(Do livro, ainda não editado em nosso idioma, "O Caminho da Inteligência").
2 - NO ESCUTAR ESTÁ A TRANSFORMAÇÃO
Achyut Patwardhan: As mentes reflexivas têm se dado conta de que existe uma certa degeneração no mais profundo do cérebro humano. Seria possível que investigássemos a origem dessa degeneração? Podemos iniciar nossa investigação com uma mente que diga: “vejo o fato dessa degeneração, desconheço suas causas, porém desejo investigar?”
Brij Khare: Me pergunto se podemos descobrir os instrumentos que vamos utilizar para levar ao fim essa investigação. Quais são, na realidade, os instrumentos que necessitamos para tal fim?
PJ: O cérebro é o instrumento para esta indagação e estamos indagando o movimento do cérebro? Pode o instrumento investigar a si mesmo?
AP: É possível limpar o cérebro da fonte de poluição?
PJ: Podemos trabalhar essas duas perguntas de forma conjunta? São adequados os instrumentos de que dispomos, para explorar a natureza deste movimento? E se formam partes dessa poluição, podem investigá-la? Portanto, não deveríamos investigar os instrumentos?
BK: Eu estou também me perguntando se se trata realmente do problema dos instrumentos ou bem podemos ver diretamente a desordem, porque então caberia que nos perguntássemos o que se deriva dele. Em certo modo, a degeneração parece implicar um processo no tempo. Porém, de forma clara, há desordem.
Q: Nos levará a alguma parte o exame dos instrumentos?
PJ: Não creio que as duas perguntas sejam independentes uma da outra.
AP: Descubro que os instrumentos são inadequados e os afasto. Digo-me que somente posso ver que existe este rápido processo degenerativo que ameaça a sobrevivência humana. Bem, agora como devo entender isto?
PJ: Dissemos que existe um estado de degeneração, tanto fora como dentro, que forma parte da mesma condição humana, porém que, ao haver-se acelerado o processo degenerativo, esta degeneração está na porta e dentro de um. Comecemos nos perguntando com que instrumentos vamos investigar. A menos que nos formulemos esta questão, seguiremos dando voltas no círculo vicioso da degeneração.
K: Creio que todos estamos de acordo de que existe degeneração, de que há um processo de corrupção, tanto moral e intelectual como físico. Há caos, confusão, dor e desespero. Pensar é ser invadido pela dor. Bem, agora, como nos a reportaremos a esta presente condição? O faremos como cristãos, budistas, hindus, muçulmanos ou comunistas? Ou bem trataremos o problema sem adotar nenhuma posição, nenhuma postura? Os comunistas concordam que a dor é a carga da humanidade, e que se queremos mudar esse estado é necessário recondicionar a sociedade. Se conseguirmos deixar de lado todos os nossos pontos de vista, talvez possamos, realmente, enfrentar o problema da degeneração.
O problema é muito sério. O conhecimento seja ele do mundo tecnológico ou do psicológico, ou obtido através da tradição, dos livros, etc., parece se encontrar na raiz de todo o processo de degeneração. Investiguemos este ponto. Observo o caos que existe por cauda da insegurança, da enorme confusão e desespero. Como devo me aproximar delas? Está completamente claro que careço de resposta para este problema de degeneração que existe dentro de mim. Suponhamos que eu tenha lido o Vedanta e que ali encontro à resposta; ou que sou marxista e que penso que a solução está ali e que somente é necessário fazer modificações no sistema. Tais posicionamentos viciaram a indagação. Por isso não quero afirmar nada que não se baseia em fatos observáveis.
PJ: Krishnaji tem introduzido um novo elemento nesta investigação que exige um profundo exame, ao afirmar que o conhecimento per se - quer se trate de conhecimentos tecnológicos, da perícia ou de tudo o adquirido pelo cérebro humano ao longo de milênios - constitui em si a origem da degeneração. Antes de tudo, devo ver esse fato, esse desafio. Porém, como deve Vê-lo, como deve responder a ele?
Q: Isso pode ser completamente falso.
PJ: Tenho que descobrir a verdade ou a falsidade disso.
BK: Eu sigo dizendo que talvez não estamos preparados, seja anatômica, fisiológica ou biologicamente, para enfrentarmos a situação, e que carecemos dos instrumentos adequados. O que pergunto é: existe uma causa original de tudo isto?
K: Qual é essa causa? Podemos descobri-la? Não se trata de que examinemos os sintomas, porque todos os conhecemos. Porém, podemos descobrir, através de uma investigação objetiva, qual é o efeito do conhecimento em nossas mentes e em nossos cérebros? Isto é o que tem que ser examinado, e então essa causa será descoberta. Podemos encontrar um enfoque diferente?
JU: Há dois pontos pelos quais podemos analisá-lo; um é o do indivíduo e o outro é da sociedade. Os problemas surgem porque o indivíduo acredita ser intrinsecamente livre, porém, ao mesmo tempo, uma parte dela se acha em interação com a sociedade. O indivíduo é, parcialmente, uma entidade; porém, de forma global, ele é produto da sociedade. A fim de examinar a questão, temos de prestar atenção aos problemas gerados pelo indivíduo e pela sociedade, de forma separada. A relação que o indivíduo possui consigo mesmo e a relação que possui com a sociedade são, na realidade, processos dentro da mesma sociedade. Não vou me remontar a um passado distante, senão aos últimos três ou quatro séculos de civilização.
Quisera insistir em que o problema se encontra na natureza da relação entre o indivíduo e a sociedade. Há momentos nos quais o indivíduo adquire uma grande importância, e em outros é a sociedade que a adquire. Qual é a natureza da relação entre ambos e como se altera o equilíbrio? Será na transmissão do conhecimento ou da experiência donde tem que haver a relação entre eles?
K: Me pergunto se tanto o indivíduo como a sociedade não são abstrações. O real é a relação humana. Você pode chamá-la relação social, porém o fato é essa relação que se estabelece entre você e o outro, seja íntima ou não. Descubramos si somos indivíduos o se estamos programados para pensar que o somos. Eu me pergunto muito seriamente se o conceito de indivíduo é real. Você pensa que o é e atua como tal; daí surgem os problemas, depois você se pergunta a respeito da relação entre sociedade e indivíduo. Porém a sociedade é uma completa abstração. O que é real é a relação entre dois seres humanos, o qual é a sociedade.
JU: Você disse que não existe o indivíduo? Estamos trabalhando em dois níveis de ilusão.
PJ: Upadhyayaji disse que o indivíduo não existe, porém que engana a si mesmo de que ele o é. Tampouco a sociedade é, porém temos a ilusão de que é. Enquanto “existam” essas duas ilusões ‑ a existência individual e a social - haverá um conflito entre as duas que deverá ser resolvido.
G. Narayan: Ainda que tanto o indivíduo como a sociedade sejam meras ilusões, temos de fato uma realidade de ambas e aí estão todas as conseqüências.
K: Você está dizendo que o cérebro tem sido programado como indivíduo, com sua própria expressão, liberdade, desenvolvimento, etc., e como contrário a da sociedade? Você admite que o cérebro tem sido programado? Não a denomine relação; ele está programado para pensar desse modo. Portanto não se trata de uma ilusão. Programar é uma ilusão, porém não o programado.
AP: Afirmar que o indivíduo ou a sociedade são ilusões é dizer que temos formado um problema imaginário, que estamos discutindo de forma meramente especulativa. Na realidade, o que estamos discutindo é a condição humana. A qual é um fato; o homem está se deteriorando, é egoísta, desgraçado, se acha em conflito e a ponto de se autodestruir. Isto não se pode negar. Krishnaji disse que tanto os tradicionalistas como os marxistas estão programados.
PJ: Achyutji, você não está compreendendo o verdadeiro sentido. Krishnaji disse que não há que chamá-lo de ilusão porque não o é em tal sentido.
Não é que o cérebro o tenha criado; senão que ele, em si mesmo é isso, porque tem sido programado para sê-lo.
K: Se você o denomina ilusão, então a ilusão é o programado. Portanto, se você deixa de programar ao cérebro, que é ilusão, para com todo o assunto. O computador[1][7] está programado e nós também.
JU: Se paro com tudo isso, que sucede com a relação?
K: Deixemos os “si” e os “porém”. Vemos, na realidade, o fato ‑ não a teoria - de que não somos indivíduos?
RMP: Sempre que falamos de relação, damos por certo que há dois pontos entre os quais a estabelecemos. Minha hipótese é que antes de examinar a relação, devemos investigar esses dois pontos. Porque falar dela sem termos em conta se torna meramente acadêmico.
BK: Incluiremos nesta investigação aos animais, a mente animal? Porque se for assim não deveríamos falar dos últimos três ou quatro séculos, senão nos remontar aos tempos em que vivíamos nas árvores.
K: A que se refere, Senhor?
PJ: Estou me referindo ao que você disse a respeito de que o cérebro está programado. A onde vamos a partir dai? Você disse que a atividade egocêntrica ‑ o indivíduo tal como é, um pouco mais elaborado – tem de ser negado em cada detalhe. Porém quando observamos o exterior e o interior ‑ já que a preponderância de ambos é alternativa - a interação entre os dois é sempre evidente. Você pode denominá-lo indivíduo e sociedade, ou como melhor lhe pareça, porém sempre estão os dois. Eu o tenho criado. Essa é a questão. Portanto, como disse Rimpocheji, não podemos deixar dado ao indivíduo e falar exclusivamente da relação, porque temos que examinar os dois pontos.
K: Eu questiono isso. Digo que somente existe a relação.
PJ: Você estabelece a relação fora do contexto dos dois?
K: Sim. Quero dizer, o cérebro se relaciona a si mesmo com o passado. O cérebro é o passado.
PJ: Então, quem se relaciona com quem?
K: Não se relaciona com nada. Funciona dentro de seu próprio círculo, dentro de sua própria zona. É obvio.
SP: Porém, Senhor, este cérebro se relaciona com outros cérebros, com os que possui certas semelhanças.
PJ: Sunanda, você escutou o que ele disse a respeito de que você nunca está se relacionando com outro, de que ele mesmo, o cérebro é que cria esse “outro” com o que logo se relaciona?
K: Pode repetir o que disse?
GN: Você disse que não existe relação porque o cérebro cria ao “outro” e logo se relaciona com este. De fato somente existe o cérebro humano.
K: O cérebro somente se ocupa de si mesmo, de sua própria segurança, de seus problemas, de sua própria dor; e o “outro” também é isto. O cérebro jamais se relaciona com nada. Não existe o “outro”, uma vez que esse “outro” não é mais que a imagem criada pelo pensamento, que é cérebro.
RB: Você está dizendo que a mesma relação é parte da programação?
K: Não, nos afastemos da palavra “programa”.
RB: Não existe o “outro” e não existe a relação.
K: Não. A relação se produz sempre entre dois.
S: Você quer dizer que não há “outro”?
K: Você existe, porém minha relação com você se baseia na imagem formada que eu tenho de você. Portanto, me relaciono com a imagem que eu mesmo possuo.
BK: Porém parte do cérebro está também questionando isso.
K: Esclareçamos isto. Minha relação com você se baseia no pensamento que tenho a respeito de você, a sua imagem que tenho criado. Portanto, a relação não é com você senão com a imagem que tenho. Assim, pois, não há relação.
BK: O que não entendo é como se produz a programação.
K: Senhor, o computador está programado. Acreditará em deus, nos Vedas ou em qualquer coisa que se lhe diga. Meu cérebro também tem sido programado para crer que sou hindu, cristão, crer em deus ou não crer nele. Deixemos isto por momento. Estávamos dizendo que não há “outro”. Portanto, não há relação com o “outro”.
AP: Eu questiono isso.
K: O estou examinando. Meu cérebro, ele é o cérebro comum à humanidade, não é meu cérebro. Esse cérebro comum, que tem existido desde quase cinco ou dez milhões de anos, que tem armazenado experiências, conhecimentos, etc., tem formado uma imagem do mundo e também, por exemplo, de minha esposa. Ela está aí simplesmente para meu próprio prazer, para cobrir minha solidão; existe em mim como uma imagem que o pensamento tenha criado. Deste modo, não há relação.
Porém se, realmente, me dou conta disso e mudo todo esse movimento, talvez possamos saber o que é o amor. Então, a relação é totalmente diferente.
AP: Você tinha enunciado algo. É isso uma descrição ou um fato?
K: É uma descrição para comunicar um fato. Questionemos o fato, não a descrição.
AP: Eu questiono o fato. Digo que o fato é que o mundo está cheio de gente, dividida em nacionalidades, etc. Não posso permitir ou simplificar em extremo a situação, reduzindo todo o problema ao que está acontecendo no cérebro, porque algo está acontecendo fora, algo está acontecendo dentro de mim e existe uma interação; esse é o problema.
K: Você disse que há interação entre meu mundo psicológico e o mundo. E eu afirmo que somente há um mundo: meu mundo psicológico. Não se trata de uma extremada simplificação, senão de todo o contrário.
Q: Você disse que a relação que mantenho com minha esposa, é meu ideal a minha imagem, porém como se produz esta imagem? Pois para que a imagem chegue a ser, é necessário que um exista como indivíduo. Tenho criado sua imagem, porém para isto ela deve estar aí fora como um objeto. Algo tem que haver lhe causado.
Q: Você está eliminando o objeto.
K: Não tem sido eu.
PJ: Estamos falando de degeneração. Qualquer um que tenha observado como opera a mente se dará conta da validez da afirmação de Krishnaji; quer dizer, que podes ser fisicamente um ser humano, porém que para mim não és mais que a imagem que há em minha mente e que, portanto, minha relação é com essa imagem.
K: Portanto, não há interação, não há um “tu” com o qual possa o “eu” se relacionar.
AP: Tenho uma dificuldade. A menos que um aceite a existência do outro indivíduo, está desvalorizando ou negando quando surge como desafio desse “outro”, o qual possui tanta realidade como meus desejos ou respostas. Não são mais válidos que os da outra pessoa.
Q: Você está eliminando o objeto que coloca algo em movimento, que é uma realidade.
GN: O cérebro cria sua própria imagem que impede uma relação real. De fato, todo o problema surge quando o cérebro se relaciona com sua própria imagem.
AP: É sui generis o movimento que surge da imagem ou o cérebro é uma resposta diante de um desafio exterior? Eu digo que isto é último.
PJ: A resposta está no cérebro.
K: O cérebro é o centro de todas as reações sensoriais. Vejo uma mulher e se despertam as respostas sensoriais. O cérebro cria então a imagem da parceira dormindo, o sexo e tudo isso. A resposta sensorial acaba armazenada no cérebro que logo reage como pensamento, através dos sentidos, da memória, e todo o resto. A partir daí, enquanto esta sensação se encontra com uma mulher, se coloca em funcionamento todos os mecanismos sensoriais. Logo, se cria a imagem; e é essa imagem e não a mulher a que se converte em algo de suma importância. Pode ser que a mulher seja necessária para meu prazer, etc., porém já não haverá relação com ela, exceto no físico. É bastante simples.
AP: Um certo temor ronda em minha mente: Este é um processo de egocentrismo refinado?
K: Isso é o que estou dizendo.
BK: Podemos dar um passo a mais? Pode ser que seja uma relação mental? As imagens podem ser manipuladas, modificadas e melhoradas. É possível então que se produza uma relação mental?
K: Por suposto; isso é o que faz o cérebro continuamente.
PJ: Surge então a verdadeira pergunta: Qual é a ação ou o ato que desata ao final de toda esta maquinaria de produção de imagens, para que se faça possível um contato direto? Esta é a armadilha em que temos caído, como vemos, porém, seguimos com o mesmo padrão.
K: Assim o é. Por que funciona o cérebro de forma tão mecânica?
PJ: Que desafio, que ação poderá romper esse funcionamento mecânico, de forma que se produza um contato direto?
RB: Contato com o quê?
PJ: Contato direto com “o que é”.
K: Esclareçamos isto. O cérebro está habituado a este movimento sensorial e imaginário. O que romperá esta cadeia? Eis aí a pergunta básica.
JU: A dedução é que tudo quanto surge, surge de nossos sentidos. Nada procede dos fatos exteriores.
K: Já disse que não existe o exterior, somente existem as respostas que o cérebro dá a certas reações, o qual é conhecimento.
S: Você está dizendo que não há exterior nem interior, senão somente o cérebro?
K: Sim.
JU: Você estabelece uma afirmação. Tenho escutado o que você tem dito. Não entra em meu cérebro o fato de que não há um fato exterior; que a imagem nasça na maquinaria de produção de imagens do próprio cérebro; que seja o eu o que projeta as imagens que possui do outro. Tudo isso não entra em meu cérebro.
K: Por quê?
JU: É algo novo para mim.
BK: Está programado de forma diferente.
PJ: A pergunta é: qual é sua relação comigo ou com Upadhyayaji ou com X? Acaso não é você um fato para mim?
K: Que quer dizer com “você”?
PJ: Acaso não é um fato para este cérebro a afirmação de Krishnaji ou a forma em que o tenha perguntado ou quanto tenha estado dizendo?
K: O é.
PJ: Pois se o é, é que então existe um movimento distinto ao do próprio cérebro.
K: K faz uma afirmação. Isso somente constituirá um fato para você se pode responder a ele. De outra forma não o é.
PJ: Não o entendo.
AP: Olhe, alguém passa a meu lado e não produz em mim impressão alguma; não há registro e, portanto, não há resposta. Cabe a possibilidade de que algo esteja acontecendo e de que eu não responda de modo algum. E, pelo contrário, sucede que alguém me diz algo e, imediatamente, se produz minha reação.
K: Bem, há aqui o fato, como responde você a ele? Como budista, como cristão, hindu, muçulmano, como político, etc.? Talvez responda com a mesma intensidade do fato ou não responda em absoluto. Para que haja um fato, você e eu devemos nos enfrentar um ao outro, não fisicamente, senão de alguma forma.
JU: Se você é um fato, por que está negando que o fato possa vir de fora?
K: Isso é algo completamente diferente. O fato que vem de fora é o que o pensamento tem criado. O comunista desafia ao crente. O comunista é um crente que desafia a outra crença, de modo que isto se torna uma proteção; uma reação contra a crença. Porém isso não é um fato. Este que lhes fala carece de crenças. E deste lugar estabelece seu fato. O que é muito diferente ao fato externo.
PJ: Qual é desafio que não seja do centro?
K: Se você desafia minha reputação ou questiona minha crença? Eu reajo porque necessito me proteger, e você está me desafiando através da sua imagem. É um fato entre duas imagens criadas pelo pensamento. Porém se você desafia a K, que ele é um fato em absoluto, isso é algo completamente diferente.
PJ: Necessitamos voltar ao ponto donde começamos...
S: Meu cérebro, que é uma máquina de formação de imagens, responde ao do outro da mesma maneira que ao fato criado por uma pessoa como você. Não responde, acaso, da mesma forma?
PJ: Assim é. Porém a pergunta é, como há de terminar este movimento?
K: Como há de terminar este ciclo de experiência, conhecimento, memória, pensamento, ação; ação que volta a ser conhecimento conformando o círculo no que você está fechado?
PJ: Está perguntando como há de terminar o fluxo da causalidade? Esse processo que você tem mostrado, do fato, da sensação e da ação, não mostra que essa ação retorna para ser armazenada?
K: Por suposto, evidentemente. Isso é o que estamos fazendo.
JU: Regressa o que tinha ido ou volta algo novo?
PJ: Atua e, enquanto o faz, outras muitas causas concorrem nulo. Todo o assunto regressa e acaba armazenado novamente.
CN: Temos estado dizendo que o programa funciona assim: experiência, conhecimento, memória, ação. A ação fortalece a experiência e isto se repete.
JU: Em tal processo, o que sai não regressa como era, senão com algo especial que se lhe tenha acrescentado. Qual é essa qualidade especial que se lhe agregou?
RMP: Em todo o processo de pensamento? Segundo Upadhyayaji existe este ponto fixo, que é o interno e o externo. Se pudermos discuti-lo, talvez não seria mais fácil a compreensão?
GN: Não estamos negando a realidade do mundo exterior porque aí está a natureza, os outros seres humanos, os objetos. Tudo é real; a guerra, as nacionalidades e a outra pessoa são reais. O que queremos dizer é que realmente não existe contato; que a única coisa se produz é o contato com nossa própria imagem, o qual não constitui contato algum.
PJ: Pelo que se deduz, não existe verdadeira liberdade em absoluto, porque, atados a isto, não pode haver liberdade.
GN: Isso não nega a existência do mundo exterior, e voltamos ao tema da sociedade e eu.
AP: Um não nega o mundo exterior como objetos, senão que nega a realidade desse mundo como pessoas.
PJ: Não, se nega a realidade das imagens do mundo exterior que sua mente tenha criado.
JU: Aceito que quem cria as imagens é responsável do processo. Tenho podido chegar tão longe graças tão somente a um processo de casualidade. Quando regressa, o faz com nova experiência, desejos e requerimentos. Que coisa é esse novo fator e de onde procede?
PJ: Como possui lugar essa acumulação de conhecimento? O que era verde tem regressado amarelo, igual ao que acontece de uma folha, em um fruto.
K: Senhor, o que estou dizendo é que o conhecimento ‑ o conhecimento psicológico - tal e como existe agora, é a corrupção do cérebro. Entendamos este processo muito bem. Você pergunta como há de se romper essa cadeia. Creio que a questão central é o conhecimento psicológico, que corrompe o cérebro e, portanto, corrompe o mundo, corrompe os rios, os céus, as relações, tudo. Como há de se romper esta cadeia? Agora bem, por que formula esta pergunta, por que deseja romper esta cadeia? É uma pergunta lógica. Possui tal ruptura uma causa, um motivo? Se é assim, então você voltou para a mesma cadeia. Porque se me produz sofrimento e, portanto, quero sair disso, me verei aprisionado de novo; e se me causa prazer direi: “por favor, deixe-me tranqüilo”. Portanto, eu mesmo devo tê-lo claro. Não posso lhe persuadir você para que o tenha claro, porém ao que a mim concerne devo permanecer sem motivo ou direção alguma.
Satyendra: É uma questão fundamental e por isso seguimos nos perguntando: “como romper a cadeia?” Porém a pergunta que eu formulo agora é se com o cérebro que possuímos será possível consegui-lo.
Sou consciente de mim mesmo. Posso lhe perguntar desta maneira?; Se tratará basicamente de uma forma de olhar as coisas?; É uma questão de raciocínio, de lógica?
K: Não, não se trata de um assunto de analise, senão de uma observação plena do que está acontecendo.
Sat: Sem que a mente forme uma imagem?
K: O cérebro é o centro de todas as respostas sensoriais. Estas têm criado a experiência, o pensamento e a ação; e o cérebro, que se encontra atado nisto que é parcial, nunca é completo. Portanto, contamina tudo o que faz. Se você admite isto uma só vez, não como uma mera teoria senão como um fato, o círculo acabará rompido.
PJ: Praticamente, todos os ensinamentos relacionados com o processo meditativo, têm considerado aos sentidos como um obstáculo para colocar fim a este processo. Que papel você concede aos sentidos na liberação da mente?
RB: Creio que não é correto o que está nos dizendo. Todas esses ensinamentos não tem considerado aos sentidos como um obstáculo, porque quando falavam de “sentidos” incluíam a mente. Jamais estabeleceram uma separação entre mente e sentidos.
PJ: Depois de tudo, segundo o entendido, todas as práticas yoguísticas, todas as tapas[2][8] e ascetismos tratam de destruir o movimento dos sentidos face ao objeto.
K: Ignoro o que tem sido falado pelos antigos sábios.
Papila Vatsyayan: Creio que no pensamento antigo da Índia, denominado geralmente hinduismo, não se pretende negar os sentidos. Esse é um ponto crucial em toda nossa cultura, onde começou tudo isto, com o Katha Upanishad e sua percepção sensorial. A imagem que eles possuem dele é a carruagem e os cavalos. Sim, os cavalos, os sentidos, são primitivos e não há por que serem destruídos, senão compreendidos e controlados. Eles são os agentes da realidade exterior, não negam o exterior.
PJ: Eu pergunto qual é o papel dos sentidos.
K: Os sentidos, como o pensamento, criam o desejo. Sem a interferência do pensamento, possuem pouquíssima importância.
PJ: Os sentidos não possuem importância?
K: Possuem seu lugar. Se vejo uma árvore esplêndida, isto é beleza, o esplendor de uma árvore é algo impressionante. Onde interfere o desejo com os sentidos? Aí está a questão?
Não se trata de saber se os sentidos são importantes ou não o são, senão onde começa o desejo. Se alguém entende isto, por que há de lhe dar tão extraordinária importância?
RB: Parece que se estivera contradizendo.
K: Não.
RB: Senhor, você tem dito ‑ não agora, senão no principio – “se você pode observar com todos seus sentidos...” Assim, não pode negar sua importância.
K: Não recuso os sentidos. Tenho dito que se você responde a esta árvore, se a observa, envolta pela luz do sol depois da chuva, cheia de beleza, há uma resposta total na qual não existe “eu”, nem pensamento, nem centro de onde se responda. Isso é a beleza, não o quadro, nem o poema, senão a resposta total de todos nossos sentidos diante desse fato. Nossa resposta não é assim porque o pensamento tem criado uma imagem a partir da qual surge o desejo. Não há contradição no que disse.
PJ: Se puder lhe fazer uma pergunta, Upadhyayaji, que pensam os seguidores do Vedanta a respeito dos sentidos?
JU: Segundo o Vedanta, sem observador não é possível a observação.
PJ: E os budistas?
S: Dizem que somente existe visão quando não está presente o que vê. Não há diferença entre o que vê e a visão.
K: O observador é o observado. Simplesmente, vejam o que está acontecendo aqui. Nos preocupamos de qual é a atitude do Vedanta ou do Budismo, porém não saímos de nossa posição. Não estou criticando, porém voltemos ao ponto fundamental: o cérebro está atado neste movimento. E vocês estão se perguntando como há de se romper essa cadeia que tem construído o pensamento, o qual é limitado porque se originou do conhecimento que, por sua vez, é incompleto.
O conhecimento tem criado esta cadeia, e vocês se perguntam: como há de se romper tal cadeia? Quem formula esta pergunta?
S: O prisioneiro.
K: Você é isso. Quem faz a pergunta?
S: Aquele que é em si mesmo incompleto, é ele que a formula.
K: Somente observe-o. O cérebro está atado nisto. É ele quem faz a pergunta ou ele é o desejo que diz: “Como vou a sair disto?”. Eu não me faço nenhuma pergunta. Você vê a diferença?
AP: Entendo. Quando você disse, sim é o cérebro ou o desejo quem faz a pergunta, acaba bloqueando.
PJ: Não fazemos a pergunta?
K: Somente existe esta cadeia, isso é tudo. Não façam a pergunta. No momento em que formula a pergunta está tratando de achar uma resposta e, portanto, não está observando a cadeia. Você é isso, não pode fazer nenhuma pergunta. Vamos ao próximo ponto, que acontece quando você faz isso? Quando o faz, não há movimento. O movimento tem criado isto, e quando não há movimento ele termina. Há una dimensão completamente distinta. Assim, pois, tem de começar por não fazer perguntas.
Porém, na realidade, a cadeia é um fato para mim? Esta cadeia é desejo, desejo no sentido de respostas sensoriais. Se todos os sentidos respondem, não há desejo. Porém, somente quando as respostas sensoriais são parciais, o pensamento interfere e cria a imagem. Desta imagem surge o desejo. É, portanto, um fato que esta é a cadeia na qual o cérebro opera e que, seja lá o que faça, sempre será assim?
BK: Como podemos estar mais em contato com essa observação?
K: Olhe, quando tenho uma dor física, tomo imediatamente um comprimido, vou ao médico, etc. O mesmo movimento é adotado pela psique, que diz: “Que devo fazer? Dê-me um comprimido, ofereça-me uma fuga”. O problema se apresenta no momento em que você quer fugir disso. Sou capaz de enfrentar a dor física, porém pode o cérebro afetado por um sofrimento psicológico dizer: “é assim, não fugirei disso”? É assim. Observe logo o que acontece. O verdadeiro processo espiritual é esta busca cética, esta investigação cética. Essa é a verdadeira religião.
Madrás, 14 de Janeiro de 1981
[1][7] A palavra inglesa «computer» se repete cmn freqüência em vários capítulos. A tradução «computadr» é adequada para os países de língua hispana na América Latina, porém não é assim para a Espanha, onde se utiliza «ordenador», derivada do francês «ordinateur».
Ao ter que escolher uma tradução, temos optado por «computador» que assim aparecerá ao longo do texto. Pedimos desculpas para todas as pessoas que estão acostumadas a usar a outra traducción. (N. del T.)
[2][8] Tapas: Ascetismo, penitência, sacrifícios.