Como cristãos vocês foram criados no seio de uma igreja erigida pelo homem há cerca de dois mil anos, com seus padres, seus dogmas e rituais. Na infância foram batizados e quando cresceram lhes foi dito em que acreditar; vocês passaram por todo esse processo de condicionamento, de lavagem cerebral. A pressão dessa religião propagandista é, obviamente, muito forte, sobretudo porque ela é bem organizada e apta a exercer influência psicológica através da educação, de adoração de imagens, do medo, e capaz de condicionar a mente de incontáveis maneiras.
(…) A mentalidade religiosa não é a mentalidade hindu (…) cristã (…) budista, muçulmana.
(…) A mente religiosa é completamente só. Ela já compreendeu a falsidade das igrejas, dos dogmas, das crenças, das tradições. (…) É explosiva, nova, fresca, sã. A mente sã, jovem, é extraordinariamente maleável, sutil, não tem âncora. Somente ela pode descobrir o que se chama “Deus”, o que é imensurável.
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O Deus por vós inventado não é Deus. A coisa feita pela mão, a imagem do templo, não é Deus, e também a coisa “feita” por vosso pensamento não é Deus. E é disso que viveis: da imagem feita pela mão ou pela mente.
Eu nunca disse que não há Deus. Tenho dito muito claramente. Para descobrir se há ou não há Deus, é necessário abolir, apagar da mente todo e qualquer conceito relativo a Deus. (…) precisais apagar da mente todas as “informações” que tendes a respeito de Deus.
Minha doutrina difere (…). Eu nunca disse que não há Deus. O que eu disse é que só existe Deus conforme se manifesta em cada um de nós, e que, quando houverdes purificado aquilo que está dentro de vós mesmos, achareis a Verdade. É claro que Deus existe; mas não vou empregar a palavra Deus, porquanto ela assumiu um significado muito especial e estreito.
Senhores, Deus não é uma coisa que se pode adquirir como se adquire (…) uma virtude. É algo incomparável, atemporal, inimaginável, inefável: não podeis ir a Ele. Ele deve vir a vós, e tão somente quando o vosso espírito não mais está buscando. (…) Quando a mente já não compara, não adquire - só a essa mente que está tranqüila pode a Realidade manifestar-se; (…). Tereis (…) a mente que já não compara, já não adquire, a mente que ingressou num “estado de ser” - e nesse ser a Realidade penetra.
Conseqüentemente, em vez de perguntar quem atingiu o real ou o que é Deus, por que não aplicais toda a vossa atenção e vigilância ao que é? Encontrareis então o desconhecido, ou, melhor, ele virá ao vosso encontro. Se compreenderdes o que é conhecido, experimentareis aquele silêncio extraordinário, não provocado, não forçado, aquele vazio criador, no qual, e só nele, a realidade pode surgir. (…)
Vereis, pois, que a realidade não está longe; o desconhecido não está longe de nós; ele se acha em o que é. Assim como a solução de um problema se encontra no problema, assim também a realidade se encontra em o que é; se podemos compreendê-lo, conheceremos então a verdade.
Pode-se, pois, descobrir o que é criação, ou Deus (…)? (…) A criação liberta a mente da mediocridade e da deterioração. E se é este o estado que procuro, necessito de visão muito clara, a fim de não criar ilusão e de libertar a mente para o verdadeiro descobrir; o que significa que ela, a mente, deve achar-se totalmente tranqüila, para descobrir. Porque o estado criador não pode ser chamado; ele tem de vir por si. Deus não pode ser chamado: ele deve vir. Mas não virá se a mente não for livre. (…)
Para mim há Deus, uma vivente, eterna realidade. Mas essa realidade não pode ser descrita; cada um precisa realizá-la por si. Quem quer que procure imaginar o que é Deus, (…) a verdade, apenas está procurando uma fuga, um abrigo da rotina diária do conflito.
Cuidado com o homem que tenta descrever essa vivente realidade; ela não pode ser descrita, tem de ser experimentada, vivida.
Se uma vez houverdes entrado, houverdes respirado a frescura, a serenidade, a tranqüilidade desse Reino, então aquelas coisas que são reais, (…) o fôlego da vida (…) nunca poderão ser esquecidas. (…) Somente então é que podeis saber que não estais seguindo cegamente as pegadas de outrem; somente então é que estais seguindo o Absoluto, o Eterno. Somente então sereis uno com Aquele que tem o seu ser em todas as coisas. (…)
Nada há de sagrado no templo, na mesquita, nas igrejas. É tudo invenção do pensamento.
Aquilo que é sagrado não tem divisão alguma, não separa um indivíduo como cristão, outro como hindu, budista, muçulmano. O que o pensamento há produzido pertence ao tempo, é fragmentário, não é total e, por conseguinte, não é santo; ainda que vocês adorem uma imagem na cruz, isso não é sagrado; tem sido revestido de santidade pelo pensamento; o mesmo sucede com as imagens criadas pelos hindus, budistas e assim sucessivamente.
Para mim, a palavra "sagrado" tem extraordinária significação. Mas não quero fazer propaganda desta palavra. Tendes de percorrer sozinho esse caminho, não verbalmente, porém realmente. E, quando não houver mais ciúme, nem inveja, nem a tortura do desespero, sabereis então o que é o amor e vos encontrareis com aquilo que pode ser chamado o Sagrado.
Um grande rio pode poluir-se quando, em seu curso, atravessa uma cidade, mas, se não for demasiada a poluição, poucas milhas além as suas águas estão de novo limpas, frescas, puras. De modo idêntico, depois que a mente se encontra com o Sagrado, todo ato seu é então um ato purificador. Com seu próprio movimento a mente se está tornando inocente e, por conseguinte, não está acumulando.
Sustento que há uma Vida eterna, que é a Origem e a Meta, o começo e o fim e que, não obstante, não tem fim nem começo. Só nessa vida há plenitude. E quem quer que a preencha tem a chave da Verdade sem limitação. Essa Vida é para todos. Nessa Vida entrou o Buda, entrou o Cristo. Do meu ponto de vista, eu atingi, entrei nessa Vida. Essa Vida não tem forma, como a Verdade não tem forma, não tem limitação. E a essa Vida todos teremos de voltar.
O temor nos leva a ajustar-nos à opinião pública, ao que os outros dizem, ao que disseram Buda, Cristo, os grandes santos - o que demonstra nossa natural tendência à adaptação, à busca de proteção e segurança. Quando buscamos a segurança, é evidente que nos achamos em estado de temor e por isso não existe simplicidade.
Quando a mente põe completamente de lado todo o conhecimento que adquiriu, quando para ela não existem Budas, Cristos, mestres, professores, religiões, citações, quando a mente estiver completamente só, não contaminada - o que significa que o movimento do conhecido cessou - só então haverá a possibilidade de uma tremenda revolução, de uma mudança fundamental. Tal mudança é obviamente necessária; e somente uns poucos, vocês ou eu ou X, que realizamos em nós mesmos esta revolução, somos capazes de criar um mundo novo. Não os idealistas, não os intelectuais, não as pessoas dotadas de grandes conhecimentos ou que estejam fazendo belas obras. Eles não são as pessoas indicadas - eles são todos reformadores. O homem religioso é aquele que não pertence a nenhuma religião, a nenhuma nação, a nenhuma raça, que dentro de si está completamente só, em estado de não-saber. E para ele se concretiza a graça das coisas sagradas.
Suponhamos que você nunca tinha lido um livro, religioso ou psicológico, e você teria que encontrar o sentido, o significado da vida. Como você conseguiria isso? Suponha que não existam instrutores, organizações religiosas, nem Buddha, nem Christo, e que você teria que começar do início. Como você encararia isso? Primeiro você teria que compreender o seu processo de pensamento, não seria isso? - e não as projeções dos seus pensamentos para o futuro, que criaram um Deus do seu agrado, isso seria demasiado infantil. Então, primeiro você teria que entender o processo de seu pensamento. Essa é a única maneira de descobrir alguma coisa nova, não é? ...Apenas um agarrar-se a informação, e experiências alheias, ao que alguém disse, por “mais considerada que seja” esta pessoa, e tentar de aproximar sua ação de tudo isso – isso é conhecimento? É? Mas para descobrir algo novo você deve começar por conta própria, você deve começar uma viagem completamente desnudado de tudo, especialmente de conhecimentos, porque é muito fácil, pelo conhecimento e convicções ter experiências, mas estas experiências são apenas os produtos de auto-projeção e, portanto totalmente irreais, falsas.
E, finalmente...
Se você tem que criar um mundo novo, uma civilização nova, uma arte nova, tudo novo, não contaminado pela tradição, pelo medo, por ambições, se você tem que criar algo anônimo que é seu e meu, uma sociedade nova, juntos, na qual não há você e eu mas "nós", não será necessário uma mente que é completamente anônima, portanto só? Isto implica que deve haver uma revolta contra a conformidade, não implica? Uma revolta contra a respeitabilidade, porque o homem respeitável é o homem medíocre que quer algo, ele depende de influências para a sua felicidade, do que o vizinho pensa, do que o guru dele pensa, naquilo que o Bhagavad-Gita ou o Upanishads ou a Bíblia ou o Cristo diz. A mente dele nunca está só. Ele nunca caminha só, ele anda sempre acompanhado, em companhia dos seus ideais. Não é importante descobrir, ver, o significado total da interferência, da influência, da instituição do "eu", o qual é o contrário de ser anônimo? Vendo a totalidade disto, não surge imediatamente a pergunta: "É possível criar imediatamente este estado mental que é livre de influência, que não possa ser influenciado pela própria experiência ou pela experiência de outros, uma mente que seja incorruptível, que seja só? Somente então existe a possibilidade de se criar um mundo diferente, uma cultura diferente, uma diferente sociedade na qual a felicidade é possível.
Coletânea de pensamentos de Krishnamurti