quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O desejo de permanência

Entre as circunstancias mutantes da vida existe algo permanente? Existe alguma relação entre nós próprios e a constante mutação ao nosso redor? Se admitíssemos que tudo é mutável, inclusive nós próprios, então jamais existiria a idéia de permanência. Se nos imaginássemos num estado de continuo movimento, então não haveria conflito entre as circunstancias mutantes da vida e aquilo que agora supomos ser permanente.

Existe em nós uma profunda e radicada esperança ou certeza de que existe algo permanente no meio da contínua mutação e isto cria o conflito. Vemos que a mutação existe ao redor de nós. Vemos tudo decaindo, fenecendo. Vemos cataclismos, guerras, fome, morte, insegurança, desilusão. Tudo que nos cerca está em constante mutação vindo-a-ser e decaindo. Todas as coisas se gastam pelo uso. Nada há e permanente ao redor de nós. Em nossas instituições, em nossas morais, nossas teorias de governo, de economia, de relações sociais – em todas as coisas existe fluxo, existe mudança.

E entretanto, no meio dessa impermanência, sentimos que existe permanência; estando insatisfeitos com essa impermanência, criamos um estado de perman6encia, gerando, por esse modo, conflito entre o que se supõe ser permanente e o que é mutante, o transitório. Mas se percebêssemos que tudo, inclusive nós mesmos, o “eu” é transitório, e também o são as coisas ambientes da vida, certamente não haveria então esse irônico conflito.

O que é que exige permanência, segurança, que anseia pela continuidade? É nessa exigência que se baseiam todas as nossas relações sociais e morais.

Se vocês realmente acreditassem ou sentissem profundamente, por vocês mesmos, a incessante mutação da vida, então jamais existiria ansiedade pela segurança, pela permanência. Mas porque existe uma profunda ansiedade pela permanência, nós criamos uma parede estanque contra o movimento da vida.

Portanto, o conflite existe entre os valores mutantes da vida e o desejo que está procurando permanência. Se sentíssemos e compreendêssemos profundamente a impermanência de nós próprios e das coisas deste mundo, então haveria o cessar do amargo conflito, das dores e temores. Então não haveria apego, de onde surge a luta social e individual.

O que é pois essa coisa que se atribui permanência e está sempre procurando uma continuidade ulterior? Não podemos investigar isto inteligentemente se não analisarmos e compreendermos a capacidade critica em si mesma.

A nossa capacidade critica brota dos preconceitos, das crenças, das teorias, das esperanças, etc., ou do que denominamos experiência. A experiência baseia-se na tradição, nas memórias acumuladas. A nossa experiência está sempre matizada pelo passado. Se vocês acreditam em Deus, talvez possam ter o que chamam de uma experiência divina. Certamente esta não é uma experiência verdadeira. Tem sido gravado em nossas mentes, através dos séculos, que existe Deus, e de acordo com esse condicionamento nós temos uma experiência. Esta não é uma experiência de primeira mão, verdadeira.

A mente condicionada atuando de um modo condicionado não pode experimentar completamente. Tal mente é incapaz de plenamente experimentar a realidade ou a não-realidade e Deus. Do mesmo modo, a mente que já está preconcebida pelo desejo consciente ou inconsciente do permanente não pode compreender a realidade como plenitude. Toda pesquisa de tal mente preconcebida é apenas um novo fortalecimento desse preconceito.

A busca e a ânsia pela imortalidade são o incitamento das memórias acumuladas da consciência individual, o “eu”, com seus temores e esperanças, amores e ódios. Esse “eu” fraciona-se em várias partes em conflito: o superior e o inferior, o permanente e o transitório, e assim por diante. Esse “eu”em seu desejo de perpetuar-se, procura e utiliza outros modos e meios de se entrincheirar.

Talvez alguns de vocês possam dizer a si mesmos: “Certamente, com o desaparecimento dessas ansiedades, deve haver realidade”. O próprio desejo de saber se existe algo além da consciência em conflito da existência é uma indicação de que a mente está procurando uma segurança, uma certeza, uma recompensa para seus esforços.

Vemos como é criada uma resistência contra outra, e essa resistência, através das memórias acumulativas, através da experiência, é cada vez mais fortalecida, tornando-se cada vez mais consciente de si mesma.

Assim, existe a vossa resistência e a do vosso próximo, da sociedade. O ajustamento entre duas ou mais resistências é chamado relações mutuas, sobre que é construída a moralidade.

Onde há amor, não há a consciência das relações mutuas. É só num estado de resistência que pode haver esta consciência, que é apenas um ajustamento entre conflitos em oposição.

O conflito não existe somente entre várias resistências, mas também dentro de si mesmo, dentro da qualidade permanente e impermanente da própria resistência.

Existe algo permanente nessa resistência? Vemos que a resistência pode perpetuar-se por meio da aquisição, da ignorância, por meio da consciente ou inconsciente ansiedade da experiência. Mas certamente essa continuação não é eterna; ela é apenas a perpetuação do conflito.

O que chamamos permanente na resistência é apenas parte da própria resistência, e, portanto, parte do conflito. Assim, em si mesma, não é o eterno, o permanente.

Onde existe falta de plenitude, não-preenchimento, existe a ansiedade de continuação que cria a resistência, e esta resistência dá a si mesma a qualidade de permanência.

Aquilo a que a mente se agarra como sendo permanente é em sua própria essência o transitório. É o produto da ignorância, do medo e da ansiedade.

Se entendemos isto, então vemos que o problema não é de uma resistência em conflito com outra, mas como esta resistência vem a ser e como pode ser dissolvida. Quando defrontamos este problema profundamente, existe um novo despertar, um estado que pode ser chamado amor.

Krishnamurti – Holanda 1937
...

Participe do nosso grupo no Facebook

Participe do nosso grupo no Facebook
Grupo Jiddu Krishnamurti
Related Posts with Thumbnails

Vídeos para nossa luz interior

This div will be replaced