Além disso, a ânsia se expressa nos relacionamentos, como sensação, prazer e posse. Possessividade não pode ser amor, ele é resultado do medo. Medo e tristeza penetram o nosso ser, devido ao não percebimento do processo da ansiedade. O desejo de prazer e satisfação necessita a posse de outra pessoa, assim criando e mantendo o medo e a tristeza. Onde há medo não pode haver compreensão, compaixão. Enquanto não resolvermos este problema individual dos relacionamentos, não podemos dissolver nosso problema social, pois a sociedade é somente a extensão do individuo, seus pensamentos e atividades.
Assim, o desejo se expressa pela cobiça às coisas mundanas e pelo amor possessivo. Quando o pensamento é limitado pela ganância, por aquele desejo possessivo a que chamamos amor, seguramente deve haver tristeza e conflito; e, a fim de escapar deste conflito e tristeza inventamos várias crenças e esperanças que imaginamos serem duradouras e, assim, sejam satisfatórias, desapercebidos de que são ainda criação da ânsia e, portanto, transitórias.
Nossas idéias, crenças, esperanças, estão tão profundamente enraizadas em nós que escapam à nossa observação critica. Todavia, sem o conhecimento de suas causas e origem, não pode haver verdadeira compreensão. Se as nossas idéias e crenças brotam da ignorância e do medo, então nossa vida e ação devem ser limitadas e sempre em conflito e tristeza. Mas a ignorância é difícil de extirpar.
Qual é a base do nosso pensamento? Qual é a origem da mente?... De que fonte começa o processo do nosso pensamento diário? O simples controle das muitas expressões do pensamento revelará sua verdadeira fonte?
Qual é a base, a raiz, do nosso processo de pensamento? É importante descobrir isto, pois se a raiz de uma árvore está afetada ou em putrefação, que valor tem a poda de seus galhos? De modo semelhante, não deveríamos, primeiro, discernir a origem de nosso modo de pensar, antes de nos importarmos com suas várias expressões e alterações? Compreendendo verdadeiramente a fonte, pelo profundo percebimento, nosso pensamento humano se libertará da ilusão e do medo. Cada individuo tem de descobrir está fonte por si mesmo e, com percebimento vital, transformar radicalmente o processo do modo de pensar.
Nosso pensamento não tem a sua fonte na ansiedade? O que chamamos de mente não é o resultado da ânsia? Pela percepção, contato, sensação e reflexão, o pensamento se divide em gosto e desgosto, ódio e afeição, dor e prazer, mérito e demérito – na série de opostos que formam o processo do conflito. Este processo, que é o conteúdo da consciência, tanto o consciente como o inconsciente, é o que chamamos mente. Sendo colhido por este processo e temendo incerteza, cessação, morte, cada um de nós anseia pela permanência e continuidade. Procuramos estabelecer esta continuidade pela propriedade, nome, família, raça, e percebendo dubiamente a insegurança destas coisas, novamente procuramos a continuidade e permanência através de crenças e esperanças, de conceitos a respeitos de Deus, alma e imortalidade.
Tendo acumulado várias experiências, muitas memórias e conseguimentos, com elas nos identificamos, mas, em nosso intimo permanece a picada da incerteza e o medo da morte, pois tudo se corrompe e passa, e está num fluxo contínuo. Assim, alguns começam a justificar, para si mesmos, seu abandono completo dos prazeres deste mundo, e a sua cruel auto-expansão; outros, acreditando na continuidade, tornam-se vigilantes, ansiosos, e vivem temendo uma punição futura, ou esperançosos de uma recompensa no além, talvez no céu ou, talvez, numa outra vida na terra.
Há muitas formas sutis de ansiedade pela imortalidade, recompensa e sucesso. O pensamento está, profunda e ativamente, interessado pela idéia da continuidade de si mesmo em diferentes formas, grosseiras e sutis. Não é a nossa maior preocupação na vida, a continuidade do eu através das posses, nos relacionamentos, nas idéias? Ansiamos pela certeza, mas a ansiedade cria sempre a ignorância e a ilusão, estabelecendo instrumentos de fé e autoridades que recompensarão ou punirão. O prosseguimento do “eu” é a morte.
A base do nosso pensamento é a ansiedade que cria o eu, e o pensamento se expressa na vaidade mundana, na paixão possessiva e na crença da própria continuidade. O que acontece a um intelecto que está, consciente ou inconsciente, ocupado consigo mesmo e suas próprias expressões? Se tornará limitado e, assim, dará importância a si mesmo. O pensamento assim ocupado deve produzir confusão, conflito, sofrimento. Sendo pego pela sua própria rede, tenta escapar para o futuro ou para atividades que assegurarão esquecimento imediato, o chamado serviço social, o culto ao Estado ou de pessoas, antagonismo racial e social, e assim por diante. Deste modo, o pensamento fica cada vez mais envolvido na rede de seus próprios desejos e fugas. O pensamento é incapaz de tornar-se apercebido de seu próprio processo enquanto estiver preocupado com a sua própria importância e continuidade pessoal.
Como nos tornaremos apercebidos? De modo alerta e desinteressadamente, observando o trabalho da mente, sem correção imediata, sem procurar controlá-la, negá-la ou julgá-la. A energia presente para julgar, para corrigir, não vem da compreensão; ele tem sua natureza na ansiedade e no medo. Há uma profunda e fundamental transformação do eu quando há a compreensão do processo da ânsia. A compreensão transcende a mera razão ou a emoção. A mente-intelecto é agora instrumento da ansiedade, com sua racionalização e transbordantes desejos expansivos; confiar exclusivamente num ou outro, para a compreensão e amor, é continuar na ignorância e sofrimento.
Krishnamurti – Do livro: Palestras por Krishnamurti em Ojai e Sarobia – 1940 - ICK
_______________________________________________