terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

SOBRE A BUSCA DE SEGURANÇA

Krishnamurti
Do livro: Krishnamurti no Chile e no México em 1935 - ICK

PRIMEIRA PALESTRA EM SANTIAGO
Em 1 de Setembro de 1935.

Amigos.

Nossos problemas humanos exigem um pensar esclarecido, simples e direto. Talvez alguns dentre vós imaginem que por simplesmente escutarem umas poucas palestras que vou fazer, seus problemas ficarão resolvidos. É que vós desejais remédios imediatos para as vossas múltiplas dores e tristezas, desejais modificações superficiais que revolucionem o vosso pensamento, o vosso ser inteiro. Só existe um meio de encontrar a felicidade inteligente, que é o de vossa percepção e discernimento próprios; e só por meio da ação é que poder dissipar os múltiplos obstáculos que vos impedem o preenchimento. Si, por vós próprios, puderdes perceber, simples e diretamente, as limitações que vos impedem de um viver completo e profundo, e de como foram elas criadas, então, sereis capazes de as dissipar.

Eu vos pediria, ao me escutardes, que ultrapassásseis essa ilusão cômoda e confortável que fez dividir o pensamento em oriental e ocidental. A verdade sobrepuja todos os climas, povos e sistemas. Se bem que eu venha da Índia, o que digo não se acha condicionado pelo pensamento desse país. Preocupo-me com o sofrimento humano, que existe por todo o mundo. Peço-vos que não repudieis o que digo sob a alegação de que não é pratico e sim apenas uma certa forma de misticismo oriental. Eu vos pediria também que não pensásseis eivados de formulas, de sistemas, de frases feitas, porém, que libertásseis a mente desse fundo de idéias herdado de múltiplas gerações, e pensásseis de forma nova, direta e simplesmente. Por favor, não penseis que chamando-me anarquista, comunista ou dando-me qualquer outro nome que vos convenha, haveis compreendido o que eu disse. Temos que pensar por forma renovada, compreender o problema humano como um todo e, somente então, poderemos viver harmoniosa e inteligentemente. Onde houver verdadeiro preenchimento individual, haverá também verdadeiro bem estar do todo, da coletividade.

Si cada qual de vós puder ter plenitude, viver em completa harmonia — coisa que exige grande inteligência e não a persecução de desejos egoístas — então haverá o bem estar para o todo. Posto que necessitemos de uma completa revolução do pensamento e do desejo, deve ela ser a resultante da compreensão voluntária por parte do individuo e não a da compulsão.

Dado o fato de vós, em maioria, estardes interessados pela felicidade e pela consumação, e não terdes aqui vindo por simples curiosidade, se exatamente compreenderdes o que digo e agirdes, dar-se-á, então, o verdadeiro êxtase da vida.

Há intenso sofrimento por todo o mundo. Existe a fome em meio da abundancia. Há exploração das classes pelas classes, das mulheres pelos homens e dos homens pelas mulheres. Existe o absurdo do nacionalismo que mais não é que a expressão coletiva da busca egoísta da segurança.

Este caos é a expressão objetiva do sofrimento interno do homem. Subjetivamente, há a incerteza, o temor angustiante da morte, do ser incompleto, da vacuidade. Nossa ação no mundo subjetivo e no objetivo, nada mais é que a expressão do desejo egoísta da segurança. Assim, criou a mente múltiplos obstáculos, limitações, e enquanto não houvermos compreendido plena, integralmente, esses obstáculos, e voluntariamente nos libertado deles, não pode haver preenchimento.

Compreendendo e libertando-nos, individualmente, destas limitações, podemos criar a ação verdadeira, necessária e, por esse modo, modificar o ambiente. Muitas pessoas pensam que é preciso operar-se um movimento em massa afim de que o preenchimento individual venha a ter lugar. Porém, para criar um verdadeiro movimento em massa, temos que haver primeiramente completa revolução de pensamento e de desejo no individuo, isto é, em vós próprios. Para mim, esta mudança voluntária e individual é a verdadeira revolução. Ela tem que começar convosco, em vós, indivíduos, e não em uma vaga massa coletiva. Não vos deixeis hipnotizar pela frase “movimento em massa”. Cada individuo que se acha colhido pelo sofrimento, precisa mudar, precisa compreender a causa da sua tristeza e os obstáculos que em redor de si próprio criou. De nada serve o meramente buscar uma substituição, pois que isso de modo algum viria resolver os problemas e as angustias humanas. Isso seria apenas um falso ajuste a uma condição falsa. A maioria dentre vós, que busca uma substituição, está apenas se aferrando as suas finalidades egoístas.

Por favor, não digais no final desta palestra que eu não vos dei um sistema positivo.

Vou tentar explicar-vos como as vossas tristezas foram criadas; e quando, por vós mesmos, lhes houverdes discernido a causa então terá lugar uma ação direta, a única, que será positiva. Essa ação nascida da compreensão, da inteligência, não é a imitação de um sistema.

Cada individuo procura a segurança, subjetiva e objetiva. A busca subjetiva é a da certeza, de modo a poder a mente apegar-se a ela e não ser perturbada. A busca objetiva é a da segurança, a do poder e do bem estar.

Ora, o que acontece ao buscardes a segurança, a certeza? Necessariamente, haverá medo; e se fordes conscientes de vosso pensamento, discernireis que ele tem sua raiz no temor. A moral, a religião e as condições objetivas, acham-se fundamentalmente baseadas no medo, por serem a resultante do desejo, da parte do individuo, de sentir-se em segurança. Ainda que não alimenteis nenhuma crença religiosa, tendes, contudo, o desejo de vos sentirdes subjetivamente seguros, coisa que nada mais é do que espírito religioso. Compreendamos a estrutura daquilo a que chamamos religião.

Como disse, quando se busca segurança, há de haver medo; para vos certificardes subjetivamente buscais aquilo a que chamais imortalidade. Na busca dessa segurança, aceitais instrutores que vos prometem a imortalidade e chegais a admiti-los como autoridades a quem se deve temer e a quem se deve adorar. E onde houver este temor, tem que haver dogmas, credos, crenças, ideais e tradições que prendem a mente.

Aquilo a que chamais religião, nada mais é que uma forma organizada da auto-proteção individual para alcançar a segurança subjetiva. Para administrar esta autoridade baseada no temor, tem que haver sacerdotes que se tornam vossos exploradores. Sois vós os criadores dos exploradores, visto que, pelo medo, haveis criado a causa da exploração. A religião tornou-se uma crença organizada, uma forma cristalizada do pensamento, da moral, da opressão, do domínio. A religião cujo Deus é o medo — embora apliquemos palavras tais como amor, benignidade, fraternidade, para disfarçar esse medo profundo — nada mais é que a submissão subjetiva a um sistema que nos garante a segurança. Eu não falo de uma religião ideal. Falo da religião tal qual ela se encontra por todo o mundo, a religião da exploração, a religião do interesse rendoso.

Existe, depois, a busca objetiva da segurança, por meio do poder egoísta essencialmente baseado no temor e, portanto, na exploração. Se lançardes as vistas para o nosso sistema atual, verificareis ser ele nada mais que uma série de explorações astutas do homem pelo homem. A família torna-se o próprio centro de exploração. Peço-vos que não compreendais mal o que entendo por família. Por família entendo o centro que vos faz sentir seguros, que exige a exploração do vosso próximo. A família, que deveria ser a própria expressão do amor e não da exclusividade, torna-se um meio da auto-perpetuação egoísta. Daí desenvolvem-se classes, as superiores e as inferiores; e os meios de adquirir riqueza acumulam-se nas mãos de uns poucos. Vem, a seguir, a moléstia do nacionalismo, o nacionalismo como um meio de exploração e opressão. Esta perigosa doença do nacionalismo divide as pessoas, assim como as religiões também o fazem. Daí surgem os governos soberanos, cuja tarefa é preparar a guerra. As guerras não constituem uma necessidade; matar a outro ser humano, não é uma necessidade.

Assim, buscando a vossa própria segurança, haveis criado múltiplos obstáculos, de que sois integralmente inconscientes; e esses obstáculos não somente vos tornam em máquinas, como também vos impedem de serdes verdadeiros indivíduos. Quando vos tornais conscientes destas limitações, surge o conflito. E vós não desejais o conflito, desejais apenas a satisfação, a segurança e, por isso, esses obstáculos continuam a criar tumulto e tristeza. Vós, porém, só encontrareis verdadeira felicidade, plenitude, realidade, quando entrardes em conflito com os valores que agora oprimem e limitam a mente.

O examinar intelectualmente esses valores, não vos revela o seu verdadeiro significado. O mero exame intelectual não cria o conflito, é somente por meio do sofrimento que começais a compreender o seu significado profundo, oculto.

A maior parte das pessoas agem mecanicamente dentro de um sistema; portanto, é essencial que elas venham a ficar face a face com aqueles valores e obstáculos de que são inconscientes. Aí dá-se o despertar da verdadeira inteligência, a única que pode dar lugar á plenitude. Essa inteligência única revelará o eterno. Assim como o sol aparece límpido e brilha através das nuvens escuras, assim, através do vosso próprio discernimento e da pureza da vossa ação, advirá a realização daquela vida que está sempre se renovando a si mesma.

Krishnamurti – Do livro: Krishnamurti no Chile e no México em 1935 - ICK


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