sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Diálogo sobre mudança

O que designamos por mudança? Será que a mudança é a mera transferência do que acumulei para outros campos do conhecimento, para novos pressupostos e ideologias, projetados a partir do passado? É isso que costumamos chamar de mudança, não é mesmo? Quando digo que preciso mudar, penso em mudar para alguma coisa que já conheço. Quando digo que preciso ser bom, já tenho uma idéia, uma formulação, um conceito do que é ser bom. Mas isso não é o florescer da bondade. O florescer da bondade só surge quando compreendo o processo e o acúmulo do conhecimento e quando desfaço o que sei. Então há possibilidade de uma revolução, de uma mudança radical.
Mas o simples passar do conhecido para o conhecido não é mudança nenhuma.

Espero estar sendo claro, porque vocês e eu precisamos mudar radicalmente, de uma maneira espantosa, revolucionária. É um fato óbvio que não podemos continuar como estamos. As coisas alarmantes que estão acontecendo no mundo exigem que todos esses problemas sejam abordados a partir de uma perspectiva totalmente diferente, com uma mente e um coração totalmente novos. Eis por que tenho de compreender como fazer em mim essa mudança radical. E vejo que só posso mudar desfazendo tudo o que já conheço. O desembaraçar a mente do conhecimento constitui em si uma mudança radical, porque assim a mente fica humilde, e essa mesma humildade faz surgir uma ação totalmente nova. Enquanto a mente estiver adquirindo, comparando, pensando em termos do “mais”, ela será incapaz de uma ação nova. E será que eu, invejoso, ambicioso, posso mudar completamente, de modo que a mente pare de adquirir, de comparar, de competir? Em outras palavras, será que a mente pode esvaziar-se a si mesma e, nesse mesmo processo de auto-esvaziamento, descobrir a ação nova?

Ou seja, será possível efetuar uma mudança fundamental que não seja o resultado de um ato de vontade, que não seja o mero resultado da influência, da pressão? A mudança fundada na influência, na ação, no ato de vontade, não é mudança nenhuma. Isso é evidente se vocês penetrarem na questão. E se sinto necessidade de uma mudança completa, radical, em mim mesmo, tenho de examinar o processo do conhecimento, que forma o centro a partir do qual acontece toda experiência. Há em cada um de nós um centro que é o resultado da experiência, do conhecimento, da memória; e nós agimos e “mudamos” de acordo com esse centro. O próprio ato de desfazer esse centro, a própria dissolução desse “eu”, desse processo de acúmulo, gera uma mudança radical. Isso, todavia, exige o esforço do autoconhecimento.

Tenho de conhecer a mim mesmo tal como sou, e não como acho que devo ser. Tenho de me conhecer como o centro a partir do qual estou agindo, a partir do qual estou pensando, o centro formado pelo conhecimento acumulado, por pressupostos, pela experiência passada, que são coisas que impedem uma revolução interior, uma radical transformação de mim mesmo. E como temos um tão grande número de complexidades no mundo atual, com tantas mudanças superficiais acontecendo, é necessário que haja essa mudança radical no individuo, porque só o indivíduo, e não o coletivo, pode criar um novo mundo.

Em vista de tudo isso, será possível que você e eu, como dois indivíduos, nos modifiquemos, não de modo superficial, mas radicalmente, de forma que haja a dissolução do centro de que emana toda vaidade, todo o sentido de autoridade, esse centro que acumula ativamente, centro feito de conhecimento, de experiência, de memória?

Trata-se de uma pergunta a que não se pode dar uma resposta verbal. Faço-a somente para despertar o pensamento de vocês, sua capacidade inquisitiva, a fim de que vocês iniciem a caminhada sozinhos Porque vocês não podem fazer essa caminhada com a ajuda de outra pessoa; vocês não podem ter um guru que lhes diga o que fazer, o que procurar. Se alguém lhes disse isso, vocês já não estarão nessa caminhada. Mas será que vocês não podem começar essa caminhada sozinhos, sem o acúmulo do conhecimento, que impede o progresso nesse exame? Para examinar, a mente precisa estar livre do conhecimento. Quando há alguma pressão por trás desse exame, ele não é mais reto, mas torto e é por esse motivo que é essencial ter uma mente realmente humilde uma mente que diga “não sei; vou procurar saber”. E que nunca acumule no processo de exame das coisas. No momento em que acumulam, vocês passam a ter um centro, e esse centro sempre irá influenciar o exame. E então? Será que a mente é capaz de examinar sem acumular, sem assimilar coisas, sem enfatizar o centro através da autoridade do conhecimento? E, se for capaz, qual o estado dessa mente? Qual o estado da mente realmente inquisitiva? Sem duvida é o estado do vazio.

Não sei se vocês já tiveram a sensação do que é estar completa mente só, sem nenhuma pressão, sem motivação nem influência, sem a idéia do passado nem do futuro. Estar completamente só é totalmente diferente da solidão. Há solidão quando o centro de acumulação se sente isolado em suas relações com o outro. Eu não estou falando dessa sensação de solidão. Falo do estar só, em que a mente não se acha contaminada porque já compreendeu o processo de contaminação, que é o acúmulo. E quando a mente estiver totalmente só — porque, mediante o autoconhecimento, ela compreendeu o centro de acumulação —, vocês vão perceber que, estando vazia, livre de influências, a mente é capaz de uma ação não vinculada com a ambição, com a inveja nem com nenhum dos conflitos que conhecemos. Por ser indiferente, no sentido de não estar procurando um resultado, essa mente pode viver com compaixão. Mas esse estado mental não pode ser adquirido nem desenvolvido. Ele surge por meio do autoconhecimento, por meio do conhecimento de si mesmo — não de algum eu enorme, maior, mas de pequeno eu, que é invejoso, ambicioso, teimoso, raivoso, maldoso. O necessário é conhecer o todo dessa mente que é o seu pequenino eu. Para ir muito longe, você tem de começar de muito perto, e o perto é você mesmo, é o “eu” que você precisa compreender. E quando vocês começarem a compreender, vão perceber que o conhecimento se dissolve, o que deixa a mente totalmente alerta, atenta, vazia, sem esse centro. E só uma mente assim é capaz de perceber o que é a verdade.

Krishnamurti
Do livro: Sobre Aprendizagem e o Conhecimento - Páginas 18 à 21 – Ed. Cultrix

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