sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O fim do conflito

Existe um estado permanente de tranqüilidade criadora? Existe um fim para a aparente e interminável luta dos opostos? Existe um êxtase imperecível?

O fim do conflito e do sofrimento é alcançado quando compreendemos e transcendemos as tendências do “ego” e quando descobrimos aquela Realidade imorredoura, que não é criação da mente. É difícil o autoconhecimento, mas sem ele continua a existir ignorância e dor; sem autoconhecimento não pode haver termo à luta.

O mundo está partido em múltiplos fragmentos, cada um deles a contender com os outros; o mundo está dividido pelo antagonismo, pela avidez e pela paixão; fracionado por ideologias, crenças e temores, a se guerrearem mutuamente. Nem a religião organizada, nem a atividade política podem trazer a paz ao homem. O homem está contra o homem, e as numerosas explicações de sua infelicidade não afastam a dor que o aflige. Temos tentado fugir de nós mesmos por maneiras variadas e engenhosas, mas a fuga só tem o efeito de embotar e insensibilizar a mente-coração. O mundo exterior é apenas uma expressão de nosso próprio estado interior; como, interiormente estamos divididos e dilacerados por desejos ardentes, nas mesmas condições está o mundo que nos rodeia; porque existe um tumulto incessante dentro em nós, existe também um conflito interminável no mundo; porque não temos tranqüilidade interior, o mundo se converteu em campo de batalha. O que somos, o mundo é.

Existe possibilidade de se encontrar alegria duradoura? Existe; mas, para vivermos essa alegria, é preciso que haja liberdade. Sem a liberdade, não pode ser descoberta a verdade; sem a liberdade, não é possível o conhecimento do Real. A liberdade deve ser procurada com diligência. Libertai-vos dos que se dizem salvadores, mestres, guias; libertai-vos das muralhas egocêntricas do bem e do mal; libertai-vos de autoridades e modelos; libertai-vos do “ego”, o causador de conflito e sofrimento.

Enquanto o anseio, nas suas diferentes formas, não for compreendido, haverá conflito e sofrimento. O conflito não terminará com uma nova e superficial definição dos valores, nem com trocas de mestres e guias. A solução definitiva se encontra no libertar-nos do anseio; não está noutro, porém em vós mesmos, o meio de o conseguirdes. A batalha incessante que se trava dentro de todos nós e a qual chamamos viver, não terá desfecho enquanto não compreendermos e transcendermos o anseio.

O conflito da aquisição manifesta-se na atividades culturais, na vida de relação, na acumulação de bens materiais. A tendência aquisitiva, sob qualquer forma que seja, gera a desigualdade e a brutalidade. Tal divisão e conflito entre os homens não podem ser abolidos por uma simples reforma dos efeitos e valores externos. A igualdade de posses não é a saída pela qual nos livraremos das tribulações e da estupidez que em escala tão vasta nos circundam e envolvem. Revolução alguma pode libertar o homem do espírito de exclusividade. Despojai-o de seus bens, mediante a legislação pela revolução, e vê-lo-eis apegar-se à exclusividade nas suas relações ou crenças. O espírito de exclusividade, nos seus diferentes planos, não pode ser abolido mediante reforma exterior, nem mediante com pulsão ou disciplinamento. É, todavia, esse espírito de exclusividade que gera desigualdade e dissensão. A tendência aquisitiva não lança o homem contra o homem? Pode implantar-se a igualdade e a compaixão por qualquer meio concebido pela mente? Não é necessário procurá-las em outra parte? Não cessa a exclusividade, apenas, quando reina o Amor, quando reina a Verdade ?

A unidade humana só pode encontrar-se no amor, no esclarecimento que nos traz a Verdade. Essa unidade do homem não pode estabelecer-se mediante simples ajustamento econômico e social. O mundo está perenemente ocupado nesse superficial ajustamento; está sempre tentando reordenar os valores, dentro do padrão da vontade aquisitiva; quer assentar a segurança na base insegura do desejo e, com isso, só atrai desastres. Contamos que uma revolução externa, uma reforma exterior dos valores, transformem o homem. Embora, sem dúvida, essas coisas produzam certos efeitos no homem, a sua vontade aquisitiva, encontrando satisfação em outros planos, continua a existir. Essa atividade aquisitiva, infinita e vã, não pode em tempo algum trazer a paz ao homem, e é só quando o indivíduo está livre dela que pode haver o esta do criador.

A aquisição cria a divisão dos que estão à frente e dos que ficam atrás. Deveis de ser simultaneamente Mestre e discípulo na busca da Verdade; deveis de investigar diretamente, sem o conflito de oposição entre modelo e imitador. É preciso haver persistente autovigilância, e quanto mais fordes diligentes e ardorosos, tanto mais se libertará o pensamento dos vínculos por ele próprio criados.

Na bem-aventurança do Real não existe “experiente” nem “experiência”. Uma mente-coração sobrecarregada das lembranças do passado não pode viver no eterno presente. Deve a mente-coração morrer em cada dia, para que haja Eternidade.

Krishnamurti
Conferências com perguntas e respostas realizadas nos anos de 1945 e 1946, em Ojai, Califórnia, Estados Unidos da América. Do livro: O Egoísmo e o Problema da Paz – Ed. ICK - 1946

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