quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Ser Livre

Penso que deve interessar muito seriamente a todos nós o que vai pelo mundo, pois vê-se tanta tirania, tanto morticínio em nome desta ou daquela ideologia e que até nas chamadas democracias se acentua lentamente a tendência para moldar a mente humana em conformidade com determinado padrão de pensamento. Por toda parte, nos círculos religiosos e também no mundo político, onde quer que o homem viva, seja na aldeia, seja na cidade mais moderna, encontra-se essa tendência a ajustar-lhe a mente de determinada maneira; e pensamos que, desse modo, se alcançará uma ordem social que não conterá em si o germe da deterioração e da destruição. Estamos fazendo isso há séculos, não é verdade?
Pela educação, pelos dogmas e crenças religiosos, pela adoração de um certo deus, pela coerção em todas as formas, esperamos que o homem possa ser condicionado para atuar moderadamente, sem muita exploração com senso de sociabilidade, e que essa sociedade subsistirá então de maneira ordenada. Desde a antiguidade, têm as religiões do mundo, sucessivamente, moldado o homem para pensar de uma certa maneira, e vemos atualmente os políticos servirem-se de modernos processos psicológicos para controlar-lhe o pensamento. Querem eles a ação coletiva numa base planeada e, assim, procuram adaptar a mente humana a uma certa ideologia, comunista, socialista ou capitalista, esperando que, dessa maneira, vós e eu sejamos levados a viver amigavelmente, em nossas mútuas relações, que constituem a sociedade.
É o que realmente está sucedendo no mundo inteiro. Nas chamadas democracias há mais moderação: podeis ler o que desejais e dizer o que entendeis - dentro de certos limites; mas os jornais, em grande escala, controlam o vosso pensamento e fornecem os preconceitos que devereis nutrir. A literatura que ledes influencia o vosso pensar, e o político, com suas promessas de uma futura utopia, molda-vos a ação. Assim, as autoridades políticas e religiosas estão moldando a pouco e pouco a mente do homem. Isso é um fato, quer o admitais, quer não.
Eis o verdadeiro estado de coisas, no mundo. Vossa mente é moldada como hinduísta, budista ou socialista; estais condicionados para crer ou para não crer, e mudar simplesmente a forma de crença, abandonando o hinduísmo para vos tornardes cristão, comunista ou o que quer que seja, me parece uma coisa inteiramente fútil - não só fútil, pois é, em verdade, de certa maneira, uma espécie de crime, já que não resolve o problema fundamental. Passamos, meramente, de um palavreado para outro palavreado, e essa mudança das palavras tem, em si, extraordinário efeito na mente. Não sei se já observasses como somos escravos das palavras. Trataremos disso mais adiante, no decorrer destas palestras.
Agora, que deve fazer o homem que percebe exatamente o que se está passando no mundo e realmente deseja descobrir se Deus, a Verdade, é uma realidade ou apenas uma sutil invenção do sacerdote? Afinal de contas, vós e eu somos o resultado do "Coletivo", não? E há necessidade de entes humanos completamente libertados do "coletivo", da sociedade, livres de condicionamento, não em certas camadas ou em certos pontos, porém totalmente livres, porque só esses indivíduos podem descobrir o que é Deus ou o que é a Verdade - e não o homem que segue a tradição, o homem que pratica japam, que atinge a meta, que cita o Gita, e freqüenta o templo todos os dias. São irreligiosos os que assim procedem. Mas o homem que deseja realmente descobrir o que é este extraordinário movimento do viver deve não só compreender o "processo" de seu próprio condicionamento, mas também ser capaz de transcendê-lo; porque a mente só pode descobrir o verdadeiro quando livre de todo condicionamento, e não quando se limita a repetir certas palavras e a citar livros sagrados. Esta mente não é livre.
É, pois, dificílimo, neste mundo, a mente ser livre. O político e o chamado religioso falam sobre a liberdade - é um dos seus temas prediletos; mas põem muito cuidado em que não sejais livres - porque, no momento em que fordes livres, sereis uma ameaça à sociedade, à religião organizada, a todas as coisas malsãs existentes ao redor de vós. Só a mente livre descobrirá o verdadeiro, só a mente livre pode ser criadora; e é essencial, numa cultura como a nossa, não se dê importância à observância de um padrão, doutrina, ou tradição, mas, sim, que se permita à mente ser criadora. Mas a mente só pode criar quando está livre de condicionamento, e essa liberdade não se adquire facilmente; é preciso trabalhar muito para alcançá-la. Trabalhais como um mouro para viver, passais anos e anos "cumprindo ordens" para ganhardes o sustento, sujeitando-vos a insultos, inconveniências, desprezo, subserviência; mais árduo, porém, é o trabalho de tornar a mente livre. Requer bastante discernimento, muita compreensão, um amplo percebimento, em que a mente toma conhecimento de todos os seus obstáculos, barreiras, seus movimentos de automistificação, suas fantasias, ilusões, mitos. Uma vez livre, pode ela começar a investigar, explorar; mas o buscar, sem ser livre, para a mente nada significa. Compreendeis? A mente que aspira a encontrar a Verdade, Deus, a extraordinária profundeza da vida, a plenitude do amor, deve primeiramente estar livre. Nenhuma significação tem para a mente que está moldada, condicionada, aprisionada na tradição, dizer: "Estou buscando a Verdade, Deus". É como um animal amarrado a uma estaca, que não pode ir mais longe do que lhe permite o comprimento da corda.
Assim, se desejamos descobrir que estado extraordinário é esse que se encontra além das fantasias da mente, experimentá-lo deveras, "viver com ele" e conhecer-lhe o inteiro significado, necessitamos, por certo, de liberdade; e a liberdade exige trabalho mais penoso do que em geral estamos dispostos a empreender. Preferimos ser guiados, a descobrir; mas ninguém pode ser guiado para a Verdade. Compreendei, por favor, esse fato bem simples. Nenhum swami, nenhum sistema de ioga, nenhuma organização religiosa, nenhuma doutrina ou crença pode conduzir-vos ao descobrimento da Verdade. Só a mente livre pode descobrir. Isso é óbvio, não achais? Não podeis descobrir a verdade a respeito de coisa alguma pelo serdes meramente informados sobre o que ela é, porque então o descobrimento não é vosso. Se sabemos através de outrem o que é felicidade, isso nos torna feliz?
Para descobrirmos o sentido da vida, conhecer-lhe o conteúdo e não apenas as camadas superficiais a que chamamos "viver", estarmos cônscios de suas alegrias, suas extraordinárias profundezas, sua amplidão e beleza, como também a esqualidez, a miséria, a luta, a degradação - para compreendermos o significado de tudo isso nossa mente, é claro, deve estar livre. Se chegarmos a alcançá-lo, então vossa relação comigo e minha relação convosco não se basearão na autoridade. Eu não posso levar-vos à Verdade, nem ninguém mais o pode; cabe-vos descobri-la a cada momento do viver cotidiano. Ela pode ser encontrada no curso de um passeio ou numa viagem de bonde, ao discutirdes com vossa esposa ou vosso marido, quando estais sentados sozinhos ou a contemplar as estrelas. Se souberdes o que é meditação correta, descobrireis o que e verdadeiro; mas a mente que foi "preparada", "educada", como se costuma dizer, condicionada para crer ou para não crer, que se denomina hinduísta, cristã, comunista, budista - essa mente nunca descobrirá a Verdade, ainda que a busque por um milênio. O importante, pois, é que a mente seja livre; e pode a mente ser livre? Compreendeis o problema, senhores? Só a mente livre pode descobrir o verdadeiro - descobrir, e não ser informada sobre o verdadeiro. A descrição não é o fato. Quando sentis fome, a descrição do alimento não vos nutre. Mas em geral nos satisfazemos com a descrição da Verdade; e a descrição, o símbolo, tomou o lugar do fato. Para descobrirmos se existe uma realidade ou não, devemos ser capazes de ver o verdadeiro como verdadeiro, o falso como falso, sem esperar que no-lo digam, como se fôssemos um bando de crianças, sem madureza mental.
Assim, para descobrir o verdadeiro deve a mente, em primeiro lugar, estar livre, e o libertar-se é um trabalho dificílimo, mais difícil do que os exercícios da ioga. Estes exercícios apenas condicionam a mente, e só a mente livre pode ser criadora. A mente condicionada pode ser inventiva, conceber novas idéias, novas frases, novos mecanismos, poderá construir um dique, planejar uma nova sociedade, etc.; mas isso não é ação criadora. A força criadora é muito mais do que a mera capacidade de adquirir uma técnica. É porque, dentro da maioria de nós, não existe essa coisa extraordinária que se chama "força criadora", que somos tão superficiais, vazios, insuficientes; e só a mente livre tem a virtude de criar.
Nosso problema é, pois: como libertar a mente? E é possível libertar a mente - não por camadas ou porções, um pedacinho aqui, um pedacinho ali, porém totalmente, de ponta a ponta, tanto o inconsciente como o consciente? Ou a mente está fadada a ser sempre condicionada, sempre moldada? Deveis descobrir por vós mesmos, e não esperar que eu vos diga se a mente pode ser livre. A mente só tem a possibilidade de pensar na liberdade, como o faz o prisioneiro, estando assim condenada a nunca ser livre, a ser perene prisioneira de seu condicionamento?
Compreendeis o problema? Pode a mente ser de todo livre, ou é da sua própria natureza o ser condicionada? Se a qualidade fundamental da mente é o ser limitada, nesse caso está fora de cogitações o descobrir o que é a realidade; podeis, então, continuar a repetir que há Deus ou que não há Deus, que isto é bom e aquilo é mau - e tudo isso está compreendido no padrão de uma dada cultura. Mas, para descobrirdes a verdade a esse respeito, deveis investigar por vós mesmos se a mente pode de fato ser livre. Eu digo que pode - mas isso não é para aceitardes ou rejeitardes. Isso pode ser verdade, ou pode ser minha opinião, minha fantasia, minha ilusão, e não deveis basear vossa vida num descobrimento feito por outro, ou numa ilusão, numa fantasia alheia, ou numa mera idéia. Vós tendes de descobrir.

Assim, nossa investigação, no decorrer destas palestras, visará não a como tornar a condicionar a mente, de acordo com um padrão mais nobre, um melhor sistema ou ideologia, como o deseja a maioria das pessoas, porém, antes, a descobrir se é possível libertar de todo a mente. Porque, como vedes, senhores, torna-se necessária uma "explosão criadora" para fazer nascer uma nova sociedade. A simples reforma, dentro do padrão, não é transformação nenhuma. Só há transformação quando nos libertamos do padrão e descobrimos algo novo. Se o que se descobrir terá influência na sociedade - não é isso o que importa. O que é de vital importância é o sermos capazes dessa extraordinária e explosiva força criadora, fora do padrão. Essa "explosiva" força criadora tem sua ação própria, a qual poderá ou não influir na sociedade, mas, certamente, criará uma cultura totalmente nova, uma nova maneira de pensar, independente do padrão. Portanto, não estamos interessados na reforma da sociedade, pelo contrário, nossa investigação visa a descobrir se podemos libertar-nos da sociedade, ou seja, de nosso próprio condicionamento.
Ora, como investigar a verdade relativa a qualquer coisa? Estais compreendendo, senhores? Se estamos seriamente interessados e não apenas apegados a palavras e frases, a um precário modo de pensar, vós e eu desejamos saber como poderemos investigar a questão de se a mente pode ou não ser livre. Como empreender essa tarefa? Por certo, um dos fatores essenciais em qualquer espécie de investigação, de indagação, é não pressupor nem postular coisa alguma, não pensar partindo de uma conclusão; porque, se começais a pensar partindo de uma conclusão, isso de modo nenhum é pensar. O pensamento que parte de uma idéia preestabelecida não é pensar, porém simples repetição. Estar livre de conclusões, de pressupostos, é dificílimo; mas esse é o primeiro requisito essencial, assim me parece, da verdadeira investigação. Não podeis investigar de uma base predeterminada, a qual pode ser completamente falsa e, por conseguinte, vossa investigação conduzirá, infalivelmente, a algo igualmente falso.
Assim, podemos, vós e eu, como indivíduos - não como hinduístas, não como habitantes da Índia ou da Europa - iniciar nossa investigação sem pressuposto algum? Não me refiro aos pressupostos implícitos em fatos, tais como amanhã, ontem, o tempo, o alimento, etc., porém aos pressupostos oriundos do estado da mente que exige segurança psicológica: o pressuposto da existência ou não existência de Deus, de que isto é bom, aquilo é mau, etc. Senhores, para descobrir se há Deus ou se não há Deus, é claro que não devo pressupor coisa alguma. Se, tenho real empenho, se desejo deveras descobrir a verdade relativa a uma certa questão; se ardorosamente pretendo investigar a realidade, compreender seu significado e beleza, ou sua precariedade, sua total inanidade - se desejo conhecer a realidade, como quer que seja ela, minha mente não deve pressupor nada, não achais?
Verbalmente, podereis concordar que nada deveis pressupor; mas abandonareis de fato vossas pressuposições? Porque, se nada pressupondes, que acontecerá? Estareis contra vossa família, vossa sociedade, contra toda espécie de tradição; tereis de ficar sozinho, completamente dissociado dos valores, das idéias que vos foram inculcadas na mente. E tal perspectiva horroriza bastante a vossa mente, porque as idéias, as tradições, os valores lhe proporcionam um sentimento de segurança, de permanência; vosso emprego está baseado em tudo isso, e tendes um interesse psicológico nele. Assim sendo, consciente ou inconscientemente, vossa mente se rebela contra a idéia de ficar completamente , a fim de descobrir. Estar completamente só é estar livre de contaminação pela sociedade - a sociedade, que é constituída de inveja, avidez, vaidade, desejo de poder e prestígio, ânsia das coisas mundanas e das chamadas extramundanas - e só essa mente está livre para investigar e descobrir a verdade ou a falsidade daquilo que a supera. Assim, o autoconhecimento é o começo da sabedoria. Nos livros não é encontrável a sabedoria; ela desponta na mente que procura compreender seu próprio mecanismo, e só essa mente pode descobrir a realidade que transcende seus próprios limites.
Em todas estas palestras haverá, perguntas e respostas - ou, antes, eu não vou dar respostas às perguntas, mas iremos examinar juntos cada problema.
Ora, porque fazeis uma pergunta? Evidentemente a fazeis com o fim de encontrardes uma resposta. E qual é mais importante, a pergunta ou a resposta? Deveis esclarecer-vos a esse respeito junto comigo. Se a resposta é mais importante, nesse caso a questão não vos interessa realmente, porque estais em busca de uma resposta. Compreendeis, senhores? Vê-lo-eis logo, à medida que formos prosseguindo.
Há um problema qualquer e desejais uma solução para esse problema. Ora, que está realmente sucedendo ao desejardes a solução de um problema? Vossa mente não está dando toda a atenção ao problema. Ela está dividida, distraída pela exigência de solução. Um problema só existe quando a atenção está dividida; mas, quando aplicais vossa inteira atenção ao que se costuma chamar "um problema", ele, o problema, vos dá então sua própria solução, e não tendes necessidade de ir procurá-la fora do problema. Porém, não podeis atentar totalmente para o problema, se estais procurando uma solução.
Não darei, pois, nenhuma resposta. A vida não tem resposta categórica para nada; o que ela vos manda fazer é penetrar o problema, considerar o problema com toda a intensidade, atenção, vitalidade, que lhe puderdes dar. Então, o problema se resolve por si mesmo; ele ainda não se resolveu porque encontrasses uma "solução".
É desta maneira que vamos considerar esta pergunta, e perdereis o seu significado se ficardes esperando uma resposta minha. Digo-vos, logo de começo, a fim de evitar enganos de vossa parte, que não vou dar-vos nenhuma resposta, porém vós e eu vamos investigar juntos o problema.

PERGUNTA: Embora os líderes políticos, os reformadores sociais e os vários santos a condenem incessantemente, a exploração continua a existir nas relações humanas, do mais alto funcionário do governo ao iletrado trabalhador de aldeia. Vós mesmo tendes pregado contra ela nestes últimos trinta anos. Como concebeis ação isenta de exploração?
KRISHNAMURTI: Senhores, podeis estar cônscios deste problema da exploração, ou podeis não cogitar dele, porém ele está bem à frente de vosso nariz e existe em todos os níveis sociais. O homem talentoso - política, religiosa ou cientificamente - explora-me, porque tem capacidades que eu não tenho. Se tenho uma certa instrução e vivo numa pequena aldeia, exploro os analfabetos de lá, e o trabalhador de aldeia explora sua mulher. Ora, que se entende por exploração?

Há a exploração da terra: utilizamo-la, cultivamo-la, cavamos minas, a fim de colher os produtos terrestres para benefício do homem. Esta é uma espécie de exploração. E há a outra espécie, que é a exploração do estúpido pelo inteligente, do fraco pelo forte. O político esperto, o sacerdote sagaz, o líder astuto, o santo perspicaz - todos têm sua idéia de como deve ser a sociedade, sua idéia sobre moral, sobre virtude, e tiram proveito dessa idéia, com sua maneira de viver, sua maneira de falar, etc.; e os estúpidos, os iletrados, os irrefletidos os seguem. Assim, em que nível nos colocamos ao falar de "exploração"? Compreendeis, senhores? Quando um homem diz: "Encontrei Deus; sei o que isso significa" - e ficais muito interessados em coseguir a mesma coisa, não há dúvida que ele vos explora. O chamado líder espiritual supõe conhecer o Mestre e vós não o conheceis, e, assim, o seguis, porque desejais algo que julgais que ele tem, ou algo que ele promete. Por outras palavras, sois explorados "para vosso próprio bem".
Assim, quando um homem "sabe" ou diz que "sabe", e outro diz: "Eu não sei, ensinai-me", não existe exploração na relação entre os dois? Entendeis, senhores? Quando há instrutor e discípulo, não há exploração? Se digo: "Eu sei, eu experimentei", e vós dizeis que não sabeis, mas desejais ter essa mesma experiência, qualquer que ela seja, não vos colocasses na situação de ser explorados por mim?
Certo, quer se acumulem posses, quer conhecimentos, a coisa é a mesma; só o nível é diferente. E enquanto se verificar o processo de acumulação, tem de haver exploração. O problema, pois, é: se podemos ficar num "estado de aprender" e não num "estado de acumular". Se a vida é para mim um "processo de aprender", não há então exploração, não há divisão de instrutor e discípulo. Então, ambos somos importantes e aprendemos um do outro. Não há então o "de cima" e "o de baixo", o mais espiritual e o menos espiritual, porque então ambos estamos aprendendo e não acumulando.
Por conseguinte, enquanto há acumulação, em qualquer forma, ou seja, ação egocêntrica, tem de haver exploração. Essa ação egocêntrica pode ser desenvolvida em nome da sociedade, ou em nome de Deus, ou pode ser em nome de uma nação ou ideologia, mas é sempre exploração. O político que está "de cima" pensa que sabe o que é bom para toda a Índia. Ele tem poder, prestígio, capacidade, popularidade e, portanto, serve-se de vós, que não sabeis, para pôr em prática suas idéias; e como não tendes a capacidade necessária para estudar, investigar, etc., vós o seguis, simplesmente. Senhores, é isso o que estamos realmente fazendo. Vós sabeis e eu não sei - eis como estabelecemos no mundo uma mentalidade hierárquica, baseada na autoridade. E o interrogante deseja saber como eu concebo a ação de um homem que não está explorando, isto é, que não está acumulando; que pode ter algumas roupas, algumas posses, mas é destituído do espírito de aquisição na forma de bens materiais, idéias ou crença, e que está livre do desejo de engrandecimento pessoal, de todo e qualquer interesse egocêntrico, na vida.
Ora, por que o desejais saber? Por que perguntais como concebo o "estado de ação" isento de exploração? É porque sois indolentes, não é verdade? Quereis ser informados sobre o que é esse estado, quereis examiná-lo, para aceitá-lo ou rejeitá-lo; não quereis estar nesse estado. Se vos achásseis nesse estado, não faríeis uma pergunta destas.
Escutai, senhores, por favor. Isto é realmente importante, porque, se o compreenderdes, vos levará a algo prodigioso. Mas, porque sois indolentes, dizeis: "Dizei-me o que significa ser livre de exploração, e eu concordarei convosco ou discordarei de vós". Não desejamos estar nesse estado, porque ele exige trabalho penoso, exige investigação, quebra das atuais condições de exploração, quer no nível mais alto, quer no ínfimo dos níveis. Não desejamos quebrar as presentes condições de exploração; queremos que elas continuem e, no entanto, perguntamos qual é o estado do homem que atua sem exploração. E eu digo: descobri-o, ponde-vos nesse estado, e vereis que ele tem sua ação própria, ação muito mais significativa, muito mais vital e mais rigorosa do que a outra.
Saber o que significa não adquirir, ter o sentimento desse estado, e não apenas a imagem mental suscitada por palavras, é não conhecer nenhum sentimento da própria importância, nenhum sentimento de acumulação; é ser realmente nada, interiormente. Embora exteriormente possais ter algumas roupas, algumas posses, todas essas coisas são insignificativas. Sentir profundamente que não estais adquirindo bens materiais, que estais à procura de êxito, que não estais desejando o beneplácito de uma sociedade corrupta; que, psicologicamente, não tendes nenhum interesse em "vir a ser" alguma coisa. Compreendeis? Enquanto estais ocupados em "vir a ser algo", que é processo de aquisição, tem de haver exploração. Podeis falar muito sobre o estado de não-exploração, mas, enquanto houver essa ânsia interior de "vir a ser algo", tornar-se santo, político famoso, rico, ou seja o que for sendo esta a própria raiz da ação egocêntrica, tem de haver exploração. E esse movimento de "vir a ser algo" é uma das coisas mais difíceis de abandonar, porque para ficar livre dele é preciso compreender o inteiro "processo" do tempo como meio de ascensão para o êxito, pela aquisição de posses, de poder, posição ou saber. Qualquer atividade ou reforma social, como meio de tornar importante o "eu" ou como meio de auto-esquecimento, conduz à exploração.
Se estais seriamente interessado nesta questão e se desejais ardentemente descobrir se a mente pode, em algum tempo, cessar de explorar, então, descobrireis que é possível viver neste mundo sem nada acumular - e isso significa morrer a cada minuto para tudo o que adquiris, para o saber, para a virtude, para as coisas que acumulasses, tanto neste mundo material como no mundo psicológico. Mas, morrer totalmente para todas as coisas - para a experiência, para o saber, para todo o "processo" de aquisição - é árdua tarefa. Significa estar completamente cônscio, inteiramente atento aos movimentos da mente, e isso só é possível quando se observa o "processo" mental em funcionamento, ou seja na ação das relações. Observai como tratais vossos criados, como adulais o patrão, o político importante, o governador, o santo, e o homem tido por "sabedor". Só a mente realmente humilde não está explorando, e a humildade não é coisa que se cultive. Acha-se a mente no estado de "não-exploração" quando está em silêncio, sozinha, quando não adquire, nem busca êxito, nem galga os degraus da popularidade. Só essa mente pode trazer a sanidade a este mundo tão cheio de crueldade e exploração.

Krishnamurti
Madrastra - 12 de dezembro de 1956
Do livro: O HOMEM LIVRE - Editora Cultrix
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