sábado, 13 de novembro de 2010

Educação sem disciplina

Como é possível qualquer espécie de educação, sem alguma forma de disciplina, imposta do exterior ou do interior?

KRISHNAMURTI: Qual é a função da educação? Nós somos educados? Porque mandais os vossos filhos à escola? Tende a bondade de pensar — pensemos juntos. Aqui também uma revolução se impõe na maneira de resolver o problema.

Qual é a função da educação? Não é a de preparar o estudante, o jovem ou a jovem, para enfrentar a vida, para viver sem temor? Meu espírito está nublado pelo temor, quando há competição. Há temor quando não sei enfrentar este vasto e complexo problema do viver. Há temor quando sou ambicioso. O homem feliz não é ambicioso, e só os ambiciosos são infelizes. A função da educação, pois, não é a de ajudar o estudante, para que cresça sem temor e possa enfrentar a vida inteligentemente, e não de acordo com a vossa inteligência, ou a minha inteligência, não de acordo com vossas idiossincrasias ou vossa condição religiosa, política ou econômica; para que cresça plenamente, integralmente, como um ente humano completo?

O interrogante pergunta: “como é possível educar uma criança, um jovem, um estudante, sem alguma forma de disciplina?” Qual é a finalidade da disciplina, para os velhos ou para os jovens? Porque nos disciplinamos, por imposição de outros ou de nós mesmos? Porque disciplinamos as crianças? Qual é a função da disciplina numa escola? Sois pais, felizmente ou infelizmente, e deveis sabê-lo. Qual é na vida, a função da disciplina? Disciplina não é o cultivo da resistência? A disciplina implica resistência, e a resistência produz o medo, não é verdade? Vede: tendes uma grande classe de alunos, uns quarenta ou sessenta. Como manter a ordem num grupo tão grande? Não é possível. Por isso recorreis à disciplina. Não estais interessados na educação; interessa-vos, tão-somente transmitir aos jovens certos conhecimentos, para que passem nos exames e obtenham empregos, e é só nisso que os pais estão interessados. Os pais não estão interessados na educação, e, para a maioria de nós, a educação está terminada depois de passarmos em todos os exames. Após isso, provavelmente nenhum de nós abre mais um livro. E se não abrimos, paramos também de pensar. — Vós vos consumistes inteiramente e estais vivendo automaticamente. Nessas condições, para compreendermos qual a função da educação, não é importante averiguarmos como se pode educar um estudante, um jovem, sem coerção, sem persuasão, sem o disciplinarmos, para que ele possa funcionar como um ente humano? Isso requer naturalmente uma escola muito pequena, uma classe pequena dirigida por mestres capazes de compreender o “processo” que faz nascer aquela inteligência, sem se recorrer à compulsão, sem a perene competição das notas e dos exames — sem esse processo em que o indivíduo se consome para os odiosos exames.

Senhores, vós credes nas almas; credes no progresso individual; e credes em tudo o mais; no entanto, fazeis exatamente o contrário, não é verdade? Impõe-se, pois, uma revolução total em nossa educação. Um jovem ou estudante não necessita só de conhecimento técnico para habilitar-se a obter emprego; requer-se algo mais, algo diferente: um ente humano, um ente humano integrado — e não um ente humano com uma constante batalha interior; um ente humano capaz de criar. Não se pode ser criador quando se está em competição. Não se pode ver a Realidade, se temos medo; e, em todas as coisas que estamos fazendo, em nossa educação, em nossa atividade política, em nossa obediência aos vários gurus que seguimos, etc., nisso tudo há temor, e não há criação nem felicidade, mas só inquietação interior. Como podem tais indivíduos criar um mundo novo e uma nova existência? Eis tudo o que a questão da educação sugere; e o mestre, o educador que não compreende tudo isso, recorrerá naturalmente a disciplina, por ser o meio mais fácil de controlar um grupo numeroso. Visto estarem os governos tão-somente interessados na educação em massa, a educação que conheceis impede a revolução, não é verdade? Sois muito bem educados, não sois? Sabeis ler, escrever, e ler os jornais matutinos. Nunca vos rebelareis, porque estais sempre a ver tantas facetas, que não podeis descobrir o que é verdadeiro. Por conseguinte para se inaugurar a educação correta, que requer uma revolução por parte do pai, por parte do mestre, necessita-se uma compreensão completa deste nosso problema de sabermos o que é um ente humano integrado — o que não requer uma definição, mas uma constante investigação desse todo integral. Essa investigação naturalmente começa quando estamos livres do temor, das bases psicológicas do temor, dos temores conscientes e inconscientes. A libertação mental do temor é meditação.

Krishnamurti – 19 de dezembro de 1953
Do livro: O Problema da Revolução Total – Editora ICK

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