sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O que existe além é indescritível

Suponho que todos vocês estejam me aguardando falar...

Nós dissemos que falaríamos esta noite sobre meditação. É um tema muito sério e demanda atenção. E é um tema para ser abordado não na multidão, não com tanta gente, mas consigo mesmo. Temos que adentrar em coisas que exigem paixão, muita concentração, energia e uma mente realmente religiosa, não no sentido ortodoxo da palavra – pertencer a alguma crença organizada, igreja ou seguir alguém – mas usando essa palavra para descobrir por nós mesmos a verdade em nossa vida diária, o que é, aliás, o significado da palavra ‘filosofia’: o amor pela verdade – não a verdade abstrata, mas algo para ser vivenciado no dia-a-dia, em nosso cotidiano.

E esta noite, se pudermos, vamos descobrir por nós mesmos o que significa meditar. Primeiramente, a genuína posição do alicerce de nossa conduta cotidiana em verdade é parte da meditação. Em nosso dia-a-dia de comportamento e relacionamento, viver de forma homogênea, harmoniosa e total, sem qualquer contradição. E assim vivendo, cada dia de nossas vidas é parte dessa coisa extraordinária denominada meditação.

Aprofundando o alicerce, um alicerce que não possa ser abalado por qualquer tremor interno ou externo, por qualquer catástrofe ou crise interior, nossa existência diária de ação e relacionamento é parte da meditação. Bem, todos vocês estão ouvindo e eu, lamentavelmente, estou falando. Eu gostaria que vocês estivessem sentados aqui e eu sentado aí. Então vocês descobririam por si mesmos, profundamente o que é meditação, porque ninguém lhes pode ensinar o que é. Nenhum livro, nenhum guru, não há sequer uma alma no mundo que possa ensinar-lhes o que significa meditação. Mas conversando a respeito, partilhando isso que é indescritível, nesta atitude devemos começar a desvendar, por nós mesmos, a beleza, o algo extraordinário que brota da meditação. Mas para adentrar profundamente a questão, devemos descobrir como viver um dia-a-dia que não seja uma vida de abstração, de especulação, não uma vida de aceitação da autoridade de outros, mas uma vida diária de dor, sofrimento, agonia, medo – e, em meio a isso, alcançarmos por nós mesmos a verdade.

Parece-me haver duas coisas muito importantes para entender: a escolha e a vontade (desejo), porque toda a nossa vida, todo o nosso cotidiano está baseado nestes dois princípios. Escolha, discernimento – escolhendo entre isso e aquilo, entre o falso e o verdadeiro, o não essencial e o essencial, o importante e o não importante; e a completa estrutura da vontade – a vontade de fazer, determinação, a busca acirrada; tem-se que abordar e realmente compreender esses dois princípios, não verbalmente, mas efetivamente. Por que fazemos escolhas afinal? – Porque na escolha há sempre conflito. Já haviam notado isso?

A escolha implica em dualidade: ‘isto’ e ‘aquilo’. E há dualidade? Ou há apenas o fato e não o seu oposto? Uma grande quantidade de livros, filosofias e idéias foram escritos a respeito da questão da dualidade e o conflito entre as dualidades. Agora, eu questiono se há dualidade afinal ou se há apenas ‘o que é’. É somente quando não sabemos como lidar com ‘o que é’, como ir além de ‘o que é’, que criamos expectativas de que, conhecendo a oposição, possamos usar o oposto para superar ‘o que é’. Bene? Estão acompanhando? Isto é, quando há violência, seu oposto é a não-violência, paz, um estado mental no qual não existe qualquer violência. O fato é a violência. ‘O que é’ é violência. O outro, o ideal de uma mente onde não haja violência, é inexistente, é uma abstração e, portanto, não tem validade. O que tem validade é o fato, ‘o que é’: violência. E se a mente souber como ir além disso, então não existe oposição e o conflito se extingue por completo. Estamos enredados em opostos: afeição e aversão, amor e ódio, ciúme e a ausência dele – esse completo corredor de opostos.

E os opostos sempre trazem conflito: ‘Eu gostaria de fazer isso, mas não tenho vontade de fazê-lo’; ‘Eu gostaria de agir dessa forma, mas não posso’. Então deve-se perceber claramente este fato: existe tão-somente ‘o que é’ e não o seu oposto. Há somente a violência. O ideal é ficção, especulação, abstração; não é real. O que é real é ‘o que é’. Quando você percebe isso claramente, não existe escolha. A mente sem clareza sempre escolhe; a mente confusa vai, inevitavelmente, escolher. Para a mente que vê claramente, não há qualquer escolha. Portanto, clareza não é o oposto de ‘o que é’. A compreensão de ‘o que é’ e a transcendência disso, produz clareza.

Por favor, não me deixem falar sozinho. Não é nada divertido; posso fazê-lo em meu quarto. Mas estamos trabalhando juntos, compartilhando. E quero dizer realmente compartilhando, porque o mundo está em tão completa desordem, tanta corrupção, tanta falsidade, desonestidade. Deve haver uma profunda revolução psicológica. E quando se sente a urgência disso, essa extrema urgência conduz ao compartilhar. Então, por gentileza, estamos compartilhando conforme prosseguimos – agora, não amanhã, não quando formos para casa, mas agora, sentados aqui, falando a respeito da questão de que ação adotar. Estamos juntos nessa jornada investigatória. Vocês sabem, quando fazemos coisas juntos há grande vitalidade, um grande senso de unidade. Há grande beleza em atuarmos juntos, o que é realmente co-operação – não ao redor de uma idéia, ao redor de um líder ou de um ideal, mas juntos na compreensão total da questão da existência, que é muito complexa. E por causa dessa complexidade, devemos abordá-la com simplicidade.

Então, onde há escolha deve haver desordem. A mente que vê com clareza não escolhe; age. É a mente que opta que não age. A ação oriunda de tal escolha deverá levar, inevitavelmente, à confusão. Se eu sei, claramente, o que fazer, não há dualidade nisso; eu percebo com muita clareza.

E, como a mente que não vê com clareza, que vive em desordem, vai livrar-se dessa desordem, dessa confusão? Estão acompanhando? A ordem só acontece quando compreendemos a desordem. Não se trata de uma fotocópia e da aceitação de um padrão do que é ordem. Vejam senhores, vivemos na desordem; nossas mentes estão confusas, contraditórias, orgulhosas e depressivas, infelizes, ansiosas e tudo o mais. Isso é desordem. E não sabemos como fazer surgir a ordem. Portanto, nós encarnamos a ordem, um projeto, um plano, um modelo de ordem e tentamos viver de acordo com ele. Ao passo que, se você estiver consciente da desordem, de como ela emerge e perceber sua complexidade, então dessa desordem brota a ordem, sem planejamento, sem programação, sem suposição. Está claro? Então, o que é a desordem? Esta é nossa única preocupação. Na compreensão dela um senso de ordem extraordinariamente preciso aflora.

Por que há desordem em nossas vidas? Eu me pergunto se vocês já questionaram a si mesmos a respeito. Desordem implica conflito, correto? Vocês sabem, um neurótico não está em conflito. Compreendem? Um homem desequilibrado, que se identifica completamente com uma idéia, não está em conflito, não há desordem; ele é isso. Ao passo que, para o homem absolutamente desequilibrado há escolha, o que fazer; há contradição, desejos antagônicos; e isso traz confusão. Nossa educação, nosso modo de vida, todos os temores – tudo isso é desordem.

Pode a mente observar essa desordem em nossa vida, sem tentar mudá-la, porque se o fizer, estará produzindo mais desordem. Já se você observa a desordem, se apenas presta atenção a ela – sem qualquer plano, sem qualquer repressão, sem qualquer desejo de alterá-la – então nessa genuína compreensão, na pura e simples observação dessa confusão, vem a ordem, porque sua mente está encarando a desordem sem qualquer escolha. Está apenas percebendo ‘o que é’; portanto, olhando para ‘o que é’, a mente pode transcender. O conflito só surge quando se tem o oposto. Compreenderam tudo isso? Estamos juntos até aqui? Estamos seguindo juntos, certo?

Então, quando você tem que escolher, você está escolhendo o oposto da confusão, da desordem. Escolha implica em dualidade e dualidade é uma fuga de ‘o que é’. E para permanecer com ‘o que é’, para olhar para ‘o que é’ sem o seu oposto – para percebê-lo – você precisa de energia. Correto? Veja, quando você tem uma oposição, essa busca do oposto representa desperdício de energia. Você está apegado – a alguém, a alguma idéia, alguma crença, tradição – e, apegado, você não é capaz de transcender, de ir além. Combatendo o apego, você pensa que vai livrar-se dele pela busca do desapego. Portanto, você tem um conflito: você está apegado e está buscando o desapego. Isso é desordem; isso é desperdício de energia. Já se você observa o apego, então, porque você não está fugindo, você tem energia para perceber; você tem toda essa energia para transcender ‘o que é’. Estão acompanhando? Senhor, isso é fundamental, porque gastamos nossos dias, nossas noites e nossos anos em conflito, em luta.

E há uma forma de viver onde não exista um instante de luta, de conflito – que não signifique vegetar ou adormecer – em que nunca se tenha a sensação de confusão e desordem? Então isso está claro? Para transcender ‘o que é’, você precisa de toda energia, que é dissipada no conflito entre os opostos. Não repita o que digo, não decore como a um slogan. Outro dia alguém veio até mim e disse ‘agora aprendi, memorizei que o pensamento divide’. Ele tinha memorizado! Então, não decore o slogan e não o repita; veja a verdade disso. Para ver a verdade disso, você deve ter uma mente disposta, ávida, apaixonada, para descobrir se é possível viver sem a sensação de conflito – jamais. Esse é o caminho para viver em paz..

O outro fator através do qual vivemos é a atividade volitiva. Daqui a pouco, vocês verão que escolha e vontade caminham juntas. Para nós a vontade, que é ‘fazer’ – ‘Eu tenho vontade’ e ‘Eu não devo’ – é uma forma de resistência. E onde há resistência deve haver conflito. Certo? Se você é um tradicionalista, e a maioria de vocês o é, você, instintivamente, se oporá ao que está sendo dito aqui, porque você está condicionado a aceitar a dualidade; você está condicionado à prática da vontade. E quando você ouve alguém dizendo ‘vontade é resistência; vontade é conflito; vontade produz desordem’, você, instintivamente, resistirá. ‘Você perguntará ‘ É possível viver sem a vontade?’ Entenderam minha pergunta? E nós mostraremos a você que é possível viver sem a vontade. Porque o exercício da vontade é a substância do desejo. Vontade é a essência do desejo: ‘Eu farei isso’, ‘Isto deve ser feito’, ‘Eu não farei isso’. Tanto a afirmação positiva quanto a negativa são formas de exercício da vontade. E toda a nossa ação baseia-se nisso ‘Terei êxito no mundo’; ‘Devo ser digno’. Vocês sabem todas as coisas envolvidas na ação da vontade.

Você já testemunhou a ação da vontade em si mesmo? E já questionou, afinal, qual é a necessidade da vontade? Quando você percebe algo muito claramente, essa é uma ação de vontade? Entenderam a pergunta? Veja, senhor, a vontade, enquanto ação, é um modelo de conformidade, de submissão – submissão a um padrão, a um ideal, a uma resolução. Então, quando você compreende a completa estrutura da conformidade, existe de fato uma ação de vontade? Quando você vê algo com muita clareza, quando você se vê diante do perigo físico, você não age instantaneamente? Não há ação de vontade então. Seus nervos reagem imediatamente. Correto? Agora, existe uma ação na qual não exista a vontade? Vontade é tempo. ‘Eu farei isso’ – demanda tempo. Portanto a vontade não envolve uma ação no presente; ela é sempre futura. Então vontade implica contradição. Certo?

Assim, a meditação na vida diária é a ação na qual não existe escolha ou vontade, porque você percebe tudo muito claramente. Agora o que significa ver claramente? Como observar a si mesmo, a uma nuvem ou a seu próximo claramente, não apenas visualmente, mas com a clareza de uma mente ordenada, onde não há obscuridade (Não, não é ‘como’. Perdão. Retiro essa palavra). É a mente capaz de observar claramente, sem distorções?

Distorções existem onde existem imagens, projeções, no relacionamento ou na ação. Certo? Eu sou um parente seu, tenho uma relação com você, tenho uma imagem de você. Essa imagem me impede de olhar para você. Eu tenho conhecimento, experiência do que você já me disse ou do que já fez a mim. Esse conhecimento, essa opinião, esse “pré-conceito” me impede de ver claramente – correto? Compreenderam? Opinião, conclusão, conceito, conhecimento impedem, no relacionamento, que se veja o fato. E o que importa é ver claramente. Quando isso se torna tremendamente urgente, então opinião, conclusão e julgamento são postos de lado e aí, você está olhando. Entenderam? Compreendeu, senhor? Estamos juntos até aqui?

Veja, você tem opiniões, não tem? Julgamentos, conhecimento, tanto tecnológico, quanto no que tange a relacionamentos, memórias de relacionamentos. É com essa memória que você olha. Com as conclusões e imagens que tem, é assim que você olha e, portanto, você não vê com clareza. Quando é urgente ver com clareza, a intensidade, a paixão, a necessidade de ver claramente, então não há lugar para opiniões, conclusões e julgamentos. Certo? Você vê a verdade disto: você não pode ver claramente, quando existe o observador, que é o passado; e olhar sem o observador. O observador é o eu: minhas opiniões, mágoas, expectativas, ambições, todas as minhas mesquinharias. Quando isso é dominante, quando isso aflora não há clareza de percepção.

Então, você pode olhar para seu próximo, em seu íntimo relacionamento com ele, sem qualquer conclusão ou imagem? Agora você escuta isso e diz que está correto, que corresponde à verdade. Então você vai exercitar a vontade para alcançar isso. Visto que estamos dizendo: não exercite a vontade, apenas observe. Isto é, você tem opiniões, simplesmente observe suas opiniões. Assista-as. E assistindo-as sem racionalizá-las ou justificá-las, apenas testemunhando-as, você verá que as opiniões não importam em absoluto. Conseqüentemente, você é capaz de olhar claramente. Você compreendeu o que significa olhar claramente – que é observar sem a imaginação, sem o artifício do pensamento, sem o eu sempre interferindo na observação.

Então, o comportamento na vida cotidiana é o amor à verdade e ações que não se baseiem na escolha e na vontade. Está claro? Isso eu já expliquei. Esse é o fundamento. Se isso não existir na sua vida, faça o que você fizer – siga todos os gurus, todos os sistemas, siga suas próprias idéias, enfim.... eu não sei, mas o que quer que você faça – você nunca saberá o que é meditação. Você estará apenas jogando com as palavras, enganando a si mesmo. Isto é, você necessita assentar as bases de seu comportamento nas relações. E o conhecimento é essencial não nos relacionamentos, mas no desempenho de certas funções. Certo?

Assim, prossigamos para descobrir o que é meditação, vamos além. Primeiramente vamos descobrir o que ela não é. Quando você vê o falso como falso, isto é a verdade. Compreenderam o que acabei de dizer? (breve pausa)Estou tentando descobrir o que eu disse. Sim, vamos lá... Quando você enxerga o falso como falso, isto é a verdade. Vejam a beleza disso: Quando você enxerga o falso como falso, isto é a verdade. Quando você mentir, enganar, quando for desonesto, corrupto, enxergue isso; e essa é a verdade. Então quando descobrirmos o que não é meditação, o que é falso na meditação, então descobriremos o que é verdadeiro nela. Entenderam? Do negativo para o positivo e não o contrário.

O controle, em qualquer de suas formas, não é meditação. Controlar seus pensamentos, corpo, instintos – controlar, reprimir – isso não é meditação. O controle implica na figura do controlador. O controlador é aquele que diz “devo aperfeiçoar meus pensamentos”. Percebem? “Eu devo reprimir vários pensamentos e adotar outro.” Onde há divisão entre controlador e controlado há conflito. Já percebeu o conflito que se instala em você quando você tenta controlar? E toda a nossa tradição diz que devemos controlar nossos pensamentos, sermos os senhores de nossa mente. O senhor é um outro pensamento, um outro fragmento de idéia que assume autoridade sobre os demais. Toda forma de controle nega a sensibilidade, a inteligência, que são requisitos para a meditação.

Vejam, austeridade. Vocês sabem o significado dessa palavra, não? Seu significado deriva de “ash” (cinza), vocês sabem, as cinzas deixadas pelo fogo. A maioria de nós tenta ser austero. Isto é: Viver com muita simplicidade, se você é uma pessoa religiosa. Simplicidade significa rudeza, aspereza, indiferença, insensibilidade (desumanidade), porque você está sendo tremendamente austero. Austeridade é um produto da vontade. Vocês vêem, pelo mundo todo, os monges que aspiram ser austeros; suas vidas são cinzas, vazias, estúpidas, eles não experimentam a expressão, a fragrância da beleza ou do amor. Portanto, não há lugar para o controle numa mente religiosa, porque controle implica em repressão, submissão, autoridade. Onde quer que haja autoridade, submissão e todos os temores que lhes correspondem, não há uma mente religiosa, essa mente, de fato, não sabe o que significa meditação.

Então vocês podem viver – por favor, ouçam – suas vidas diárias sem qualquer controle: sem controlar seu apetite sexual, seus pensamentos, desejos e ambições? Podem? E vocês só podem fazer isso quando vêem claramente as implicações do prazer, no sexo; quando vê claramente a posição de autoridade e a imitação, naturalmente. Então perceberá que pode viver de forma clara, sensível, inteligente. São os tolos, os ignorantes que controlam, são como cegos. O controle não se encaixa no processo de meditação. Portanto, você pode deixá-lo de lado por completo.

Então, um método, um sistema, uma prática, não é meditação, pois implicam em submissão a um padrão definido por alguém que diz saber o que é meditação e ao dizer que sabe o que é meditação, mostra que não sabe em absoluto. Atente para um homem que diz “eu sei”, ele perdeu todo o senso de humildade. Quando alguém diz “eu sei” , ele deixou de aprender.

A iluminação não é um fim – estático. É um infinito mover-se no amor. Oh, vocês não conhecem nada sobre tudo isso... Sabem, esta é a maior das tristezas do mundo – que alguém queira transmitir algo tremendo, com todo o seu coração e mente, e vocês não o recebam. E essa tão grande mágoa não é por quem lhes transmite, mas por vocês próprios. Métodos, um sistema, um padrão, adeptos, obediência, tudo isso implica em submissão, em algo a ser alcançado com um fim determinado, algo permanentemente lá – que significa tempo. É a iluminação, a sabedoria a clareza da verdade, uma questão de tempo ou ela está lá para vocês verem? E seus olhos estão fechados enquanto seguem métodos, sistemas, mantrayoga e todo o absurdo que vêm ocorrendo nesse país e que agora está sendo levado para outros. Meditação não é controle, não é prática, meditação não é a prática da atenção ou da consciência.

Agora, o que é meditação? Se nada disso é meditação, então o que é? Vocês entendem? Espero que estejam acompanhando, não apenas aceitando verbalmente, mas acompanhando com todo o seu coração, sua paixão, seu interesse. O que é meditação? Quando a mente está absolutamente silenciosa, sem planejamento, sem disciplina, não como resultado de interminável prática, esforço, conflito, dor e tristeza infinitas – isso não é silêncio. Este é o silêncio de uma idéia – que não tem qualquer validade. Então, a mente que abandonou tudo o que é falso que um homem pôde encontrar: todas as ilusões, mitos este homem cultivou em seu desespero, em seu medo, em sua busca de prazer – quando você abandona tudo isso, porque percebe a sua falsidade e, portanto, a verdade disso – só então você pode prosseguir em descobrir o que é meditação.

Vê-se claramente que o pensamento nunca é novo. O pensamento nunca pode trazer liberdade, porque todo ele é proveniente do passado: memória, experiência, conhecimento. Pensamento é tempo.

Podem a mente e as células do cérebro, que são produtos de nossa evolução no tempo, podem elas e a mente, isto é, o corpo, o movimento do desejo, tudo isso em conjunto, estar em completo silêncio? Isso só pode acontecer quando você compreende o valor do pensamento – sua importância e sua insignificância. Sem compreender a estrutura e a natureza do pensamento, você não atingirá esse silêncio, natural e facilmente.

O silêncio é necessário. Quando você vê uma nuvem e a luz nela projetada, se sua mente estiver divagando, especulando, você não poderá realmente ver a beleza da nuvem. Entendem? A mente deve estar quieta. E ela estará quando você negar ou abandonar controle, autoridade e todas essas coisas que o homem instituiu para encontrar a verdade ou a iluminação – que são todas produtos da mente e, portanto, do tempo. Para encontrar o que está além do tempo, das medidas, o que não pode ser descrito, a mente deve estar em completa quietude. O cérebro exige absoluta segurança, de outro modo ele não pode trabalhar livremente, efetivamente. E só a mente completamente segura, as células cerebrais em total segurança, que podem operar sem atrito. As células do cérebro contêm memória, armazenam memória e a reação em conformidade com essa memória é o pensamento. O pensamento inventa formas de segurança: uma crença, uma nação, um ideal, um guru. Essa segurança criada pelo pensamento é insegura, porque envolve medo, prazer, tempo. Estão acompanhando?

Quando você percebe isso, há segurança na observação e no aprendizado, que são atos de inteligência. Na inteligência há total e completa segurança. E essa inteligência brota quando você observou todas essas coisas que são ignorância. Compreenderam? Enfim, respondam, por favor – Compreenderam? Se não alcançaram a profundidade disso, apenas ouçam. Existe segurança na completa inteligência. Essa inteligência não é minha ou sua. É inteligência. E nela há segurança. Então as células cerebrais se acalmam. Porque a mente é capaz de observar o que é falso e porque percebe o que é falso há inteligência, e nela há segurança. Então a mente, naturalmente, facilmente, suavemente, sem qualquer esforço, torna-se extraordinariamente quieta. E nesse silêncio da mente não existe o tempo. Não é uma questão de se “a mente pode sustentar, manter ou continuar em silêncio?” Este é o desejo do pensamento que busca o silêncio como a um prazer. Portanto, nesse silêncio não há quem experiência, nem quem observa, mas somente a qualidade do total e absoluto silêncio. Nesse silêncio, a porta está aberta. E o que repousa além dela é indescritível, não pode ser traduzido em palavras. Tudo o que você precisa fazer é ir até a porta e abri-la. Essa é sua responsabilidade como ser humano. O conjunto de tudo isso é meditação – a absoluta quietude do corpo, a absoluta quietude de uma mente que é totalmente religiosa, em que não existe o menor traço de violência, conflito. Violência existe, quando existe vontade. E quando você compreender tudo isso, quando tiver vivido o cotidiano disso, então você chegará até a porta e, ao abri-la, vai descobrir. Abra a porta – o que além dela repousa é indescritível.

AUDIÊNCIA (A): Senhor, posso fazer uma pergunta? Quando você diz “o estado de completa ausência de pensamento” ou “a mente ficando completamente silenciosa”, você quer dizer que deve-se transcender todos os níveis de consciência e tornar-se um com a mente ou consciência universal? Isso é o que você chama de “completa consciência”? A segunda parte da questão é...

K: Só um momento, senhora. Não divida em primeira e segunda partes, porque eu tenho que traduzir ou repetir o que foi dito. Portanto, seja objetiva.

A: (Inaudível).

K: Não consigo ouvi-la, senhora.

A: (Continuando a falar mais alto, porém ainda inaudível).

K: Desculpe-me...

Agora, eu me pergunto – apenas ouçam, por favor, alguém fará uma pergunta, tudo bem, por favor, façam a pergunta, mas um momento – estão suas mentes silenciosas? Neste silêncio, vocês tiveram tempo de fazer a pergunta? Suas mentes estão completamente silenciosas e vocês percebem a beleza desse silêncio? Se isso não estiver acontecendo agora, vocês não podem ir para casa e deixar que aconteça. Pois não, senhora.

A: Senhor, quando você fala sobre o estado de completa ausência de pensamento ou ficar completamente silencioso, você quer dizer que deve-se transcender todos os níveis de consciência e então atingir isso? Isso é o mesmo que iluminação? É o mesmo que mente universal?

K: Ho, ho, ho, ho...agora nos perdemos. Senhora, eu não sei o que é a mente universal. Você tem uma idéia sobre uma mente universal e por essa razão você pergunta “É o mesmo que mente universal?” Certo?

A: Quando digo “mente universal” quero dizer uma pessoa, digamos, uma criança de sete anos que, sob hipnose, pode descrever o que Cleópatra fez...

K: Oh, meu Deus! Sob hipnose certas questões são respondidas... Você foi hipnotizada? Veja, senhor, a senhora fez uma pergunta que foi: ‘Independentemente, da mente universal, da hipnose e de todas essas coisas aprendidas dos livros e, talvez, de alguma pessoa hipnotizada que alguém tenha visto; independentemente de tudo isso, pode a mente esvaziar-se de todo esse conteúdo? Pode todo esse conteúdo armazenado tão profundamente ser totalmente esvaziado?’ Essa é uma de suas perguntas?

A: Sim, mas transcender todos os níveis.

K: Certo. E a outra parte da questão é ‘Você conhece alguém que tenha feito isso?’

A: Sim.

K: Adorável, não? (perdão, meu pé ficou dormente (câimbra)). Vou responder a pergunta. Pode a mente investigar? – investigar significando rastrear, ir atrás de algo. Na investigação, aprender. Aprender é diferente de acumular. Entende? São duas coisas diferentes. Acúmulo de conhecimento é diferente de aprendizagem e isso deve ser entendido bem claramente. Quando você aprende uma língua, você está acumulando palavras naquela linguagem: verbos e todo o resto. Quando você aprende a correr num carro, você o dirige, adquire experiência e, conseqüentemente, conhecimento.

Quando você aprende sobre computadores, você entra nisso e aprende e obtém conhecimento, certo? Quando você está aprendendo sobre si mesmo – por favor, ouçam - Quando você está aprendendo sobre si mesmo e obtém conhecimento sobre si mesmo, com esse conhecimento, você enxerga mais profundamente seu interior. Portanto, você olha para si mesmo com tudo o que foi acumulado no passado, a despeito de não estar aprendendo sobre si mesmo – o que muda continuamente. Compreende? Vê a diferença entre aprender e acumular conhecimento? O acúmulo de conhecimento é essencial para fazer qualquer coisa. Mas para aprender sobre si mesmo, qualquer acúmulo impedirá o aprofundamento. Pesquisar significa ser livre para olhar, para observar, para investigar – certo? Agora, nós estamos pesquisando a questão de se a mente pode esvaziar-se de todo esse conteúdo que armazena tão profundamente, tanto consciente quanto inconsciente. Está claro? É essa a pergunta, senhora?

A: Sim, senhor. Obrigada.

A: (Outro ouvinte): Senhor, em uma de suas exposições...

K: Senhor, eu não... Aquela senhora fez uma pergunta, senhor. Eu apenas estou repetindo e explicando a pergunta, nós não a respondemos ainda. Meu Deus! Estamos tão ocupados com nossas próprias questões que não ouvimos a mais ninguém. E você está aprendendo sobre si mesmo, compreende, senhor? Você está aprendendo sobre si mesmo e ainda não quer escutar aos outros.

Veja, a questão implica muitas coisas: a mente consciente, a mente inconsciente, as muitas camadas que armazenam várias experiências, camadas que herdaram experiências, conhecimento; camadas que contêm o conteúdo hereditário e daí para frente. Tudo isso pode ser esvaziado? – não por análise, pela análise, como dissemos: paralisia pela análise. Certo? Se isso está claro, não precisamos entrar na questão da análise. Então o que a mente faz ou não faz com esse conteúdo? Se análise, introspecção, investigação – tudo isso – envolve tempo, tudo isso envolve divisão e, portanto, conflito, se tudo isso não é – tudo isso é falso e, portanto, não verdadeiro – então, o que a mente faz? Como a mente despertará todas as camadas para vê-las sem o fator tempo? Compreenderam a questão? Para saber isso, sua mente que observa deve ser atemporal, certo? É simples assim. Se a mente busca com um elemento temporal, não lhe é possível expor todo o conteúdo. Mas se a mente está livre dessa qualidade de “temporalidade” como “o investigador”, “o observador”, “o passado” e tudo o mais, se essa mente é muito clara e atemporal, então – por favor, ouçam – então não há necessidade de explorar; a mente é o seu conteúdo e portanto está livre deste conteúdo. Captaram?

A outra questão é: “Você conhece alguém que tenha feito isso?” Certo, senhora?

A: Sim, senhor.

K: Por que a pergunta? Por que a pergunta? O que importa não é se alguém conseguiu ou não fazer isso, mas se você consegue. Certo?

A: É apenas para ter um parâmetro e saber quão longe estou do mais iluminado.

K: Oh, como somos tolos. Depois de tudo isso, você fala sobre como está distante em sua busca – comparando a si mesma com alguém que você imagina ter alcançado. E todo o tempo foi dito: ‘Não meça, não compare, não imite.’ Senhores, quando a verdade surge, é incomparável, não é sua ou minha; a verdade é o que é e o que está além disso. Você está se comparando com o que pensa a respeito de uma pessoa que você supõe que tenha alcançado a iluminação (o que quer que isso possa significar) – para ver a verdade disso: quão falso isso é. E quando você enxerga a verdade, você não se compara a ninguém mais.

A: Senhor, esse é o único caminho que conheço para descobrir, como não conheço... Então tenho um parâmetro.

K : Sim, eu compreendo. A senhora disse “Eu só perguntei, porque não sei”. Correto?

A: Correto.

K: Por que não permanece não sabendo? O que é isso que você quer saber? Por favor, atenção. O que é isso que vocês querem saber? Você – todos vocês – querem saber. O que é isso que vocês querem saber?

A: (outro ouvinte) Perdoe-me, o que é isso tudo que você nos esteve dizendo se não há nada para ser dito?... Essa é a razão pela qual viemos até aqui. Eu vim aqui para saber como buscar.

K: O que está nos dizendo? – essa é a questão. Desisto... Senhores, senhores, o que é isso que vocês querem saber? – Como viver?

A: Como buscar.

K: Eu falei, explanei toda a última hora. Senhores, senhores, o que é isso que vocês querem saber? Já perguntaram a si mesmos o que é isso que vocês querem saber? – se há vida após a morte; se Deus existe; se serão nobres. O que é isso que vocês querem saber na vida? Por que essa ânsia por ‘saber’? Respondam a vocês mesmos, senhores. O que é isso que vocês querem saber?

A: Como libertar-se de si mesmo.

K: Como libertar-se de si mesmo! Como libertar-se de si mesmo – quer saber? Muito simples: não pense em si mesmo. Certo? Senhores, eu passei por tudo isso.

Vejam, senhores, uma mente livre usa o conhecimento, mas é sempre livre, vazia. A mente cheia, a mente que procura livrar-se de crenças e medos; a mente que está sempre se comparando com os outros não é uma mente livre. Quando a mente é livre não há nada para saber, exceto como viver, como atuar num mundo de atuações.

Nova Déli,
19 de novembro de 1972.

Krishnamurti

KRISHNAMURTI FOUNDATION INDIA BULLETIN

Volume nº 1, edição 2, Março-Junho 2004

Tradução: Valéria Petraglia

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