quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Meditações sobre a Verdade

Tendes que ser "impiedosos" com vós mesmos e viver no "verdadeiro estado de investigação". A menos que vos investigueis profundamente, em vosso interior, não tendes a possibilidade de descobrir o que é verdadeiro. Ninguém vos pode levar a esse descobrimento - ninguém! - e, por conseqüência, nenhum sistema. A verdade não é uma coisa estática, que fica à vossa espera, enquanto seguis um sistema uniforme, enquanto praticais dia a dia um certo método, enquanto aprimorais a vossa mente e o vosso coração para alcançar aquele estado a que chamais "a verdade". A Verdade não espera por vós!
Não procureis um caminho, um método. Não há métodos nem caminho para a verdade. Não procureis um caminho, mas tornai-vos apercebidos do obstáculo. O apercebimento não é apenas intelectual; é simultâneamente mental e emocional; é a plenitude da ação. Então, nessa chama de apercebimento, todos esses obstáculos se desmoronam porque os penetrastes. Então podereis perceber diretamente, sem escolha, aquilo que é verdadeiro. A vossa ação será assim oriunda da plenitude e não da insuficiência da segurança; e nessa plenitude, nessa harmonia da mente e do coração, está a realização do eterno.
Só os indivíduos amadurecidos encontrarão a Verdade. Aquele que alcançou a madureza não segue caminho algum, seja o caminho dos Adeptos, seja o caminho do saber, da ciência, do devotamento ou da ação. O homem que foi posto num determinado caminho, não está amadurecido e não encontrará, jamais, o Eterno, o atemporal... Aqueles de nós que estão seguindo determinados caminhos, tem interesses adquiridos, interesses mentais, emocionais e físicos, e esta é a razão porque achamos tão difícil o amadurecer; como nos será possível abandonar aquilo que estamos apegados há cinqüenta ou sessenta anos?... Mas, vós vos entregastes a uma organização, da qual sois presidente, secretário ou simples membro... O homem que se entregou a um determinado caminho ou norma de ação, está preso a sistemas, e não encontrará a Verdade. Através da parte nunca se encontra o todo. Através de uma estreita fenda da janela, não podemos ver o céu, o céu maravilhoso e brilhante, e só pode ver com clareza o céu o homem que está de fora, longe de todos os caminhos, de todas as tradições, e nesse homem há esperanças...
A todo aquele que deseja descobrir a verdade, o real, o eterno, cumpre que abandone todos os livros, sistemas, "gurus", pois aquilo que deseja achar só se achará quando compreender a si próprio. É a Verdade que liberta; não o meio, ou o sistema. Só a Verdade pode libertar-nos. A compreensão apenas pode vir quando não estamos seguindo alguém, quando não existe a autoridade de espécie alguma - seja a autoridade da tradição, seja a autoridade dos livros, do guru, da nossa própria experiência. Nossa experiência é resultado de nosso condicionamento, e tal experiência não pode ajudar-nos a descobrir o que é a Verdade.
Visto que a nossa mente está, em geral, narcotizada pelas idéias de outras pessoas e pelos livros, e visto que está constantemente a repetir o que outro disse, tornamo-nos repetidores e não pensadores. Se citais o Bhagavad-Gita, ou a Bíblia, ou os livros sagrados chineses, por certo não fazeis mais do que repetir. Não achais? E o que repetis não é a Verdade. É uma mentira, pois a Verdade não pode ser repetida. Uma mentira pode ser ampliada, encarecida e repetida, mas a Verdade não pode; e enquanto repetis a Verdade, deixa ela de ser a Verdade, e por isso são destituídos de importância os livros sagrados, uma vez que através do autoconhecimento, através de vós mesmos, podeis descobrir o eterno.
Para mim, a verdade, essa integridade de que falo, acha-se em todas as coisas. Portanto, a idéia de que necessitais progredir em direção a realidade, é uma idéia falsa. Não se pôde progredir na direção de uma coisa que sempre está presente. Não se trata de avançar para o exterior ou de voltar-se para o interior, mas sim de se libertar dessa consciência que se percebe a si mesma como separada. Quando houverdes realizado tal integridade, vereis que tal realidade não têm ela futuro nem passado; e todos os problemas relacionados com tais coisas desaparecem inteiramente. Uma vez que o homem realize isso, vem-lhe a tranqüilidade, não a da estagnação, porém a da criação, a do ser eterno. Para mim a realização desta verdade é a finalidade do homem.
Algumas pessoas vão à Índia, mas não sei por que fazem isso: a verdade não está lá; o que está lá é a fantasia, e a verdade não é uma fantasia. A verdade está onde você está. Não em algum país estrangeiro, mas onde você está. A verdade é o que você está fazendo, como está se comportando. Está aí, não nas cabeças raspadas e naquelas bobagens que os homens têm feito.
Os que desejam deveras descobrir a Verdade relativa aos seus problemas, devem, naturalmente, por à margem tudo quanto é autoridade. Isto é dificílimo, porque quase todos nós estamos cheios de temor. Precisamos de alguém para nos escorar, para nos dar coragem; precisamos do "irmão mais forte" - aquele que mora na Rússia, ou na Inglaterra, ou na América, ou do outro lado do Himalaya, ou "ali na esquina". Todos precisamos de alguém para ajudar-nos. Enquanto estivermos encostados em alguém, nunca chegaremos a compreender o "processo" do nosso pensar; negaremos, assim, a nós mesmos, o descobrimento da Verdade.
Ansiamos a segurança e esse anseio é um obstáculo à nossa libertação pelo conhecimento da Verdade. Cada um de nós deseja submeter-se a algum padrão; porque a submissão é mais fácil do que a vigilância. A submissão a padrões representa a base de nossa existência social, pois temos medo de estar sós. O temor e a renúncia a pensar acarretam a aceitação e a submissão, a aceitação de autoridade. Tal como acontece com o indivíduo assim também acontece com o grupo, com a nação.
Só pode manifestar-se a Realidade quando a mente percebe o seu próprio processo, percebe o quanto está condicionada, e quanto está livre do seu próprio processo de reconhecimento. Só então há possibilidade de a mente ficar tão tranquila que seja capaz de receber aquilo que é a Verdade. A Verdade é atemporal. Não depende do tempo. Por conseqüência, não pode ser aprendida e guardada para uso, ou lembrada e seu nome repetido. Por conseguinte, a Verdade é criadora. É ela sempre nova, e a mente nunca pode compreemdê-la.
A verdade não está longe de nós. Ela se acha à nossa frente,e só temos de saber olhá-la. A mente cheia de preconceitos, conclusões, crenças, não tem nenhuma possibilidade de vê-la; e um dos nossos piores preconceitos é o processo analítico. Percebendo isso, o abandonareis. E, uma vez abandonado, ele não tornará a enredar-vos; nunca mais pensareis com propósitos de ascenção, de repressão, de resistência, porque tudo isso está implicado na análise.
Para descobrir o que é verdadeiro, ou qual a finalidade da vida, ou para achar a verdade relativa a reincarnação ou qualquer problema humano, aquele que investiga, que busca a verdade, que deseja conhecer a verdade, precisa estar absolutamente certo de suas intenções. Se estas consistem em procurar segurança, o conforto, então, é bem evidente que ele não deseja a verdade; porque a verdade pode ser uma das coisas mais devastadoras e desconfortáveis. O homem que busca o conforto, não deseja a verdade: deseja apenas segurança, proteção, um refúgio onde não seja perturbado. Já o homem que busca a verdade, tem de abrir a porta às perturbações; porque só nos momentos de crise há o estado de alerta, há vigilância, ação. Só então aquilo que é pode ser descoberto e compreendido.
A Verdade não pode ser ensinada; tendes de descobri-la por vós mesmos; mas não tereis possibilidade de descobri-la se começardes com o pressuposto de que a Verdade existe ou não existe, de que Deus existe ou não existe. Só poderemos descobrir se existe ou não a Verdade, se começarmos a aprender, se passarmos a investigar, a indagar; e não há investigação quando se começa com uma conclusão, um pressuposto.
Se observades vossa própria mente, vereis quanto é difícil estar-se livre de conclusões. Afinal, o que sabeis é uma série de conclusões, constituída daquilo que vos foi ensinado, do que aprendestes dos livros ou do que achastes em vossas próprias reações - e sobre tal base começais a pensar, a levantar o edifício do pensamento! Mas, sem dúvida, a mente que deseja descobrir o que é Verdade ou Deus, deve começar sem nenhum pressuposto, nenhuma conclusão, quer dizer, livre para investigar. E se observades vossa própria mente, vereis que não é livre. Está cheia de conclusões, pejada de conhecimentos, provindo de muitos milhares de dias passados; ela pensa segundo o Gita, segundo a Bíblia ou o Alcorão, ou um certo instrutor, e começa com o pressuposto de que o que dizem é a Verdade. Mas, se ela já sabe o que é a Verdade, é claro que não tem necessidade de procurar a Verdade.
Uma mente torturada, frustrada, moldada pelo que a rodeia, que se conforma à moral social estabelecida é, em si própria, confusa; e uma mente confusa não pode descobrir o que é a Verdade. Para a mente descobrir esse estranho mistério -- se tal coisa existe - - ela precisa de construir as bases de uma conduta moral, o que não tem nada a ver com a moralidade social, uma conduta sem medos e, portanto, livre. Só então -- depois de lançada esta base profunda -- a mente poderá prosseguir no sentido de descobrir o que é meditação, essa qualidade de silêncio, de observação, no qual o "observador" não existe. Se esta base de conduta correcta não está presente na existência de cada um, na sua acção, então a meditação tem muito pouco significado.
Aqueles que desejam entender, que estão procurando descobrir o que é eterno, sem começo e sem fim, caminharão juntos com maior intensidade, e constituirão um perigo para tudo o que não é essencial, para as ilusões, para as sombras. E eles se congregarão, tornar-se-ão a chama, pois compreendem. Este é o conjunto de pessoas que devemos criar, e este é o meu propósito. Por causa dessa verdadeira amizade... haverá uma cooperação de verdade da parte de cada um. E não haverá autoridade.

Krishnamurti

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O que é importante na meditação?


O que é importante na meditação é a qualidade da mente e do coração. Não é o que você consegue, ou o que você diz que alcança, mas sim a qualidade de uma mente que é inocente e vulnerável. Através da negação existe o estado positivo. Apenas para se recolher, ou para viver interiormente, a experiência, nega a pureza da meditação. A meditação não é um meio para um fim. É tanto o meio e como o fim. A mente nunca pode ser inocente através da experiência. É a negação da experiência que causa esse estado positivo da inocência que não pode ser cultivado pelo pensamento. O pensamento nunca é inocente. Meditação é o fim do pensamento, não pelo meditador, porque o meditador é a meditação Se não há nenhuma meditação, então você é como um homem cego em um mundo de grande beleza, luz e cor. Passeie pela praia e deixe essa qualidade meditativa que vir sobre você. Se isso acontecer, não persiga isso. O que você perseguir será a memória do que foi – e o que foi é a morte do que é. E quando você passear entre as colinas deixe tudo falar da beleza e da dor da vida, de modo que você desperte para seu próprio sofrimento, e o fim dele. Meditação é a raiz, a planta, a flor e o fruto. Estas são apenas palavras que dividem a fruta, a flor, a planta e a raiz. Nesta separação não existe nenhum benefício: virtude é a percepção total.
The Second Penguin Krishnamurti Reader Talks in Europe 1968

É Amor o chamado "amor à família"?

Não podeis aprender o amor com o pensamento, nem podeis cultivar o amor com o pensamento. Só podeis compreender o amor e saber o que significa amar, quando morreis para o ciúme, para a estreita esfera da família, quando o pensamento não dita as ações da vida. Quando amais, podeis fazer tudo o que desejais fazer, porque a vida é sem conflito. A mente que é ambiciosa, ávida, invejosa, desejosa de autoridade – essa mente não tem amor, embora fale muito de amor, como os políticos, os gurus, que estão sempre a falar em amor, com o coração vazio, e cheios de conflitos e de ardentes desejos; nunca há um momento em que, dentro deles próprios, tudo esteja morto, e sua mente esteja inteiramente vazia. Só quando a mente está completamente vazia, é possível compreender essa coisa extraordinária chamada “amor”. Quando dizeis “amo meu marido, meu filho”, não amais; porque, se o marido ou a mulher vos vira as costas, sentis ciúme, sentis cólera, amargor. É isso o que chamais “amor”. O amor não têm apego. E, portanto, amor não significa “amor à família”.
Krishnamurti - Uma Nova Maneira de Agir - Cultrix

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sobre a mente religiosa

A mente religiosa é algo totalmente diferente da mente que acredita na religião. Você não pode ser religioso e ainda ser um hindu, um muçulmano, um cristão, um budista. Uma mente religiosa não busca em absoluto, ela não pode  fazer experimentos com a verdade. A verdade não é algo ditado por seu prazer ou dor, ou por seu condicionamento como um hindu, ou a religião a que você pertence. A mente religiosa é um estado de ânimo em que não há medo e portanto, nenhuma crença, mas apenas o que é - o que realmente é.  

Krishnamurti - Freedom from the Known The Reader Second Penguin

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A cotidiana rotina de nossa existência

Nossa vida é um campo de batalha, da hora de nascermos à hora da morte; é agonia, desespero, sentimento de "culpa", medo, competição incessante, comparação de nós mesmos com outros, esforço para sermos mais e cada vez mais, esforço para controlar-nos, libertar-nos, alcançar novos alvos, conservar o que consquistamos. Nossa vida diária, a cotidiana rotina de nossa existência, é competição, brutalidade, agonia, desespero; solidão; uma constante aflição que não conseguimos resolver, afastar de nós. Tal é o fato, o que realmete é, e nunca fomos capazes de transcendê-lo. Temos uma verdadeira rede de "vias de fuga": campo de futebol, igrejas, religião organizada, museus e concertos e, naturalmente, também a investigação intelectual, que não leva a parte alguma. Tal é a nossa vida, mas isso, evidentemente, não é viver. O viver implica um estado mental inteiramente livre de conflito; livre de todo e qualquer conflito - viver!

Krishnamurti - A Essência da Maturidade - ICK

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Sobre a busca do conforto e a verdade

Para compreender a você mesmo, assim como é, você precisa estar voluntariamente aberto, espontaneamente acessível a todas as suas próprias solicitações, a todos os impulsos do seu ego. E começando a compreender o fluxo, o movimento, a rapidez da sua própria mente, você verá como dessa compreensão nasce a confiança. Não é a confiança agressiva, brutal, assertiva, mas a confiança do saber o que se passa em nós mesmos. Sem essa confiança, certamente, não podemos dissipar a confusão; e sem dissiparmos a confusão que existe em nós e ao redor de nós, como poderemos achar a verdade relativa a qualquer relação?

Nessas condições, para descobrir o que é verdadeiro, ou qual a finalidade da vida, ou para achar a verdade relativa a reencarnação ou qualquer problema humano, aquele que investiga, que busca a verdade, que deseja conhecer a verdade, precisa estar absolutamente certo de suas intenções. Se estas consistem em procurar segurança, o conforto, então é bem evidente que ele não deseja a verdade; porque a verdade pode ser uma das coisas mais devastadoras e desconfortáveis. O homem que busca o conforto, não deseja a verdade: deseja apenas segurança, proteção, um refúgio onde não seja perturbado. Já o homem que busca a verdade, tem de abrir a porta às perturbações, às tribulações; porque só nos momentos de crise há o estado de alerta, há vigilância, ação. Só então aquilo que é   pode ser descoberto e compreendido.

Krishnamurti - 18 de julho de 1948
Livro: Novo acesso à Vida

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mediocridade

Todos os sistemas e métodos geram tradições, produtivas de mediocridade mental; e uma mente medíocre, em face de um problema importante, inevitavelmente o traduzirá em conformidade com seu condicionamento...se estamos realmente atentos, percebemos que no próprio praticar de um sistema a mente se deixa por ele prender e, por conseguinte, não pode libertar-se, expurgar-se, purificar-se. Dependente do sistema, a mente traduz o desafio ou a ele corresponde em conformidade com esse condicionamento... É óbvio, portanto, que os sistemas não libertam a mente, e, penso que esse fato deve ser compreendido perfeitamente.
Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK

domingo, 14 de fevereiro de 2010

A forma suprema de segurança absoluta

O homem cego ao perigo é um tolo; há algo de errado com ele. Nós, entretanto, não vemos o perigo dessas ilusões nas quais buscamos segurança. O homem que age pela inteligência percebe o perigo. Nessa inteligência há segurança absoluta. O pensamento criou várias formas de ilusão - nacionalidades, classes, diferentes deuses, crenças, dogmas, rituais diferentes e as extraordinárias superstições religiosas que permeiam o mundo - e nelas ele tem procurado segurança. Não vemos o perigo dessa segurança, dessa ilusão. Quando percebemos esse perigo - não como uma idéia, mas como um fato real - esse ver é inteligência, a forma suprema de segurança absoluta. Portanto, existe uma segurança absoluta: é a de ver o verdadeiro no falso.

Krishnamurti - Perguntas e Respostas - Cultrix

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Sobre a educação

É nosso dever criarmos uma escola onde o estudante não seja constrangido, fechado, esmagado pelas nossas idéias, pela nossa estupidez, pelos nossos temores; para que se desenvolva e se torne capaz de compreender os seus problemas e de enfrentar a vida inteligentemente. Sabeis o que isso reclama: não só um estudante inteligente, um estudante cheio de vitalidade, mas também um verdadeiro educador. Mas não há verdadeiros educadores, nem verdadeiros estudantes; eles estão ainda por nascer; e temos de esforçar-nos, de investigar, de trabalhar com energia, até que essa coisa se torne realidade. Sabeis que para se cultivar uma bela rosa, necessita-se muito desvelo. Para escrevermos um poema, precisamos ter o sentimento, ter as palavras próprias para exprimí-lo. Tudo isso requer desvelo, vigilância. Por conseguinte, não achais muito importante, esta nossa escola seja um estabelecimento de tal ordem? Se não o for, não será por culpa de ninguém mais, senão de vós mesmos e dos vossos mestres. Não digais: "os mestres não cuidam disso". A culpa será deles, se se não criar um tal estabelecimento. Ninguém mais irá criá-lo. Outros não o criarão; nós - vós e eu e os mestres - iremos criá-lo. Esta é a verdadeira revolução: termos em nós o sentimento de que esta é a escola que vós, e eu, e os mestres - todos juntos - estamos edificando.
Krishnamurti - Debates sobre educação

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sobre religião


Religiões por todo o mundo, através de seus sistemas e das armadilhas de sua exploração organizada, procuram ensinar o homem a amar, a pensar, a viver sã e inteligentemente; mas como pode um sistema criar amor ou ensiná-los a pensar sem egoísmo? Como não desejais fazer isto, como não quereis viver completa, integralmente, com a mente e o coração vulneráveis, criastes um sistema que se tornou vosso mestre, um sistema que é contrário e destruidor do pensamento e do amor. Portanto, é completamente inútil multiplicar os sistemas. Se a mente se libertar da ilusão de suas exigências e desejos de auto-proteção, então haverá amor, inteligência; então não mais existirá esta divisão gerada por religiões e crenças; o homem não mais se levantará contra o homem.

Krishnamurti - Palestras no Brasil

Video: The Transformation of Man - J. Krishnamurti Online



Video: The Transformation of Man - J. Krishnamurti Online

Vídeo A Transformação do Homem

A transformação do homem - parte 1
1º Diálogo com Dr David Shainberg, Dr David Bohm e J. Krishnamurti.
Somos conscientes de que estamos fragmentados?
Parte 1 de 4
Áudio em Inglês - Legendas em português

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Pessoas de 2ª mão

No momento, somos meros gramofones repetidores, eventualmente trocando gravações quando pressionados mas, em geral, tocando as mesmas melodias para todas as ocasiões. E é esse repetir constante, esse perpetuar da tradição, a origem do problema com todas as suas complexidades. Parecemos incapazes de escapar da conformidade, embora saibamos substituir a atual conformidade por uma outra, ou até mesmo sejamos capazes de tentar mudar o modelo atual. Trata-se de um processo constante de repetição, de imitação... e a repetição, seguramente, não irá solucionar os problemas humanos... por meio do autoconhecimento, é possível livrar-se desse eterno repetir.

Krishnamurti - Sobre Relacionamentos - Ed. Cultrix

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sobre a mediocridade


Um dos nossos problemas assim me parece — é a questão da mediocridade. Não estou empregando esta palavra em sentido condenatório, mas é fato óbvio que a grande maioria de nós é medíocre. Poderá alguma técnica, religiosa ou mecânica, libertar nos dessa mediocridade? Ou não deve, antes, haver uma revolta contra toda técnica? Porque, parece-me, mais observamos e menos e mais raros se vão tornando os indivíduos criadores. Não estou empregando a palavra “criador” para designar o homem que pinta, que escreve poesias ou produz invenções, o gênio. Veremos, no prosseguimento desta palestra, o que significa ser criador.
Antes de descobrirmos, porém, o que é “ser criador”, não devemos investigar por que é que quase todos nos deixamos influenciar tão facilmente? Por que é que tantos de nós permitimos a ingerência de outros nas nossas vidas? Por que gostamos, também, de ingerir-nos na vida dos outros e somos tão eficientes no julgar os outros? E talvez descubramos, nesta investigação, a possibilidade de que, justamente nas coisas tão carinhosamente cultivadas por nós — o julgamento, a capacidade de desenvolver unia técnica, mecânica ou dita espiritual — se a as raízes da mediocridade e que enquanto não houver uma revolta contra a técnica, haverá imitação, autoridade, o desenvolvimento da capacidade, o seguimento de certas idéias, no espírito consistente indicando tudo isso a estrutura de uma mentalidade medíocre.
Tende a bondade de escutar; não tomeis notas. Não estamos em aula. Não sou um professor a prelecionar-vos para tomardes notas, a fim de as estudardes posteriormente. Vamos andando e pensando juntos. Estou apenas dizendo uma coisa que é muito evidente ou suficientemente evidente; e se não escutardes, talvez não possais experimentar diretamente aquele “estado de criação” que temos a possibilidade de descobrir juntos pelo compreender, isto é, pelo ouvir diretamente o que é que constitui a mediocridade.
A criação é um “estado de solidão”. Se a mente não está completamente só, não há criação. Só quando a mente é capaz de sacudir de si todas as influências, todas as interferências quando é capaz de estar completamente só, independente, desacompanhada, livre de toda influência modeladora e do julgamento, só nesse estado de solidão há criação. Entretanto, esse estado de solidão não é compreensível ao espírito medíocre, a mente que se exercita numa atividade, na técnica, na maneira de fazer qualquer coisa.
Hoje em dia se estão desenvolvendo técnicas e mais técnicas - a técnica de influenciar pessoas, por meio da propaganda, da compulsão, da imitação, dos exemplos, da idolatria, do culto do herói. Têm-se escrito livros inumeráveis sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar maquinismos; e, desse modo, estamos perdendo pouco a pouco a iniciativa, a iniciativa para acharmos qualquer coisa original, por nós mesmos. Na nossa educação, em nossas relações com o Governo, estamos sendo influenciados por diferentes maneiras, para nos ajustarmos, para imitarmos. E quando nos deixamos persuadir por uma dada influência a adotar determinada atitude ou ação, criamos naturalmente a resistência e outras influências. No processo, justamente, de criarmos resistência a outra in fluência, não estamos sucumbindo a essa influência, negativamente?
Não somos o resultado de inumeráveis influências? Nossa mente, nossa estrutura, nosso ser não é uma contextura de influências — influências econômicas, climáticas, sociais, culturais, religiosas? Nossa mente é composta de partes, e com essa mente queremos descobrir, queremos criar. Essa mentalidade, porém, é tão somente capaz de imitar, de ajustar outras coisas entre si, e esta é a razão do crescente desenvolvimento tecnológico quê se observa no mundo. Um homem tecnologicamente eficiente nunca pode ser um ente humano criador. Poderá construir uma casa maravilhosa, montar um aeroplano; mas não é uma entidade criadora. Porque sua mente é constituída de partes; sua mente não é inteiriça, “integrada”.
Como pode haver uma mente integrada, se somos segmentos de várias formas de influências? Nossa mentalidade é o resultado dessas influências; ela está condicionada por todas essas influências, como hinduísta, como muçulmana, como cristã. E condicionados que estamos e sujeitos a influências várias, dizemos: “Escolherei uma determinada influência, um guru, escolherei o que é bom, o que é nobre; e cultivarei por meio de vários exercícios, de vários métodos, tal excelência”. Todavia, não obstante isso, nossa mente continua a ser uma mente influenciada, controlada, moldada, mente que luta para alcançar um fim predeterminado; e essa mente jamais pode achar-se em revolta, pode? Pois, no mesmo instante em que se revolta, essa mente se vê num estado de caos. A mente medíocre, pois, nunca pode estar revoltada, sendo capaz unicamente de passar de um estado condicionado para outro, de uma influência para outra.
Não deveria a mente estar sempre revoltada, para compreender as influências que a assaltam incessantemente, interferindo, controlando, moldando? Um dos fatores da mente medíocre não é o medo constante que a domina e, também, o estado de confusão em que se acha, em virtude do qual ela deseja ordem, consistência, deseja urna fórmula, um modelo pelo qual possa ser guiada, controlada; e, entretanto essas fórmulas, essas várias influências geram contradições no individuo, geram confusão no indivíduo. Estais condicionado como hinduísta ou como muçulmano; outro está condicionado pela idéia de “ser nobre” ou por idéias econômicas ou religiosas. Qualquer escolha entre diferentes influências denota sempre um estado de mediocridade. A mente que escolhe entre duas influências e começa a viver em conformidade com a influência preferida, continua a ser medíocre não é verdade? Pois essa mente nunca se acha num estado de revolta, e a revolta é essencial para que se possa descobrir algo.
Se a mente nunca está só, pode ser criadora? Se examinardes a vossa mente, vereis como tem ela medo de desviar-se, de errar. A mente está de contínuo em busca de segurança, de certeza, de uma garantia, em determinado padrão consistente de pensamento; e pode essa mente que nunca está só, ser criadora? Quando digo “só” não me refiro àquela solidão em que há desespero; refiro-me à solidão em que não há dependência de coisa alguma, em que não dependemos de nenhuma tradição, nenhum costume, nenhum companheiro. E não deve a mente achar-se num tal estado de isenção de qualquer espécie de temor? Porque, no momento em que começo a depender, nasce o temor; e perde-se toda a iniciativa, toda a originalidade — “originalidade” não no sentido de “excentricidade”, mas de “capacidade para pensar e descobrir.” Não deve a mente ter a capacidade de investigar, de não imitar, de não deixar-se moldar, e ser sem medo? Não deve a mente ser “só”, e, portanto, criadora? Esse poder de criar não é coisa vossa nem minha; é anônimo.
Prestai toda a atenção a isto, já que quase todos nós somos medíocres. Existe a possibilidade de uma transformação imediata e completa que nos ponha nesse estado criador? Porque é disso que se necessita na hora atual, no mundo; não precisamos de reformadores, ideólogos ou filósofos, mas, sim, que vós e eu, compreendendo a nossa mediocridade, façamos surgir imediatamente aquele estado de solidão em que não há dependência nem temor; em que nos achamos completamente sós, livres de influências; e onde não há interferências, nem imitação, nem desejo de seguir. Podemos, vós e eu, produzir imediatamente essa mentalidade? Porque, se assim não for a nossa mente, tudo o que fizermos, todas as nossas reformas apenas produzirão mais sofrimentos e mais caos.
É possível à mente que sempre foi medíocre, que sempre sofreu interferências, que foi ajustada, moldada, controlada, que precisa de arrimo, é possível a essa mente realizar, de pronto, aquele estado de solidão? Não digais “talvez seja possível, mas não a mim; outro talvez o consiga” — mas escutai, simplesmente, não as palavras, mas o significado das palavras. Pode um espírito que sofreu interferências, que é o resulta do dessas interferências, que é resultado do tempo, da influência — pode um tal espírito lançar tudo fora e ficar só? Porque, nessa solidão há criação. Não importam quais sejam as palavras que empregais. Aquela criação não é coisa do tempo, não é coisa vossa nem minha; é completamente anônima. E enquanto estiverdes cultivando uma técnica, não há anonimato, porque a mente de quase todos nós só está interessada em aprender “como fazer isto”, “como deixar de ser influenciada”, “como libertar-se do condicionamento” Quando uma pessoa diz: “Vou exercitar-me em tal coisa, para adquiri-la”, “Vou disciplinar-me, para não ser mais influenciado”, ou “edificarei em torno de mim uma muralha contra todas as influências” — isso indica que sua mente está procurando o método, a técnica. Essa mente é capaz, em algum tempo, de ser livre, de estar revoltada? E não é medíocre essa mente? Ela, por conseguinte, jamais pode estar só. Se se deseja criar um novo mundo, uma nova civilização, uma nova arte, tudo novo, não contaminado pela tradição, pelo temor, pelas ambições; se se deseja criar algo que seja anônimo, que seja vosso e meu, uma nova sociedade; se desejamos criar isso juntos — no que não há vós e eu, mas, sim, nós-juntos, não se faz necessário um espírito que seja completamente anônimo, e por conseguinte esteja só? Isso implica, não é certo? - na necessidade de uma revolta contra o ajustamento, contra a respeitabilidade, pois o homem respeitável e o homem medíocre, visto desejar alguma coisa, visto depender de alguma influência para sua felicidade; depende do que pensa a seu respeito o seu vizinho, do que pensa o guru, do que diz o Bhagavad Gita, ou os Upanishads, ou a Bíblia, ou Cristo. Sua mente nunca está sozinha. Nunca anda só esse homem, por que esta sempre em companhia de suas idéias.
Não é importante que se descubra, que se perceba de maneira completa a significação da interferência, da influência, da confirmação do “eu”, que é a contradição do anonimato? Percebendo-se bem isso, não surge invariavelmente a questão: é possível fazer surgir imediatamente aquela mentalidade livre de influências; a mente não influenciável nem pela própria experiência nem pela experiência de outros; a mente incorruptível, independente? Só então se tem a possibilidade de criar um mundo diferente, uma civilização diferente, uma sociedade diversa, em que será possível a felicidade.

Krishnamurti – 1 de março de 1953 – 7ª Conferência em Bombaim
Do livro: Autoconhecimento- Base da sabedoria - ICK
______________________________________________________

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Sobre a libertação do condicionamento.

Uma das coisas mais difíceis - parece-me - é a correta comunicação entre pessoas. Se desejo dizer algo, tenho de usar certas palavras, e as palavras tendem naturalmente a ter significado ou valor diferente para cada um dos ouvintes. Uma reunião silenciosa de pessoas produz seus benefícios próprios; mas, para nos comunicarmos uns com outros, torna-se necessária a "verbalização", e é muito difícil comunicar devidamente o que desejamos transmitir de maneira que o ouvinte compreenda sua inteira significação, principalmente em se tratando de matéria complexa, como é agora o caso. Requer-se uma certa facilidade de comunicação, para que todos compreendam o que se está falando.
Desejo versar um assunto que considero bastante importante: se é possível, vivendo neste mundo, libertarmo-nos de todo condicionamento, a fim de que cada um se torne um verdadeiro indivíduo e, conseqüentemente, capaz de descobrir o que significa ser criador. Por certo, aquilo que se pode chamar a realidade, Deus, a Verdade, ou como quiserdes, é um estado de renovação constante, um estado de criação; e êsse estado criador não pode ser realizado, experimentado ou conhecido, se não há a verdadeira individualidade; e para se alcançar essa verdadeira individualidade torna-se necessária a libertação do condicionamento.


Nossa mente está condicionada pela sociedade em que vivemos, pelos livros que lemos, pela religião, pelos valores sociais e morais, por nossos temores e ambições, nossa inveja, etc.; todas essas coisas concorrem para criar um condicionamento mental. Isso me parece bem óbvio.
E é possível libertarmos a mente dêsse condicionamento – não com o procurar de um condicionamento melhor e mais nobre, porém libertando efetivamente o espírito de todo o seu condicionamento? Enquanto não o fizermos, não seremos indivíduos; seremos mero resultado da coletividade - e isso também é muito óbvio, embora seja provável que nunca tenhamos refletido a seu respeito.
Ao nos examinarmos com um pouco mais de atenção, torna-se evidente que, pela maior parte, o nosso pensar, os valores, as experiências, os conhecimentos, as crenças que possuímos, são resultado de nossa educação, de inumeras influências; o clima em que vivemos, os alimentos que ingerimos, a literatura e os jornais que lemos, todos os elementos ambientes - tudo isso condiciona a mente. Pode-se ver que nosso pensar está sempre de acôrdo com um padrão, e êsse padrão já está bem firmado. Quanto mais altamente organizada, quanto mais eficiente e cruel é a sociedade, tanto mais rigorosamente o padrão é cultivado e implantado na mente. E é possível ser-se livre dêsse condicionamento, de modo que a mente não pense de acordo com um padrão, porém transcenda completamente a esfera do pensamento? Isso, porém, não significa um vago misticismo, um estado sonhador, pois êsse estado, pelo contrário, é muito positivo.
Assim sendo, pode a mente libertar-se de seu condicionamento? Sei que há gente que diz que isso é impossível, uma vez que os entes humanos são, totalmente, um resultado de influências ambientes. O homem educado como cristão crê nos dogmas do cristianismo, enquanto o que foi educado como comunista não crê em nada disso - e isso, mais uma vez, demonstra como a mente é influenciada e posta a funcionar dentro de um padrão, uma rotina, aí permanecendo.
Ao observar isso, qual a nossa reação? Quer sejamos cristãos, quer hinduístas, budistas ou o que mais seja, já nos deve ter ocorrido, se investigamos seriamente, que cada um de nós é moldado, condicionado, por um certo padrão - não apenas o padrão impôsto pela sociedade, pela cultura, pelas influências econômicas, pela religião em que fomos educados, mas também por um padrão interiormente imposto.
E devemos nos ter interrogado se é possível à mente que se habituou a pensar dentro de uma certa rotina libertar-se dessa rotina. Por certo, só a mente livre pode descobrir algo nôvo. O homem que puramente crê, ou não crê em Deus, continua prisioneiro do padrão de determinado ambiente; pela ação do mêdo, da compulsão, de tôda sorte de influências, continua êle a fazer parte do todo coletivo. Nessas condições, pode a mente assim agrilhoada, libertar-se?
A capacidade de nos libertarmos não depende, por certo, de outra pessoa. Percebo que minha mente é o resultado de inumeráveis influências, que suas reações são determinadas por um estado já condicionado; e se me interessa descobrir se minha mente pode libertar-se, não parcial porém totalmente, tanto no nível inconsciente como no consciente, não tenho necessidade de perguntá-lo a outro; posso observar a mim mesmo. Posso libertar-me da idéia de "minha pátria", do estúpido nacionalismo, das crenças em que fui criado; mas, no próprio processo de me libertar posso cair noutro conjunto de padrões. Em vez de hinduísta, posso tornar-me cristão, budista, comunista, etc. - o que é sempre um padrão.
Assim sendo, é possível libertarmo-nos de um padrão sem cairmos noutro?
Se uma pessoa está muito vigilante e observando bem o processo mental formador dos hábitos, é possível, superficialmente, libertar a mente da formação de hábitos. Mas, o problema não é tão simples assim, porque temos o inconsciente total, também condicionado, e êsse condicionamento é muito mais difícil de perceber. É bem de ver que, pelo falar, pelo raciocinar, mediante várias formas de observação, posso libertar a minha mente do condicionamento superficial consistente em ser hinduísta ou católico - e isso, evidentemente, é necessário. Se desejo descobrir o real, devo ter, em primeiro lugar, uma mente não condicionada. A mente condicionada pode "projetar" suas próprias idéias e, a seguir, experimentar essas idéias. O cristão muito devoto e fartamente condicionado pode experimentar uma visão do Cristo; mas, o que êle está experimentando é sua própria "projeção", procedente de seu fundo educativo, e tal experiência, portanto, nenhuma validade tem. Já se pudermos transcender tôdas as razões superficiais da mente, talvez então sejamos capazes de penetrar muito mais profundamente no inconsciente, que está incessantemente "projetando" o seu próprio condicionamento.
Assim, é possível penetrarmos conscientemente o nosso inconsciente, para descobrirmos as várias formas de seu condicionamento? Não sei se já pensastes em tal coisa. Podeis ter vossas opiniões a êsse respeito, podeis declarar que é possível ou impossível; mas, penso que o estudante realmente interessado em investigar cabalmente a questão não fará declarações dessa natureza. Ele estará no "estado de investigação". Não pode investigar em referência a outra pessoa, mas, tão só, em referência à sua própria mente.
A investigação parece-me, deve ser sem motivo, sem nenhuma compulsão em dada direção. Se tenho um motivo para minha indagação, êsse motivo determinará o que acharei? Por conseguinte, não há verdadeira investigação enquanto houver um motivo qualquer. E quase todos nós temos variados motivos, não é verdade? Queremos ser felizes, queremos ser interiormente ricos, encontrar Deus, alcançar isto ou aquilo. E pode a mente despojar-se de todos os motivos e pôr-se no "estado de investigação"? Esta me parece, verdadeiramente, uma questão fundamental; porque é só quando estamos livres de motivos que seremos capazes de investigar a totalidade do inconsciente.
Em verdade, o inconsciente é um depósito de numerosos motivos de que não nos damos conta - temores, ânsias, e o resíduo racial. Para investigar tudo isso, a mente consciente, pelo menos, deve estar livre de qualquer motivo. E para se limpar, mesmo a mente consciente, de todo e qualquer motivo, requer-se muita vigilância, observação de nós mesmos. Isso significa estar cônscio do inteiro processo do pensar, verificar como o pensamento desponta na mente, e se esta pode mesmo libertar-se; ou, também, se o pensamento não passa de uma reação de determinado fundo, através da memória, não podendo, por conseguinte, ser livre. Uma pessoa pode ser capaz de raciocinar muito sutil e inteligentemente; mas, o seu raciocinar tem por fundo um determinado condicionamento.
Assim, para que a mente consciente possa investigar o inconsciente - onde estão depositados todos os motivos, impulsos, compulsões seculares - então, naturalmente, é necessário que a mente consciente esteja desde o comêço livre de motivos e padrões. E, parece-me, só nessa investigação começaremos a dissolver as influências coletivas de que somos atualmente constituídos. Não somos, agora, indivíduos; embora tenhamos um nome distinto, uma conta corrente particular, etc. etc., nada disso constitui individualidade. O que faz nascer o verdadeiro indivíduo é o estado mental liberto de condicionamento. Só então se torna possível descobrir se existe uma realidade além das limitações do pensamento, além das invenções e teorias da mente.
Enquanto não alcançarmos êsse estado, o que cremos ou não cremos a respeito de Deus ou da verdade tem muito pouca significação. Nossas crenças e descrenças serão meras repetições, imitações, das idéias e pensamentos colhidos nalgum livro ou da bôca de outra pessoa, ou, ainda, "projeções" de nosso próprio desejo de confôrto.
O homem verdadeiramente religioso não é aquêle que está aferrado a certas crenças e dogmas ou a rigorosas práticas morais, mas, sim, aquêle que começou a compreender o processo total de seu próprio pensar, tanto consciente como inconsciente. Esse homem é um verdadeiro indivíduo, porque sua mente não é mais um mecanismo de repetição; embora subsista a memória das coisas de que tomou conhecimento, essas coisas nenhuma influência têm no seu funcionamento. Essa mente se torna extraordinàriamente quieta, sem nenhum movimento de desejo, nenhuma "projeção" ou motivo. Nesse estado manifesta-se a ação criadora da realidade. Mas, isso não é uma coisa para se ouvir e repetir, apenas, como o menino que aprende e repete suas lições. Proceder assim não tem significação nenhuma. O necessário é que cada um penetre muito profundamente em si mesmo, desembaraçando-se de todos os seus temores superficiais, suas invejas, ambições, desejo de segurança, de apêgo, de dependência - tão importante, para a maioria de nós - desembaraçando-se de tôdas essas coisas estultas e insensatas, não apenas temporáriamente, mas libertando-se verdadeiramente de tôdas elas. Só então se pode descobrir se existe, ou não, uma Realidade, Deus, algo fora dos limites do tempo. Enquanto não descobrirmos isso por nós mesmos, não por intermédio de "salvadores" ou instrutores, porém pela experiência direta, pessoal, a vida continuará a ser uma coisa muito superficial. Podemos ter riquezas imensas, grande influência, e a possibilidade de viajar todo o mundo; podemos possuir vastos conhecimentos e mostrar-nos muito eloqüentes em nosso falar; mas, sem aquela experiência direta, a vida se torna muito trivial e, subterrâneamente, haverá sempre angústias, lutas, dores. Estaremos sempre procurando dar um significado à vida, indagando qual é a finalidade da vida; e inventamos, assim, uma finalidade - uma finalidade pessimista ou uma finalidade otimista.
Mas, se fôrmos capazes dessa constante investigação, que é uma verdadeira forma de meditação, não deixaremos de atingir o ponto em que perceberemos que todo o nosso pensar está condicionado e que nossas crenças e dogmas nenhum valor têm. E ao percebermos que são sem valor, essas coisas cairão por si, sem têrmos de lutar contra elas. A totalidade de nosso condicionamento pode ser quebrada, não aos pedacinhos, o que leva tempo, porém imediatamente, pelo direto percebimento da verdade a seu respeito. A verdade é que liberta, e não o tempo ou nossa intenção de sermos livres. Eis porque é necessário têrmos a mente aberta, extraordinàriamente receptiva. Porque não se pode perseguir e pegar a verdade; ela vem por si.
Releva, pois, investigar profundamente a questão do condicionamento, sem nos limitarmos a aceitar a asserção de outro sôbre se a mente pode, ou não, libertar-se. Cabe a cada um investigar e libertar a si próprio. Penso que então algo se descobrirá além de tôdas as palavras, algo verdadeiramente incomunicável. O homem que realizou, que experimentou, por si mesmo, essa coisa, é um homem verdadeiramente religioso, porque já não está sob a influência da sociedade, essa estrutura de ambição, aquisição, inveja, atividade egocêntrica.
Krishnamurti
2ª Conferência em Bruxelas
do livro: Verdade LIbertadora - ICK - 1960

Sobre a importância dos retiros

Pergunta: Tendes estado em retiro nestes últimos dezesseis meses, e isto pela primeira vez em vossa vida. Podemos saber se há nisto alguma significação?


Krishnamurti: Não desejais, também, às vezes, recolher-vos à quietude, para fazer um balanço das coisas, a fim de não vos tornardes simples máquina de repetição, um discursador, um explicador, um expositor? Não desejais fazer isso, alguma vez, não desejais estar em tranqüilidade, não desejais conhecer-vos melhor? Alguns de vós o desejam, mas não o podem fazer por motivos econômicos. Há de haver dentre vós alguns que desejam fazê-lo, mas as obrigações de família, etc., os impedem. De qualquer maneira, é benéfico recolher-nos à tranqüilidade, para proceder a um balanço de todas as coisas que praticamos. Ao fazer isso, uma pessoa adquire experiências que não são reconhecidas, que não são traduzidas, O meu recolhimento, portanto, não tem significação nenhuma para vós. Sinto muito. Mas o vosso recolhimento, se o observardes corretamente, há de ter significação para vós. Julgo essencial que entreis, de vez em quando, em recolhimento, deixando tudo o que estais fazendo, detendo por completo as vossas crenças e experiências, e olhando-as de maneira nova, em vez de ficardes a repetir, como máquinas, o que credes ou o que não credes. Deixaríeis, assim, entrar ar fresco em vossas mentes, não é verdade? Isso significa que tendes de estar inseguros, não é verdade? Se fordes capazes de tanto, estareis abertos aos mistérios da natureza e para as coisas que sussurra ao redor de nós, e que de outra maneira não poderíeis alcançar; encontrareis o Deus que aguarda o momento de vir, a verdade que não pode ser chamada, mas vem por si mesma. Não estamos abertos ao amor e a outros processos mais delicados que se verificam dentro em nós, porque vivemos fechados em nossas ambições, em nossas realizações, em nossos desejos. Não há dúvida de que é muito salutar nos retrairmos de todas essas coisas. Deixai de ser membro de alguma sociedade deixai de ser brâmane, hindu, cristão ou muçulmano. Abandonai o vosso culto, os vossos ritos, retirai-vos completamente de tudo isso, e vereis o que acontecerá. Nesse retiro, não mergulheis noutra coisa qualquer, não abrais livro algum, absorvendo-vos em novos conhecimentos e novas aquisições. Rompei completamente com o passado, e vereis o que acontece. Fazei-o, senhores, e conhecereis o deleite. Descortinareis as imensidões do amor, da compreensão, da liberdade. Quando vosso coração está aberto, então é possível a vinda da realidade. E não mais ouvireis os sussurros dos vossos próprios preconceitos, os ruídos que vós mesmos produzis. Eis porque é salutar entrarmos em retiro, recolher-nos e fazer parar a rotina — não só a rotina da existência exterior, mas também a rotina que a mente estabelece para sua própria segurança e conveniência.
Experimentai-o, senhores, se tendes oportunidade para tal. Então, talvez conheçais a verdade que não pode ser medida. Vereis, que Deus não é uma coisa que se experimente e se reconheça, mas, sim, que Deus é algo que vem a nós sem que o invoquemos. Isso só se dá quando a vossa mente e o vosso coração estão completamente tranqüilos, não estão buscando, esquadrinhando, e quando não tendes nenhum desejo de aquisição. Deus só pode ser encontrado quando a mente não mais busca vantagem para si. Se nos retrairmos de todas essas coisas, talvez não ouçamos mais os sussurros do desejo, e, então, aquilo que está à espera, virá diretamente, infalivelmente.
Krishnamurti - 5 de janeiro de 1952 
Do livro: Quando o Pensamento Cessa
_________________________________________________

Sobre a deterioração da mente


Um homem que está trabalhando, ganhando dinheiro, freqüentando, regularmente um escritório, não se está deteriorando, aparentemente, pois está em atividade; ao cessar, porém, essa atividade, torna-se perceptível a deterioração.
A mente sujeita a uma rotina, seja a rotina de um escritório, de um rito, ou a rotina de um certo dogma, já se está deteriorando, não é verdade?
Por certo, vale muito mais a pena descobrir as causas determinantes da deterioração da mente, do que inquirir por que razão o vosso vizinho se desintegra, quando se retira das atividades. Se pudermos realmente compreender só esta questão, talvez venhamos a conhecer a eternidade da mente.
Por que se deteriora a mente — não apenas a vossa, mas a mente do homem? Pode-se ver que o fator da deterioração surge quando a mente se transforma em máquina de hábito, quando a sua educação é mero exercício de memória, e quando se acha numa luta incessante, procurando ajustar-se a um padrão imposto de fora ou criado por ela própria.
Há medo, deterioração, destruição da mente, quando ela está constantemente a buscar segurança, ou quando onerada do desejo de preencher-se.
E tal é o nosso estado, não é verdade? Ou estamos na sujeição do hábito, da rotina, fazendo a mesma coisa sempre e sempre, exercitando-nos na virtude, ajustando-nos ao padrão de uma disciplina, para chegarmos a um certo resultado, para encontrarmos segurança psicológica ou material; ou, ainda, estamos a competir, a fazer esforços inauditos, na nossa ambição de sucesso mundano.
Certo, é isso o que cada um de nós está fazendo, e, por conseguinte, já pusemos em funcionamento o mecanismo da deterioração. Se qualquer dessas reações existe em nós, em qualquer nível que seja, estamo-nos deteriorando.
Pois bem. Pode a mente renovar-se com freqüência? Pode a mente ser criadora momento por momento?
Não me refiro à criação compreendida como mera atividade de planear e expressar, compreendida como capacidade ou aplicação de uma técnica. Não me estou referindo à criação sob nenhum desses aspectos. Mas pode a mente experimentar o desconhecido? Sem dúvida, só no estado de não cognoscibilidade não há deterioração.
Qualquer outro estado acarretará, por força, o envelhecer da mente. Como qualquer mecanismo posto a funcionar seguidamente durante dias, semanas, meses e anos, a mente, sempre em atividade, se deteriora, inevitavelmente.
Enquanto fizerdes uso da vossa mente como se fosse máquina, para realizar, produzir, ganhar, tendes em vós as sementes da deterioração, da velhice e da decrepitude. E quer se trate de um menino de dezesseis anos ou de um velho de sessenta, o “processo” é o mesmo.
Nós, porém, em geral, não estamos cônscios desse processo de deterioração. Estamos cônscios, apenas, de nos acharmos entre as rodagens da máquina de prazeres e dores e sofrimentos, e da nossa luta para sairmos dela.
A mente, pois, nunca está quieta, despreocupada; sempre se acha envolvida com alguma coisa: com Deus, com o comunismo, com o capitalismo, com o enriquecer, com a opinião dos outros ou... com a cozinha. Com quantas coisas anda ela ocupada! Como está constantemente ocupada, nunca é livre, jamais tranqüila.
Só a mente que está tranqüila — não por estar insensibilizada, mas por encontrar-se naquele estado de silêncio que é criador — só essa mente pode sustar a deterioração.
A imunidade à deterioração não é possível à mente que se preenche pelo exercício de capacidades. A medida que nos tornamos mais idosos, a capacidade se embota. Podeis ser um pianista exímio; com o envelhecer, porém, vem o reumatismo, vêm os achaques, vem a cegueira, ou podeis ser vitimado por um acidente.
A mente que anda à procura de preenchimento, em qualquer sentido, em qualquer nível, já contém em si a semente da destruição. E o “eu” que quer preencher-se, quer tornar-se alguma coisa; vendo-se vazio, frustrado, busca o “eu” preenchimento em minha família, meu filho, minha propriedade, minha idéia, minha experiência.
Quando reconhecemos tudo isso e percebemos-lhe os perigos, só então a mente pode estar vazia momento por momento, dia por dia, não embargada pela carga do passado ou pelo temor do futuro.
O viver naquele momento não é nenhuma coisa fantástica, só concedida a uns poucos. Afinal de contas, como disse, cada um de nós vive num mundo de sofrimento, luta, dor, efêmera alegria, e cada um de nós deveencontrar aquela coisa desconhecida; ela não foi reservada só para um e negada aos demais. É juntos que podemos criar um mundo novo; mas este mundo novo não pode nascer da revolução exterior, que produz decomposição.
A mente se deteriora quando busca um fim, quando se submete à autoridade, nascida do temor. Há um definhar-se da mente, quando não há autoconhecimento, e o autoconhecimento não é uma coisa que se possa aprender de um livro. Ele tem de ser descoberto a cada momento, o que requer uma mente vigilante em extremo; e a mente não está vigilante quando achou um fim.
Assim, o fator que acarreta a deterioração se encontra em nossas próprias mãos. A mente, presa à experiência, vivendo da experiência, nunca encontrará o incognoscível. O incognoscível só pode manifestar-se quando o passado já não existe; e só não existe passado, quando a mente está tranqüila.

Krishnamurti
Percepção Criadora – Ed. Ediouro
_____________________________________________________

Sobre a crença em Deus - II


PERGUNTA: Vós atingistes o real. Podeis dizer o que é Deus?

KRISHNAMURTI: Como sabeis que atingi o real? Para sabê-lo, seria necessário que vós também o tivésseis alcançado. Não estou dando uma resposta sutil. Para conhecer uma coisa deveis estar em relação com ela; deveis ter tido também a experiência, pessoalmente e, por conseguinte, vossa afirmação de que alcancei a realidade, não tem, evidentemente, sentido. Que importa, se eu a alcancei ou não? O que estou dizendo não é verdadeiro? Ainda que eu seja o mais perfeito dos homens, se o que digo não é verdadeiro, por que me dais atenção? Ora, por certo, meu atingimento da realidade nada tem que ver com o que estou dizendo, e o homem que venera outro homem, por ter esse outro alcançado a realidade, está, em verdade, rendendo culto à autoridade e, por conseguinte, nunca encontrará a verdade. Nenhuma importância tem compreender o que se diz sobre a realidade, ou conhecer o homem que a atingiu, não achais?
Sei que a tradição manda "acompanhar o homem que atingiu a realidade". Mas como saber que ele a atingiu? O que se pode fazer é acompanhá-lo; mas, mesmo isso é dificílimo, hoje em dia. Há muito pouca gente boa — no genuíno sentido da expressão — gente que não esteja à procura de alguma coisa, atrás de alguma coisa. Os que estão buscando alguma coisa, ou desejando alguma coisa, são exploradores, e, portanto, é muito difícil achar-se um companheiro para amar.
Idealizamos os indivíduos que alcançaram a realidade, e esperamos que eles nos dêem alguma coisa — o que constitui uma relação falsa. Como se pode estar em comunhão com um homem que atingiu a realidade, quando está ausente o amor? Esta é a nossa dificuldade. Em todas estas discussões, não nos amamos realmente uns aos outros; somos desconfiados. Desejais alguma coisa de mim: instrução, atingimento do real, ou minha companhia — e tudo isso indica que não amais. Como desejais alguma coisa, estais aqui para explorar. Quando amamos, realmente, uns aos outros, a comunhão é instantânea. Então não importa mais que vós tenhais alcançado a realidade e eu não, ou que estejais num plano superior ou inferior. Como nossos corações estão murchos, Deus se tornou extraordinariamente importante. Isto é, desejais conhecer a Deus, porque perdestes a melodia do vosso coração, e saís atrás do cantor, pedindo-lhe que vos ensine a cantar. Ele poderá ensinar-vos a técnica, mas a técnica não conduz à criação. Não sois músico pelo simples fato de saberdes cantar. Podeis conhecer todos os passos de uma dança, mas se não há criação no vosso coração, estais apenas funcionando como máquinas. Não podeis amar, se vosso fim é unicamente alcançar um resultado. Não existe aquilo que chamamos ideal, que é apenas um alvo para ser alcançado. A beleza não é objeto que se alcance; ela é a realidade, agora, não amanhã. Quando há amor, compreende-se o desconhecido, sabe-se o que é Deus, e não se precisa de ninguém para ensiná-lo. Esta é a beleza do amor. Ele é, em si, a eternidade. Como não temos amor, queremos que alguém, ou Deus, no-lo dê. Se amássemos deveras, sabemos como seria diferente este mundo? Seríamos verdadeiramente felizes. Por conseguinte, não colocaríamos nossa felicidade em coisas, na família, em ideais. Seríamos felizes e, conseqúentemente, as coisas, as pessoas e os ideais, não dominariam nossas vidas. Tudo isso é secundário. Porque não amamos e porque não somos felizes, pomos nosso interesse nas coisas, pensando que elas nos trarão a felicidade, e uma das coisas em que pomos nosso interesse é Deus.
Desejais que eu vos diga o que é a realidade. Pode o indescritível ser posto em palavras? Pode-se medir o imensurável? Pode-se aprisionar o vento na mão? Se o fazeis, é o vento? Se medis o que é imensurável, é o imensurável? Se o formulais, é o real? Naturalmente que não, pois no momento em que descreveis algo que é indescritível, ele não é mais o indescritível. Do momento em que traduzis o incognoscível no conhecido, ele deixa de ser o incognoscível. Entretanto, é isso o que buscamos, sequiosamente. Queremos sempre saber, pois teremos então a possibilidade de continuar a existir, a possibilidade — assim pensamos — de conquistar a felicidade final, a permanência. Queremos saber por que não somos felizes, por que estamos lutando, insa-namente, por que estamos exaustos, degradados. No entanto, ao invés de reconhecermos o fato simples — que somos entes degradados, estúpidos, cansados, agitados — queremos fugir do conhecido para o desconhecido, que por sua vez se torna o conhecido; desse modo, nunca podemos achar a realidade.
Consequentemente, ao invés de perguntar quem atingiu o real ou o que é Deus, por que não aplicais toda a vossa atenção e vigilância ao que é? Encontrareis então o desconhecido, ou, melhor, ele virá ao vosso encontro. Se compreenderdes o que é conhecido, experimentareis aquele silêncio extraordinário, não provocado, não forçado, aquele vazio criador, no qual, e só nele, a realidade pode surgir. A realidade não pode vir àquele que está em "vir a ser", lutando; só pode vir àquele que está em ser, que compreende o que é. Vereis, pois, que a realidade não está ao longe; o desconhecido não está longe de nós; ele se acha em o que é. Assim como a solução de um problema se encontra no problema, assim também a realidade se encontra em o que é; se pudermos compreender o que é, conheceremos então a verdade.
É sobremodo difícil ter consciência da estupidez, da avidez, da malevolência, ambição, etc. O fato mesmo de estar cônscio do que é, é a verdade. O que nos liberta é a verdade, e não a luta para ser livre. A realidade, pois, não está distante de nós, mas nós a colocamos a distância, porque desejamos que ela nos sirva de continuidade pessoal. Ela está aqui, agora, imediatamente. O eterno, ou o atemporal, existe agora, e o agora não pode ser compreendido pelo homem que está aprisionado na rede do tempo. Para libertar o pensamento do tempo, é preciso ação; a mente porém, que é indolente, preguiçosa, cria sempre novos empecilhos. Essa libertação só é possível pela meditação correta, que significa ação completa — não ação contínua, e a ação completa só pode ser compreendida pela mente que compreende o processo da continuidade, que é memória — não a memória fatual, mas a memória psicológica. Enquanto funcionar a memória, a mente não poderá compreender o que é. Nossa mente, entretanto, o nosso ser total, se torna extraordinariamente criador, passivamente vigilante, ao ser compreendida a significação do findar, porque no findar há renovação, ao passo que na continuidade há morte, decomposição.
Krishnamurti
A Primeira e última liberdade
_____________________________________________________

Sobre a crença em Deus


Pergunta: A crença em Deus foi sempre poderoso incentivo para uma vida melhor. Por que negais a Deus? Por que não procurais reanimar a fé do homem na ideia de Deus?

krishnamurti: Consideremos este problema com amplitude e de maneira inteligente. Eu não nego Deus; seria absurdo fazê-lo. Só o homem que não conhece a realidade se entretém com palavras sem significação. O homem que diz que sabe, não sabe. O homem que conhece a realidade, momento por momento, não tem meios de comunicar essa realidade. A crença é negação da verdade, a crença é um obstáculo à verdade; crer em Deus não é achar a Deus. Nem o crente nem o descrente acharão a Deus. Porque a realidade é o desconhecido, e vossa crença ou descrença do desconhecido é simples autoprojeção, e por conseguinte não é real. Sei que credes e sei que isso tem muito pouca significação na vossa vida. Há muitas pessoas que crêem; milhões crêem em Deus e encontram consolo nisso. Em primeiro lugar, por que credes? Credes porque isso vos dá satisfação, consolo, esperança, e dizeis que essas coisas dão sentido à vida. Na realidade, vossa crença tem muito pouca significação, porque credes e explorais.
Credes e matais, credes em um Deus universal e vos assassinais mutuamente. O rico também crê em Deus; explora impiedosamente, acumula dinheiro, e depois manda construir uma igreja ou se torna filantropo.
Os homens que lançaram a bomba atómica sobre Hiroxima disseram que Deus os acompanhava; os que voavam da Inglaterra para destruir a Alemanha, diziam que Deus era seu co-pilôto. Os ditadores, os primeiros ministros, os generais, os presidentes, todos falam de Deus e têm fé imensa em Deus. Estão prestando algum serviço tornando melhor a vida do homem? As mesmas pessoas que dizem crer em Deus, devastaram a metade do mundo, e o deixaram em completa miséria. A intolerância religiosa, divi dindo os homens em fiéis e infiéis, conduz a guerras religiosas. Isso mostra nosso estranho senso político.
A crença em Deus é "poderoso incentivo para uma vida me lhor" ? Por que precisais de um incentivo para viver melhor? Ora, por certo, vosso incentivo deve ser vosso próprio desejo de viver com pureza e simplicidade, não achais? Se conferis tanta im portância ao incentivo, não estais interessado em tornar a vida possível para todos: estais interessado unicamente no vosso in­centivo, que é diferente do meu incentivo — e brigaremos por causa dos nossos incentivos. Se vivemos felizes e unidos, não porque cremos em Deus, mas porque somos humanos, comparti lharemos os diferentes meios de produção, a fim de produzirmos, para todos, as coisas necessárias. Em virtude da nossa falta de inteligência, aceitamos a ideia de uma superinteligênda, a que chamamos Deus; mas esse Deus, essa superinteligência, não nos dará uma vida melhor. O que conduz a uma vida melhor é a Inteligência; e não pode haver inteligência se há crenças, se há divisões de classes, se os meios de produção se encontram nas mãos de poucos, se há nacionalidades isoladas e governos sobera nos. Tudo isso indica, por certo, evidente falta de inteligência, e é isso que nos está privando de uma vida melhor, e não a falta de crença em Deus.
Todos vós credes, de diferentes maneiras, mas vossa crença não tem realidade alguma. A realidade é o que sois, o que fazeis, o que pensais, e vossa crença em Deus é apenas uma fuga do vosso viver monótono, estúpido, e cruel. Além disso, a crença, invariavelmente, separa os homens: temos o hinduísta, o budista, o cristão, o comunista, o capitalista, etc. A crença, a ideia, divide, não une os homens. Será possível unir certo número de pessoas em um grupo, mas este grupo se oporá a outro grupo. Ideias e crenças nunca são unificadoras, ao contrário, são fatôres de desavença, desintegração e ruína. Por conseguinte, vossa crença em Deus só está, na verdade, espalhando misérias pelo mundo. Ainda que vos tenha trazido momentâneo conforto, na realidade ela trouxe mais sofrimentos e mais destruição, sob a forma de guerras, fome, divi sões de classe, e as crueldades de certos indivíduos. Vossa crença, pois, é sem eficácia. Se deveras crêsseis em Deus, se isso fosse uma experiência real, vossos semblantes irradiariam afeto, e não estaríeis destruindo vossos semelhantes.
Mas, que é a realidade, que é Deus? Deus não é a palavra; a palavra não é a coisa. Para conhecer aquilo que é imensurável, independente do tempo, a mente deve estar livre do tempo, o que significa que deve estar livre de todo pensamento, de todas as ideias relativas a Deus. Que sabeis de Deus ou da verdade? De fato nada sabeis daquela realidade. O que conheceis são só pala vras, experiências de outrem, ou alguns momentos de experiências um tanto vagas, de vós mesmos. Isso, naturalmente, não é Deus, não é a realidade, não está fora da esfera do tempo. Para conhecer o que está além do tempo, é preciso compreender o processo do tempo, sendo o tempo pensamento, processo de "vir a ser", acumu lação de conhecimentos. Aí está todo o fundo que constitui a mente; a mente, ela própria, é o fundo, consciente e inconsci entemente, coletiva e individualmente. A mente, por conseguinte, deve estar livre do conhecido, o que significa que deve estar de todo silenciosa, sem ter sido posta em silêncio. A mente que alcança o silêncio como resultado, como consequência de determinada ação, exercício, disciplina, não é mente silenciosa. A mente que é cons trangida, controlada, moldada, posta numa forma e obrigada a ficar quieta, não é mente tranquila. Podeis conseguir, por certo período de tempo, forçar a mente a um silêncio superficial, mas essa mente não é tranquila. A tranquidade só pode vir quando se compreende todo o processo de pensamento, porque, compre ender o processo é pôr-lhe fim, e o fim do processo de pensamento é o começo do silêncio.
Só quando a mente se acha em silêncio completo, não só na superfície, mas no fundo, de ponta a ponta, tanto nos níveis su perficiais como nos níveis mais profundos da consciência — só então pode o desconhecido manifestar-se na existência. O desconhecido não é passível de ser experimentado pela mente; só o silêncio pode ser experimentado; nada mais senão o silêncio. Se a mente experimenta algo que não seja silêncio, está apenas projetando seus próprios desejos e portanto não está em silêncio; enquanto a mente não está silenciosa, enquanto o pensamento, sob qualquer forma, consciente ou inconsciente, se acha em movimento, não pode haver silêncio. Silêncio é liberdade, é estar livre do passado, do saber, da memória, tanto consciente como inconsci ente. Quando a mente está silenciosa de todo, quando não está em uso, quando há o silêncio que não é produto de esforço, só então se manifesta o atemporal, o eterno. Esse estado não é um es tado de lembrança; não há nele entidade que se recorda, que ex perimenta.
Por consequência, Deus ou a verdade — ou como quiserdes chamá-lo — é algo que se manifesta de momento a momento, e isso só pode acontecer num estado de liberdade e espontaneidade, e não quando a mente foi disciplinada, de acordo com uma pa drão. Deus não é produto da mente, não é resultado de autoprojeção; só pode surgir quando há virtude, que é liberdade. Virtude é enfrentar o fato, o que é. E enfrentar o fato é um estado de bem-aventurança. Só quando a mente está repleta de felicidade, tranquila, imóvel, sem nenhuma projeção de pensamento, cons ciente ou inconsciente — só então se manifesta o Eterno.

Krishnamurti
A Primeira e Última Liberdade
_________________________________________________

Participe do nosso grupo no Facebook

Participe do nosso grupo no Facebook
Grupo Jiddu Krishnamurti
Related Posts with Thumbnails

Vídeos para nossa luz interior

This div will be replaced