Ouvinte: O que há para preencher a mente, depois de nos esvaziarmos do “eu”?
K: Como posso lhe responder? Primeiro, trate de “esvaziar” a mente e, depois, descobrirá o que há. Não só você, pessoalmente, senhor: todos nós. Esta é uma questão de interesse geral. Temos muito medo do vazio e desejamos preenche-lo. Temos medo de nossa esgotante solidão, e procuramos fugir dela. É o fugir que gera o medo; mas o fugir nos põe ativos e, por isso, quando fugimos, pensamos que estamos sendo muito positivos. Quando você tiver compreendido essa solidão, depois de atravessá-la e ultrapassá-la, descobrirá por si mesmo o que há quando o “eu” já não existe. Mas, como tudo mais, senhor, você deve começar pelo vazio. A taça só é útil quando vazia. Mas, para compreender esse vazio, é preciso atravessá-lo num clarão, por assim dizer, e lançar a base correta. Então, você saberá; nunca mais perguntará o que há além daquele vazio.
Ouvinte: Então, certamente, o significado da vida é este: a taça deve ser útil.
K: A taça só pode ser útil quando vazia. Então, você pode enchê-la com aquilo que você gosta. Mas, se a sua taça já está cheia – cheia de sofrimento, aflição, conflito – que utilidade ela tem? Senhor, que utilidade tem a sua vida, tal como é: competição, guerras, conflitos internacionais, divisões entre Oriente e Ocidente, entre esta e aquela religião? Que utilidade tem isso?
Ouvinte: Você não me entendeu bem. Ao dizer que a “taça deve ser útil” eu quis dizer que a finalidade da vida é cumprir a vontade de Deus.
K: Todo político, todo negociante, todo general preparador de guerras, fala sobre a “vontade de Deus”. O comunista também fala da “vontade de Deus”, mas no seu caso se trata da “vontade do Estado”, etc. etc. O que é a “vontade de Deus”? Você só pode averiguar isso quando não mais estiver buscando, não mais estiver pedindo, quando não mais pertencer a nenhum grupo separado, quando não mais tiver medo, quando se achar num estado de completa incerteza – que não significa demência. Nesse estado, o pensamento já não busca um porto seguro. Então, talvez aquilo que se pode chamar “Deus” – ou outro nome qualquer – começará a atuar.
Krishnamurti - 14 de junho de 1962 – O homem e seus desejos em conflito - ICK