, que os tenham ferido, passam a construir um muro de resistência. Não querem continuar vulneráveis. Vocês podem ter uma imagem, uma ideia de si mesmos de que são importantes, de que são inteligentes, de que sua família é melhor do que as outras, de que disputam jogos melhor do que outros. Vocês têm essa imagem de si mesmos, não têm? E quando a importância dela é posta em dúvida, abalada ou despedaçada, vocês se sentem muito magoados. Há autopiedade, ansiedade, medo. E se o fato se repetir, construirão uma imagem ainda mais forte, mais afirmativa, mais agressiva, etc. Vocês se protegem para que ninguém os perturbem, o que também significa erguer um muro contra qualquer invasão. De modo que tanto o sensível quanto o que faz a imagem produzem os muros de resistência. Sabem o que acontece quando erguem um muro à sua volta? O mesmo que acontece quando constroem um muro muito alto em torno de sua casa. Não vêem os vizinhos, não recebem a luz do sol em quantidade suficiente, vivem num espaço muito reduzido com todos os membros de sua família. E, não tendo espaço bastante, começam a mexer com os nervos uns dos outros, brigam, ficam violentos, desejam ir embora e se revoltam. E se tiverem dinheiro suficiente e suficiente energia, construirão outra casa com outro muro em torno dela, e assim por diante. A resistência implica falta de espaço e é fator de violência.

Interrogante: Mas — perguntou um deles — não devemos proteger-nos?

Krishnamurti: Contra o quê? Vocês devem se proteger, naturalmente, da doença, das chuvas e do sol; mas quando perguntam se não devemos nos proteger, não estarão pedindo para erguer um muro a fim de não serem magoados? Pode ser seu irmão ou sua mãe a pessoa contra a qual erguem o muro, pensando em se defender; no fim, porém, isso conduz à sua própria destruição e à destruição da luz e do espaço.

Interrogante: Mas — acudiu uma moça de longos cabelos trançados — o que devo fazer quando me magoam? Sei que estou magoada. Eu me magoo com muita freqüência. Que devo fazer? O senhor diz que não se deve erguer um muro de resistência, mas não posso viver com tantas mágoas.

Krishnamurti: Compreenda, se me permite questionar, por que está magoada? E quando se magoa? Olhe para aquela folha ou para aquela flor. É muito delicada e sua beleza está na própria delicadeza. É terrivelmente vulnerável e, no entanto, vive. E você, que se magoa facilmente, acaso se perguntou quando e por que se magoa? Por que você se magoa — quando alguém diz alguma coisa de que não gosta, quando alguém é agressivo, violento com você? Por que você se magoa? Se se magoar e erguer um muro em torno de si mesma, o que significa retraimento, você passará a viver num espaço muito pequeno dentro de si mesma. Nesse espaçozinho não haverá luz nem liberdade e, assim, será mais e mais magoada. Por isso mesmo a questão se resume em saber se você é capaz de viver livre e feliz, sem ser magoada, sem erguer muros de resistência. Essa é a questão importante. Não a maneira de reforçar os muros nem o que fazer quando há um muro ao redor de seu espaçozinho. Portanto, há duas coisas envolvidas nisso: a lembrança da mágoa e a prevenção de mágoas futuras. Se essa lembrança persistir e você lhe acrescentar novas lembranças de mágoas, o seu muro se tornará mais forte e mais alto, o espaço e a luz se tornarão menores e mais embaçados, e haverá grande sofrimento, uma autopiedade cada vez maior e muita amargura. Se você vir com bastante clareza o perigo disso, sua inutilidade, a lástima que isso é, as lembranças passadas se desvanecerão. Mas você tem de ver isso como veria o perigo de uma cobra venenosa. Você sabe que o perigo é mortal e não se aproxima dele. Consegue ver da mesma forma o perigo das lembranças passadas com suas mágoas, seus muros de autodefesa? Consegue ver realmente, assim como vê esta flor? Se o vir, ele inevitavelmente desaparecerá.

Assim, você já sabe o que fazer com as mágoas passadas. E como olhará as futuras? Não será construindo muros. Isso é claro, não é? Se o fizer, será cada vez mais magoada. Observe com cuidado, por favor. Sabendo que você poderá ser magoada, como impedirá que a mágoa ocorra? Se alguém lhe disser que você não é inteligente nem bonita, você se sentirá magoada, ou zangada, que é outra forma de resistência. Ora, o que você pode fazer? Você viu como as mágoas passadas se desvanecem sem o menor esforço; viu porque ouviu e prestou atenção. Agora, quando alguém lhe disser alguma coisa desagradável, fique atenta; preste muita atenção. A atenção impedirá que a mágoa atinja o alvo. Você compreendeu o que queremos dizer com atenção?

Interrogante: O senhor quer dizer concentração, não é?

Krishnamurti: Não exatamente. A concentração é uma forma de resistência, uma forma de exclusão, um fechamento de porta, uma retirada. A atenção é algo muito diferente. Na concentração há um centro de onde se realiza a ação da observação. Onde há um centro, o raio de observação é muito limitado. Onde não há centro, a observação é vasta, clara. Isso é atenção.

Interrogante: Receio que não compreendemos nada disso, senhor.

Krishnamurti: Olhem para aquelas colinas, vejam a luz que as inunda, vejam as árvores, ouçam passar o carro de bois; vejam as folhas amarelas, o leito seco do rio, o corvo sentado no galho. Olhem para tudo isso. Se olharem a partir de um centro, com o seu preconceito, seu medo, sua simpatia e sua antipatia, não verão a vasta extensão da terra. Seus olhos estarão enevoados, terão ficado míopes e a sua visão será deformada. Não podem olhar para tudo isso, para a beleza do vale, para o céu, sem o centro? Pois isso é atenção. Portanto, ouçam com atenção e, sem o centro, a crítica alheia, o insulto, a raiva, o preconceito alheios. E porque não há centro nessa atenção, não há possibilidade de serem magoados. Mas onde há centro, a mágoa é inevitável. E a vida se torna um grito de medo.

Jiddu Krishnamurti — O Começo do Aprendizado – Editora Cultrix

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