sexta-feira, 28 de junho de 2013

Como podemos saber o que é justo e o que é injusto, sem mandamentos ou livros?

Porque desejais saber o que é justo e o que é injusto? Pode alguém vo-lo dizer? Pode  algum livro, algum instrutor, transmitir-vos o conhecimento do que é justo e do que é injusto? Se seguirdes a autoridade de um livro ou de um instrutor, estareis apenas copiando um padrão de pensamento, não é verdade? E pode-se descobrir alguma coisa pelo copiar e pelo ajustar-se? Seguimos um padrão quando queremos um certo resultado; e esse processo não está baseado no temor? Podemos descobrir o que é justo, sob a influência do temor, ou só podemos descobri-lo pela experiência direta?

Enquanto a mente estiver encerrada no processo dual do justo e do injusto, há de haver, obviamente, conflito incessante. Não é possível, porém, descobrir-se o que é verdadeiro, a todas as horas, sem estarmos envolvidos no conflito do justo e do injusto? Tal é o nosso problema, não é verdade? O que é justo e o que é injusto hão de variar sempre em conformidade com o condicionamento e a experiência de cada pessoa, e tem por conseguinte, importância muito reduzida; mas saber-se a todas as horas o que é verdadeiro — isso, sem dúvida, é de grande relevância.

Tende a bondade de prestar atenção. Enquanto estivermos envolvidos no conflito da dualidade — que significa escolha entre o que é justo e o que é injusto — nunca haveremos de conhecer o que é sempre verdadeiro. O que é justo e o que é injusto podem constituir simples opinião, um princípio em que se baseou a nossa educação desde a infância, o cunho de certa civilização, de determinada sociedade; e enquanto estivermos empenhados no imitar, no ajustar-nos a algum padrão, por mais nobre que seja, há de haver essa escolha contínua entre o justo e o injusto, haverá sempre o desejo de fazer o que é correto e, consequentemente, o receio de errar — daí resultando, apenas, respeitabilidade.

Saber, porém, a todas as horas o que é verdadeiro, conhecê-lo inteiramente, profundamente, isso não é nenhuma opinião, nem raciocínio, nem dogma.  O que é verdadeiro não depende de crença alguma. Descobrir o que é verdadeiro é compreender o que é, momento por momento — e isso exige muita vigilância, isenta de julgamento ou comparação; exige uma mente aberta para observar e para sentir.

O que é verdadeiro jamais cria conflito; mas, quando a mente está escolhendo entre o verdadeiro e o falso, essa própria escolha produz conflito. Em geral fomos educados para pensar corretamente e nos abstermos de certas coisas tidas por falsas e, por isso, a nossa mente está sempre a buscar uma coisa e a e evitar outra;  e esse processo de pensar é, em si, um conflito, não achais?

O "correto" pode ser o que diz o sacerdote, o que dizem os vossos vizinhos, os nossos líderes políticos, e, assim, cria-se o padrão a que temos de subordinar-nos; e a mente que se subordina a um padrão nunca pode achar-se em estado de revolta, jamais descobrindo, por conseguinte, aquilo que é eternamente criador. Nessas condições, pode-se descobrir a todas as horas o que é verdadeiro? Ora, não há possibilidade de descobrimento, enquanto houver o conflito da escolha. Para descobrir, a mente tem de estar basicamente tranquila, sem medo de errar.

Entretanto, nós queremos bom êxito, não é verdade? Educam-nos, dede crianças, para ambicionar o bom êxito, e todo livro, toda revista nos dá exemplos disto: o menino pobre que chega a Presidente, etc. Buscando a própria segurança no bom êxito, é a mente obrigada a observar o que é correto, e começa assim a batalha entre o que é correto e o que é errado, começa o eterno conflito da dualidade. Nesse conflito nunca se pode descobrir o que é verdadeiro.

O verdadeiro é o que é e a libertação que resulta da compreensão do que é. Tende a bondade de prestar atenção e de refletir a respeito disso; e se compreenderdes o que está realmente acontecendo, momento por momento, vereis como vos libertareis do conflito do justo e do injusto. Não pode manifestar-se essa compreensão, se estais a julgar ou a ordenar o que é, ou a compará-lo com a passada experiência; e quando não há compreensão do que é, não há libertação.

Para compreender o que é, deve a mente estar livre de toda condenação e julgamento; mas isso requer paciência infinita e pode produzir-vos uma extraordinária revolução na vida, coisa de que a mente tem medo. Por essa razão, nunca examinais o que é e vos limitais a ar opiniões a seu respeito. Enquanto a mente estiver toda ocupada com a escolha entre o que é correto e o que é errado, permanecerá imatura; e este é um dos nossos obstáculos, não achais? Nossas mentes são imaturas; ensinaram-nos o que é correto e o que é errado e, consequentemente, a isso queremos ajustar-nos. O ajustamento é a própria natureza da mente imatura, ao passo que a compreensão do que é constitui o fator revolucionário, na criação.

Krishnamurti - Percepção Criadora





quarta-feira, 19 de junho de 2013

Quando houver inteligência o nacionalismo desaparecerá

Nas várias crises anteriores, tratou-se sempre da exploração das coisas ou da exploração do homem; hoje, cuidamos da exploração das ideias, muito mais perniciosa, muito mais perigosa, uma vez que a exploração de ideias é de efeitos tão devastadores e destrutivos. Conhecemos agora o poder da propaganda, e esta é uma das maiores calamidades que podem acontecer: empregar ideias como meio de transformar o homem. É o que está ocorrendo no mundo de hoje. O homem perdeu toda a importância; os sistemas, as ideias tornaram-se importantes. O homem já não tem nenhuma significação. Pode-se destruir milhões de homens, desde que se produza certo resultado, esse resultado se justifica por meio de ideias. Temos uma soberba estrutura de ideias para justificar o mal, e isso, sem dúvida alguma, é fato inédito. O mal é o mal; nunca pode produzir coisa boa. (...) Quando o intelecto tem primazia, na vida humana, produz-se uma crise sem precedentes.

Outras causas há, também, indicativas de uma crise sem precedentes. Uma delas é a extraordinária importância que se está atribuindo aos valores dos sentidos, à propriedade, ao nome, à etnia, à nação, à etiqueta que usamos.(...) O nome e a propriedade, a etnia e a nação, tornaram-se predominantemente importantes, vale dizer, o homem está preso ao valor sensorial, ao valor das coisas feitas pela mente e pela mão. Tão importantes se tornaram as coisas fabricadas pela mão ou pela mente, que, por causa delas, estamos matando, destruindo, massacrando, liquidando. Estamos nos abeirando de um precipício; cada uma de nossas ações está nos levando para lá; toda ação política, toda ação econômica, está fatalmente nos conduzindo ao precipício, arrastando-nos para aquele abismo caótico. A crise, por conseguinte, é sem precedentes e requer ação sem precedentes. Para afastar-nos dessa crise, para sairmos dela, é necessária uma ação atemporal, ação não baseada em nenhuma ideia, em nenhum sistema, porque a ação que se baseia em sistema ou ideia levará inevitavelmente à frustração. Uma ação dessa ordem só nos levará de volta ao abismo, por outro caminho.

(...) O ponto a considerar é que, tratando-se de uma crise de caráter excepcional, faz-se necessária, para enfrentá-la, uma revolução no pensar; e esta revolução não pode realizar-se por meio de outra pessoa, de um livro, de uma organização. Ela tem de vir através de nós, cada um de nós. Só então podemos criar uma nova sociedade, uma nova estrutura, longe de todo esse horror, longe destas forças extraordinariamente destrutivas, que se estão acumulando, empilhando. E essa transformação se realizará quando você, como indivíduo, começar a conhecer-se em cada pensamento, cada ação, cada sentimento.

Pergunta: O que virá, quando desaparecer o nacionalismo?

Krishnamurti: A inteligência, sem dúvida. Mas me parece que não é isso que a pergunta está sugerindo. Ela implica: o que é que pode substituir o nacionalismo? — Toda substituição representa uma ato destituído de inteligência. Se abandono uma religião para abraçar outra, se deixo um partido político e mais tarde vou ligar-me a outra coisa qualquer, esta substituição constante denúncia um estado destituído de inteligência.

Como abolir o nacionalismo? Isso só acontecerá depois de compreendermos todas as suas consequências, de o examinarmos, de nos compenetramos do seu significado nas ações exteriores e interiores. Exteriormente, ele é fator de discórdias, classificações, guerras e destruição, o que é evidente a qualquer observador. Interiormente, psicologicamente, esta identificação com uma coisa maior, com a nação, com uma ideia, constitui, sem dúvida, uma forma de auto-expansão. Se vivo numa aldeia insignificante, numa grande cidade, ou onde quer que seja, não sou ninguém; mas, se me identifico com o que é maior, com a nação, se me intitulo "brasileiro*" isso me envaidece, isso me envaidece, dá-me satisfação, prestígio, um sentimento de bem-estar; e a identificação com uma coisa maior, que é uma necessidade psicológica para aqueles que consideram essencial esta auto-expansão, gera também conflito e luta entre os homens. O nacionalismo, portanto, não só causa conflito exterior, mas também frustrações interiores. Quando compreendemos o nacionalismo, seu processo total, ele se extinguirá por si. A compreensão do nacionalismo resulta da inteligência, da observação atenta, do exame profundo do processo total do nacionalismo, do patriotismo. Desse exame nasce a inteligência, e não há então a substituição do nacionalismo por outra coisa. Se recorremos à religião, como substituo do nacionalismo, a religião torna-se outro meio de auto-expansão, outra fonte de ansiedade psicológica, e um meio de nos nutrirmos numa crença. Assim, toda espécie de substituição, ainda que nobre, é uma forma de ignorância. É o mesmo que mascar goma, ou pastilhas de bétel, ou coisa parecida, para substituir o uso do fumo; mas, se se compreender, na sua inteireza, o problema do fumar, dos hábitos das sensações, das exigências psicológicas, etc., desaparecerá por si o hábito de fumar. Só é possível a compreensão quando há desenvolvimento da inteligência, quando ela está funcionando; e a inteligência não está funcionando quando há substituição. A substituição é apenas uma espécie de auto-suborno, com o qual nos tentamos a deixar de fazer uma coisa, para fazer outra. O nacionalismo, com seu veneno, suas misérias e a luta que provoca no mundo, só desaparecerá quando houver inteligência, que não nasce do simples fato de passarmos em exames e estudarmos livros. A inteligência nasce quando compreendemos os problemas, à medida que surgem. Quando há compreensão do problema, nos seus diferentes níveis, não só no aspecto exterior, mas também nos aspectos interiores, psicológicos, então, nesse processo, surge a inteligência. Assim, quando houver inteligência, não haverá mais substituições; e quando houver inteligência desaparecerá o nacionalismo, o patriotismo, que é uma forma de estupidez.

Krishnamurti — A primeira e última liberdade 

O nacionalismo leva a exploração e ao confronto

Superficialmente você pode concordar quando ouve dizer que o nacionalismo, com todo sua emoção e interesse pessoal, leva a exploração e ao confronto do homem contra o homem, mas livrar realmente a mente da insignificância do nacionalismo é outra questão. Ser livre, não somente do nacionalismo, mas também de todas as conclusões das religiões organizadas e sistemas políticos é essencial se a mente é jovem, fresca, inocente num estado da revolução, e apenas tal mente que pode criar um novo mundo, não os políticos, ou os mortos, nem os sacerdotes, que estão aprisionados nos seus próprios sistemas religiosos. Portanto, felizmente ou infelizmente, para você, se você ouve algo que é verdadeiro, se você apenas ouve e não se sente ativamente alterado de modo que sua mente comece a se livrar de todas as coisas limitadas e deturpadoras, então a verdade que você ouviu tornar-se um veneno. Certamente, a verdade transforma-se num veneno se a mente ouve e não age, como uma infecção em uma ferida. Mas, para descobrir por si mesmo o que é a verdade e o que é o falso, e ver a verdade no falso, é deixar que a verdade opere levando adiante a própria ação.(1)

Não há boa ou má influência - só há influência; mas quando sou influenciado por uma coisa que não me convém, chamo-lhe má influência. No momento que você protege a sua família, sua pátria, um tecido colorido chamado bandeira, uma crença, uma ideia, um dogma, um objeto de desejo ou aquilo a que já tens apego, essa própria proteção anuncia a raiva. Assim, você pode olhar a raiva sem nenhuma explicação ou justificação, sem dizer: "Tenho de proteger o que é meu" ou "Tive razão para me encolerizar" ou "Que estupidez a minha, ter-me encolerizado"? Pode você olhar a raiva como se isto fosse algo por si mesmo? Pode olhar total e objetivamente, quer dizer, sem justificar ou condenar?(2)

Os entes humanos estão condicionados; seus padrões de conduta, seus pontos de vista, suas atividades, sua agressividade, seus contraditórios estados mentais — ódio e amor, prazer e dor, desespero e esperança — a batalha constante (…) no campo da consciência, a invenção de deuses, crenças, seitas — tudo isso é produto da mente condicionada. Nossas nacionalidades, as divisões entre pessoas, raças, etc., tudo isso é resultado da educação que recebemos e da influência da sociedade.(3)

Embora sejamos todos seres humanos, construímos barreiras entre nós e nossos vizinhos por causa do nacionalismo, da raça, da casta, e classe – o que novamente cria isolamento, separação. Uma mente que está presa neste estado de isolamento, provavelmente nunca poderá compreender o que é religião. Pode acreditar, pode ter certas teorias, conceitos, fórmulas, pode tentar se identificar com o que chama Deus, mas religião, me parece, não tem nada a ver com qualquer crença, com qualquer sacerdote, com qualquer igreja ou livro chamado sagrado. O estado da mente religiosa só pode ser compreendido quando nós começarmos a entender o que a beleza é, e para a compreensão da beleza devemos chegar a ela em total solidão. Só quando a mente está completamente só pode conhecer o que é beleza, não em outro estado. Solidão obviamente não é isolamento, e não é raridade. Para ser uma raridade é simplesmente ser excepcional de algum modo, enquanto que estar completamente só requer extraordinária sensibilidade, inteligência, compreensão. Estar completamente só implica que a mente está livre de todo tipo de influência e portanto não contaminada pela sociedade, e deve estar só para entender o que é religião – que é descobrir por si mesmo se existe algo imortal, além do tempo.(4) 

Não pode haver paz se estamos em guerra uns com os outros, não só exterior, mas também interiormente — se sou agressivo, se sou violento, e estou empenhado em alcançar, a qualquer preço, meu próprio preenchimento. Posso falar de ordem e de paz, mas sou um ente humano violento. Ao descobrir essa violência — não apenas a violência física, mas a violência da palavra, do gesto, a violência que se expressa em crueldade para com os homens, na matança de animais, etc. — ao ver essa violência, eu a nego. Dessa negação de "o que é" nasce a paz. (...) Toda a estrutura social baseia-se na desordem, com divisões de classe e de outra espécie. Quando cada homem está trabalhando só para si próprio, competindo, endeusando o êxito e a fama — isso faz parte da desordem, tanto exterior, como interior. Desordem significa conflito interior, profundo, na estrutura psicológica; e conflito exterior, com o próximo, com a esposa ou o marido. Existirá sempre conflito enquanto houver atividade egocêntrica. E o conflito gera, necessariamente, a desordem. Há desordem decorrente das nacionalidades e línguas separadas. (...) O culto das nacionalidades, o culto das bandeiras — tudo isso é desordem. E, para descobrirmos o que é a ordem... temos de descobrir o que é a desordem, compreender a desordem existente no mundo e os fatores que a produzem — a competição entre nacionalidades, as classes, as religiões, a incessante busca de prazer e a inveja. Não podemos dissolver essas coisas sem as termos compreendido, sem termos compreendido a enorme e complexa estrutura do prazer.

(...) Quando se vê a verdade, evitam-se todos os perigos. Mas tão habituados estamos com o perigo, que já o aceitamos. Aceitamos a guerra como norma de vida, e a guerra é a mais mortífera das coisas; o assassínio do semelhante, a organização do morticínio, patriotismo, nacionalismo, líderes, propaganda — tudo isso são inutilidades extremamente perigosas. É relevante perceber a verdade de que, sendo nossa civilização, nossa cultura, sobremaneira perigosa, é dever de todo homem equilibrado revoltar-se contra ela, rejeitá-la de todo, interiormente, psicologicamente. Mas você não pode rejeitá-la se não enxerga o perigo; e enxergar o perigo é enxergar a verdade — não intelectual, nem verbal, nem emocionalmente, porém como fato. Então, se você tiver boa sorte, sua mente poderá alcançar aquela verdade. Dar-se-á então a "explosão" de algo que não pode ser expresso em palavras. Se esse "algo" não for compreendido, se nele você não tiver sua vida,  uma vida em que seu coração e sua mente estarão vivendo numa dimensão diferente, nesse caso sua vida atual de cada dia, por mais nobre e boa, e por mais solicita que seja, não tem significação alguma. Naturalmente, há necessidade de uma reforma social, etc., mas o "bem-estar social", a luta pelo aperfeiçoamento de nós mesmos e da sociedade é totalmente insignificativa; significativo é encontrar a Realidade e, com base nela, viver na sociedade, viver neste mundo. Então, há beleza e amor; de outro modo — não há nada.(...)

A liberdade é uma "explosão" que só pode verificar-se quando o tempo, como meio de mudança gradual, cessa. (...) Quando vemos o que é falso, esse próprio ato de ver é a ação da verdade. Por exemplo, quando observamos o que o nacionalismo tem causado por todo o mundo, quando vemos o perigo que ele representa, sua total irracionalidade, sua brutalidade — quando vemos realmente tudo isso, então, não só estamos livres dele, mas essa liberdade resulta do percebimento do verdadeiro. Mas, se você diz: "Vou me livrar gradualmente do nacionalismo, me tornando internacional, europeu, gradualmente evolverei para um mais largo entendimento com as pessoas" — nessa "gradualidade" estão sendo lançadas as sementes da guerra, da separação. Isso é o mesmo que proceder como aqueles que estão sempre pregando a não violência, enquanto, na realidade, em seus corações, em sua maneira de vida, são indivíduos violentos, com sua disciplina e "resistência".

O idealista é o homem mais perigoso do mundo, porque não quer ver o fato, e ultrapassar imediatamente esse fato.(...)

Tal é o resultado da sociedade em que estamos vivendo; cada um buscando a sua própria segurança e criando uma sociedade que lhe garanta segurança. Mas, essa mesma "garantia" de segurança externa cria divisões: os que estão em segurança e os que não estão em segurança, os que "tem" e os que "não tem". Começa a batalha, a guerra, e justamente a coisa que você deseja — estar em segurança — lhe é negada. Quando temos bandeiras separadas e toda a confusão das diferentes nacionalidades, e governos, e exércitos, e morticínios como os que atualmente estamos observando — esse é o resultado desse medo profundamente enraizado nos entes humanos. (5) 

(1) Krishnamurti – O Livro da Vida
(2) Krishnamurti - Liberte-se do Passado
(3) Krishnamurti - A Libertação dos Condicionamentos
(4) Krishnamurti - O Livro da Vida
(5) Krisnamurti — Onde está a bem-aventurança

Uma revolução fora dos padrões sociais

Vendo-se o que está se passando no mundo, e principalmente neste país, parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total de consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução: temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser, segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.(1) 

Há necessidade de indivíduos revoltados, não parcialmente, porém totalmente revoltados contra o "velho", pois só tais indivíduos poderão criar um novo mundo, um mundo não baseado na aquisição, no poder e no prestígio.(2) 

Uma revolução sangrenta não produz paz perdurável nem felicidade para todos. Em lugar de meramente desejarem paz imediata neste mundo de confusão e angústia, considerem como vocês, individualmente, podem ser um centro não de paz mas de inteligência. A inteligência é essencial para a ordem, a harmonia e o bem-estar do homem. Há muitas organizações para a paz, porém, há poucos indivíduos livres, inteligentes no verdadeiro sentido da palavra. Vocês devem como indivíduos, começar a compreender a realidade; então a chama do entendimento se espalhará sobre a face da terra.(3) 

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo - e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade - ou como quiserem chamá-lo - não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.(4) 

Veja você, existe uma revolução dentro do padrão da sociedade, ou uma completa revolução fora da sociedade. A completa revolução fora da sociedade é o que eu chamo revolução religiosa. Qualquer revolução que não é religiosa está dentro da sociedade e não é absolutamente, portanto nenhuma revolução, mas só uma continuidade modificada do padrão velho. O que acontece por todo o mundo, acredito eu, é a revolução dentro da sociedade, e esta revolução freqüentemente toma aquela forma chamada de delito. Existe certamente este tipo de revolta uma vez que nossa educação só está preocupada com juventude para encaixá-la na sociedade, isto é, prepará-la para a obtenção de emprego, ganhar dinheiro, ter cobiça, ter mais, e se adaptar. Isso é o que a nossa – tão chamada educação faz em toda parte – ensina o jovem a se adaptar, religiosa, moral, economicamente, assim naturalmente sua revolta não tem nenhum significado, a não ser que deve ser reprimida, reformada, ou controlada. Tal revolução ainda está dentro da estrutura da sociedade, e, portanto não é criadora em absoluto. Mas pela educação correta poderíamos chegar a uma compreensão diferente, talvez ajudando a livrar a mente de todo o condicionamento – isto é, incentivando os jovens a estar ciente das muitas influências que condicionam a mente para torná-la conformada.(5) 

Se você tem que criar um mundo novo, uma civilização nova, uma arte nova, tudo novo, não contaminado pela tradição, pelo medo, por ambições, se você tem que criar algo anônimo que é seu e meu, uma sociedade nova, juntos, na qual não há você e eu mas "nós", não será necessário uma mente que é completamente anônima, portanto só? Isto implica que deve haver uma revolta contra a conformidade, não implica? Uma revolta contra a respeitabilidade, porque o homem respeitável é o homem medíocre que quer algo, ele depende de influências para a sua felicidade, do que o vizinho pensa, do que o guru dele pensa, naquilo que o Bhagavad-Gita ou o Upanishads ou a Bíblia ou o Cristo diz. A mente dele nunca está só. Ele nunca caminha só, ele anda sempre acompanhado, em companhia dos seus ideais. Não é importante descobrir, ver, o significado total da interferência, da influência, da instituição do "eu", o qual é o contrário de ser anônimo? Vendo a totalidade disto, não surge imediatamente a pergunta: "É possível criar imediatamente este estado mental que é livre de influência, que não possa ser influenciado pela própria experiência ou pela experiência de outros, uma mente que seja incorruptível, que seja só? Somente então existe a possibilidade de se criar um mundo diferente, uma cultura diferente, uma diferente sociedade na qual a felicidade é possível.(6) 

Só quando a mente é capaz de se livrar de todas as influências, todas interferências, de estar completamente só,... existe criatividade. No mundo, cada vez mais a técnica está sendo desenvolvida – técnica de como influenciar as pessoas pela propaganda, por compulsão, pela imitação, por exemplos, pela idolatria, pela adoração do herói. Há livros inúmeros sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar máquinas, e de forma que gradualmente perdemos a iniciativa, a iniciativa de pensar de forma original algo por nós mesmos. Em nossa educação, em nosso relacionamento com governo, por vários meios, somos influenciados ao conformismo e a imitação. E quando permitimos a influência que nos convença a uma atitude particular ou ação, naturalmente nós criamos resistência com outras influências. E neste processo de criar uma resistência à outra influência, nós não cedemos a isso negativamente? A mente não deve estar permanentemente em revolta a fim de entender as influências que estão sempre colidindo, interferindo, controlando, amoldando? Não é isso uma das causas da mente medíocre que é sempre medrosa e, está num estado de confusão, quer ordem, quer coerência, quer uma fórmula, uma forma que possa ser guiada, possa ser controlada, e, mas estas fórmulas, estas várias influências criam contradições no indivíduo, cria confusão no indivíduo. Qualquer escolha entre as influências é seguramente ainda um estado de mediocridade. ... Não deve ter a mente à capacidade, não de imitar, não de acomodar-se e ser sem medo? Tal mente não deve estar só e, portanto ser criativa? Essa criatividade não é sua nem minha, é anônima!(7)

A mente individual é uma mente revoltada e, por conseguinte, não busca segurança. Mente revolucionária não é o mesmo que mente revoltada. A mente revolucionária visa alterar as coisas de acordo com um certo padrão, e essa mente não é uma mente revoltada, não é uma mente que esteja insatisfeita consigo mesma.

Não sei se vocês já observaram que coisa extraordinária é a insatisfação. Vocês conhecem muitos jovens insatisfeitos. Eles não sabem o que fazer; sentem-se miseráveis, infelizes, revoltados, buscando isto, tentando aquilo, fazendo perguntas intermináveis. Mas quando crescem, arrumam um emprego, casam e esse é o fim de tudo. Sua insatisfação fundamental é canalizada e, depois, a infelicidade assume o comando. Quando jovens, seus pais, seus mestres, a sociedade, todos lhe dizem que não se sintam insatisfeitos, que descubram o que querem fazer e o façam — tudo, porém, dentro dos padrões. Esse tipo de mente não é revoltada e você precisa de uma mente realmente revoltada para encontrar a verdade — não de uma mente conformada. Revolta significa paixão.(8)

Os rapazes quando crescem, tem de ganhar a vida, então arranjam empregos e exige-se-lhes que se conformem, que sigam uma profissão, quer gostem quer não; tendo-se casado e tendo filhos, são arrastados pela vida afora por suas responsabilidades e devem, portanto, fazer aquilo que lhes dizem que façam. Nessas condições, o espírito de revolta, o espírito de inquirição, o espírito da busca interior chega a seu fim; todas as suas idéias revolucionárias de criar um mundo novo são esmagadas, porque a vida é demais para eles. Eles precisam ir para o escritório, tem lá um chefe para o qual precisam fazer isto ou aquilo e, aos poucos, o senso de inquirir, o sentimento de revolta, a ânsia de criar um modo de viver completamente diferente de tudo, é destruída por completo. Por isso, é muito importante ter esse espírito de revolta desde o princípio da vida.(9)

Percebo a necessidade de descobrimento, porquanto se tornou bem óbvio que temos de criar uma cultura de espécie completamente diferente, uma cultura não baseada na autoridade, mas só no descobrimento individual daquilo que é verdadeiro; e esse descobrimento requer liberdade completa. Se a mente está presa, por mais longa que seja a corda, só poderá operar dentro de um determinado raio e, conseguinte, não está livre. O importante, pois, é descobrir o nível mais alto, onde deverá efetuar-se a revolução, e isso exige muita clareza de pensamento, exige uma mente em bom estado - não uma mente falsificada, repetitiva, porém uma mente capaz de pensar intensamente, de raciocinar as coisas até o fim, clara, lógica, sãmente. Precisamos de uma mente assim, porque só então é possível irmos mais longe.(10)

A revolução só pode realizar-se no nível mais elevado, o qual cumpre descobrir; e esse nível só pode ser descoberto por meio do autoconhecimento e não de conhecimentos colhidos nos vossos velhos livros ou nos livros dos modernos analistas. Tendes de o descobrir nas relações - descobri-lo, e não meramente repetir o que lestes ou ouvistes dizer. Vereis então que vossa mente se tornará sobremaneira lúcida. Afinal, a mente é o único instrumento de que dispomos. Se ela se acha peada, se é vulgar, temerosa, como o é a mente de quase todos nós, nenhuma significação tem sua crença em Deus, suas devoções, sua busca da verdade. Só a mente que é capaz de percebimento claro e por essa razão está perfeitamente tranqüila, só ela pode descobrir se existe ou não a Verdade, só ela é capaz de realizar a revolução no mais alto nível. Só a mente religiosa é verdadeiramente revolucionária; e a mente religiosa não é aquela que repete, que freqüenta a igreja ou o templo, pratica puja todas as manhãs, que se deixa guiar por alguma espécie de guru ou adora um ídolo. Esta não é uma mente religiosa; é em verdade estúpida, limitada e, por conseguinte, nunca será capaz de corresponder livremente a um desafio.(11) 

(1) Krishnamurti - O Despertar da Sensibilidade - ICK
(2) Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano
(3) Krishnamurti - Palestras em Ommem, 1936
(4) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(5) Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano
(6) Krishnamurti - O Livro da Vida
(7) Krishnamurti - O Livro da Vida
(8) Krishnamurti - Sobre Deus - Cultrix
(9) Krishnamurti - O Verdadeiro Objetivo da Vida - Cultrix
(10) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(11) Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK

terça-feira, 18 de junho de 2013

Só uma mente nova produz a verdadeira revolução

Interiormente, psicologicamente, somos em geral muito vulgares, limitados, sob o peso de nosso conjunto de conhecimentos e saber. E temos tantos problemas — problemas de relação, problemas que surgem em nossa vida diária — o que se deve fazer e o que não se deve fazer, o que se deve crer e o que não se deve crer — interminável busca de conforto, segurança e de um meio de fuga ao sofrimento — temos tantos problemas que, se os víssemos todos, em conjunto, poderíamos perder as esperanças. Assim, evidentemente, o que se torna necessário, o desejável e essencial é uma mente nova; porque, em verdade, tudo o que tocamos faz surgir um novo problema.

Assim, é necessária uma mente religiosa. E, sem dúvida, a mente religiosa é aquela que se depurou de todas as crenças e de todos os dogmas; esta mente é capaz de um percebimento, uma compreensão interior que dá certa tranquilidade, serenidade. E, quando a mente está interiormente tranquila, há intenso percebimento de tudo o que se passa fora dela. Isto porque, compreendendo todos os conflitos, frustrações, perturbações, agitações e sofrimentos interiores, ela está serena e, por conseguinte, exteriormente ela se torna intensamente ativa, com todos os sentidos bem despertos, capaz, portanto, de observar sem desfigurar, de seguir cada fato de maneira não tendenciosa.

A mente religiosa, pois, não só é capaz de observar as coisas externas com clareza, lógica e precisão, mas também, graças ao autoconhecimento, ela se tornou interiormente tranquila, de uma tranquilidade que tem seu movimento próprio. E dissemos que a mente religiosa se acha, por conseguinte, num estado de observação constante. Não estamos interessados em nenhum tipo de revolução comunista, socialista ou capitalista. Os capitalistas, em geral, não desejam revolução alguma, mas os outros as desejam; e a revolução deles é sempre de natureza parcial — econômica, etc. Mas a mente religiosa promove a revolução total, não só interiormente, mas também exteriormente; e, no meu sentir, só a revolução religiosa, e nenhuma outra, pode resolver os múltiplos problemas da existência humana.

E o que pode fazer essa mente? Que podemos fazer, você e eu, como dois indivíduos, neste mundo monstruoso e insano? Que pode fazer uma mente religiosa?

Já explicamos com muita clareza que a mente religiosa não é a mente cristã, hinduísta ou budista, ou pertencente a alguma seita extravagante ou sociedade com fantásticas crenças e ideais; a mente religiosa é aquela que, tendo percebido interiormente sua própria validade, a verdade de suas percepções, sem desfiguração, é capaz de resolver lógica, racional e sã os problemas que surgem, não permitindo que nenhum deles crie raízes. Desde que deixamos um problema lançar raízes na mente, existe conflito; e onde há conflito, está presente o “processo” de deterioração, não só exteriormente, no mundo objetivo, mas também interiormente, no mundo das ideias, dos sentimentos, das afeições.

Que pode, então, fazer a mente religiosa? Provavelmente muito pouco. Porque o mundo, a sociedade é constituída de indivíduos ambiciosos, cobiçosos, “aquisitivos”, facilmente influenciáveis e que desejam pertencer a alguma coisa, crer em alguma coisa, filiando-se a certas correntes de pensamento e padrões de ação. Essas pessoas não podem ser modificadas senão pela influência, a propaganda, o oferecimento de novas formas de condicionamento. Mas a mente religiosa lhe diz que se despojem, interiormente, de tudo. Porque é só em liberdade que se pode descobrir o que é verdadeiro e se existe a Verdade, Deus. A mente que crê nunca descobrirá o que é verdadeiro ou se existe Deus; só a mente livre pode descobri-lo. E para sermos livres, temos de penetrar todas as servidões que a mente impôs a si mesma. Isto é dificílimo, pois requer muita penetração, exterior e interiormente.

Quase todos, como sabemos, andamos às voltas com o sofrimento. Sofremos de uma ou de outra maneira, física, intelectual, ou interiormente. Somos torturados e nos torturamos a nós mesmos. Conhecemos o desespero, e a esperança, e o medo os todos os seus aspectos; e nesse vórtice de conflitos e contradições, preenchimentos e frustrações, ciúmes e ódio, a mente se debate. Aprisionada que está, sofre, e todos sabemos que sofrimentos são estes: o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da mente insensível, o sofrimento da mente muito racional e intelectual, que conhece o desespero, porque reduziu tudo a pedaços e nada mais lhe resta. A mente sofredora faz nascer várias filosofias do desespero; busca refúgio através de numerosas vias de esperança, confiança, conforto, através do patriotismo, da política, das argumentações verbais, das opiniões. E para a mente sofredora existe sempre uma igreja, uma religião organizada pronta a acolhê-la e torna-la mais embotada ainda, com suas promessas de consolo.

Conhecemos tudo isso; e quanto mais refletimos, tanto mais intensa a mente se torna e nenhuma saída se encontra. Fisicamente é possível fazer algo contra o sofrimento, tomar uma pílula, procurar o médico, alimentar-se melhor, mas aparentemente nenhuma saída existe a não ser pela fuga. Mas a fuga torna a mente muito embotada. Ela poderá ser muito penetrante em seus argumentos, em suas defesas; mas a mente em fuga sempre está temerosa, porque precisa proteger a coisa em que se refugiou, e, evidentemente, tudo aquilo que protegemos, que possuímos, faz nascer o medo.

E, assim, o sofrimento continua; conscientemente, talvez, possamos afastá-lo, mas interiormente ele continua existente, corrompendo, putrefazendo. Mas podemos ficar livre dele, totalmente, completamente? Esta me parece a pergunta correta que se deve fazer; porque, se perguntamos “Como ficar livre do sofrimento?”, então, o “como” cria o “padrão do que se deve fazer e do que não se deve fazer”, e isso significa seguir por uma via de fuga, em vez de enfrentar o problema, a causa-efeito do próprio sofrimento.
(...)Ora, como compreender por inteiro o sofrimento? (...) estamos falando da totalidade da coisa; e como compreender ou sentir o todo?(...) Através da parte nunca é possível sentir o todo; mas, se se compreende o todo, a parte pode então ajustar-se nele e tornar-se, assim, significativa.

Ora, como se sente o todo? Entende o que quero dizer? Sentir, não apenas como inglês, mas sentir a totalidade da humanidade; sentir não apenas a beleza das paisagens da Inglaterra, que são realmente belas, porém a beleza de toda a Terra; sentir o amor total — não apenas o amor por minha mulher e meus filhos, mas o sentimento total de amor; conhecer o sentimento total da beleza, não da beleza de um quadro pendurado na parede, ou de um sorriso num rosto belo, ou de uma flor, de um poema, porém, aquele sentimento de beleza que transcende todos os sentidos, todas as palavras, toda expressão. Como sentir assim? (...) percebeis o que quero dizer — o sentimento profundo disso?

(...) A mente que está em conflito, em batalha, em guerra, interiormente, está embotada; não é uma mente sensível. Ora, que é que torna a mente sensível, não apenas para uma ou outra coisa, porém sensível com o um todo? Quando ela é sensível não apenas para o belo, mas também para o feio, para tudo? Só o é, por certo, quando não há conflito; isto é, quando a mente está tranquila interiormente e, por conseguinte, é capaz de observar todas as coisas exteriores com todos os seus sentidos. Ora, que é que gera o conflito? E existe conflito não apenas na mente consciente, exterior — a mente que está sumamente cônscia de seus raciocínios, seus conhecimentos, sua competência técnica, etc. — mas também a mente interior, inconsciente, a qual, provavelmente se acha no “ponto de fervura” a todas as horas. O que é, pois, que cria o conflito? (...) O que cria o conflito é, obviamente, o “puxão” em diferentes direções. O homem que se deixou comprometer com alguma coisa é, em geral, insano, desequilibrado; para ele não há conflito: ele é essa coisa. O homem que crê inteiramente numa dada coisa, sem duvidar, sem interrogar, que se identificou completamente com aquilo que crê — esse homem não tem conflito nem problema. Tal é mais ou menos o estado de uma mente doente. E a maioria de nós gostaria muito de se identificar, de se “comprometer” com alguma coisa de tal maneira que não houvesse mais problema algum. Em geral, por não termos compreendido o processo do conflito, só desejamos evitar o conflito. Mas, como já assinalamos, o evitar só produz mais sofrimentos.

Assim, percebendo tudo isso, faço a mim mesmo e, portanto, também a você, esta pergunta: O que cria o conflito? E conflito implica não só desejos contraditórios, vontades, temores e esperanças contraditórias, mas tudo quanto é contradição.

Ora, porque existe contradição? Espero que você esteja escutando, através das minhas palavras, a sua mente e coração. Espero que você esteja se servindo de minhas palavras como um portal através do qual você está observando, escutando a si mesmo.

Uma das principais causas do conflito é a existência de um centro, um ego, “eu”, resíduo de todas as lembranças, todas as experiências, todos os conhecimentos. E esse centro está sempre tratando de se ajustar ao presente ou de absorvê-lo: sendo o presente o hoje, cada momento de nosso viver, que envolve sempre desafio e reação. Está sempre traduzindo tudo o que encontra em termos daquilo que já conhece. O que ele já conhece é todo o conteúdo de milhares de dias passados, e com esse resíduo procura enfrentar o presente. Por conseguinte, ele modifica o presente, e nessa própria atividade modificadora alterou o presente, criando assim o futuro. E nesse processo do passado que traduz o presente e cria o futuro, se acha aprisionado o “eu”, o “ego”. E nós somos isso.

Assim, a fonte do conflito é o “experimentador” e a coisa que está “experimentando”. Não é assim?(...) Enquanto houver separação entre pensador e pensamento, experimentador e coisa experimentada, observador e coisa observada, tem de haver conflito. Divisão é contradição. Ora, pode-se anular esta divisão ou separação, de modo que você seja o que vê, seja o que sente?(...) Enquanto perdurar a divisão geradora de conflito, tem de haver esta agitação da existência humana, não só internamente, mas também externamente.

(...) Ora, se a mente não criar esse senso de divisão e, por conseguinte, conflito, pode então seguir simplesmente o fato; seguir toda a rotina, todos os hábitos; seguir tudo, sem procurar alterar nada? Isto é percepção, no sentido em que estamos empregando a palavra. E você verá que o fato nunca é estático, nunca se acha imóvel. É uma coisa que se move, uma coisa viva; mas a mente prefere torna-lo estático e daí é que vem o conflito. (...) A mente que no interior não está de todo quieta não pode seguir um fato, pois este é muito rápido. Só a mente interiormente tranquila é capaz desse “processo”, capaz de seguir continuamente cada fato que se apresenta, sem dizer que o fato devia ser “desse jeito” ou “daquele jeito”, sem criar separação, conflito, sofrimento: só essa mente pode cortar todas as raízes do sofrimento.

Você pode ver, então, se alcançou este ponto — não no espaço e no tempo, mas na compreensão — que a mente entra num estado em que se vê completamente só.

Como você sabe, para a maioria de nós, “estar só” é uma coisa terrível. Não me refiro aqui à solidão, que é coisa diferente. Refiro-me ao “estar só”: estar só com alguém ou com o mundo: estar só com um fato. , no sentido de que a mente não está sujeita a influências, já não se acha presa no passado, nem no futuro, nem busca, nem teme: estar . O que é puro está ; a mente que está só conhece o amor, porque já não se enreda em problemas do conflito, do sofrimento e do preenchimento. Só essa mente é uma mente nova, uma mente religiosa. E, talvez, só ela pode curar as feridas deste mundo caótico.

Krishnamurti - O passo decisivo - ICK

Os verdadeiros revolucionários

Precisamos, sociologicamente, de uma revolução radical e fundamental. Precisamos de uma transformação total. Ora, uma técnica, que representa um método, uma maneira, operará a transformação? Ou é necessário que haja indivíduos — você e eu — que compreendam o problema e estejam, em si mesmos, num estado de revolução? Em tais condições, é revolucionária a influência desses indivíduos na sociedade, porquanto não estão meramente aprendendo uma técnica de revolução, mas eles próprios, revolucionados. Estou sendo claro?

(...) Não é mais importante, mais essencial, que você esteja revolucionado, em vez de apenas procurar uma técnica revolucionária? Mas, por que você não está revolucionado? Por que não há em você o novo processo da vida? Por que não há em você uma nova maneira de considerar a vida, uma chama, um tremendo descontentamento? Por que? Um homem que está completamente insatisfeito, não só com certas coisas, mas inerentemente insatisfeito, não necessita de técnica alguma para ser revolucionário. Ele mesmo é uma revolução, uma ameaça à sociedade, e o chamamos revolucionário. Mas, por que você não é um homem assim? Para mim, o que importa não é a técnica, mas, sim, fazer de você um revolucionário, ajudá-lo a despertar, para perceber a importância da completa transformação. E quando você estiver transformado, poderá então agir, porque haverá aquele constante fluir de seiva nova, que é, afinal de contas, revolução.

Consequentemente, para mim, a importância da revolução interior, da transformação psicológica, é muito maior do que a da revolução exterior. A revolução exterior é mera modificação, que significa continuidade modificada, mas a revolução interior não tem pouso de descanso, não tem parada, está em constante renovação. E é disto que necessitamos no momento atual: um povo completamente descontente e capaz, portanto, de discernir a verdade das coisas. O homem complacente, o homem que se satisfaz com dinheiro, com posições, com uma ideia, é incapaz de perceber a verdade. Só o homem que está descontente, o homem que investiga, que pergunta, que duvida, que observa, só esse homem descobre a verdade; ele é uma revolução em si mesmo e, portanto, nas suas relações. E, consequentemente, aquilo que constitui o seu mundo — ou seja as suas relações com o outro — ele começa a transformar. E influencia, desse modo, o mundo compreendido na esfera de suas relações. Assim sendo, se você meramente procura uma técnica, ou indaga qual é a minha técnica para a nova revolução, isso me parece fora de propósito, ou melhor, parece indicar que você não percebe a importância de estar revolucionado em si mesmo; e, para você ser uma revolução em si mesmo, é necessário que desperte para o ambiente, para o meio em que vive.

Senhores, toda sociedade nova, toda civilização nova, deve ser começada por você. Como foi que começou o cristianismo, o budismo, e todo movimento significativo? Pela iniciativa de uns verdadeiramente inflamados pela ideia e pelo sentimento. Tinham eles os corações abertos a uma vida nova. Constituíam um núcleo, não tinham crença numa determinada coisa, mas tinham em si próprios a experiência da realidade — a realidade daquilo que viam. E o que nos cabe fazer, a você e a mim, é, se posso sugeri-lo, vermos as coisas por nós mesmos e não através de uma técnica. Senhor, você pode ler um poema de amor, mas se você não houver sentido, como experiência, o que é o amor, por mais que você tenha lido, por melhor que tenha aprendido a técnica , não conhecerá o perfume do amor. E como não possuímos esse amor, andamos em busca da técnica. Estamos exaustos e famintos, e estamos, por isso, superficialmente, à procura de uma técnica. Um homem faminto não procura técnica alguma. O que lhe interessa é o alimento e ele não fica à porta do restaurante a aspirar o cheiro da comida. Assim, pois, a quando você pede uma técnica, denota isso que você não tem fome. " "como" não é importante, mas a razão por que  você pede esse "como" é muito importante.

Nessas condições, só pode haver revolução, só pode haver a contínua renovação interior, quando você compreender a si mesmo. Você só pode se compreender na vida de relação, e não no isolamento. Visto que nada pode existir no isolamento, a compreensão de si mesmo, o conhecimento de si mesmo, em qualquer nível que seja, só pode ser aprendido na vida de relação. E como a vida de relação é dolorosa e está em movimento constante, desejamos dela fugir e encontrar a realidade fora das relações. Não existe realidade alguma fora da vida de relação. Quando compreendo a vida a vida de relação, esta mesma compreensão é realidade. Por conseguinte, é necessário nos mantermos extraordinariamente vigilantes, despertos, vigilantes a todo momento, abertos a todo desafio e a toda sugestão ou alusão. Mas tal coisa existe um certo alertamento da mente e do coração, mas nós, em geral, vivemos a dormir, vivemos desiludidos e, embora jovens, já temos um pé no túmulo. Por que só pensamos com propósitos de sucesso, com propósitos de ganho, nunca vivemos verdadeiramente; só nos preocupa o fim a que visamos; e porque só andamos a demandar um fim, somos gente sem vida. Por isso, nunca somos revolucionários. Se você estiver interessado diretamente na vida e no vier, e não na ideia relativa ao viver, não poderá então deixar de ser uma revolução em si mesmo.  Você mesmo será uma revolução, porque estará enfrentando a vida diretamente, e não por detrás de cortinas de palavras, de preconceitos, intenções e fins. E o homem que enfrenta a vida diretamente é aquele que se acha num estado de descontentamento; e você precisa estar nesse estado de descontentamento, para encontrar a realidade. E a realidade é que liberta, que nos faz livres; é a realidade que liberta a mente de suas ilusões e criações. Mas achar a realidade, estar aberto, significa estar descontente. Você não pode procurar a realidade, ela tem de vir até você; mas, só pode vir quando a sua mente estiver de todo insatisfeita e pronta para recebê-la. Mas, em geral, temos medo de ficar descontentes, pois sabe Deus onde esse descontentamento nos levaria. Por essa razão nosso descontentamento é circundado de segurança, de proteção, de ações sempre cuidadosamente planejadas. E um tal estado mental é incapaz de compreender a verdade. A verdade não é estática, porquanto a verdade está fora do tempo, e a mente não pode acompanhar a verdade, porque a mente é produto do tempo; e aquilo que depende do tempo não pode conhecer, como experiência, o que é o eterno. A verdade se manifesta ao homem que se acha naquele estado de descontentamento, mas não anda em busca de um fim; porquanto, todo aquele que busca um fim está em busca de satisfação; e satisfação, aprazimento, não é a verdade.

Krishnamurti — 16 de janeiro de 1949 — O que te fará feliz? 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A exigência de ordem produz ordem?

“Por certo, só poderá apresentar-se a ordem correta com a destruição da mente que exige ordem para sua própria satisfação e segurança”.

Dissemos da última vez que existe grande confusão no mundo. Exteriormente, existe pobreza, fome e corrupção; interiormente, também, existe confusão, sofrimento e pobreza do ser. Existe contradição no mundo. Os políticos se declaram em favor da paz e preparam a guerra; fala-se de união da humanidade, e ao mesmo tempo estamos assistindo à sua desintegração. E do meio desses caos, dessa desordem, todos desejamos que saia a ordem. Temos paixão pela ordem. Assim como temos paixão por manter nossos quartos limpos e bem arrumados, assim também temos paixão por colocar o mundo em ordem. Não sei se temos refletido profundamente nessa palavra, no que ela implica. Queremos ordem interiormente, queremos viver sem contradição, sem luta, sem confusão, de maneira que exclua todo sentimento de desarmonia e luta; e, assim, recorremos aos líderes espirituais, para que nos deem a ordem, ou aderimos a grupos, ou seguimos certo sistema de ideias, de disciplinas. Eis como erigimos autoridades; queremos que nos mostrem o que devemos fazer. Tentamos produzir a ordem pelo ajustamento, pela imitação.

Do mesmo modo desejamos ter a ordem externa, na política, no mundo dos negócios. Por essa razão existem ditadores, tiranos, governos totalitários que prometem a ordem total, na qual a ninguém é permitido pensar. Ensinam-vos o que deveis pensar, da mesma maneira como vos ensinam o que pensar quando pertenceis a uma igreja ou a um grupo que crê num certo sistema de ideias. A tirania da igreja é tão brutal como a tirania dos governos. Mas gostamos dela, porque desejamos a ordem a qualquer preço. E temo-la. A guerra produz uma ordem extraordinária num Estado. Todos cooperam para a mútua destruição.

Cumpre, assim, compreender essa obsessão pela ordem. A sujeição de nossa própria confusão à autoridade, interna ou externa, produz a ordem?  Compreendeis a pergunta?

Vejo-me confuso e não sei o que fazer. Minha vida é estreita, limitada, confusa, infeliz — encontro-me num estado de contradição e não sei o que fazer. Assim sendo, dirijo-me a alguém, instrutor, guru, santo, salvador; e provavelmente alguns de vós viestes aqui com igual propósito. Assim, por causa de vossa confusão escolheis vosso líder, e quando atuais por motivo de confusão, vossa escolha só pode criar mais confusão. Abandonai-vos à autoridade — e isso significa que não desejais pensar, não desejais descobrir por vós mesmos o que é o verdadeiro e o que é falso. Descobrir o que é verdadeiro e o que é falso é dificílimo; temos de estar muito ativos, muito vigilantes. Mas, como em geral somos preguiçosos, insensíveis, não profundamente sérios, preferimos que nos digam o que devemos fazer; e para isso temos os santos, os salvadores, os instrutores, para dirigirem nossa conduta interior; e exteriormente temos os governos, os tiranos, os generais, os políticos, os especialistas. E esperamos que, seguindo-os, nossas tribulações se acabarão gradualmente e, por conseguinte, teremos ordem.

Por certo, a palavra “ordem” implica tudo isso, não? Ora a exigência de ordem produz ordem? Considerai isso, por favor, pois desejo examinar este ponto. A meu ver, a autoridade e o poder, de qualquer espécie que sejam, são destrutivos. O poder, em qualquer forma, é coisa má, porque estamos confusos; porque não sabemos, queremos ser ensinados.

Penso, pois, que desde o início destas palestras deve ficar bem entendido que este orador não é nenhuma autoridade; tampouco o sois vós, que ouvis e acompanhais o que se está dizendo. Nós estamos procurando investigar, descobrir juntos. Se aqui viestes com a ideia de que se vos irá dizer o que deveis fazer, partireis de mãos vazias.

A mim o que importa é perceber a existência da desordem exterior e interior, e que a exigência de ordem é simplesmente exigência de segurança, garantia, certeza. E infelizmente não existe segurança, nem interna, nem externa. Os bancos poderão falir, poderá haver guerra, há a morte, os valores da bolsa poderão sofrer uma queda desastrosa — tudo pode acontecer, e coisas terríveis já estão acontecendo. Como vemos, a exigência de ordem é exigência de segurança; e é isso o que todos, velhos e moços, queremos. Não temos muita preocupação quanto a segurança exterior, porque não sabemos como proceder para obtê-la, mas esperamos alcançar pelo menos a segurança exterior, com bons bancos, bons governos, uma tradição perdurável. Torna-se, assim a mente gradualmente satisfeita, embotada, segura, confinada na tradição, e essa mente, como é bem óbvio, nunca descobrirá o que é verdadeiro ou o que é falso; é incapaz de enfrentar o tremendo desafio da existência.

Espero não vos estejais deixando mesmerizar pelas minhas palavras, mas que estejais escutando de maneira tal que possais descobrir por vós mesmos se realmente existe tal coisa como a segurança. Este é um problema formidável. Viver num mundo exterior onde não existe segurança, e viver num mundo interior onde nenhuma tradição existe, onde não existe amanhã nem hoje — isso significa que a pessoa ou se torna desequilibrada, completamente insana, ou extraordinariamente viva e sã.

Isso não é questão de escolha. Não se pode escolher entre a segurança e a insegurança; mas é fácil perceber que não existe segurança interior, psicológica. Nenhum estado de relação oferece segurança; e por mais fortemente que estejamos apegados a certa doutrina, ou crença, a isso está sempre associada a dúvida, a suspeição, o medo. Uma investigação desta natureza é necessária, quando há paixão pela ordem.

Não é verdadeiro, tampouco, o contrário disso: que devamos viver na desordem, no caos. Isso é apenas uma reação. Sabeis que vivemos e atuamos por efeito de reação. Todas as nossas ações são reações. Não sei se já notastes isto. E se vemos que a ordem não é possível, pensamos então, invariavelmente, que deve haver o oposto, a desordem, a reação á ordem. Mas se se percebe a verdade de que a exigência de ordem implica tudo o que acabamos de apontar, então, do descobrimento do que é verdadeiro resulta a ordem verdadeira. Estou-me fazendo claro? Vou expressá-lo de maneira diferente.

A paz, por certo, não é a ausência da guerra. A paz é coisa diversa. Não é o intervalo entre duas guerras. Para descobrirmos o que é a paz, precisamos estar completamente libertados da violência. Para nos libertarmos da violência, requer-se tremenda investigação da violência. Isso significa perceber realmente que na violência estão implicados compulsão, ambição, desejo de êxito, perfeita eficiência, autodisciplinamento, e o seguimento de certas ideias e ideais. Por certo, forçar a mente a ajustar-se — não importa se a um padrão nobre ou ignóbil — implica violência.

Dizemos que, se não nos ajustarmos, haverá caos. Mas tal afirmativa é uma reação, não achais? A violência não é uma coisa superficial; o sondá-la requer muita investigação. A cólera, o ciúme, o ódio, a inveja, tudo isso são expressões da violência. Estar livre da violência é estar em paz, não achar-se num estado de desordem. Eis porque o conhecimento de si mesmo não é questão simplesmente de se considerarem as coisas ocasionalmente, pelo espaço de uma manhã, e não cuidar mais disso pelo resto da semana. É uma questão muito séria.

Assim, compreender a ordem é muito mais importante do que a reação pela qual dizemos: “Se não houver ordem, haverá caos” — como se o mundo em que vivemos fosse uma maravilha, belo e deslumbrante, sem caos nem sofrimento! Basta-nos olhar a nós mesmos, para vermos como somos pobres interiormente. Somos vazios de afeição, de simpatia, de amor, somos feios, e mui facilmente persuadidos; e há sempre essa busca de companhia, a impossibilidade de estarmos sós.

Importa, pois, considerarmos a ordem em sua totalidade, e não apenas pedacinhos dela, aqueles que preferimos. E é dificílimo vermos uma coisa totalmente — como se vê a árvore inteira. Falei um pouco extensamente a respeito da ordem, da autoridade, e do ajustamento; e, se puderdes ver isso de maneira total, vereis então como o cérebro, a mente, se livra dessa exigência de ordem e, portanto, do desejo de seguir — seja a um herói nacional, à lenda ou a outros absurdos que tais, seja ao vosso instrutor preferido, guru, santo, etc.

Pois bem. Que é “ver totalmente”? Em primeiro lugar, que é “ver”? É só a palavra? Tende a bondade de acompanhar-me com um pouco de atenção, se vos apraz. Quando dizeis “vejo”, que quereis dizer?...

Quando dizeis: “vejo aquela árvore”, a estais vendo realmente, ou vos estais satisfazendo, apenas, com a palavra “vejo”? Pensai nisso. Vamos devagar! Dizeis: “Aquilo é um carvalho, um pinheiro, um olmo — o que quer que seja — e passais adiante? Se assim é, isso denota que não estais vendo a árvore, porque estai confiando na palavra. Só quando compreendeis que a palavra não é importante e podeis colocar de lado o símbolo, o termo, o nome, é só então que podeis olhar. Isso é muito difícil — olhar — porquanto significa que o nome, a palavra, com todas as lembranças, reminiscências associadas à palavra, têm de ser postos de lado. Vós não olhais para mim. Tendes certas ideias a meu respeito. Tenho uma certa reputação, etc., e isso vos impede de me verdes. Se puderdes despojar a mente de todo esse absurdo, podereis então ver — e esse “ver” é completamente diferente de ver através da palavra.

Podeis agora olhar para os vossos deuses, vossos prazeres favoritos, vossos sentimentos de nobreza, de espiritualidade, etc. — despojados da palavra? Isto é dificílimo, e são poucos os que se sentem dispostos a olhar assim. Esse ver é total, porque já não está associado com a palavra e as lembranças, os sentimentos que a palavra evoca. Assim, o ver uma coisa totalmente significa que não existe divisão, que não há reação ao que se está vendo: há, apenas, ver. E a percepção do fato em si provoca uma série de ações dissociadas da palavra, da memória, das opiniões e ideias. Isso não é uma façanha intelectual, embora o pareça. Ser intelectual ou ser emotivo é um tanto estúpido. Mas o ver totalmente o medo liberta a mente do medo.

Ora, nunca vemos uma coisa totalmente, porque estamos sempre olhando as coisas com o intelecto. Isso não significa que não se deva fazer uso do intelecto; pelo contrário, temos de fazer uso do intelecto em sua máxima capacidade. Mas a função do intelecto é fracionar as coisas; ele foi educado para observar por partes, não totalmente. Estar inteiramente cônscio do mundo, da Terra, isso não implica nenhum senso de nacionalidade, nem tradições, nem deuses, nem igrejas, nem repartição das terras, nem a divisão da Terra em coloridos mapas. E ver a humanidade como constituída de entes humanos não significa segrega-los em europeus, americanos, russos, chineses ou indianos. Mas o intelecto recusa-se a ver totalmente a Terra e o homem que a habita, porque o intelecto foi condicionado através de séculos de educação, tradição e propaganda. Assim o intelecto com todos os seus hábitos mecânicos, seus instintos animais, seu impulso para permanecer em segurança, protegido, jamais pode ver coisa alguma em sua totalidade. Entretanto, é o intelecto que nos domina; é o intelecto que está sempre funcionando.

Por favor, não salteis logo à ideia de que deve haver algo além do intelecto, de que em nós deve habitar um espírito, com o qual devemos entrar em contato, e outros absurdos de tal laia...

O intelecto, pois, foi condicionado — pelo hábito, pela propaganda, pela educação, por todas as influências diárias, pela insignificância da vida e por seu próprio e incessante tagarelar. E é com esse intelecto que olhamos. Esse intelecto, ao escutar o que se diz, ao contemplar uma árvore, um quadro, ao ler um poema ou ouvir um concerto, é sempre fracionário; sempre reage em termos de “gosto” e “não gosto”, em termos de vantagem ou desvantagem. A função do intelecto é reagir e, se assim não fosse, seríamos destruídos da noite para o dia. É, portanto, o intelecto, com todas as suas reações, lembranças, impulsos e compulsões — tanto conscientes como inconscientes — que olha, vê, escuta e sente. Mas o intelecto, sendo em si, parcial, produto do tempo e do espaço, da educação — conforme já descrevemos — não pode ver totalmente. Está sempre comparando, julgando, avaliando. Mas a função do intelecto é reagir, avaliar; por conseguinte, para poder ver as coisas totalmente, o intelecto tem de suspender sua atividade. Espero me esteja explicando claramente.

Deste modo, o percebimento total de uma coisa só pode ser verificada quando o intelecto é altamente receptivo à razão, à dúvida, à indagação, mas ao mesmo tempo reconhece as limitações do raciocinar, do duvidar, do indagar e, portanto, não permite a si mesmo interferir no que está vendo. Se desejais realmente descobrir algo que seja mais do que produto do intelecto, este deve em primeiro lugar alcançar os seus limites, interrogando, argumentando, examinando, desejando descobrir e conhecer sua existência limitada, parcial; e essa própria existência, esse conhecer da limitação, quieta a mente, o intelecto. Há então a visão total.

Quando se puder ver a totalidade da ordem — com todas as implicações que já examinamos — ver-se á também surgir, dessa compreensão total, uma ordem de qualidade inteiramente diferente. Por certo, só poderá apresentar-se a ordem correta com a destruição da mente que exige ordem para sua própria satisfação e segurança. Depois de o intelecto despedaçar tudo o que ele próprio criou, de destruir o solo em que cultiva toda espécie de fantasias, ilusões, desejos, então surgirá, em consequência dessa destruição, um amor que criará sua ordem própria.

Krishnamurti — O Passo Decisivo — ICK

domingo, 9 de junho de 2013

George Lucas, Indiana Jones e Jiddu Krishnamurti

Sinopse:  O Jovem Indiana Jones The Young Indiana Jones Chronicles (1991) Criada em 1991 pelo cineasta e produtor George Lucas, a série de TV "O Jovem Indiana Jones" (exibida nos Estados Unidos pela ABC e no Brasil pela Rede Globo) tinha como objetivos mostrar a infância e adolescência do heroico arqueólogo e professor Henry Jones Jr.- personagem criado por Lucas e Phillip Kaufman para o filme "Os Caçadores da Arca Perdida", de 1981, com direção de Steven Spielberg -, e ensinar aos telespectadores um pouco da História das primeiras décadas do século 20. Indiana Jones nos é apresentado com 92 anos de idade, e em cada episódio ele se lembra de fatos ocorridos quando tinha 9 e 17 anos. Nessa época, nas primeiras décadas do século, ele esteve presente em fatos fundamentais na nossa história - o nascimento da psicanálise, o início da arte moderna, a revolução mexicana, a Primeira Guerra Mundial, a revolução russa, o início da era do jazz - e conheceu pessoalmente figuras históricas que fizeram o século 20 - Sigmund Freud, Mata Hari, Pablo Picasso, Albert Schweitzer, Annie Besant, Jiddu Krishnamurti (5º Capítulo, intitulado "Journey of Radiance", Lawrence da Arábia, o Barão Vermelho, Charles De Gaulle, Sylvia Pankhurst, Winston Churchill, Lenin, Ernest Hemingway, Louis Armstrong, Sidney Bechet, Kemal Ataturk e Elliot Ness, entre muitos outros.

No 5º episódio intitulado "Journey of Radiance", o jovem Indiana Jones enfrenta a morte numa história comovente de fé e confiança. Um passeio através da mística do Extremo Oriente leva Indiana à cidade santa de Benares, onde ele faz amizade com o jovem líder solitário e isolado do movimento da Teosofia, Jiddu Krishnamurti. Cercado por suplicantes e puxa-sacos, Krishnamurti se esforça para ter fé em si mesmo e para cumprir o destino decretado por ele e por seus adoradores. No processo, ele mostra para Indy quão forte o poder da fé pode ser. A mãe de Indy também aprende uma lição de fé e confiança, quando ela deve contar com alguns pobres aldeões chineses e suas técnicas de medicina tradicional para salvar a vida de seu filho, que está perigosamente perto da morte com febre tifóide.

A série sempre aliou uma forte base factual e histórica a roteiros cheios de ação e aventura, além de muito humor e romantismo. Roteiristas e cineastas de diversos países e culturas diversas foram chamados para comandar os episódios. Além disso a produção e a direção de arte eram caprichadas: "O Jovem Indiana Jones" rodou o mundo inteiro, tendo sido filmado em locações reais ao redor do globo, na África, Índia, China, Indonésia, Europa e Estados Unidos.

Inicialmente cada episódio teve 45 minutos de duração. Em 2000 a LucasFilm e a Paramount lançaram 12 fitas VHS reunindo dois episódios em cada uma, como se fossem longas-metragens de 90 minutos.

Para baixar a 1ª e 2ª Temporada via torrent, clique aqui
Legendas: Anexa ao RAR (Pt-Br)
Qualidade do Vídeo: DVD-Rip
Vídeo Codec: XViD
Áudio Codec: MP3
Resolução: 624 X 352

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sexta-feira, 7 de junho de 2013

O “homem da paz” repele toda autoridade

Interpelante: Existe em mim um descontentamento profundo, e estou em busca de alívio. Instrutores, como Sankara e Ramana, recomendaram a submissão a Deus. Recomendaram também o cultivo da virtude e o seguimento do exemplo dos nossos Mestres. Pareceis considerar tudo isso inútil. Tereis a bondade de explicar porquê?

KRISHNAMURTI: Porque estamos descontentes, e que há de mau no descontentamento? Evidentemente, estamos descontentes porque — para dizê-lo com muita simplicidade — queremos ser alguma coisa. Se sou bom pintor, pinto para tornar-me mais famoso; se escrevo um poema, sinto-me insatisfeito por não o achar bom e luto para melhorar a minha capacidade. Se sou dessas pessoas ditas religiosas, também neste terreno quero ser alguma coisa. Sigo o exemplo dos vários santos e desejo alcançar nomeada igual à deles. Desde meninos, nos dizem sempre que devemos ser tão bons ou melhores do que outro. Fui criado na base da comparação, da competição, da ambição e, por isso, levo em toda a vida a carga do descontentamento. Propriamente falando, descontentamento é inveja; e nossa cultura religiosa e social está baseada na inveja. Estimulam-nos a ser alguma coisa, para maior glória de Deus. Por um lado, estimula-se o descontentamento, e, por outro lado, queremos achar meios e modos de dominar o descontentamento. Estando descontentes, economicamente, socialmente, recorremos aos exemplos religiosos, a fim de encontrarmos satisfação; meditamos, praticamos disciplinas, a fim de nos livrarmos do descontentamento, ficarmos em paz. Isto está acontecendo com todos vós e eu vos digo que é uma coisa completamente fútil, sem significação nenhuma. Seguir, imitar, obedecer a uma autoridade em assuntos religiosos é coisa má, assim como é uma coisa má a tirania do governo, porque então está completamente perdida a individualidade.

Atualmente, não sois indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. Sois o corpo coletivo, não sois indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos sois hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que sois produto da massa. Por conseguinte, não sois indivíduos. Precisais estar totalmente descontentes, para poderdes descobrir. Mas a sociedade não deseja ver-vos descontentes, porque teríeis então vitalidade, começaríeis a inquirir, a investigar, a descobrir e, conseqüentemente, vos tornaríeis perigosos para ela.

Infelizmente, o descontentamento de quase todos vós está baseado no desejo de satisfação, e no momento em que vos vedes satisfeitos, desaparece o descontentamento. E então definhais e declinais. Já não observastes como pessoas descontentes quando jovens, perdem esse descontentamento logo que obtêm um bom emprego? Dai ao comunista um emprego rendoso, e lá se foi o seu descontentamento. O mesmo acontece com as pessoas religiosas. Não riais — isto também acontece convosco. Desejais encontrar o mestre certo, o guru certo, a disciplina certa: e o que se encontra é uma gaiola que vos asfixiará e destruirá; e esta destruição se chama “busca da verdade”... Isto é, quereis achar-vos satisfeitos permanentemente, para não sofrerdes perturbação, descontentamento, não terdes o desejo de investigar. Foi isso que realmente sucedeu; e quanto mais antiga a civilização, tanto mais destrutiva, porque a tradição gera sempre mediocridade.

Vemos, pois, que o descontentamento, tal como ora o conhecemos, é meramente desejo de encontrar satisfação permanente. E existe de fato satisfação permanente, um permanente estado de paz? Ou só existe um estado em que nada é permanente? Só a mente que, na sua totalidade, é impermanente, incerta, pode descobrir o que é verdadeiro; porque a Verdade não é estática. A Verdade é sempre nova e só pode ser compreendida pela mente que está morrendo para todas as acumulações, todas as experiências e é, por conseguinte, fresca, jovem, “inocente”.

Agora, existe descontentamento sem objetivo, sem “motivo”? Compreendeis? A mente cujo descontentamento tem um “motivo” procurará uma conclusão que a satisfaça, destruindo o descontentamento; e, então, a mente definha, declina. Todo nosso descontentamento está baseado em algum “motivo”, não? Mas agora estamos fazendo uma pergunta completamente diferente: existe descontentamento sem “motivo”, que não seja produto de uma causa? Não deveis investigar e averiguar isso? Ora, tal descontentamento é necessário. Ou empreguemos uma palavra diferente — o que aliás é sem importância — digamos que é um movimento sem causa, sem “motivo”. Penso que tal movimento existe, e isto não é mera especulação nem promessa. Quando a mente compreende o descontentamento que tem “motivo”, o descontentamento nascido do desejo de satisfação, permanência; quando percebe, realmente, a verdade relativa a esse descontentamento, vem então à existência “a outra coisa”. Mas “a outra coisa” não pode ser compreendida nem experimentada, se há descontentamento com “motivo”, e atualmente todo descontentamento nosso tem “motivo”: não posso alcançar o que desejo, minha mulher não me ama, nada valho assim como sou e, portanto, tenho de tornar-me diferente, e assim por diante. Há esta interminável multiplicidade de causas e efeitos, causadora dessa coisa que chamamos “descontentamento”.

Ora, se a mente está cônscia de todo esse processo e o compreende integralmente, percebe a sua verdade, vereis então manifestar-se um movimento sem “motivo” algum — um movimento, uma ação, uma coisa não estática, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Nesse movimento há beleza infinita, e ele se pode chamar “amor”; porque, afinal, o amor é sem “motivo”. Se eu vos amo e desejo algo de vós, isto não é amor — embora eu lhe dê esse nome — porque, aí, há “motivo”. A atividade social ou religiosa baseada em “ motivo”, ainda que a denominemos “serviço”, não é serviço porém, sim, autopreenchimento.

Pode-se descobrir o que é amar sem “motivo”? Isso é uma coisa que se precisa descobrir e que não pode ser praticada. Se disserdes: “Como alcançarei esse amor?” — estareis fazendo uma pergunta sem significação, porque o desejo de alcançá-lo já é um “motivo”. Se empregais um método, para alcançar esse amor, esse método só tornará mais forte o “motivo”, que é “vós”. Vós sois então importante, e não o amor.

Se penetrardes profundamente esta questão — o que é muito difícil e é, em si, meditação — penso que descobrireis um movimento sem “motivo”, um movimento sem causa alguma e é esse movimento que traz a paz ao mundo, e não o movimento de vosso descontentamento, determinado por uma causa. O homem em quem se verifica esse movimento sem causa é um homem religioso, é um homem que ama e, portanto,pode fazer o que deseja. Mas o político, o reformador social, o homem que cultiva a virtude, a fim de ser feliz ou de conhecer Deus, o homem, cujos esforços são o resultado de um “motivo”, num nível qualquer, — as atividades desse homem só podem gerar ódios, antagonismos e sofrimentos.

Eis porque muito importa que cada um de nós descubra por si mesmo, deixando de seguir Sankara. Ramana, Buda ou Cristo. Para por nós mesmos descobrirmos, acharmos uma coisa, temos do ser livres; e não somos livres, se meramente citamos Sankara ou outra autoridade qualquer. Se seguimos, nunca achamos. Assim, pois, a liberdade está no começo, e não no fim. A liberdade precisa ser buscada agora, não no futuro. Liberdade significa estar livre de autoridade, da ambição, da avidez da inveja, do descontentamento que tem “motivo” e exige resultados, e que asfixia o verdadeiro descontentamento.

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe “motivo” algum. A própria jornada representa o “motivo”, e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo — e não os reformadores sociais, os “beneméritos”, os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Êstes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitoresO “homem da paz” é aquêle que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade — ou como quiserdes chamá-lo — não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.

Krishnamurti — 18 de janeiro de 1956 — Da solidão à plenitude humana


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