quarta-feira, 17 de julho de 2013

Toda iniciativa dentro do padrão social produz presunção

Estivemos examinando a questão da revolta dentro da prisão, e vimos que todos os reformadores, idealistas, e outros que se mostram incessantemente ativos, a fim de alcançarem certos resultados, só se revoltam dentro dos muros de seu próprio condicionamento, de sua própria estrutura social, dentro do padrão cultural de civilização, o qual exprime a vontade coletiva. Penso que seria bastante proveitoso examinar agora o que é confiança e como ela nasce.

Com a iniciativa vem a confiança; mas, toda iniciativa dentro do padrão só produz presunção, que é coisa muito diferente da confiança em que não existe o “eu”. Você sabe o que significa ter confiança? Se você faz uma coisa com suas próprias mãos, se planta uma árvore e a vê crescer, se pinta um quadro ou escreve uma poesia, ou, quando mais velho, constrói uma ponte ou desempenha com perfeição um certo cargo administrativo, isso lhe dá a confiança de ser capaz de fazer algo. Mas, veja, a confiança, como atualmente a conhecemos, está sempre dentro da prisão que a sociedade — comunista, hinduísta, cristã — construiu ao redor de nós. A iniciativa dentro da prisão cria, com efeito, uma certa confiança, porque você se sente capaz de fazer coisas: desenhar uma flor, ser um bom médico, excelente cientista etc. Mas esse sentimento de confiança que vem com a capacidade de ser bem sucedido dentro da estrutura social, ou a capacidade de fazer reformas, melhorar a iluminação, de corar o interior da prisão, essa confiança é, na verdade, presunção; você sabe que é capaz de fazer algo e se sente importante quando o faz. Mas se, ao contrário, pela investigação, pela compreensão, você se liberta da estrutura social, da qual você é parte integrante, vem uma confiança de espécie totalmente diferente, na qual não há sentimento da própria importância; e compreender a diferença entre as duas — a presunção e a confiança livre do “eu” — penso que isso será altamente significativo em sua vida.

Quando você joga com maestria um certo jogo, por exemplo, badminton, críquete, futebol, você tem um certo sentimento de confiança, não é exato? Isso lhe dá a convicção de que é um “bom jogador”. Se você resolve problemas matemáticos com rapidez, isso também cria um sentimento de confiança em si mesmo. Quando a confiança provem de ação exercida dentro da estrutura social, é sempre acompanhada de uma certa arrogância, não é verdade? A confiança do homem que sabe “fazer coisas”, que é capaz de alcançar resultados, traz sempre o colorido dessa arrogância do “eu”, desse sentimento que nos faz dizer “só eu faço isto”. Assim, no próprio ato de conquistar um resultado, de promover uma reforma social no interior da prisão, há essa arrogância do “eu”, o sentimento de que eu tive êxito, meu ideal é importante, meu grupo venceu. Essa consciência de “eu” e de “meu” acompanha sempre a confiança que se expressa dentro do padrão social.

Você já notou como são arrogantes os idealistas? Os líderes políticos que conseguem certos resultados, que realizam grandes reformas — já não notou como são presunçosos, “cheios de ventos”, com seus ideais e suas realizações? Em sua própria estimativa são muito importantes. Leia uns poucos discursos políticos, observe alguns desses que se intitulam “reformadores”, e você verá que, no próprio processo de reformação, eles estão cultivando o próprio ego; suas reformas, por mais simples que sejam, estão sempre dentro da prisão, por conseguinte são destrutivas e causam, finalmente, mais aflição e mais conflito ao homem.

Agora, se você puder penetrar essa estrutura social — o padrão cultural da vontade coletiva a que chamamos civilização — se puder compreende-la totalmente e dela se libertar, rompendo os muros da prisão de sua particular sociedade — hinduísta, comunista ou cristã — verá então surgir uma confiança não contaminada do sentimento de arrogância. Essa é a confiança da “inocência”. É como a confiança de uma criança: tão completamente inocente que está pronta para experimentar qualquer coisa. Tal confiança é que dará nascimento a uma nova civilização; mas essa inocente confiança não poderá nascer enquanto você permanecer dentro do padrão social.

Peço-lhe que escute com toda atenção. Este orador não tem a mínima importância, mas, para você, é da máxima importância compreender a verdade do que está sendo dito. Afinal de contas, isso é educação, não acha? A função da educação não é lhe preparar para se ajustar ao padrão social; ao contrário, sua função é ajudar-lhe a compreender completa, profunda e plenamente, o padrão social, a fim de você poder se libertar dele e ser um indivíduo sem aquela arrogância do ego; você tem então confiança, porque é verdadeiramente inocente.

Não é uma verdadeira tragédia estarmos todos nós interessados apenas em como nos ajustarmos à sociedade, ou em como a reformarmos? Você não notou que a maioria das perguntas feitas reflete esta atitude? Você está dizendo efetivamente: “Como posso me ajustar à sociedade?” Que dirá meu pai e minha mãe e que me acontecerá, se eu não o fizer?” Uma tal atitude destrói toda a confiança, toda a iniciativa que porventura você tenha. Assim, você saí da escola e do colégio transformado numa espécie de autômato, altamente eficiente, talvez, mas sem a chama criadora. Por isso que é tão importante compreender a sociedade, o ambiente em que se vive e, nesse próprio processo de compreensão, romper as suas muralhas.

Como você deve saber, este é um problema existente no mundo inteiro. O homem está em busca de uma nova “resposta” (ao desafio da vida), de “um novo acesso à vida”, porque as velhas normas estão decaindo, tanto na Europa, como na Rússia e aqui. A vida é desafio contínuo, e tentar meramente promover uma melhor ordem econômica não constitui uma “resposta” total a esse desafio, que é sempre novo; e, quando culturas, povos, civilizações, se tornam incapazes de “responder” totalmente ao desafio do novo, são destruídos.

A menos que você seja educado adequadamente, a menos que tenha aquela extraordinária confiança de inocência, será inevitavelmente absorvido pelo “coletivo” e se perderá no meio da mediocridade geral. Você acrescentará algumas letras ao seu nome, se casará, terá filhos — e estará liquidado.

Como sabe, a maioria de nós tem medo. Seus pais têm medo, seus educadores têm medo, os governos e as religiões temem que você se torne um indivíduo total, porque todos querem que permaneça, para a segurança deles, na prisão das influências ambientais e culturais. Mas, só os indivíduos capazes de se libertarem do padrão social, pela compreensão dele, e que por conseguinte não estão tolhidos pelo condicionamento de sua própria mente — só esses poderão criar uma nova civilização — e não os que apenas cuidam de se ajustar ou de resistir a um dado padrão, por terem sido moldados por outrem. A busca de Deus ou da Verdade não se efetua dentro do padrão, porém, antes, compreendendo a prisão e rompendo os seus muros; e esse próprio movimento para a liberdade cria uma nova cultura, um mundo diferente.

Krishnamurti - A Cultura e o problema humano     

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