segunda-feira, 30 de abril de 2012

Repetição e Sensação


Nossas mentes estão recheados com tanto conhecimento que é quase impossível experienciar diretamente. A experiência do prazer e da dor é direta, individual; mas o entendimento da experiência é segundo o padrão de outras pessoas, das autoridades religiosas e sociais. Somos o resultado dos pensamentos e influências de terceiros; somos condicionados pela propaganda tanto religiosa quanto política. O templo, a igreja e a mesquita exercem uma estranha e sombria influência em nossas vidas, e as ideologias políticas dão sustância aparente a nossos pensamentos. Somos formados e destruídos pela propaganda. As religiões organizadas são propagandistas excelentes, usando de todos os meios para persuadir e, depois, controlar.

Somos uma massa de reações confusas e nosso centro é tão incerto quanto o futuro prometido. Simples palavras tem uma importância extraordinária para nós; elas tem um efeito neurológico cujas sensações são mais importantes do que o que está além do símbolo. O símbolo, a imagem, a bandeira e o som são totalmente importantes; substituição, não realidade, é nossa força. Lemos sobre as experiências dos outros, assistimos aos outros jogarem, seguimos o exemplo dos outros, citamos os outros. Estamos vazios em nós mesmos e tentamos preencher esse vazio com palavras, sensações, esperanças e imaginação; mas o vazio continua.

A repetição, com suas sensações, por mais agradáveis e nobres que sejam, não é o estado de experienciar; a constante repetição de um ritual, de uma palavra, de uma oração, é uma sensação gratificante para a qual é dado um termo nobre. Mas experienciar não é a sensação, e a reação sensorial logo cede lugar à realidade. O real, o que é, não pode ser entendido por meio de meras sensações. Os sentidos representam um papel limitado, mas o entendimento ou a experienciação estão além e acima dos sentidos. A sensação se torna importante apenas quando a experienciação cessa; aí as palavras são importantes e os símbolos dominam; depois a reprodução daquilo se torna fascinante. A experienciação não é uma continuação; pois o que tem continuação é sensação, em qualquer que seja o nível. Sua repetição dá a impressão de uma experiência nova, mas as sensações jamais podem ser novas. A busca do novo não se encontra nas sensações repetitivas. Ele toma forma somente quando há experienciação; a experienciação é possível apenas quando a ânsia e a busca por sensações cessam.

O desejo de repetir uma experiência é a qualidade limitadora da sensação, e o enriquecimento da memória é a expansão da sensação. O desejo pela repetição de uma experiência, quer seja própria ou de terceiros, leva à insensibilidade, à morte. A repetição de uma verdade é a mentira. A verdade não pode ser repetida, ela não pode ser propagada ou usada. Aquilo que pode ser usado e repetido não possui vida em si mesmo, é mecânico e estático. Uma coisa morta pode ser usada, mas não a verdade. Você pode matar e rejeitar a verdade primeiro e depois usá-la; mas não será mais a verdade. Os propagandistas não estão interessados em experienciar; eles estão interessados na organização das sensações – religiosas ou políticas, sociais ou privadas. O propagandista, religioso ou laico, não pode ser um orador de verdade.

A experienciação só vem com a ausência do desejo por sensação; a nomeação, a designação, precisa cessar. Não existe um processo de pensamento sem a verbalização; e estar preso na verbalização é ser um prisioneiro das ilusões do desejo.

Krishnamurti

Não sois o que pensais ser

A mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar - são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespêro é que são fatos, e não vossas crenças, vossas esperanças, vossos deuses; o fato do desespêro, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade - eis o mundo a que pertenceis. E a função da mente verdadeiramente séria é compreender e transcender o mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, deveis observar a vós mesmos, porque vós sois o mundo; porque há em vós angústia, sofrimento, solidão, desespêro, ansiedade, medo, porque sois impelido pela ambição, a avidez, a inveja - sois esse mundo. Não sois o que pensais ser - que sois Deus, etc. Isto é absurda especualação. Tendes de partir dos fatos e tendes de aprender a respeito de vós mesmo.

Krishnamurti

domingo, 29 de abril de 2012

Temos de enfrentar-nos assim como somos

Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém, nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de copmpreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. NÃO HÁ OUTRA SOLUÇÃO. Temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser segundo um certo padrão ou ideal. Temos que ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.

Krishnamurti - O despertar da sensibilidade

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Crença


Ela disse que pertencera a várias sociedades religiosas, mas que finalmente tinha se fixado em uma. Trabalhara por ela como palestrante e divulgadora praticamente pelo mundo inteiro. Disse que desistira da família, do conforto e de muitas outras coisas por amor a essa organização; ela aceitara suas crenças, suas doutrinas e preceitos, seguira seus líderes e tentara meditar. Tornou-se muito respeitada tanto pelos membros, quanto pelos líderes. Agora, continuou, tendo ouvido o que eu dissera sobre crenças, organizações, os perigos do auto-engano e assim por diante, retirara-se dessa sociedade e de suas atividades. Não estava mais interessada em salvar o mundo, mas agora se ocupava de sua pequena família e de seus problemas. Tinha apenas interesse remoto no mundo confuso. Era propensa à amargura, apesar de aparentemente boa e generosa, pois disse que sua vida parecia desperdiçada. Após todo seu entusiasmo e trabalho passados, onde ela estava? O que acontecera? Por que estava tão entediada e abatida, e, na sua idade, tão preocupada consigo, com coisas insignificantes?

Com que facilidade destruímos a delicada sensibilidade de nosso ser. A luta e o esforço incessantes, as fugas e os medos ansiosos logo embotam a mente e o coração; e a mente astuta rapidamente encontra substitutos para a sensibilidade da vida. Divertimentos, família, política, crenças e deuses ocupam o lugar da clareza e do amor. A clareza é perdida pelo conhecimento e pela crença, e o amor pelas sensações. A crença traz clareza? O muro fortemente fechado da crença traz compreensão? Qual a necessidade das crenças? Elas não atrapalham a mente já  abarrotada? A compreensão do que é não exige crenças, mas percepção direta, que é estar diretamente consciente, sem a interferência do desejo. É o desejo que provoca a confusão e o antagonismo. O outro nome da crença é fé, e a fé é também o refúgio do desejo.

Nós recorremos à crença como um meio de ação. A crença nos proporciona aquela força particular que vem por meio da exclusão; e como a maioria de nós está preocupada com realizações, a crença se torna uma necessidade. Sentimos que não podemos agir sem crença, porque é a crença que nos dá algo pelo qual viver, pelo qual trabalhar. Para a maioria de nós, a vida não tem sentido, a não ser o que é transmitido pela crença; a crença tem maior importância do que a vida.
Achamos que a vida deve ser vivida no padrão da crença; pois sem um tipo de padrão como pode haver ação? Assim, nossa ação é baseada na idéia ou é o resultado de uma idéia; e a ação, então, não é tão importante quanto a idéia.

Podem as coisas da mente, por mais brilhantes e sutis, sempre realizar a conclusão da ação, uma transformação radical no ser de alguém e, assim, na ordem social? A idéia é o meio para a ação? A idéia pode causar certa série de ações, mas isso é simples atividade; e a atividade é totalmente diferente da ação. É nessa atividade que o indivíduo fica preso; e quando a atividade para, por um motivo ou outro, ele se sente perdido e a vida se torna sem sentido, vazia. Estamos atentos a esse vazio, consciente ou inconscientemente,e, portanto, a idéia e a atividade tornam-se completamente importantes. Preenchemos esse vazio com a crença, e a atividade se torna uma necessidade embriagadora. Pelo bem dessa atividade, nós nos sacrificamos; ajustamo-nos a qualquer incômodo, a qualquer ilusão.

A atividade da crença é confusa e destrutiva; ela pode, a princípio, parecer metódica e construtiva, mas em seu curso há conflito e sofrimento. Todos os tipos de crença, religiosas ou políticas, impedem o entendimento do relacionamento, e não pode haver ação sem esse entendimento.

Krishnamurti

O Eu


Por que será que ansiamos por sermos reconhecidos, por nos darem importância, por sermos incentivados? Por que nos prendemos ao nosso exclusivismo de nome, posição, aquisições? Será o anonimato degradante? E ser desconhecido, desprezível? Por que nós buscamos o famoso, o popular? Por que não ficamos satisfeitos em ser nós mesmos? Será que temos tanto medo e vergonha do que somos que o nome, a posição e as aquisições se tornam muito mais importantes? É curioso o quão forte é o desejo de ser reconhecido, ser elogiado. Na agitação da batalha o indivíduo faz coisas incríveis pelas quais é homenageado; torna-se um herói por matar um semelhante. Por meio de privilégios, esperteza ou capacidade e eficiência, a pessoa chega a algum lugar perto do topo – embora o topo jamais seja o topo, pois sempre há mais e mais na embriaguez do sucesso. O país ou a empresa é você mesmo; os assuntos dependem de você, você é o poder. A religião organizada oferece posição, prestígio e respeito; lá também você é alguém, separado e importante. Ou, então, você vira o discípulo de um professor, de um guru ou Mestre, ou coopera com eles em seu trabalho. Você ainda é importante, você os representa, compartilha da responsabilidade, você dá e outros recebem. Embora através de seus nomes, você ainda é agente. Você pode vestir uma tanga ou a túnica do monge, mas é você que está fazendo o gesto, é você que está renunciando.

De um jeito ou de outro, sutil ou grosseiramente, o Eu é alimentado e sustentado. À parte de suas atividades anti-sociais e prejudiciais, por que o Eu te de se preservar? Embora estejamos em agitação e dor, com prazeres transitórios, por que o Eu se prende a recompensas exteriores e interiores, a buscas que, inevitavelmente, trazem dor e infelicidade? A sede por atividade positiva como o oposto da negação faz com que nos empenhemos para ser; nosso empenho faz com que nos sintamos vivos, sintamos que existe um  propósito em nossas vidas, que gradualmente ficaremos livres das causas do conflito e da dor. Pensamos que, se nossa atividade parar, nós seremos nada, estaremos perdidos, a vida não terá absolutamente sentido; então prosseguimos em conflito, em confusão, em antagonismo. Mas estamos também conscientes que há algo mais, que existe uma outra coisa que está acima e além de toda essa infelicidade. Assim, estamos em constante batalha interna conosco.

Quanto maior a exibição externa, maior a pobreza interna; mas a libertação dessa pobreza não é a túnica. A causa desse vazio interno é o desejo de tornar-se; e, faça o que fizer, esse vazio jamais poderá ser preenchido. Você pode fugir dele de um modo simples ou com refinamento; mas ele está tão perto de você quanto sua sombra. Você pode não querer olhar em seu vazio, mas, apesar disso, ele está lá. Os adornos e as renúncias que o Eu adota jamais conseguem encobrir essa pobreza interior. Por suas atividades, internas e externas, o Eu tenta encontrar o enriquecimento, chamando-o de experiência ou dando a ele um nome diferente segundo sua conveniência e recompensa. O Eu não pode jamais ser anônimo; ele pode usar um novo traje, dotar um novo nome, mas a identidade é sua própria substância. Esse processo de identificação impede a percepção de sua própria natureza. O processo cumulativo da identidade constrói o Eu, positiva ou negativamente; e sua atividade é sempre fechada em si, por mais amplo que seja o cercado. Cada esforço do Eu de ser ou não ser é um distanciamento do que ele é. À parte de seu nome, seus atributos, idiossincrasias e posses, o que é o Eu? Existe o “mim”, o Eu, quando suas qualidades são retiradas? É esse medo de ser nada que impele o Eu para a atividade; mas ele é nada, é um vazio.

Se formos capazes de enfrentar esse vazio, ficar com essa solidão dolorosa, então todo o medo desaparecerá e uma transformação fundamental acontecerá. Para que isso aconteça deve haver a experiência daquele nada – que será impedida se houver um experienciador. Se houver um desejo pela experienciação daquele vazio  a fim de superá-lo, ir acima e além dele, aí não haverá experienciação; pois o Eu, como uma identidade, permanece. Se o experienciador tiver uma experiência, não existirá mais o estado de experienciador. É a experienciação do que é, sem nomeá-lo, que traz a liberdade para o que é.

Krishnamurti

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A chama e a fumaça

“Sou casada e mãe de vários filhos, mas jamais senti amor. Estou começando a imaginar se isso realmente existe. Nós conhecemos sensações, paixões, emoções e prazeres que satisfazem, mas me pergunto se conhecemos o amor. Freqüentemente dizemos que amamos, mas há sempre uma reserva. Fisicamente podemos não ter reservas, podemos nos entregar completamente no início; mas mesmo aí há uma reserva. A doação é um presente dos sentidos, mas aquilo que pode doar está adormecido, distante. Nós nos encontramos e nos perdemos na fumaça, mas isso não é a chama. Por que não temos a chama? Por que a chama não queima sem fumaça?  Pergunto-me se nós nos tornamos inteligentes demais, sabidos demais para possuirmos aquele perfume. Suponho que eu seja culta demais, moderna demais e estupidamente superficial. Apesar da conversa inteligente, suponho que eu seja realmente estúpida.”

Mas será uma questão de estupidez? Será o amor um ideal brilhante, inatingível que se torna atingível somente se as condições forem satisfeitas? O indivíduo tem tempo para satisfazer todas as condições? Falamos sobre beleza, escrevemos sobre ela, pintamo-la, dançamo-la, pregamo-la, mas não somos belos nem conhecemos o amor. Nós conhecemos apenas palavras.

Estar aberto e vulnerável é ser sensível; onde houver uma reserva, haverá insensibilidade. O vulnerável é o inseguro, liberto de amanhã; o aberto é implícito, o desconhecido. Aquilo que é aberto e vulnerável é belo; o fechado é estúpido e insensível. A estupidez, assim como a inteligência, é uma forma de autoproteção. Nós descobrimos essa porta, mas mantemos aquela porta fechada, pois queremos a brisa fresca somente por uma abertura particular. Jamais vamos lá fora ou abrimos todas as portas e janelas ao mesmo tempo. A sensibilidade não é uma coisa que você acaba conseguindo. O estúpido jamais pode se tornar sensível; o estúpido sempre será estúpido. A estupidez jamais pode se tornar inteligente. A tentativa de se tornar inteligente é estúpida. Essa é uma de nossas dificuldades, não é? Estamos sempre tentando nos tornar algo – e o entorpecimento continua.

“Então , o que se pode fazer?”

Não faça nada mas seja o que você é, insensível. Fazer é evitar o que é, e evitar o que é, é a forma grosseira de estupidez.            O insensível não pode se tornar sensível; tudo que pode fazer é perceber o que é, para deixar que a história do que é se desenrole. Não interfira com a insensibilidade, pois aquele que interfere é o insensível, o estúpido. Ouça e ele lhe contará sua história; não traduza ou aja, mas ouça sem interrupções ou interpretações até o fim. Somente aí haverá ação. O fazer não é importante, mas o ouvir é.

Para dar, precisa haver o inesgotável. A reserva que dá é o medo do fim, e só existe o inesgotável no fim. Dar não pertence ao fim. Dar é do muito e do pouco; e o muito ou o pouco é o limitado, a fumaça, o toma-lá-dá-cá. A fumaça é desejo como ciúme, raiva, decepção; a fumaça é o medo do tempo; a fumaça é memória, experiência. Não existe dar, mas somente propagação da fumaça. A reserva é inevitável, pois não há nada para dar. Compartilhar não é dar; a consciência de compartilhar ou dar acaba com a comunhão. A fumaça não é a chama, mas nós a tomamos  pela chama. Perceba a fumaça, aquilo que é, sem soprá-la para longe para ver a chama.

“É possível possuir essa chama ou é somente para poucos?”

Se é para poucos ou muitos não é o ponto, é? Se buscamos esse caminho, ele só poderá levar à ignorância e à ilusão. Nosso interesse é na chama. Você pode ter aquela chama, aquela chama sem fumaça? Descubra; observe a fumaça silenciosa e pacientemente. Você não pode dispersar a fumaça, pois você é a fumaça. Quando a fumaça se for, a chama virá. Essa chama é inesgotável. Tudo tem um início e um fim, é logo exaurido, esgotado. Quando o coração está vazio das coisas da mente e a mente está vazia de pensamento, então há amor. Aquilo que está vazio é inexaurível.

A batalha não é entre a chama e a fumaça, mas entre as diferentes reações na fumaça. A chama e a fumaça jamais podem estar em conflito. Para estar em conflito elas precisam estar em um relacionamento; e como pode haver um relacionamento entre elas? Uma está presente quando a outra não está.


Krishnamurti

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Respeitabilidade

A respeitabilidade é uma maldição; é um “mal” que corrói a mente e o coração. Infiltra-se sorrateiramente na pessoa e destrói o amor. Ser respeitável é se sentir bem-sucedido, criar para si mesmo uma posição no mundo, construir em torno de si um muro de segurança, da autoconfiança que vem junto com o dinheiro, o poder, o sucesso, a capacidade ou a virtude. Esse exclusivismo da autoconfiança resulta em ódio e antagonismo nos relacionamentos humanos, que são a sociedade. Os respeitáveis são sempre a nata da sociedade, e, portanto, eles são sempre a causa de discórdias e miséria. Os respeitáveis, como os desprezados, estão sempre à mercê das circunstâncias; as influências do ambiente e o peso da tradição são extremamente importantes para eles, pois isso esconde sua pobreza interior. Os respeitáveis estão na defensiva, assustados e desconfiados. O medo está em seus corações, portanto a raiva é sua justiça. Suas virtudes e devoções são sua defesa. Eles são como o tambor, vazio por dentro mas barulhento quando golpeado. Os respeitáveis jamais podem estar abertos à realidade, pois, como os desprezados, eles estão presos na preocupação com seu próprio aprimoramento. A felicidade é negada a eles, que evitam a verdade.

Não ser ganancioso e não ser generoso estão intimamente ligados. Ambos são um processo de autolimitação, uma forma negativa de autocentrismo. Para ser ganancioso, você precisa ser ativo, extrovertido; você deve lutar, competir, ser agressivo. Se você não tem essa iniciativa, não está livre da ganância, mas apenas fechado em si mesmo. A extroversão é um transtorno, uma luta dolorosa, portanto o autocentrismo é encoberto pela expressão não-ganancioso. Ser generoso com a mão é uma coisa, mas ser generoso com o coração é outra. A generosidade da mão é uma questão razoavelmente simples, dependendo do padrão cultural e assim por diante; mas a generosidade do coração é de importância muito mais profunda, exigindo percepção e entendimento prolongados.

Não ser generoso é também uma agradável e cega preocupação consigo mesmo, na qual não existe atividade exteriorizada. Esse estado de autopreocupação tem suas próprias atividades, como as de um sonhador, mas elas jamais lhe despertam. O processo de acordar é doloroso, e, portanto, jovem ou velho, você prefere ser deixado em paz para tornar-se respeitável, para morrer.

Assim como a generosidade do coração, a generosidade da mão é um movimento externo - geralmente doloroso, enganador e auto-revelador. A generosidade da mão é fácil de aparecer; mas a generosidade do coração não é uma coisa a ser cultivada, é a libertação de toda a acumulação. Para perdoar, precisa ter havido uma ofensa; e para ser ofendido, precisa ter havido os acúmulos do orgulho. Não existirá generosidade de coração enquanto houver uma memória referencial, do “eu” e o “meu”.

Krishnamurti

Conhecimento

O conhecimento é um clarão de luz entre duas escuridões; mas o conhecimento não pode ir acima e além daquela escuridão. O conhecimento é essencial para a técnica, como o carvão o é para a locomotiva; mas não pode alcançar o desconhecido. O desconhecido não pode ser apanhado na rede do conhecido. O conhecimento deve ser deixado de lado para que o desconhecido seja; mas como isso é difícil!

Nós temos nossa existência no passado, onde nosso pensamento é baseado. O passado é o conhecido e a resposta do passado está sempre obscurecendo o presente. O futuro é apenas o passado abrindo seu caminho através do presente incerto. Esse vão, esse intervalo, fica cheio da  luz intermitente do conhecimento, cobrindo o vazio do presente; mas esse vazio contém o milagre da vida.

O vício do saber é como qualquer outro vício; ele oferece uma fuga do medo do vazio, da solidão, da frustração, do medo de ser nada. A luz do conhecimento é uma capa delicada sob a qual existe uma escuridão em que a mente não consegue penetrar. A mente tem medo desse desconhecido e assim ela foge para o conhecimento, para as teorias, as esperanças, a imaginação; e esse mesmo conhecimento é um empecilho ao entendimento do desconhecido. Pôr de lado o conhecimento é convidar o medo; rejeitar a mente, que é o único instrumento de percepção que o indivíduo possui, é estar vulnerável ao sofrimento, à alegria. Mas não é fácil pôr de lado o conhecimento. Ser ignorante não é estar livre do conhecimento. A ignorância é a falta de autopercepção; e conhecimento é ignorância quando não há entendimento dos mecanismos do Eu. O entendimento do Eu é a libertação do conhecimento.

Só pode existir libertação do conhecimento quando o processo de coletar, o motivo da acumulação, é entendido. O desejo de armazenar é o desejo de estar seguro, de ter certeza. Esse desejo de certeza pela identificação, pela condenação e pela justificação é a causa do medo, que destrói toda a comunhão. Quando há comunhão, não há necessidade de acumulação. A acumulação é uma resistência autolimitante, e o conhecimento fortalece essa resistência. A veneração do conhecimento é uma forma de idolatria, e isso não dissolve o conflito e o sofrimento em nossas vidas. O disfarce do conhecimento esconde mas não pode nunca nos libertar de nossa confusão e nossa dor, cada vez maiores. Os mecanismos da mente não levam à verdade e à felicidade. Saber é rejeitar o desconhecido.

Krishnamurti

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A meditação não é diferente da vida

Meditação não é algo diferente da vida cotidiana; não vá ao canto de uma sala e medite durante dez minutos, e então saia e seja um açougueiro - tanto metaforicamente quanto realmente. Meditação é uma das coisas mais sérias. Você pode meditar o dia todo, no escritório, com a família, quando você diz "eu te amo" a alguém, quando você está observando suas crianças. Mas então você as educa para tornarem-se soldados, para matar, serem nacionalizados, para adorar a bandeira, educando-as para entrar nessa armadilha do mundo moderno.

Observar isso tudo, perceber a sua parte nisso, tudo isso é parte da meditação. E quando você meditar assim, você encontrará uma beleza extraordinária; você agirá corretamente a todo momento; e se você não agir corretamente em um certo momento isso não importa, você voltará novamente - você não gastará tempo em arrependimento. Meditação é parte da vida, não algo diferente da vida.

Krishnamurti

domingo, 8 de abril de 2012

Os ricos e os pobres

Estava quente, úmido e o barulho da grande cidade enchia o ambiente. A brisa do mar era morna e havia o cheiro de piche e gasolina no ar. Mesmo no pôr-do-sol vermelho nas águas distantes, ainda estava extremamente quente. O grande grupo que enchia a sala fora embora e saímos para a rua.

Os papagaios, como brilhantes clarões de luz verde, voltavam para casa a fim de se recolher. Seu vôo nunca era suave, mas sempre intempestivo, barulhento e brilhante. Eles nunca voavam reto como os outros pássaros, estavam sempre desviando para a direita ou para a esquerda, ou subitamente pousando em uma árvore. Eles eram os pássaros de voo mais alvoroçados, mas como eram bonitos – com seus bicos vermelhos e seu verde-dourado, o próprio esplendor de luz. 

Um home chegou tocando uma flauta; ele era uma espécie de serviçal. Subiu a ladeira ainda tocando e nós o seguimos; ele entrou em uma das ruas laterais, sem parar de tocar. Era estranho ouvir a música da flauta em uma cidade barulhenta, e seu som penetrava fundo no coração. Era muito bonito, e acompanhamos o flautista por algum tempo. Atravessamos várias ruas e chegamos a uma mais larga, mais iluminada. Adiante, um grupo de pessoas estava sentando com as pernas cruzadas na beira da rua e o flautista se juntou a elas. E nós também; e todos nos sentamos enquanto ele tocava. Eles eram em sua maioria motoristas, empregados, vigias noturnos, com várias crianças e um ou dois cachorros. Os carros passavam, um dirigido por um motorista uniformizado; um outro carro parou, o motorista saiu e sentou-se conosco. Todos conversavam e se divertiam, rindo e gesticulando, mas a música da flauta nunca hesitava, e havia alegria.

Logo saímos e pegamos uma rua que levava ao mar, depois das casas bem iluminadas dos ricos. Os ricos têm uma atmosfera peculiar que lhes é própria. Embora cultos, reservados, tradicionais e refinados, os ricos têm um alheamento impenetrável e confiante, aquela segurança e resistência invioláveis que são difíceis de romper. Eles não são os possuidores da riqueza, mas são possuídos pela riqueza, o que é pior que a morte. Seu grande orgulho é filantropia; eles pensam que são os curadores de sua riqueza; eles possuem obras de caridade, criam dotes; eles são os criadores, os construtores, os doadores. Eles constroem igrejas, templos, mas seu deus é o deus do seu ouro. Com tanta pobreza e degradação, é preciso ser muito insensível para ser rico. Alguns deles chegam a perguntar, argumentar, descobrir a realidade. Para os ricos, assim como para os pobres, é extremamente difícil descobrir a realidade. Os pobres anseiam por ser ricos e poderosos e os ricos já estão presos na rede de suas próprias ações, e, no entanto, acreditam e ousam de modo parecido. Eles especulam, não só sobre o mercado, mas sobre o absoluto. Brincam com ambos, mas só têm êxito com o que está em seus corações. Suas crenças e cerimônias, suas esperanças e medos nada têm a ver com a realidade, pois seus corações estão vazios. Quanto mais o exterior exibe, maior é a pobreza interior.

Renunciar ao mundo de riqueza, conforto e posição social é uma questão relativamente simples; mas colocar de lado o anseio de ser, de se tornar, exige grande inteligência e entendimento. O poder que a riqueza proporciona é um empecilho ao entendimento da realidade, como também são o poder do talento e o da capacidade. Essa forma particular de autoconfiança é, obviamente, uma atividade do Eu; e embora seja difícil fazer isso, esses tipos de autoconfiança e poder podem ser postos de lado. O que é muito mais sutil e está mais escondido é o poder e o impulso que se encontram no anseio de tornar-se. A auto-expansão, em qualquer forma – seja por meio de riqueza ou por meio de virtude – é um processo de conflito, causando antagonismo e confusão. A mente consumida no tornar-se nega esse entendimento. Tornar-se cria o sentido do tempo, que é realmente o adiamento do entendimento. O “eu serei” é uma ilusão nascida da auto-importância.

O mar estava tão agitado quanto a cidade, mas sua agitação tinha profundidade e substância. A estrela vespertina brilhava no horizonte. Caminhamos de volta por uma rua cheia de ônibus, carros e pessoas. Um homem dormia nu na calçada; era um mendigo, exaurido, fatalmente subnutrido, e foi difícil acordá-lo. Adiante estavam os verdes gramados e as flores radiantes do jardim público.

Krishnamurti

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O sentido da inquebrantável liberdade

O Poder da Ilusão







Problemas da vida





Qual tipo de cérebro é necessário para a meditação?


Série: Um mundo de Paz - 4º Palestra 4 de Setembro de 1983 - Broekwood Park

Qual o tipo de cérebro é necessário para a meditação?
- O que é criação?
- Qual é a origem de toda a existência?
- Houve um começo e há um fim para tudo isto?
- Para descobrir a origem, que tipo de cérebro é necessário?
- Existe um cérebro sem interesse próprio?
- Temos um cérebro que não pertenã à coisa alguma de modo que seja completamente livre?
- A linguagem condiciona o cérebro?
- O que é meditação e o que é ordem?
- É a meditação o sentimento de completa totalidade e unidade da vida?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O estar só e o isolamento

Caminhamos subindo pela margem do rio e pegamos uma trilha que ladeava os verdes campos de trigo. Essa trilha era um caminho muito antigo; milhares de pessoas o haviam seguido e ele era rico em tradição e silêncio. Ele serpenteava entre campos e mangueiras, tamarindeiros e santuários abandonados. Havia grandes jardins e ervilhas-de-cheiro perfumando deliciosamente o ar. Os pássaros acomodavam-se para a noite e um grande lago começava a refletir estrelas. A natureza não estava comunicativa naquela noite. As árvores estavam arredias; recolheram-se a seu silêncio e escuridão. Alguns aldeões passaram conversando, em suas bicicletas, e mais uma vez houve profundo silêncio e aquela paz que chega quando todas as coisas estão sós.

Esse estar só não é a solidão dolorida e assustadora. É o estar só do ser; é incorrupto, rico, completo. Esse tamarindeiro não tem outra existência além de ser ele mesmo. Assim é esse estar só. Estamos sós, como o fogo, como a flor, mas não estamos atentos à pureza e à imensidão desse estado. Só podemos nos comunicar verdadeiramente quando existe esse estar só. Esta só é a purificação de todas as motivações, de todas as buscas do desejo, de todos os fins. O estar só não é um produto da mente. Você não pode desejar estar só. Tal desejo é simplesmente uma fuga da dor por alguém não ser capaz de se relacionar.

A solidão, com seu medo e dor, é isolamento, a ação inevitável do Eu. Esse processo de isolamento, seja ele expansivo ou estreito, produz confusão, conflito e sofrimento. O isolamento nunca pode dar origem ao estar só; um precisa cessar para que o outro seja. O estar só é indivisível, e a solidão é separação. Aquele que está só é flexível e, portanto, resistente. Apenas ele pode relacionar-se intimamente com aquele que é sem causa, o incomensurável. Para quem está só, a vida é eterna; para ele não há morte - nunca pode cessar o ser.

A lua estava começando a surgir por cima das copas das árvores e as sombras eram espessas e escuras.
Alguém começou a cantar na outra margem do largo rio e suas palavras eram claras e penetrantes. Mais uma vez o totalmente penetrante estar só da vida.

Krishnamurti - Comentários sobre o viver

terça-feira, 3 de abril de 2012

Dependência



Extrato de uma palestra realizada em Ojai, Califórnia.

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