Seria útil percebermos o que é que estamos buscando e porque estamos buscando. O que é isso que todos desejamos alcançar? Que significa essa atividade? Que coisa é essa que tão profundamente ansiamos - pedindo, buscando, exigindo? Se pudermos perceber o que estamos buscando e por que razão estamos buscando, talvez então possamos penetrar nesta questão da busca. O homem, evidentemente, sempre buscou uma certa coisa fora de si próprio, além de sua diária rotina de tédio, desespero, ansiedade; uma certa coisa que lhe proporcione plena satisfação e dê significado à sua vida aflita, caótica, superficial. Procuramos alguma coisa fora de nós, porque vivemos uma vida superficial, muito pouco expressiva, mecânica, rotineira. Aspiramos a uma certa coisa misteriosa, de natureza diferente. Estamos perenemente a buscar, seja através dos livros, seja seguindo alguém, criando ideologias, crenças, dogmas, sempre na esperança de alcançar, realizar, ganhar alguma coisa não construída pelo pensamento, alguma coisa de profunda significação na vida. Porque, em nós mesmos, somos superficiais, vazios, insuficientes, estendemos a mão, estendemos a mente para além dos limites do nosso pensar, ou tratamos de fugir a esta vasta e profunda solidão, deste estado de isolamento. Queremos fugir de nós mesmos, porque vemos como somos pequenos e vulgares e nossa vida de mui pouca significação(l). Sabemos o que somos e, portanto, porque nos preocuparmos com isso? Porque tomarmos uma atitude dramática ou trágica perante a vida? Ela é de qualquer maneira superficial. Vejamos se não teremos possibilidade de fugir desse isolamento, dessa atividade egotista, para alguma coisa que transcenda a medida do tempo.
Se penetramos fundo em nós mesmos, vemos que é isso o que somos quase todos nós. Se somos religiosos, pertencentes a uma dada seita, ou se acalentamos uma dada idiossincrasia que nos proporciona uma experiência que sobremodo nos satisfaz, queremos dilatar essa experiência, aprofundá-la, torná-la mais real. A maioria de nós está sempre a buscar, ou porque queremos fugir de nossa diária rotina e tédio, de nossa insuficiência e vazio, de nosso isolamento; ou porque queremos mais alguma coisa, alguma coisa que não possuímos e que dará riqueza, plenitude, suficiência, à nossa vida. Se examinarmos nosso próprio comportamento, nosso próprio pensar, decerto descobriremos que todos nós desejamos alguma coisa. Quanto mais misteriosa essa coisa, quanto mais oferece de místico e de secreto, tanto mais a buscamos. Precisamos de uma certa autoridade que nos guie para aquelas esferas inexploradas, e por isso aceitamos com tanta facilidade a autoridade que seguimos cegamente ou racionalmente, dando várias explicações do porque a seguimos. Estamos constantemente a buscar, a exigir experiências sempre mais vastas e profundas, porque as experiências que conhecemos são muito pouco significativas. Sabemos que são sensuais, agradáveis, bastante vazias e superficiais e, por conseguinte, escutamos sofregamente a todo aquele que nos oferece alguma coisa fora dessa esfera. Estamos prontos a aceitar suas palavras, suas instruções, suas asserções. Sempre a seguir, sempre a dizer "sim" a tudo o que se nos oferece. Não sabemos dizer "não".
Nesta tarde, se me permitirdes, desejo falar sobre esse impulso, existente no homem, a buscar alguma coisa fora de si próprio, e sobre como ele procura identificar-se com essa coisa por meio de variados métodos, sistemas, dogmas, crenças; como recorre a diferentes sistemas de meditação, a fim de aprender, pelo menos verbalmente, aquilo que não pode ser aprendido pelo pensamento. Consideremos juntos esta questão da busca, do porque buscamos, do porque exigimos uma grande variedade de experiências e, no final, uma experiência que nos sacie a sede, que ponha fim à nossa aflitiva e superficial existência.
Para penetrarmos realmente nesta questão, precisamos, em primeiro lugar, descobrir o que se entende por experiência e porque queremos experiências mais grandiosas. A última novidade em drogas é L.S.D., de que provavelmente já tendes ouvido falar, mas espero nenhum de vós a tenha tomado. Existe essa ânsia irrefreável de experiências extraordinárias, de alguma coisa que ilumine, alargue, aprofunde a nossa vida, e, por isso, aquela droga está a tornar-se famosa no mundo inteiro. Na índia antiga já dela se fez uso, embora com nome diferente. Ela é, por certo, o resultado dessa ânsia por uma vida mais intensa, uma sensibilidade mais apurada, na qual as coisas possam ser vistas diferentemente.
Consideremos juntos essa exigência, essa ânsia por uma certa coisa, uma certa experiência que nos enriqueça os dias, dando-lhes beleza, amor, claridade. Ora, a experiência é sempre reconhecível. Quando experimentamos um prazer, alguma coisa que cremos original, essa experiência é reconhecível. Nós a reconhecemos. Dizemos: "Foi uma experiência maravilhosa; aconteceu isto, aconteceu aquilo". Vimos tudo muito claramente. Foi uma experiência que nos proporcionou extraordinária alegria e vitalidade. Toda experiência é reconhecível. Se a reconhecemos, isso significa que se trata de coisa conhecida e, por conseguinte, não pode ser uma experiência nova.
Reconheço uma pessoa porque com ela me encontrei o ano passado ou ontem. Reconheço a imagem de ontem. A imagem da pessoa ficou gravada na memória consciente ou inconsciente, e quando me encontro com a pessoa essa memória "reage". De modo idêntico, quando tenho uma experiência, de qualquer espécie, trivial ou, como se diz, "sublime" (mas não há, absolutamente, "experiências sublimes", porque todas as experiências, das mais rasteiras às mais grandiosas, estão no quadro do pensamento, como memória), quando tenho uma experiência, logo quero reconhecê-la. Minha mente a descreve por meio de palavras, tem sensações a ela relativas, de modo que a experiência é sempre "da imagem para o conhecido" (from the image to the know). De contrário, não posso chamá-la "experiência". É o que acontece quando uma pessoa muito sensível toma uma daquelas drogas que exaltam a sensibilidade. A pessoa vê ou experimenta uma coisa que ela é capaz de reconhecer, porque já instalada em sua mente; de outro modo, não poderia reconhecê-la e nunca a chamaria uma "experiência".
Tende a bondade de investigar o que se está dizendo; não fiqueis a escutar superficialmente, porquanto mais adiante iremos examinar um assunto que exige a compreensão da experiência. Vamos falar a respeito da meditação, uma das coisas mais extraordinárias - quando sabemos o que significa ter uma mente capaz de meditar. Ignorá-lo é ser como um cego, incapaz de ver as cores, como um homem de mente embotada. Se não sabemos o que significa meditar, teremos uma vida muito estreita e limitada, por mais inteligentes e eruditos que sejamos, por melhores que sejam os livros que escrevemos ou os quadros que pintamos. Permanecemos fechados num muito estreito círculo de conhecimento - pois o conhecimento é sempre limitado. Para compreender a questão da meditação, temos de examinar a questão da experiência e também de investigar porque buscamos e o que estamos buscando.
No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso "sentimento de culpa"; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos de compreender o que e porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. É o que vamos fazer nesta tarde; assim o espero.
Nossa vida, em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. Também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que estamos realmente buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, em botada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão sempre muito insignificantes.
A questão consiste em saber se é possível à mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vive a buscar a luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja uma única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências.
É possível isso? A maioria de nós vive de sensações, sensações dos sentidos, e o pensamento adiciona-lhes o prazer. Com o pensar nessas sensações, delas obtemos um grande prazer - e, quando há prazer, há sempre dor. Temos de compreender esse processo, como o pensamento cria o tempo, o prazer e a dor; como o pensamento, depois de criá-los, deles procura fugir; e como essa própria fuga gera conflito. Vejo-me aflito e gostaria de ser feliz, de pôr fim a minha aflição. O pensamento criou a aflição, e espera, depois, pôr-lhe fim. Nesse estado dual, o pensamento cria conflito para si próprio.
A maioria de nós se vê nesse estado de isolamento e solidão, nesse estado de vazio. Embora o indivíduo tenha a companhia de sua família ou de outro grupo qualquer, conhece esse estado, essa profunda ansiedade por causa de nada. Pode o indivíduo libertar-se disso, superá-lo, sem procurar preencher esse isolamento, essa solidão, esse vazio, com conhecimentos, experiências, palavras de todo gênero? Conheceis todas as coisas que uma pessoa costuma fazer para preencher o vazio em si existente. Pode-se transcendê-lo? Para compreender uma coisa e dela libertar-se, a pessoa tem de entrar em contato com ela. Como dissemos outro dia, temos uma imagem relativa à morte, e essa imagem, criada pelo pensamento, produz o medo da morte. Da mesma maneira, temos uma imagem do vazio, da solidão, e essa imagem nos impede o direto contato com o fato - a solidão.
Se desejardes olhar uma flor, olhai-a. Mas, só podeis olhá-la, se o pensamento não funciona no momento em que a estais olhando - pensamento na forma de conhecimentos quanto à espécie ou à cor da flor. Estais, então, imediata e diretamente em contato com a flor. Quando tal contato existe, não há "observador". O observador é o criador das imagens, e é ele que impede o contato direto com um fato, com uma flor, com a morte, ou com aquilo que chamamos "solidão".
Peço-vos "experimenteis" realmente o que se está dizendo. Escutai de maneira que vejais a coisa diretamente, com ela estejais diretamente em contato. Se vos achais em contato com alguma coisa, vossa mulher, vossos filhos, o céu, as nuvens, qualquer fato, no momento em que o pensamento intervém perde-se o contato. O pensamento nasce da memória. A memória é a imagem, e daí é que olhais e, por conseguinte, verifica-se uma separação entre o observador e a coisa observada.
Isso precisa ser compreendido muito profundamente. É essa separação entre o observador e a coisa observada que faz e observador desejar mais experiência, mais sensações, e o impele a uma busca perene. É necessário compreender, cabalmente, que, enquanto existir o observador, a entidade que está em busca de experiência, enquanto existir o censor, que avalia, julga, condena, não pode haver contato direto com o que é. Quando sentis dor, dor física, há percebimento direto; não há um "observador" que sente a dor; há só dor. E, porque não existe observador, há ação imediata. Não há primeiro a idéia e depois a ação, porém só ação, quando se sente dor, porque, aí, há um contato físico direto. A dor sois vós; está em vós. Enquanto isso não for plenamente compreendido, percebido, elucidado, e sentido profundamente; enquanto não se aprender integralmente, não intelectual ou verbalmente, que o observador é a coisa observada, a vida continuará a ser toda de conflito e contradição entre desejos opostos: o que deveria ser e o que é. Só é possível essa compreensão quando percebemos que estamos olhando uma coisa como "observador" - uma flor, uma nuvem, qualquer coisa. Se a entidade que olha o objeto, o está observando com seus conhecimentos, não há contato com ele.
A mente que está em conflito, de qualquer natureza e em qualquer nível, consciente ou inconsciente, é uma mente torturada; tudo o que vê se deforma. Procurai, por favor, compreender esta verdade ou fato tão simples: tudo o que essa mente vê se deforma, necessariamente, enquanto existe conflito, o conflito da ambição, do medo, a agonia da separação, etc. A mente em conflito é uma mente deformada. Esse conflito só pode acabar quando o observador deixa de existir e só fica a coisa observada. Tem então a virtude, isto é, o comportamento, um significado inteiramente diferente. Virtude é ordem; não a virtude da ordem social, porque a sociedade é sem ordem. Por mais que logre implantar na mente a idéia da moralidade, a sociedade é imoral, porque gera conflitos; cria entes humanos ambiciosos, ávidos, invejosos, sequiosos de poder, de posição e prestígio. Se não existir, profundamente, em nós mesmos, essa ordem, o pensamento criará desordem com o nome de virtude.
A ordem não depende do tempo: não há dizer: "Terei ordem e serei virtuoso depois-de-amanhã". Ou o somos, ou não o somos. No intervalo entre o que é e o que pensamos deveria ser, nasce a desordem, que é conflito. Do conflito não pode nascer nenhuma virtude, nenhuma moralidade. Digo entre mim: "Sinto cólera: saberei dominá-la: praticarei a paciência, o amor, etc". Quer dizer, gradualmente alcançarei aquêle estado em que não sentirei mais cólera. Ésse processo, essa idéia de gradual realização gera não só conflito, mas também esta nossa existência cheia de desordem, ansiedade e destruição. O tempo como processo de realização é sempre um fator de desordem. É claro que se precisa de tempo para adquirir conhecimentos, para se chegar à Lua, aprender uma língua estrangeira, mas - quando nos servimos do tempo como meio de vencer uma certa tendência ou peculiaridade nossa, então essa aplicação do tempo, que significa de fato fazer uso do pensamento para efetuar uma mudança, acarreta não apenas conflito, mas também um estado de indolência.
Quando vemos uma coisa perigosa, agimos imediatamente! Não há intervalo de tempo; a idéia não está separada da ação; a ação é a idéia. A mente virtuosa, no sentido que o orador está dando à palavra, não percebe por meio de esfôrço, porém, sim, pelo percebimento direto. Quando se vê o fato não-verbalmente, há ação imediata. O homem vão e orgulhoso poderá tentar cultivar a humildade, mas a humildade não pode ser cultivada, assim como não é possível cultivar o amor. Se êle encarar aquêle fato que é o orgulho, não-verbalmente, se com êle entrar em real contato - e isso só é possível quando não há um observador separado que diz "Eu sou orgulhoso", porém quando o observador é a coisa observada - há então contato direto com o fato. Para nos pormos em contato com o fato, necessitamos de energia, e essa energia se torna existente quando o observador é inexistente.
Uma vez conseguido isso, pode-se começar a compreender o que é a meditação, porquanto a compreensão do observador e da coisa observada faz parte da meditação. Infelizmente, o Oriente tem "fornecido" vários sistemas de meditação; "êles" se consideram especialistas nesta matéria. Há várias escolas de meditação que prescrevem certas práticas, certas maneiras de respirar, certas posturas no sentar-se. Dizem: "Praticai, praticai, praticai, tentai, lutai, dominai, controlai; no fim, chegareis a alguma parte" Decerto que se chega a "alguma parte" que não vale o trabalho de lá chegar. O que lá se encontra é a projeção de nosso próprio pensar, coisa sem nenhum valor.
Esta questão é muito complexa. É necessário rejeitar com pletamente a autoridade, em qualquer forma, seja a autoridade externa, seja a autoridade de nossa própria experiência e saber. Necessita-se de uma mente muito sutil e ágil, uma mente capaz de raciocinar, uma mente equilibrada, não neurótica. Tôdas as neuroses se verificam quando há atividade egocêntrica, quando existe o observador desejoso de expressar-se em atividades várias, e, por conseguinte, a criar conflito em si próprio. Tudo isso faz parte da meditação. Requer-se vigilância para se observar o que é, sem interpretação, olhá-lo sem julgamento e sem escolha e, por conseguinte, para agir, não de acôrdo com idéias, porém assim como se age em presença de um precipício, de um perigo: ação imediata! Essa ação imediata, que ocorre quando observamos, quando percebemos, quando nenhum tempo existe, produz a virtude, a ordem.
Já observastes, de perto, os macacos? Na Índia eles abundam. Se os observastes, tereis notado como são inquietos, como se coçam e "tagarelam" e estão incessantemente em movimento. Assim é nossa mente. Uma mente que está sempre a "tagarelar", a divagar, a "viajar" em tôdas as direções - tal qual um macaco. Notando isso, diz o indivíduo "Preciso controlá-la", e começa a concentrar-se. Não percebe que a entidade que quer concentrar-se, que quer controlar e dominar, é aquela mesma entidade semelhante ao macaco.
O observador é a coisa observada! Por conseguinte, a concentração - peço atenção! - a concentração só leva ao isolamento, à exclusão. Qualquer colegial, qualquer homem interessado em alguma coisa sabe concentrar-se. Põe antolhos, fecha-se entre paredes, e observa, atua. Essa concentração, que é exclusão, cria conflito; mas há um percebimento que não é con centração, em que é possível concentrar-nos sem exclusão de nada. O percebimento é, com efeito, uma coisa muito simples, tão simples que nem sequer lhe damos atenção. Ao entrardes num salão como êste, percebeis as côres, as formas das colunas, as dimensões da sala, etc. etc. Percebeis, e em seguida começais a distinguir, a criticar, a dar nomes às várias côres. Essa diferenciação verbal se chama "distração", mas não há distração nenhuma. Só há distração quando estamos procurando concentrar-nos em alguma coisa; então tudo mais é distração. Mas não há distração quando estamos cônscios de tudo o que se está passando. Quando se está cônscio, não há distração nenhuma. Dêsse estado de percebimento vem a atenção. Quando aplicais tôda a vossa atenção, então vossos nervos, corpo, mente, coração, tudo está atento! Ficais atento, em presença de um perigo. Na atenção, a mente, se a observardes, está sobremodo quieta. Só no silêncio pode-se perceber alguma coisa; só no silêncio existe perceber, ver.
Se olhardes atentamente para êste microfone, totalmente, vossa mente fica muito quieta; não necessita de concentrar-se, de excluir, de fazer esfôrço. esse silêncio da mente é necessá rio. Não é uma coisa que se consegue com esfõrço, coisa cons truída pelo pensamento, pois tal silêncio é estéril e morto. Por meio de orações, pode um homem alcançar uma certa espécie de silêncio; pela repetição de certas palavras, podeis quietar a mente, mas é tão pueril isso! Não é silêncio; é um estado de narcose que a mente a si própria impôs. Mas, quando há atenção, há silêncio.
O cérebro tem a função de receber e reagir. O cérebro esta sempre ativo; as células estão condicionadas pela observância, através de séculos, de certos padrões de comportamento. Quando um homem que foi condicionado como cristão ouve a palavra "cristão", as células cerebrais reagem prontamente, instantâneamente, àquela palavra. É possível às células cerebrais que tão exercitadas foram para reagir instantâneamente, em conformidade com seu padrão de comportamento - é possível a essas células cerebrais funcionarem sem a agitação que em geral se verifica quando se ouve uma palavra como "morte"?
O silêncio não é apenas uma virtude, uma "virtude verbal", uma asserção verbal que se procura realizar; é silêncio da mente que compreendeu todo o processo sôbre que estivemos falando nesta tarde. Dêsse silêncio decorrem tôdas as ações, quando o compreendemos profundamente, o compreendemos de fato e não teóricamente, quando reagimos imediatamente ao contato com o fato: o que somos. Só nesse silêncio se pode ver o que é totalmente nôvo, aquilo em que não há lugar nenhum para o pensamento, porque o pensamento é a reação do "velho". O pensamento funciona sempre na esfera do conhecido. Só a mente silenciosa, aquela que está completamente vazia do conhecido, pode perceber o que é novo. Ela percebe, mas não na qualidade de observador a perceber uma certa coisa fora de si próprio; só há percepção. Só essa mente pode encontrar-se com algo para que não há palavra, não há medida de tempo.
(1) Nesse ponto em diante até o final do parágrafo, Krishnamurti não está falando por si, porém por outros. - N. do T.
Krishnamurti - Paris - Do livro: O Encontro com o Eterno
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