sábado, 13 de novembro de 2010

Existe uma vida futura?

Interessam-se realmente por isso? Suponho que sim, pois, de outro modo, não fariam a pergunta. Mas, um momento: por que perguntam se existe uma vida futura? Só por divertimento, curiosidade, porque estão atemorizados com o presente e, portanto, pretendem saber qual será o futuro, ou simplesmente para aprender? Ora, sabem que alguns cientistas modernos, bem conhecidos, estão afirmando que existe uma vida futura. Dizem eles que, através de médiuns, podemos descobrir que existe uma vida após a morte. Muito bem, tomemos isso como decidido, que ela existe. Que acontece se existir uma vida futura? Que fizeram ao descobrir que existe uma vida futura? Não são, por isso, nem mais felizes nem mais inteligentes nem mais humanos nem mais sensatos nem afetuosos. Estão onde sempre estiveram. Tudo que aprenderam foi outro fato - o de que existe uma vida depois desta. Isso pode ser um consolo, mas o que resulta daí? Dirão: "Isso me dá a certeza de que viverei na próxima vida". Mais uma vez: o que decorre daí? Mesmo que isso lhes dê a certeza de que viverão, defrontam-se ainda com os mesmos problemas, os mesmos aborrecimentos, as mesmas alegrias e prazeres transitórios, não obstante exista outra vida. Para mim, embora ela seja um fato, é de pouca importância. Senhor, a imortalidade não está no futuro; a imortalidade, a eternidade, ou como queiram chamá-la, está no agora, no presente, e só poderão compreender o presente quando a mente estiver liberta do tempo.

Receio tornar-me, agora, um tanto metafísico, mas espero que não se incomodem. E não é, realmente, ser metafísico. Enquanto a mente for escrava do tempo, tem de haver o temor da morte, o temor e a esperança de uma vida futura e uma constante investigação do problema. Isso significa que, enquanto houver temor, haverá uma lenta decadência, uma morte lenta, embora continuem vivos. A própria indagação quanto ao futuro evidencia que já estão morrendo. Para viver completamente, para viver na plenitude do presente, no eterno agora, a mente precisa estar liberta do tempo. Não é assim? Não estou usando essa palavra na acepção comum, no sentido de tomar um navio ou um trem na data marcada etc.; estou empregando a palavra com o significado de memória. Se, a cada manhã, nascessem de novo, renovados, sem as lembranças de ontem, sem os fardos nem a carga do passado, então cada dia seria novo, cheio de vida, simples e, no viver assim, estariam libertos do tempo. Isso quer dizer que a mente se tornou um armazém da memória atormentada pelo passado, sobrecarregada das incontáveis experiências que já realizamos.

Espero que, por favor, pensem comigo sobre tudo isso, pois, do contrário, nada compreenderão. O que acontece com o fardo do passado, com a carga das inúmeras recordações é que enfrentamos cada nova experiência, cada novo pensamento, cada novo ambiente, cada novo dia sobrecarregados com o cenário do passado; é assim que defrontamos o presente. Não é isso? Se são cristãos, têm como base a mente cristã, os dogmas cristãos, as crenças e tradições cristãs e tentam enfrentar a vida com tais idéias. Se forem socialistas ou qualquer outro tipo de pessoa, terão certos preconceitos, certas idéias, certos dogmas bem definidos e encararão a vida com esse fundo, com esses óculos. Assim, pois, estão continuamente enfrentando o presente com o fundo do passado e, por isso, não compreendem o presente. Essa permanente incapacidade de compreensão cria a memória e produz o acúmulo e a intensificação da memória; daí, o desejo de saberem se voltarão a viver na próxima vida. Se, no entanto, olharem tudo que é novo com mente não infeccionada, com mente não sobrecarregada pela possessividade do passado nem com a perspectiva do futuro, verão que não existe essa coisa de morte, verão que não há mais temor. A vida, então, se tornará um êxtase contínuo e, não, uma luta terrível, pavorosa; para isso, porém, precisamos estar muito alerta, conscientes do pensamento, com a mente e o coração no presente.

Receio que o interrogante esteja desapontado. Ele deseja saber se há ou não há - quer uma resposta categórica: sim ou não. Lamento não haver resposta categórica para dar. Cuidado com as respostas categóricas - sim e não. Não será, na realidade, mais importante saber viver do que verificar o que acontece quando se morre? Só aquele que já está morrendo é que quer saber o que acontece após a morte; não, aquele que está vivo. Perguntemos e procuremos, portanto, como viver ricamente, humanamente, completamente, divinamente em vez de tentar averiguar o que está para além. Saberão, depois, o que está para além, quando souberem como viver supremamente, inteligentemente. Só então saberão o que está para além. Mas essa descoberta, então, não será uma coisa teórica; será um fato.

Ai, então, vão descobrir que isso tem muito pouca significação, pois não existe além. A vida é um todo completo, sem começo nem fim. É esse êxtase, essa sabedoria, que produz a plenitude do viver no presente.

Krishnamurti – AUCKLAND, 1934. Rio, s/d, p. 32-6. Livro esgotado, Tradução revista e atualizada do trecho. Extraído da Carta de Noticias 259 – Janeiro-Dezembro 1990 ICK

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