sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Crenças, preconceitos, dogmas e idéias

CONSIDERO importante compreender a relação que deve estabelecer-se entre um orador e seus ouvintes, entre mim e vós, porquanto eu não estou representando a Índia nem filosofia indiana, e tampouco vou falar sobre os ideais e doutrinas do Oriente. A meu ver, nossos problemas humanos, quer sejamos orientais, quer ocidentais, são idênticos. Cada um de nós pode ter costumes diferentes, diferentes hábitos, diferentes valores e pensamentos, mas, fundamentalmente, sinto que temos todos os mesmos problemas.

Muitos são os nossos problemas, não é verdade? — problemas sociais, econômicos e, mais especialmente, talvez, problemas religiosos; e atualmente todos nos aplicamos a eles de diferentes maneiras. Consideramo-los, apenas, parcialmente, como cristãos, como hinduístas, comunistas, ou seja, o que for, ou os separamos como problemas orientais ou ocidentais. E, por considerarmos os nossos problemas parcialmente, com essas diferentes formas de condicionamento, parece-me que não os estamos compreendendo. Creio que a maneira de considerar o problema é muito mais significativa do que o próprio problema e que, se pudéssemos aplicar-nos às nossas numerosas dificuldades sem nenhuma espécie de condicionamento ou preconceito, chegaríamos, provavelmente, a compreendê-los a fundo.

Assim sendo, permito-me salientar quanto é importante descobrirmos por nós mesmos, cada um de nós, a maneira como estamos tentando resolver os numerosos problemas humanos que nos assediam; porque, se a esse respeito não estivermos bem esclarecidos, então, penso eu, por mais que nos empenhemos para compreender os complexos problemas da vida e toda a confusão e contradição em que nos vemos envolvidos, nunca o conseguiremos. Por isso mesmo, bem valeria a pena, parece-me, examinarmos as crenças, os preconceitos, os dogmas e as idéias que, de diferentes maneiras, estão agora corrompendo a mente e impedindo-a de ser livre para descobrir o que é a verdade, a realidade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo. E devo afiançar-vos que se necessita de um interesse extraordinário para tal fazer — para descobrirmos, no decorrer desta palestra, os numerosos obstáculos à compreensão e percebermos como a mente — o único instrumento de descobrimento com que contamos — está embotada em virtude de tantos pensamentos, emoções, temores, hábitos e condicionamentos que compõem a sua estrutura.

Para descobrirmos tudo isso, considero essencial não escutar o que se está dizendo como se se tratasse de mera conferência ou discurso — pois não é nada disso — porém, antes, acompanhar, cada um, enquanto vou falando, as reações de sua própria mente. Pois o importante, naturalmente, é compreendermos o verdadeiro funcionamento de nossa mente. O mero concordar ou discordar não cria a compreensão; cria só confusão e contradição, não é verdade? Mas se, ao contrário, pudermos acompanhar, paciente e inteligentemente, o que se está dizendo, sem julgar, sem comparar, sem concordar ou discordar, de modo que vejamos a mente funcionar, então, talvez, descobriremos por nós mesmos a maneira de considerarmos os nossos inúmeros problemas.

Nosso pensar se tornou dependente de nosso ambiente, porque estamos atados por inúmeros preconceitos — preconceitos nacionalistas, ideológicos, religiosos, etc. Estamos sempre a buscar segurança, a buscar algum meio de confiarmos em nós mesmos, tanto interior como exteriormente, não é exato? E quer-me parecer que enquanto estivermos empenhados nessa busca de segurança, de confiança em nós mesmos, de certeza, não estaremos livres para examinar os nossos problemas e descobrir se é possível dar-lhes solução definitiva. Por certo, só quando compreendemos a nós mesmos, quando observamos o nosso próprio processo mental — o que, afinal, é auto- conhecimento — só então existe a possibilidade de descobrirmos por nós mesmos o que é verdadeiro, o que é a realidade. Para isso, não há necessidade de instrutor, de guia, de escrituras, de nenhuma autoridade, enfim. O descobrir e compreender os movimentos de nosso pensar e de nosso sentir dá-nos a possibilidade de resolver nossos próprios problemas, que são também problemas sociais.

Mas é muito difícil pensarmos sem ser de determinada maneira, sem ser de acordo com determinado conjunto de valores, dogmas, crenças ou teorias. Tanto ansiamos por uma solução aos nossos problemas, que nunca nos detemos para considerar se o instrumento de que nos estamos servindo — a mente, minha e vossa — está verdadeiramente livre para investigar. A mente repleta de conhecimentos, crenças, teorias, não está, por certo, livre para investigar o verdadeiro. Mas, se pudermos compreender e dissolver o condicionamento, os preconceitos e dogmas que nos estão enevoando a mente, talvez então esta se torne livre para descobrir, pois, assim, a própria verdade atuará sobre o problema, em vez de ficar a mente lutando por uma solução por meio de seu próprio condicionamento — que não pode levá-la a parte alguma.

Eis porque acho tão importante saber escutar. Mui poucos de nós somos capazes de escutar verdadeiramente; mui poucos dentre nós ouvimos ou vemos as coisas com verdadeira clareza, porque tudo o que observamos ou ouvimos é imediatamente interpretado, traduzido pela mente, de acordo com nossas próprias idéias e idiossincrasias. Pensamos estar compreendendo, mas não estamos, por certo. De tal maneira estamos sendo distraídos por nossas opiniões e conhecimentos, pelo aprovar ou reprovar, que nunca vemos o problema como ele de fato é. Mas, se pudermos desembaraçar-nos de nossos peculiares pontos-de-vista e, escutando, seguindo o funcionamento da mente, perceber o fato tal qual é, acho que veremos então manifestar-se um processo completamente diferente, o qual nos habilitará a considerar os nossos problemas com plena liberdade e clareza.

Por essa razão, creio necessário escutar totalmente. Atualmente, escutamos apenas com uma parte de nossa mente, sendo-nos dificílimo dispensar atenção completa não só ao que se está dizendo agora, mas a tudo que se nos depara na vida. Temos problemas inúmeros — os problemas religiosos, sociais, econômicos, e mais os problemas da vida, da subsistência, da morte; e quer-me parecer que o próprio processo de nosso pensar está aumentando esses problemas. O modo como funciona o nosso pensar — nossa mente é condicionado, não? Condicionado pela religião em que fomos criados, por nossa nacionalidade, nossos pontos-de-vista políticos, nossas circunstâncias econômicas, e inumeráveis outras influências. Tudo isso concorreu para moldar a nossa mente de uma determinada maneira; e, se desejarmos libertar-nos dessa pressão, dessa influência, então, decerto, é inútil tratarmos meramente de abandonar uma dada forma de autoridade para procurarmos uma forma nova, um método novo, uma nova crença. É isso, no entanto, o que sempre estamos fazendo. Por certo, só a mente que está livre, por inteiro, de toda e qualquer autoridade, consciente ou inconsciente, é capaz de descobrir se existe uma realidade que transcende as meras concepções mentais. A mente livra é aquela que se libertou de toda crença, de todos os padrões de pensamento, conscientes ou inconscientes. Na atualidade, todo o nosso pensar resulta de nosso especial condicionamento, nossas experiências, lembranças, temores, esperanças, acumulados através do tempo. Em tais condições, é bem óbvio que a mente não está livre. Só existe liberdade quando o processo do pensamento, no seu todo, foi compreendido e transcendido; e só então se torna possível o surgir de uma mente nova, regenerada.

Assim sendo, pode a mente libertar-se de seu próprio condicionamento, para considerar de maneira nova os seus problemas? Pode ser livre a mente? — não como cristã, hinduísta, sueca, comunista, ou seja, o que for, nem puramente no sentido de abandonar um dado ideal, crença ou hábito, porém livre para descobrir o que significa transcender todas as influências e contradições, mentais e sociais.

Como está reagindo agora a mente? Reagir, concordando ou discordando, é de todo vão, uma vez que tal reação é produzida por nosso próprio fundo, nosso acervo de saber e de crença. Mas, “experimentar” o que se está passando em nós mesmos, isso parece-me verdadeiramente proveitoso. Ora, pode-se investigar inteligentemente, pacientemente, para descobrir se há alguma possibilidade de libertarmos a nossa mente de todo parcialismo, toda influência, habilitando-a, assim, a transcender suas próprias atividades? Do contrário, nossa vida será sempre muito superficial, vazia — e talvez quase todos estejamos nesse caso. Temos um enorme acervo de informações, conhecimentos, inumeráveis crenças, credos, dogmas, mas na realidade somos muito superficiais e infelizes. Embora, em certos países, externamente, se haja estabelecido a segurança econômica, contudo, interiormente, psicologicamente, o indivíduo permanece incerto, inseguro. E a segurança exterior, física, que todos os entes humanos, sem distinção de nacionalidade, desejam e necessitam, torna-se impossível para todos nós, em virtude de nossa ânsia de segurança interior, psicológica. A própria ânsia de segurança interior impede a compreensão. Só quando a mente já não é ambiciosa, já não busca nem exige nada, está livre para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus.

É por esta razão que tanto importa compreendermos a nós mesmos — não analiticamente, ou seja, uma parte da mente analisando outra parte, pois daí só pode resultar mais confusão — porém verdadeiramente cônscios, sem julgar nem condenar, da maneira como agimos, das palavras que empregamos, de todas as nossas variadas emoções, nossos recônditos pensamentos. Se formos capazes de nos olharmos sem paixão, de modo que as emoções ocultas não sejam recalcadas, porém trazidas à luz e compreendidas, nossa mente se tornará então deveras serena; e só aí encontraremos a possibilidade de viver a pleno a vida.

São essas as coisas que penso devemos sondar juntos. Podemos ajudar-nos uns aos outros a achar a porta da Realidade, mas cada um tem de abrir a si mesmo essa porta; tal é, a meu ver, a única ação positiva.

Assim sendo, urge operar-se, em cada um de nós, uma revolução interior, uma revolução religiosa; porque só esta revolução religiosa poderá mudar a direção de nosso pensar. E para que possa produzir-se esta revolução, é necessária a silenciosa observação das reações da mente, sem julgamento, condenação ou comparação. A mente é agora estéril, não criadora, no legitimo sentido da palavra, não é exato? Ela é uma coisa artificial, constituída das acumulações da memória. Enquanto existir inveja, ambição, busca interesseira, não pode haver o esta do criador. Parece-me, por conseguinte, que o mais que podemos fazer é compreendermos a nós mesmos, as operações de nossa mente; e esse processo de compreensão representa uma enorme tarefa. Não é coisa que se faz esporadicamente, que se deixa para mais tarde, para amanhã, mas que deve ser feita todos os dias, a cada momento, continuamente. Compreender a si mesmo é estar cônscio, espontaneamente, naturalmente, dos movimentos do pensar. Começa-se, assim, a perceber todos os ocultos motivos e intenções que nutrem os nossos pensamentos, e resulta, daí, a libertação da mente dos processos que a tolhem e limitam. Ela está então tranqüila; nessa tranqüilidade pode manifestar-se, de modo espontâneo, algo que não é produto da mente.

Há algumas perguntas para responder e acho que seria bem proveitoso apurarmos o que se entende por “fazer uma pergunta” e o que se entende por “obter uma resposta”. Afinal de contas, existem respostas para as momentosas e fundamentais questões do amor, da vida, da morte, da existência futura? Só fazemos perguntas quando nos vemos confusos, não é verdade? Por conseguinte, as respostas, também, terão de ser confusas. Assim sendo, muito importa não ficarmos dependendo das respostas de outros, e examinarmos o problema diretamente, por nós mesmos. A dificuldade, pois, não está em fazer a pergunta ou obter a resposta, mas, sim, em ver o problema claramente. E quando há clareza, já não há necessidade de perguntas nem de respostas.

Krishnamurti - 1ª Conferência em Estocolmo – Do livro: A VERDADE LIBERTADORA – ICK

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