sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

É possível uma percepção que não parta do pensamento?

O que vem a ser "pensar"? Quando dizemos "eu penso", o que queremos dizer com isso? Quando é que passamos a ter consciência desse processo de pensar? Damo-nos conta dele, certamente, quando há um problema, quando nos sentimos ameaçados, quando nos fazem uma pergunta, quando existe atrito. Nós percebemos sua existência como um processo autoconsciente. [...]
Não há dúvida de que pensar é uma reação. Se eu lhes faço uma pergunta e você responde a ela, você responderá de acordo com a sua memória, com os seus preconceitos, com a sua formação, com o clima, com todos os antecedentes do seu condicionamento; e é de acordo com tudo isso que você responde, é de acordo com isso que você pensa. Não importa que você seja cristão, comunista, hindu ou quem quer que seja — quem responde são esses antecedentes — e, evidentemente, esse condicionamento é o causador do problema. O núcleo desses antecedentes é o "eu", presente no processo da ação, enquanto os antecedentes não forem compreendidos, enquanto o processo do pensamento, esse si-mesmo causador do problema não for compreendido e não tiver tido fim, continuaremos fadados a enfrentar conflitos, dentro e fora, no pensamento, na emoção, na ação. Nenhuma solução de nenhum tipo por mais sagaz ou bem pensada que seja, jamais poderá colocar fim ao conflito entre homem e homem, entre você e eu. E, verificando isso, tendo tomado ciência de como o pensamento nasce e de que fonte ele origina, perguntamos: "Pode o pensamento chegar a ter fim?"
Esse é um dos problemas, não é verdade? Pode o pensamento resolver os nossos problemas? Ter pensado bastante sobre o problema fez você resolvê-lo? Problemas de qualquer natureza — econômicos, sociais, religiosos — terão sido realmente solucionados pelo pensamento? Em sua vida do dia-a-dia, quanto mais você pensa sobre um problema, mais complexo, insolúvel e incerto ele se torna. Não é isso o que se passa na nossa vida diária e real? Você pode, se pensar sobre certos aspectos do problema, perceber com maior clareza o ponto de vista de outra pessoa, mas o pensamento não pode enxergar a plenitude e a totalidade do problema; ele pode apenas ver parcialmente, e uma resposta parcial não é uma resposta plena; logo, não há solução.
Quanto mais pensamos sobre um problema, quanto mais o investigamos, analisamos e discutimos, mais complexo ele se torna. Assim, será possível olhar para o problema de forma plena e totalmente abrangente? E como será isso possível? Essa, segundo penso, é a nossa dificuldade. Sim, pois os nossos problemas se multiplicam.  — há uma ameaça iminente de guerra, há todo tipo de complicações nos nossos relacionamentos — e como poderemos compreender tudo isso de forma plena, como um todo? Isso, evidentemente, só poderá ser solucionado quando o examinarmos como um todo — não em compartimentos, não de forma dividida. E quando será isso possível? Sem dúvida, isso só será possível quando o processo do pensamento — que tem sua origem no "eu", no si-mesmo, nos antecedentes da tradição, do condicionamento, do preconceito, da esperança, do desespero — ter chegado ao fim. Poderemos então compreender esse si-mesmo, não por meio da análise, e sim enxergando o fato tal como ele realmente é, tendo consciência dele como um fato, e não como uma teoria? Não buscando dissolver o si-mesmo de maneira a atingir um resultado, mas enxergando a atividade do si-mesmo, do "eu", constantemente em ação? Poderemos olhar para isso sem nenhum movimento para destruir ou encorajar? Esse é o problema, não é mesmo? Se, em cada um de nós, não existir o centro do "eu", com o desejo de poder, de posição, de autoridade, de continuidade e de autopreservação, nossos problemas certamente terão fim!
O si-mesmo é um problema que o pensamento não pode resolver. É preciso haver uma percepção que não parta do pensamento. Estar ciente, sem condenação ou justificativa, das atividades do si-mesmo — apenas estar ciente — é o bastante. Enquanto você se mantiver ciente visando descobrir a forma de resolver o problema, com o intuito de transformá-lo, de produzir um resultado, você estará ainda no campo do si-mesmo, do "eu". Enquanto buscarmos um resultado, seja por meio da análise, ou por meio da consciência, ou através de um exame constante de cada pensamento, continuaremos ainda no campo do pensamento, o qual se encontra no campo do "mim", do "eu", do ego.

Krishnamurti — Londres, 7 de abril de 1952     

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