sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O pensamento é a origem do medo

O pensamento é a origem do medo. Se não houvesse pensamento, não haveria medo. Se nenhum pensamento tivéssemos a respeito da morte (como, por exemplo, “que aconteceria se eu morresse?”) e a morte ocorresse neste mesmo instante, não teríeis medo nenhum. É o pensamento a respeito da morte que vos infunde temor — temor

proveniente da experiência do passado e “projetado” no futuro. Notai, por favor, que o que estou dizendo é muito simples. Observai-o vós mesmos. O pensamento resulta do tempo; o tempo é memória. Mas não estou falando acerca do tempo; estou falando sobre o pensamento como tempo. Estamos falando a respeito do pensamento e não a respeito do tempo. O pensamento formou, por meio da experiência, reações autoprotetórias, tanto fisiológicas, como psicológicas. Quando encontrais uma cobra, há uma reação instintiva de autoproteção. Esta espécie de medo, que é autoprotetória, é necessária; porque, do contrário, seríeis destruído; de outro modo, não prestaríeis atenção a um ônibus e correríeis de encontro a ele, ou cairíeis num fosso. Há, pois, esse instinto autoprotetório, o instinto fisiológico de autoproteção, que se formou com o tempo, com a experiência, como memória. Esse instinto reage ao vos deparardes com uma cobra ou um animal feroz, ou ao verdes um ônibus em disparada. Essa reação deve existir, para a mente equilibrada, sã. Mas nenhuma outra forma de medo é saudável, porque foi criada pelo pensamento, pela reação da memória, que se acumulou através de séculos de experiência, e é “projetada” pelo pensamento.

Assim, é necessário compreender o processo do pensar, se desejais compreender o medo e isso significa que deveis compreender o pensador ,e o pensamento.

Notai, por favor, que o que estou dizendo é bem simples; estou dizendo que verdadeiramente penso: isto é realmente simples. Mas, se vos abeirais do que estou dizendo com o vosso condicionamento — isso é que o torna difícil. Não vos aplicais à questão, não escutais o que estou dizendo, com uma mente nova. Vindes para aqui com o que já sabeis, com aquilo que Sankara, Buda ou outro qualquer disse a respeito do pensador e do pensamento; por conseguinte, vos abeirais do que estou dizendo com uma conclusão, com a memória, com conhecimentos prévios; e é isso que torna a questão difícil. Vede-o, por favor. Bem, se desejais aprender algo a respeito do que digo, tendes de pôr de lado tudo aquilo; e só o podeis pôr de lado quando estais em contato emocional com o que se está dizendo.

Como sabeis, segurar a mão de alguém não é um fato intelectual; quando estais em relação emocional com a pessoa, há harmonia, comunhão, há um sentimento entre as duas pessoas. Da mesma maneira, para comungarmos uns com os outros, devemos dar-nos as mãos, emocionalmente, não intelectualmente. Esse mesmo contato emocional, compassivo, afetuoso, deveis ter com o fato do medo, com o fato do pensamento, que vamos examinar. A menos que estejais emocionalmente em contato com o fato, vitalmente, diretamente em contato com ele, não passareis além das primeiras poucas palavras. Enquanto houver divisão entre pensador e pensamento, será inevitável o medo. Vede porque isso acontece: porque há contradição entre o pensador e o pensamento. O pensador está procurando guiar, controlar, moldar, disciplinar o pensamento; mas, por causa dessa divisão, há conflito, há contradição; e onde há contradição, há o impulso para dominá-la, transcendê-la — e aí está a própria essência do medo. Assim, vós tendes de compreender o processo pelo qual surge essa separação entre o pensador e o pensamento, e não aceitar o que outro qualquer disse — não importa quem seja: o mais antigo, mais iluminado dos instrutores, ou o mais moderno. Não aceiteis nada de ninguém, mas investigai sempre. Não sigais ninguém; quando seguis, sois incapaz de aprender. E só podeis aprender se estais investigando sem ter um motivo. Se estais investigando com um motivo, estais apenas adicionando, procurando resolver algo que não pode ser resolvido. Por conseguinte, não sigais o que aqui se está dizendo, nem o aceiteis como verdade evangélica — porque não o é. O que outro diz não é a verdade evangélica; vós tendes de descobrir por vós mesmo, sem nenhuma restrição. E isso só é possível quando sois livre, quando vossa mente é imaculada e compassiva.

Há o pensador e há o pensamento. Sabemos disso. É o que fazemos todos os dias: essa divisão. O pensador é o censor, o pensador é o juiz, o pensador é o centro acumulador de conhecimento, de experiência psicológica, etc. É o pensador que reage a todo “desafio”; e sua comunhão, seu contato com uma coisa se efetua por meio do pensamento — se não pensásseis, não haveria pensador. Essa divisão, esse conflito, gera o medo. O centro, o observador, o experimentador, o pensador, está estabilizado; e o pensamento é errante, move-se, modifica-se. O centro nunca muda; ajusta-se, disfarça-se, cobre-se com novas roupagens, novo verniz, novas características; mas ele lá está, sempre. E esse centro gera o medo, porque “reage” sempre de um ponto fixo, embora possa ser flexível.

O pensamento, pois, institui o pensador; não é o pensador que institui o pensamento; porque, se não há pensamento, não há pensador. É possível não pensar absolutamente, não ter um só pensamento que seja, e esse extraordinário estado mental é que é vazio e, por tanto, contém todo o espaço. Só é realizável esse estado pela meditação. Mas não digais: “Aguardarei o dia em que falareis sobre a meditação; então investigarei”. Não podereis fazê-lo então. Precisais lançar as bases; e para lançardes as bases, deveis estar em contato; e não podeis estar em contato se apenas vos pondes em relação intelectual ou sentimental. Deveis estar em contato totalmente, com todo o vosso ser — vosso corpo, vossos sentidos, vosso coração, tudo o que tendes.

Portanto, deveis compreender o processo do pensamento. Pensar é reação a um “desafio”, pequeno ou grande. Essa reação promana da memória que tendes acumulado. Ao perguntar-vos se sois hinduísta, direis “sim”. Esta “resposta”, ou reação, é imediata, por que fostes criado nessa sociedade, nessa cultura denominada hinduísta, parse, etc. Todo pensar é reação da memória. E memória é associação. A memória resulta de inumeráveis experiências, conscientes e inconscientes. Vede que o que estou dizendo não é nada novo. Qualquer psicólogo, qualquer pessoa que tenha refletido um pouco a esse respeito, vos poderá dizer a mesma coisa; mas, para compreenderdes o processo do pensar e eliminardes totalmente o centro representado pelo pensador, e que gera o medo — para isso necessitais de clareza, precisais de um escalpelo intelectual, para “abrirdes” tudo o que não compreendeis completamente.

Por conseguinte, o necessário não é ter uma autoridade — a autoridade da própria memória, ou a autoridade de vossa experiência, que foi condicionada através de séculos e que criou o “eu”, o “ego”. Enquanto existir esse centro — e esse centro cria a divisão entre si próprio e o pensamento — tem de haver medo. A questão, pois, é de como ultrapassarmos, como nos livrarmos desse centro. Não o traduzais como “ego”, e não junteis idéias de toda espécie a respeito dele; atende-vos ao fato de que existe um centro de onde julgais, avaliais, censurais. Esse centro de experiências acumuladas cria uma divisão entre si próprio e o pensamento. E quando procuramos superar essa divisão e não o conseguimos, gera-se o medo. Se puderdes juntar as duas coisas, não haverá medo; mas não podeis juntá-las, porque só existe um fato que é o pensamento, e não o pensador.

Ao dizerdes “o pensador” — isto não corresponde a nenhuma realidade. O “eu” é um feixe de lembranças, nada permanente; não é mais permanente do que o pensamento. Mas a mente, o pensamento, deseja a segurança; o pensamento deseja permanência; por conseguinte, o pensamento se estabelece como “centro”, e esse centro fala de “Eu Superior Permanente”, “Eu Cósmico”, “Deus”, etc.; mas, tudo é ainda processo de pensamento. Assim, a menos que tenhais compreendido inteiramente o mecanismo do pensar, o medo existirá sempre. Como sabeis, há atualmente certos preparados químicos, drogas, que podem livrar-vos de vosso medo; podeis tomar um comprimido e tornar-vos completamente tranqüilo, sereno, plácido. A ansiedade, o sentimento de culpa, a inveja, e todas as coisas com que o homem vem batalhando há séculos podem ser afastadas com um comprimido. Mas, vede que tomando uma pílula, não ficais livres de vossa mente medíocre, estreita, limitada, estulta. Ela continua existente; vós apenas a narcotizastes, suspendestes o seu funcionamento. O que nos interessa não é oferecer nem tomar pílulas, mas eliminar a mediocridade da mente, quer dizer, a mediocriadade do pensamento; o pensamento é medíocre, porque o pensamento nunca é livre, porque pensamento é reação do que antes foi, em relação com o que virá a ser.

A questão, pois, é esta: é possível, com a compreensão do medo, terminar o pensamento isto é, não deixar o pensamento projetar-se no futuro, e fazer que a mente veja o fato que surge a cada minuto, sem nenhuma “projeção”? Compreendeis? O fato é: tememos a morte. Não estamos falando acerca da morte; isso ficará para outra ocasião; estamos agora falando sobre o temor.

Ora, o pensamento se projeta no futuro. Ele não deseja morrer; não sabe o que ele próprio virá a ser; sabe o que é no presente, com toda a agitação, dor, ansiedade, sofrimento, angústia em que vive; por isso, projeta-se no futuro e sente medo. Porque está confuso, incerto, sem clareza, ele “projeta” uma idéia de permanência, e, por conseguinte, teme não alcançar essa permanência. Tem medo à opinião pública, porque deseja ser respeitável; porque a respeitabilidade é uma coisa muito vantajosa; a sociedade a aprova, considera-a “nobre”. Por isso, ele atemoriza-se com que a sociedade possa dizer, e, assim, busca proteger-se. Tem medo de todos os incidentes conscientes e inconscientes. Mas tudo é ainda processo de pensar. Assim, pois, devemos enfrentar cada fato ao surgir, sem pensamento; observar simplesmente cada fato que surge, como num clarão.

Agora, senhores, vou explicar isso um pouco mais, pois vejo que não sereis capazes de seguir com rapidez. Existe o fato de que tenho medo de minha mulher. O pensamento criou esse fato, minhas ações o criaram, e sinto medo. Estou tomando isso para exemplo; na verdade não tenho medo nenhum, pois não sou casado. Vós podeis pensar noutra coisa que temeis. Eu temo minha mulher. Fiz algo de que me envergonho ou que não desejo que ela saiba. Ou, ela gosta de me contrariar, e eu não quero tal coisa; portanto, acho melhor acostumar-me com ela. E acostumei-me — quer dizer, minha mente aceitou o fato, e essa aceitação se tornou um hábito; não dou mais atenção ao que ela diz. Minha mente, pois, formou um hábito. Essa aceitação (isso é, o ouvir o que ela diz sem lhe ligar importância) corrompeu-me a mente; tornou-a embotada para o fato; isso se tornou um hábito, e eu não ouso quebrá-lo, porque o quebrar o hábito supõe mudança, e eu não desejo mudar. Assim sendo, tenho medo. E esse é o fato.

Mas, como é possível compreender o fato do temor sem interferência do pensamento? Pois o pensamento ou deseja “projetar” o fato, ou aceitá-lo, mudá-lo, modificá-lo, conforme sua conveniência. Entendeis? Como enfrentar o fato de que tenho medo, sem aquele fundo de temor, de pensamento? Porque o pensamento quererá traduzi-lo, interpretá-lo, moldá-lo, negá-lo, livrar-se dele, superá-lo. O pensamento não o compreenderá, porque o pensamento resulta da memória; só é capaz de “reagir” ao que já conhece, sendo, portanto, incapaz de enfrentar o medo. O medo sempre “vem e vai”, não é constante. Embora possa existir permanentemente no inconsciente, o medo não se manifesta continuamente, porém como que em relâmpagos. Como enfrentar esses “relâmpagos” de medo, sem pensamento?

Os que temem permanentemente se tornam neuróticos; têm outros problemas. Mas os que são mais ou menos racionais não têm nenhum medo no inconsciente; enfrentam o medo, ocasionalmente ou freqüentemente, na presença de suas esposas. Assim, ao enfrentardes o medo, deveis enfrentá-lo sem pensamento, enfrentá-lo completamente; e isso significa ter compreendido todo o processo do pensar, intelectualmente, verbalmente, e com compaixão, a qual faculta a exatidão que possibilita o contato imediato com o fato. Enfrentar o fato totalmente significa não apenas enfrentá-lo intelectualmente, mas também emocionalmente. Esse processo de “aprender do fato” não é possível quando vos abeirais do fato com o pensamento que já conheceu, pois o pensamento promana do “conhecido”.

Podeis enfrentar o temor sem o conhecido? Se puderdes fazê-lo, vereis que já não existe temor, porquanto é a projeção do conhecido que o torna existente. A projeção do pensamento, que é resultado ou “reação” do “conhecido”, cria o medo. O pensamento, como tempo, produz medo. E quando compreendeis todo o processo do pensamento e sois capaz de olhar o fato, de ver o fato, de estar em contato com ele emocionalmente, totalmente, então, já não vos abeirais dele com o pensamento, produto do “conhecido”; por conseqüência, vos abeirais do fato de maneira nova. Uma mente nova não teme, uma mente nova investiga.

Dessarte, como disse no começo desta palestra, há necessidade de humildade. A humildade nunca aceita nem rejeita. É arrogância aceitar ou rejeitar. Humildade é aquela extraordinária capacidade aprender, de descobrir, de investigar. Mas, se já tendes uma acumulação de resultados de vossas investigações, então já não estais aprendendo; por conseguinte, deixais de ser humilde. Muito importa termos humildade, porque é essa qualidade essencial que tem afeição. Sem humildade, não há amor, e o amor não é uma coisa que tem raízes na mente, raízes no pensamento. Assim, só desse extraordinário sentimento de humildade resulta o sentimento de exatidão compassiva, e a clareza da mente. É só então que o medo deixa de existir. E quando o medo deixa de existir, quando o medo finda, não há mais sofrimento.

Krishnamurti - 2 de março de 1962.
Do livro: A Mutação Interior – Cultrix

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