segunda-feira, 22 de julho de 2013

Observando a natureza exata da contradição

Não é possível a ação produtiva de energia enquanto existe contradição interior; e quase todos temos, consciente ou inconscientemente, muitas formas de contradição(...) Toda nossa vida se acha enredada nesse estado de contradição e, por conseguinte, não há uma ação clara, direta — a única que produz energia. (...) Em geral, estamos conscientes dessa contradição interior se de algum modo percebemos nossas atividades, nossos pensamentos e estados psicológicos. Por conseguinte, tentamos promover uma integração dentro de nós, e, para mim, esse ato, essa tentativa de integração é PURO CONTRA-SENSO. Não se podem integrar os opostos; não há nenhuma possibilidade de integrar o amor e o ódio.(...) Deve, pois, ficar bem claro — pelo menos por hora — que a tentativa de realizar a integração interior nada significa. O importante é COMPREENDER A CONTRADIÇÃO e, assim, ficar livre dela.

 Para nos libertarmos da contradição, temos, primeiramente, de nos TORNARMOS CONSCIENTES DELE; e provavelmente nem todos a percebemos. Vamos, simplesmente, seguindo nosso caminho habitual. E ao darmos com essa enorme contradição, existente não só em nossa vida exterior, mas também muito profundamente, dentro de nós, o que ocorre? Como para ela não achamos solução, nenhuma possibilidade de libertação, voltamo-nos para aquilo que chamamos Deus, para aquela estrutura de crença, dogmas, ritos e autoridade, conhecida em geral pelo nome de “religião”. Ou aceitamos a vida tal como se nos oferece e nenhuma significação lhe damos — como estão tentando fazer vários escritores modernos. Rejeitaram toda a estrutura da Igreja, da religião organizada — COMO DEVE FAZER TODO HOMEM INTELIGENTE, já que, de fato, ELA NADA SIGNIFICA; mas, vendo-se, então, forçados a enfrentar suas próprias contradições, seus ódios, esperanças, frustrações, sua total impotência, dizem eles: “ A vida não tem significação nenhuma; tratemos, pois, de tirar dela o melhor partido possível” — e inventam uma filosofia do desespero. Existem, por conseguinte, estes dois e contraditórios extremos.

No meu sentir, é perfeitamente possível desarraigar todas as contradições — MAS NÃO PELO ATO DA VONTADE, porque a vontade, por sua vez, gera em si CONTRADIÇÃO. (...) Somos educados para exercer a vontade de todas as maneiras possíveis; somos ensinados a superar, a negar, a afirmar, a determinar. E, se se observa a natureza da vontade, percebe-se que ela é, em si própria, uma forma de resistência e, portanto, intrinsecamente, um estado de contradição.

(...) Para compreendermos a contradição em nossa vida, temos de penetrá-la muito profundamente (a contradição); e é aí que se nos apresenta o problema. Queremos que nos digam o que fazer; queremos ajustar-nos a algum padrão, ou seguir alguém, esperando, assim, sublimar, negar ou reprimir todas as formas de contradição — maneira muito superficial de proceder. Assim, para investigarmos a questão da contradição, temos de aprofundar-nos muito mais.

(...)Penetrar fundo significa compreender a contradição; e é necessário compreendermos a contradição, para podermos ter paz, não só dentro de nós, mas também na sociedade de que fazemos parte. Devemos ter paz; não guerra e paz. Para compreendermos esse extraordinário estado de contradição, altamente complexo e sutil, não podemos simplesmente ataca-lo exteriormente ou procurar remediar seus sintomas; o que temos de fazer é penetrar-lhe as próprias raízes.

A raiz da contradição é a separação entre o pensador e o pensamento. Para a maioria de nós existe um largo intervalo entre o “observador” e a “coisa observada”, entre o “pensador” e o “pensamento”, entre o “centro que experimenta” e a “coisa que é experimentada”; e é esse intervalo, vão, ou demora que é a verdadeira fonte da contradição.

Enquanto houver “pensador”, um censor a determinar o que é bom e o que é mau, haverá inevitavelmente essa constante separação criada pelo “pensador”, a qual, obviamente, sustenta a contradição. Esse é um fato que você deve descobrir diretamente, e não apenas aceita-lo porque alguém lhe disse; e esse próprio descobrimento é o começo daquela energia com a qual você tem a possibilidade de atacar a raiz do problema da contradição. (...) Se você admite essa separação entre o “pensador” e o “pensamento”, só porque lhe dizem que ela existe, isso não será para você uma revelação vital. Mas, se pessoalmente, descobre a separação, e percebe como um fato real, esse próprio percebimento produz a energia necessária para extinguir a contradição.

(...)Havendo na mente uma forte contradição, esta produz uma certa tensão. Quanto maior a tensão e maior a capacidade de expressão do indivíduo — como escritor, artista, político — tanto mais desgraças ele criará não só para si mesmo, mas também para o público.

(...) É necessário, pois, compreendermos a grande profundeza e o significado da contradição, para dela nos libertarmos completamente; porque, de outra maneira, o amor não pode existir. O que conhecemos do amor é apenas um estado contraditório, em que há ciúme, ódio, antagonismo. Amor não é o prazer carnal que denominamos “amor”, e tampouco é o suposto amor que está ligado ao ódio, à inveja, à ambição. O homem ambicioso, é óbvio, nunca conhecerá o amor. Quando o ambicioso, aquele que compete, fala a respeito de paz, o que diz nada significa. Só existe paz quando sua mente não compete, não compara e, por conseguinte, nenhuma contradição há em você. Assim, para se poder criar uma diferente estrutura social, uma diferente sociedade, é absolutamente necessário compreender a natureza e o significado dessa contradição interior.

(...) Assim, como estava dizendo, a raiz da contradição é essa separação existente entre “pensador” e o “pensamento”; e esses dois não podem integrar-se. Mas, se você observar a estrutura do “pensador”, verá que ele não existe quando não há pensamento. O pensamento é que gera o “pensador”, o “experimentador”, a entidade criadora do tempo e que é a origem do medo.

(...) Devemos, pois, compreender a natureza da contradição, e só podemos compreendê-la observando a integral estrutura do “pensador” com seus pensamentos, suas esperanças, seus desesperos — o pensador que, como censor, cria uma perene contradição entre si próprio e a coisa que em si mesmo observa. Por conseguinte, a observação DO QUE É exige seriedade, ardor, e não uma maneira leviana de observar. Só o ardoroso vive realmente; o homem superficial não viver absolutamente. Poderá ter riquezas, posse, posição, mas nada sabe acerca da vida. Dela só conhece a superfície. Para compreendermos toda essa estrutura de nós mesmos, a ela nos devemos chegar, não com a determinação de mudar, um esforço para sermos diferentes, porém, tão só com a disposição de observar O QUE É. Não há então, contradição, porque o observador já não está atuando como censor, como juiz que condena, que rejeita, que diz o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é mau. Isso não significa viver uma vida extremamente superficial. Ao contrário, para você alcançar esse ponto em que o censor é inexistente, você tem de compreender todo o seu condicionamento. Não se trata simplesmente de aceitar minha asserção, porquanto, para você compreender o condicionamento, tem de trabalhar, e verá então que sua mente se tornará simples observadora. Já não se achará num estado de contradição e, por conseguinte, disporá de intensa energia. Essa energia é amor, paixão — não a paixão física, que é relativamente fácil, relativamente comum, que é a sensualidade que todos conhecemos. Refiro-me à paixão que não tem causa e, portanto, nenhuma contradição encerra, nenhum motivo e, consequentemente, nenhum fim. Onde está o amor, aí está também a morte; os dois são inseparáveis, porque o amor é sem ambição.

 A criação só pode verificar-se quando há uma energia que nunca foi contaminada pela vontade, que de nenhum esforço resulta; essa é a energia que a própria ação traz consigo. Atualmente todas as nossas atividades são mais ou menos egocêntricas, tem por centro nós mesmos em relação com várias coisas; e essa atividade egocêntrica, que é a atividade do “pensador”, inevitavelmente gera contradições. Vendo-se num estado de contradição, a mente exige alguma forma de expressão: preciso fugir, escrevendo, fazendo isto ou aquilo. O homem que se acha num estado de autocontradição — estado de atividade egocêntrica — e que porventura é pintor, artista, músico, poderá chamar “criação” ao que faz, mas não é criação. A criação DEVE ser, e é algo totalmente diferente.

Agora, como disse, a mente não atingida pela contradição por ter compreendido sua integral estrutura, tanto consciente como inconsciente, essa mente está perfeitamente tranquila; porque todo movimento constitui dissipação de energia. Só quando a mente está serena e carregada de forte energia, pode verificar-se uma “explosão”; essa explosão é criação, a qual pode expressar-se ou não. A mente temerosa, ambiciosa, ávida, invejosa, ciumenta, que está competindo — essa mente nunca terá aquela energia que vem com a AÇÃO SEM MOTIVO; e também, naturalmente, jamais conhecerá o amor. Onde está o amor, há constante morrer para todas as “memórias” da experiência de cada dia e, por conseguinte, o amor e a morte coexistem. O amor é sempre vigoroso, novo, juvenil, puro, e sempre incontaminado pelo passado, porque morre para o passado de cada dia. O amor e a morte existem nessa abundante energia, quando essa energia está totalmente imóvel. Há então CRIAÇÃO — ou você pode lhe dar o nome que quiser. O nome é de ínfima importância. A menos que se verifique essa transformação em cada ente humano — que faz parte da sociedade, que é o próprio meio social, não poderá existir uma nova sociedade.

Krishnamurti - O descobrimento do amor

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