Pergunta: Podeis responder-nos claramente existe ou não existe Deus?
KRISHNAMURTI: Senhor, porque o quereis saber? Que diferença faz, se eu o disser com clareza ou sem clareza? Ou confirmarei a vossa crença, ou abalarei a vossa crença. Se confirmo a vossa crença, ficareis satisfeito, e continuareis com as práticas absurdas, que tanto vos agradam. Se vos perturbo direis: "Ora, isso não tem importância" e infelizmente continuareis como sois. Mas, porque desejais saber? Francamente, isso é mais importante do que descobrir se não há Deus ou não há. Para conhecerdes a Deus, para conhecerdes a verdade, vós não o deveis buscar. Se o buscais, estais fugindo do que é, e esta é a razão por que perguntais se há ou não há Deus. Quereis escapar do vosso sofrimento, refugiar-vos numa ilusão. Vossos livros estão cheios de Deus, vosso templo está cheio de imagens feitas pela mão; mas Deus não está nessas coisas, porque todas elas são fugas do vosso sofrimento real. Para encontrarmos a realidade, ou, melhor, para que a realidade se nos manifeste, deve cessar o sofrimento; e a mera busca de Deus, da imortalidade, é uma fuga do sofrimento. Mas, é mais agradável discutir se há Deus ou não, do que dissolver as causas do sofrimento, e é por isso que tendes inúmeros livros que tratam da natureza de Deus. O homem que discute sobre a natureza de Deus, não conhece Deus; porque aquela realidade não é mensurável, não pode ser colhida numa rede de belas palavras. Não podeis prender o vento na mão; não podeis capturar a realidade num templo, nem no "puja", nem em vossas inumeráveis cerimônias. São tudo maneiras de fugir, - a mesma coisa que beber. Um homem bebe e se embriaga, porque deseja fugir; do mesmo modo, vós entrais no templo, praticais o puja, celebrais ritos, ou fazeis o que quer que seja - e tudo isso são fugas ao que é. E o que é - é sofrimento, é batalha constante com nós mesmos e portanto com outros; e enquanto não compreenderdes e transcenderdes esse sofrimento, não poderá manifestar-se a realidade. Assim, vossa pergunta sobre se há ou não Deus, é uma pergunta vã, sem significação e que só pode conduzir a ilusão. Como pode uma mente, presa do tumulto da aflição e do sofrimento de cada dia, presa da ignorância e da limitação, como pode conhecer o que é ilimitado, inefável? Como pode o que é produto do tempo, conhecer o atemporal? Não pode. Por conseguinte, não pode sequer pensar a seu respeito. Pensar na verdade, pensar em Deus, é outra maneira de fugir; porque Deus, a verdade, não pode ser apanhado pelo pensamento. O pensamento é resultado do tempo, de ontem, do passado, e, sendo resultado do tempo, do passado, sendo produto da memória, como pode o pensamento encontrar o que é eterno, atemporal, imensurável? Como não o pode, o mais que podemos fazer é libertar a mente do processo do pensamento; e para libertar a mente do processo do pensamento, precisamos compreender o sofrimento, e não fugir dele - sofrimento não apenas no nível físico, mas em todos os diferentes níveis da consciência. Significa isso estar aberto, ser vulnerável ao sofrimento, não se defender do sofrimento, mas viver com ele, abraçando-o, olhando-o bem. Porque, vós sofreis agora. Sofreis da manhã à noite, e só ocasionalmente vos vem um raio de sol ou surge uma claridade no céu nublado. Uma vêz que sofreis, porque não considerais o vosso sofrimento, porque não o examinais em toda a sua plenitude, de maneira profunda, completa, dissolvendo-o assim? Isso não é difícil. A busca de Deus é muito mais difícil, porque ele é o desconhecido, e não se pode procurar o desconhecido. Podemos, no entanto, indagar as causas do sofrimento, e desarraigá-las pela compreensão do mesmo, pelo percebimento do mesmo, sem fugir a ele. Uma vez que costumais fugir do sofrimento por todos os meios, considerai bem essas fugas, abandonai-as e ponde-vos em face do sofrimento. Na compreensão do sofrimento há libertação. A mente se torna então livre de todo pensamento, não é mais o produto do passado. Está então tranqüila, sem problema algum; não foi posta tranqüila, mas está tranqüila, porque não tem problemas, porque já não está criando pensamentos. O pensamento cessou - o pensamento que é memória, acumulação de experiências, de cicatrizes do passado; e quando a mente está de todo em todo tranqüila - sem ter sido posta tranqüila - a realidade se manifesta. Essa experiência é a experiência da realidade, e não da ilusão, e tais experiências proporcionam bênçãos ao homem. A verdade, o amor, é o desconhecido, e o desconhecido não pode ser capturado pelo conhecido. O conhecido precisa cessar, para o desconhecido ser; e quando o desconhecido surge na existência, derrama-se uma benção.
Krishnamurti - 28 de março de 1948
Do livro: Da Insatisfação à Felicidade