domingo, 21 de novembro de 2010

Viver sem temor

O MEDO é a própria natureza do "eu" porque o "eu" se vê continuamente ameaçado, de diferentes maneiras, principalmente nas grandes crises; e como vivemos cheios de medo e não encontramos outra solução, pomo-nos em fuga por caminhos diversos, ou corremos para os lideres políticos, ou religiosos. Este problema não pode ser resolvido por nenhum líder e por nenhum dogma. Não há exercito, nação ou idéia que possa trazer a paz ao mundo. Quando cada um de nós for capaz de compreender a si mesmo como um processo total - não meramente o problema econômico ou o problema das massas, mas o processo integral de nós mesmos, como indivíduos - então, na compreensão desses processos, surgirá a paz. Só então poderá haver segurança. Se pusermos, porém, em primeiro lugar a segurança, se a consideramos como coisa mais importante da vida, nesse caso nunca haverá paz; só escuridão e temor.

SE puderdes, simplesmente, estar cônscio de que vos servis do percebimento, como uma moeda, para comprar alguma coisa, e prosseguirdes deste ponto de partida, começareis então a descobrir todo o processo do vosso pensar, do vosso ser, nas relações da existência.

Se uma pessoa sabe que a verdade não pode ser achada por intermédio de ninguém, de nenhum livro, de nenhuma religião; que a Realidade só se torna existente quando a mente está de todo tranqüila; que a tranqüilidade só pode vir com o autoconhecimento, e que o autoconhecimento não lhe pode ser dado por ninguém mas tem de ser descoberto por ela própria, momento por momento -- então, por certo, aparece uma tranqüilidade mental, que não é morte, mas uma paz realmente criadora, e só então pode surgir o Eterno.
SE a mente está em busca de uma segurança qualquer, oferecida por um líder, uma determinada maneira de viver, uma determinada nacionalidade ou grupo, essa mente só pode criar confusão no mundo, e mais sofrimento, conforme se está vendo na hora atual. Importa, pois, cada um de nós descubra, por si mesmo, o que é, mediante o abandono da autoridade, o que é extremamente difícil; e a percepção do que é, o descobrimento do que é, será o processo libertador. Como sabeis, porém, quase todos nós temos medo de ficar desprotegidos, completamente sós, e por isso cada um se esquiva a ser um ente emancipado, capaz de descobrir as coisas por si mesmo.

ACHO importante que cada um de nós não fique meramente escutando palavras, mas que vá ao mesmo tempo experimentando realmente as coisas sobre que vamos discorrendo; e, também, as palavras devem exprimir a sua verdadeira significação, sem resistência da nossa parte. Em geral, ouvimos uma conferência e nos vamos, sem termos experimentado diretamente o que se disse; e seria uma lástima se estivésseis simplesmente escutando, sem experimentar. Mas, se pudermos sentir realmente, como experiência, o que estamos ouvindo, é provável então que se realize aquela transformação essencial, tão evidentemente necessária nesta época de crise mundial.

Não creio em idéias, porque as idéias podem ser enfrentadas com outras idéias, resultando daí mera argumentação, refutação, ou aceitação. Se estamos apenas a escutar idéias, a acumular novas formas de conhecimento, ou a adquirir uma determinada capacidade técnica, estamos, com efeito, cuidando de coisas sem nenhuma eficácia para enfrentar a vida. O que é necessário, ao meu ver, que sejamos capazes de viver neste mundo insano e confuso, com confiança, com clareza e simplicidade, enfrentando a vida tal como se nos apresenta, sem nenhum pensamento relativo ao amanhã. Isto é dificílimo, pois, nós, em geral vivemos num mundo de idéias - e as idéias são conhecimento, experiência, tradição. São-nos as idéia sumamente importantes, guiando-nos a vida, moldando-nos o pensar e a ação futura, e por isso nunca vivemos uma vida completa, porque o passado está sempre a projetar sobre nós a sua sombra. Ora, sem dúvida, o importante não é que se opere uma mudança em que seja continuado, sob forma diferente, o que já existe; mas, sim, que se opere uma revolução total do nosso pensar, o que significa que devemos abandonar as coisas que conhecemos, para ficarmos em estado de correspondência com o desconhecido.

A mim, me parece, quase todos nos achamos numa confusão extrema, porque estamos rodeados de tantas idéias novas, tantas influências, tantos instrutores a nos dizerem o que devemos fazer, o padrão de vida, a filosofia, a doutrina que devemos seguir; ou, quando tudo isso não produz os resultados desejados, retornamos ao velho, ao tradicional. Dentre essa multidão de influências e idéias contraditórias e confusas, somos forçados a escolher e seguir o que pensamos ser a Verdade; mas na própria ação de seguirmos o que consideramos ser a Verdade, há também confusão. Se considerarmos as nossas vidas com muita atenção e seriedade, veremos que estamos confusos. Acho muito importante começarmos daí, e não que busquemos a claridade. A mente confusa não pode achar a claridade, porque tudo o que ela encontrar será também confuso.

Afinal, vós e eu estamos interessados em descobrir que é verdadeiro, e esse descobrimento pode produzir uma revolução, uma libertação no nosso pensar, no nosso ser; mas não pode realizar-se esse descobrimento, essa libertação, enquanto não soubermos, o que realmente somos - não o que desejamos ser, mas o que é. É-nos dificílimo, à maioria de nós, aceitar o que é, ver o que de fato somos. Desejamos modificar o que somos, e com esse desejo, com esse impulso, nos pomos a considerar o estado relativo ao que somos. Por isso, nunca vemos o que realmente somos.

Penso ser esta a verdadeira base para revolução ou o descobrimento do que é verdadeiro: sabermos exatamente o que somos, conhecermos verdadeiramente o que é, sem nenhuma modificação, julgamento, nenhuma tentativa para alterá-lo ou moldá-lo. O que é não é um estado permanente, e, sim, um movimento constante, pois nunca somos os mesmos de momento em momento, e para se descobrir o que é verdadeiro, é essencial percebermos o que somos de momento em momento.

É importante, pois, percebermos o que somos, não achais? E, se observarmos bem, veremos que somos entes humanos confusos. Somos infelizes. Estamos presos nas redes de inumeráveis crenças e experiências. Andamos sempre à procura de alguma autoridade, para que ela nos indique a direção correta, a ação correta, que nos levará à realização futura de alguma esperança, alguma felicidade, alguma tranqüilidade. Se estamos confusos, a própria busca com o fim de acharmos a Realidade, a Verdade, a felicidade, a luz, só nos levará a uma confusão maior. Este é um evidente fato psicológico, não? Se minha mente está confusa, qualquer ação, qualquer decisão, qualquer livro, qualquer instrutor que eu siga ou qualquer disciplina que imponha a mim mesmo, estará sempre dentro da esfera da confusão. Isto é dificílimo de aceitar, para a maioria de nós. Vendo-me confuso, digo: "Se eu encontrar o verdadeiro instrutor, o verdadeiro método, a verdadeira disciplina; se eu compreender - isso me ajudará a evolver, crescer, mudar, transformar". A mente confusa, porém, qualquer que seja a sua ação, há de estar sempre confusa. Toda decisão que tomar estará ainda na área da confusão. Sendo esse estado de confusão, a realidade, o fato real, creio não devemos meramente reconhecê-lo intelectual ou verbalmente, mas, sim, experimentar realmente o estado de confusão, e daí prosseguirmos, observando o inteiro "processo" pelo qual a mente que está em confusão busca socorro.
Afinal, esta é a razão por que a maioria de vós aqui estai, não é verdade? Os mais de vós estais aqui, porque desejais ser ensinados, ou estimulados, ou para ver confirmadas as vossas próprias experiências pessoais. Quereis ser ajudados. Talvez outros Mestres, outros livros, outros filósofos não tenham correspondido às vossas expectativas, e por isso recorreis a uma nova pessoa; mas essa mente que está buscando, é ainda a mesma mente confusa, e a mente que está confusa jamais pode compreender o que se lhe põe à frente. Ela traduzirá tudo o que vê de acordo com as suas idiossincrasias, seu especial padrão de pensamento, ou suas próprias experiências. Por conseguinte, é incapaz da verdadeira percepção.

Seja-me, pois, permitido lembrar quanto é importante saber escutar. São incapazes as nossas mentes de escutar, porque estão sempre traduzindo, justificando, condenando, aceitando ou rejeitando alguma coisa. Ora, qualquer atividade de tal ordem não é escutar. Se observardes vossa mente - o que espero façais, durante as palestras que vamos realizar aqui - vereis quanto é difícil escutar. Vossos conhecimentos, vossas experiências, vossos preconceitos, vossas apreensões pelo que chamais "o padrão de vida americano", vosso medo ao comunismo, etc. - tudo isso vos está impedindo de escutar não só ao que digo, mas também às coisas da vida. O que importa é que escuteis pela maneira correta, não só a mim, mas a todas as coisas, porque a vida é tudo e se acha num movimento constante. Se escutais parcialmente, com um determinado preconceito ou tendência, se escutais como capitalista, comunista, socialista, ou membro de alguma religião, ou sabe Deus o que mais, então, evidentemente, só estais escutando o que desejais escutar e, por conseguinte, não há libertação, não há compreensão do novo, o rompimento de todas as cadeias, a revolução completa, que se mostra tão essencial. Sem dúvida, só quando a mente se acha num estado de correspondência com o desconhecido, pode haver a ação criadora da Realidade; entretanto, a mente que está sempre presa no campo do conhecido, não tem nenhuma possibilidade de transformar-se, de operar a própria transformação e descobrir, assim, um novo significado da vida.

Não é, pois, importante que, desde o começo, nestas nossas palestras, saibamos escutar? Creio, o problema fica resolvido inteiramente, quando sabemos escutar, não só ao que se está dizendo, mas a todas as sugestões, todos os impulsos inconscientes, todas as influências, as palavras do amigo, da esposa, do marido, do político, do jornal. Se sabeis escutar, esse escutar é então, em si, uma ação completa. Acho importante compreender isso, e por essa razão me permito frisar este ponto, pois não vou oferecer-vos idéias novas. As idéias não são importantes, absolutamente. Pode-se ter idéias, novas, ou escutar algo nunca ouvido antes; o importante, porém, é a maneira de escutar, não só a idéias ou algo novo, mas a todas as coisas, pois, quando sabemos escutar, esse próprio ato de escutar é uma libertação.

Se realmente experimentardes o que estou dizendo, descobrireis por vós mesmos a verdade respectiva. A mente que é capaz de escutar sem traduzir, sem interpor suas próprias idéias, experiências, conhecimentos ou desejos, é, sem dúvida, uma mente tranqüila, uma mente serena. Só quando a mente está tranqüila o novo pode verificar-se, sendo o novo o Eterno, ou que nome lhe queirais dar - o que é sem importância. Como sabeis, porém, nós, em geral, temos inumeráveis idéias, desejos e ânsias, e por esta razão nunca há um momento em que a mente esteja realmente tranqüila.

Parece-me, por conseguinte, que, o que mais importa em todas as palestras que se vão realizar aqui, neste e no próximo "fim de semana", é que se saiba a arte de escutar, e só sereis conhecedores dessa arte na observação das vossas reações ao que se diz; pois tereis reações, não podeis deixar de tê-las. A mente deve conhecer as suas reações e ao mesmo tempo ser capaz de ultrapassá-las, para que elas não constituam empecilho a novos descobrimentos.

Como estamos confusos, desejamos, os mais de nós, achar uma saída desta confusão. Apelamos para os livros, apelamos para os líderes, procuramos uma autoridade política ou religiosa, ou a autoridade de um especialista qualquer, para ajudar-nos a clarificar o pensamento. Não é isso o que cada um de nós está tentando fazer? Queremos encontrar alguém que nos ajude a sair da confusão, da frustração, do sofrimento e agitação, e por isso procuramos a autoridade. Mas, não é justamente essa autoridade a causa da nossa confusão? E não é importante que nos emancipemos de toda e qualquer autoridade? Afinal de contas, a mente busca a autoridade, sob diferentes formas, com o fim de se pôr em segurança. É o que queremos: encontrar um refúgio, onde estejamos em segurança, de não sejamos perturbados; porque, para a maioria de nós o pensar é uma coisa dolorosa e toda ação traz a sua respectiva confusão, seu sofrimento respectivo. Sabedores disso, cônscios disso, procuramos a autoridade, para termos proteção. Pode não ser a autoridade de uma pessoa, mas a autoridade de uma idéia.

Daí atenção a isso; não o rejeiteis. Podeis perguntar: "a autoridade do policial, a autoridade do Governo etc., não são coisas essenciais?" - mas, se compreendermos o verdadeiro significado da criação da autoridade, como se gera a autoridade em cada um de nós, compreenderemos a autoridade em todas as suas minúcias, e ficaremos livres dela.

Ora bem, o mundo se está fracionando em autoridades de vária espécie, da esquerda e da direita, em vários grupos políticos opressivos, todos apoiados na sanção de algum livro, algum instrutor, alguma idéia. E é possível a cada um de nós libertar-se de qualquer espécie de autoridade, não só da autoridade externa, mas também da autoridade interna da experiência, do saber? Pode-se descobrir o que é verdadeiro, sem ser através de outra pessoa, mas diretamente por nós mesmos, de modo que não haja mais mestres nem discípulos? Parece-me que isso é que é necessário, não só atualmente, mas em todos os tempos.

Se a mente está em busca de uma segurança qualquer, oferecida por um líder, uma determinada maneira de viver, uma determinada nacionalidade ou grupo, essa mente só pode criar confusão no mundo, e mais sofrimentos, conforme se está vendo na hora atual. Importa, pois, cada um de nós descubra, por si mesmo, o que é, mediante o abandono da autoridade, o que é extremamente difícil; e a percepção do que é, o descobrimento do que é, será o processo libertador. Como sabeis, porém, quase todos nós temos medo de ficar desprotegidos, completamente sós, e por isso cada um se esquiva a ser um ente emancipado, capaz de descobrir as coisas por si mesmo.
Se não for bem compreendido isso, acho que saireis daqui desiludidos, porque o que digo não é novo: novo será o vosso descobrimento das coisas a que estou aludindo. Não é importante estabelecer-se uma nova maneira de pensar? Não é importante que descubrais por vós mesmos a maneira de viver neste mundo agressivo, brutal e extraordinariamente confuso? E pode alguém ensinar-vos a viver, mostrar-vos o padrão de ação que deveis adotar, ou o líder ou grupo que deveis seguir, a crença que deveis abraçar? Todas estas coisas são infantis em extremo, quando nos achamos em presença desta crise sem precedentes. Esta crise foi provocada pelos líderes e fomos nós que criamos os líderes - sendo os lideres a materialização de uma determinada idéia ou crença, religiosa ou econômica.

Não achais, pois, que muito importa a cada um de nós libertar a sua mente, de todo, da idéia da autoridade? - o que significa, realmente, se penetrarmos bem, libertá-la do seu apreço ao saber, de modo que nossa mente seja nova, fresca, e possa funcionar de maneira completamente nova.

Ora, confiamos demais no saber. O homem que escreve um livro sobre a mente ou que disserta a respeito da mente, aceitamo-lo como autoridade. Damos um nome ao seu pensamento, e o esposamos. Nunca nos pomos a investigar o inteiro processo do nosso pensar, para o descobrirmos por nós mesmos. E é por isso que temos tantos líderes, cada um fazendo valer a sua autoridade, e nos dominando. E pode alguém lançar fora tudo isso e descobrir as coisas por si mesmo? Porque, é, bem de ver, o saber é um obstáculo à compreensão. Se um homem deseja construir uma ponte, para isso ele necessita, naturalmente, de saber, necessita de uma certa capacidade técnica. Mas, pode-se ter de antemão o conhecimento, isto é, a compreensão, de uma coisa viva? O que chamais "eu" é uma coisa viva, da qual não se pode ter conhecimento prévio. Pode-se ter experiências a ele relativas, ou conhecer o que outros disseram a seu respeito, mas se um de nós se põe a examinar a si mesmo, com um conhecimento prévio, nunca descobrirá o que é realmente. Quem tem inclinações religiosas, diz: "eu sou o Eterno, sou filho de Deus" etc.; e quem não as tem, assegura que o "eu" é, apenas o resultado da natureza ambiente.

Sempre nos aplicamos a uma coisa armados de saber, armados de conclusões já formadas, e com esses padrões de pensamento atravessamos a existência; o saber, por conseguinte, se torna um obstáculo ao descobrimento da Verdade. Se desejo conhecer a verdade a respeito de mim mesmo, tenho de descobrir a mim mesmo, a cada minuto, exatamente como sou, e não como fui ou como desejo ser. Prestai atenção a isto, porque se anda escrevendo livros e mais livros, conferências e mais conferências se realizam, e o resultado é que tudo isso, e mais o rádio, a televisão, os jornais, os discursos políticos, os instrutores - tudo vos está condicionando, moldando por um certo padrão, e com, esse condicionamento quereis descobrir o que é verdadeiro. Condicionamento é conhecimento, tradição, o que já foi, o passado, tanto o passado de ontem como o passado de há mil anos. Tal é a nossa mente, e com esta mente queremos descobrir o que é verdadeiro. Ora, para se descobrir o que é verdadeiro, temos de estar livres de condicionamento, nosso condicionamento de americanos ou russos, católicos ou protestantes, artistas ou poetas; temos de estar livres do condicionamento inerente a uma determinada capacidade, porquanto a identificação com uma capacidade produz orgulho.

Assim, pois, a mente que quer descobrir o que é verdadeiro, tem de estar livre do saber. Se observardes, porém, vereis que vossa mente está sempre a acumular conhecimentos, a armazenar conhecimentos; toda experiência se torna mais um reforço ao saber. Nossas mentes nunca estão livres, para serem tranqüilas, porque estão repletas de conhecimentos, de saber. Sabemos demais, mas em verdade nada sabemos sobre coisa alguma, e com essa imensa carga às costas, queremos ser livres. Mas o fato é que não estamos cônscios disso; e se nos tornamos cônscios, resistimos, por acharmos que o saber é essencial à libertação. Ora, por certo, o saber é um empecilho, um obstáculo ao descobrimento do que é verdadeiro. A Verdade tem de ser uma coisa viva, totalmente nova a cada segundo, e como pode a mente que acumula saber, conhecimentos, compreender o que é desconhecido? Chamai-o Deus, chamai-o a Verdade, ou como quiserdes - mas não podeis procurar o desconhecido, porque se o procurais, isso significa que já o conheceis; e conhecê-lo é negá-lo.

Prestai atenção a tudo isso. Todas as religiões se baseiam na idéia do saber, do experimentar, do crer, e, assim, desde a meninice somos condicionados para crer. Já temos conhecimento prévio, e adoramos isso que já conhecemos. Sempre nos assusta o desconhecido. O desconhecido pode ser a morte, pode ser o amanhã. A mente que está "vivendo com o conhecido" nunca pode achar-se num estado de revolução, jamais pode produzir aquele estado que a torna acessível à Verdade.

Nossa principal incumbência, pois, não é a de procurarmos Deus ou a Verdade, porquanto quando o procuramos já o destruímos. Procuramos uma coisa que desejamos, uma coisa que nos dê prazer e satisfação - o que, com efeito, significa a "projeção" dos nossos desejos no futuro. Projetamos o nosso próprio passado no amanhã, e no amanhã estamos adorando o passado.

Se desejais realmente compreender o que digo, escutai-o sem fazer esforço para libertar a mente do passado; escutai-o, simplesmente, e vede como a mente é o resultado do passado, não só a mente consciente, mas também a inconsciente, a mente que está sempre a funcionar, quer estejamos acordados, quer estejamos dormindo. As muitas camadas do inconsciente, os ocultos temores, impulsos, "motivos", obstáculos - tudo isso é resultado do passado, como o é a mente consciente, que luta com o imediato.

Se, quando escutais tudo isso, fazeis algum esforço, isto é ainda resultado do conhecido. Quase todos nós vivemos pela ação da vontade, não é exato? Para nós, a vontade é muito importante, isto é, a vontade de ser ou de "vir a ser". A vontade de "vir a ser", de ser, é ação do conhecido, não é verdade? Por conseguinte, a ação da vontade não pode encontrar nunca o que é real. Notai que todo conhecimento, toda experiência fortalece a vontade, o conhecido, o "eu", o "ego", e que essa vontade, esse "eu" nunca pode perceber claramente o que é verdadeiro, jamais achar Deus, por mais que o tente, porque o seu Deus é o conhecido. Só quando o espírito se encontra num estado de correspondência com o desconhecido, só então há a possibilidade de criação, que é a Verdade.

Não estamos falando a respeito de ajustamento a um dado padrão de pensamento, aceitação de uma dada crença, ou adesão a um determinado grupo, mas sim de uma revolução total, que só é possível quando a mente se acha inteiramente tranqüila. Vem essa revolução quando compreendemos o "modo de ser" do "eu". Só com o autoconhecimento pode vir a verdadeira tranqüilidade da mente. Sem o autoconhecimento, a tranqüilidade da mente é pura ilusão, uma conveniência, uma coisa arranjada pela mente, para sua própria segurança. E numa tranqüilidade dessa ordem, nunca é a mente capaz de perceber, de conhecer ou receber o desconhecido.

Nessas condições, como iremos discorrer sobre estas coisas durante as palestras vindouras, o que é sempre importante é saber escutar; e não podeis escutar se se estabelecer uma discussão entre vós e mim. Se pertenceis a alguma sociedade, algum grupo, alguma religião, se aceitais alguma crença, sois incapazes de escutar, pois a vossa mente já está condicionada. A mente condicionada não pode escutar; não é livre para escutar. Mas se fordes capazes de escutar de maneira total, creio se verificará então uma revolução fundamental, não produzida por nenhuma ação do "eu", a qual por conseguinte será uma verdadeira transformação. Este é o nosso único problema: como operar uma completa transformação em nós mesmos, e não mero ajustamento a uma determinada sociedade, o que é infantil. É falta de madureza desejarmos ajustar-nos a uma determinada sociedade, porque a sociedade é criada por influências ambientes e o simples ajustar-se a um determinado modelo de sociedade não é liberdade.

O que é necessário, assim me parece, é a transformação fundamental, não resultante de volição nem da ação de qualquer autoridade, mas que só vem quando compreendemos o processo total do nosso ser. Conhecer a nós mesmos, tal como somos, ver-nos tão claramente como vemos os nossos rostos num espelho, sem desfiguração, tal é o começo da Verdade. Requer isso muito percebimento, um percebimento sem escolha nenhuma. No momento em que começamos a escolher, já estamos agindo de acordo com o nosso condicionamento. Mas o saberdes que estais agindo de acordo com o vosso condicionamento e o perceberdes a verdade a esse respeito, isso já é o começo daquele percebimento em que não há escolha.

Tudo isso cada um pode observar em si mesmo. Não se precisa procurar nenhum filósofo, nenhum instrutor, nem pertencer a nenhum grupo. Os vários grupos a que pertenceis, vos fazem limitados, confusos, e estão em contradição uns com os outros, criando animosidade, embora falem de fraternidade. Se uma pessoa sabe que a verdade não pode ser achada por intermédio de ninguém, de nenhum livro, de nenhuma religião; que a Realidade só se torna existente quando a mente está de todo tranqüila; que a tranqüilidade só pode vir com o autoconhecimento, e que o autoconhecimento não lhe pode ser dado por ninguém mas tem de ser descoberto por ela própria, momento por momento - então, por certo, aparece uma tranqüilidade mental, que não é morte, mas uma paz realmente criadora, e só então pode surgir o Eterno.

"Você não pode mais pensar como cristãos, budistas, hindus, e muçulmanos. Nós estamos enfrentando uma crise tremenda que os políticos nunca podem resolver porque eles são programados para pensar em um modo particular. Nem pode os cientistas entender ou resolver a crise; nem ainda o mundo de negócios, o mundo de dinheiro. O ponto decisivo, a decisão perceptiva, o desafio, não está na política, na religião, no mundo científico. Está em nossa consciência".

Krishnamurti
Conferências realizadas, em Nova York, USA em 22 de maio de 1954.

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