sexta-feira, 5 de julho de 2013

A importância da revolução do inconsciente

Não falo para convencer a qualquer um de vocês a respeito de uma dada teoria ou de um dado modo de conduta, nem com o fim de inculcar em vocês certas ideias, visto que minha intenção não é, de modo nenhum, propagandística. Propaganda significa “condicionar” certas mentes, para certas atitudes. Tal não é absolutamente a minha intenção. Se vocês têm ideias, a respeito das quais desejam se convencer; se desejam adquirir certas ideias, para acalentá-las e segui-las; se vocês desejam adotar uma determinada linha de pensamento, conducente a certos resultados; ou, ainda, se possuem a vontade de produzir certa revolução nas ideias — creio que vocês ficarão muito desapontados. Porque, o que me parece de fundamental importância é a revolução do inconsciente, e não a revolução consciente; e a respeito dela me estenderei mais adiante, no decorrer desta palestra.

Mas, antes disso, é necessário que nos conheçamos mutuamente, não só no nível verbal: também mais profundamente, se possível. Pois, se conhecermos as nossas mútuas intenções, haverá então a possibilidade de nos juntarmos para conversar a respeito dos nossos problemas. Porém, se vocês têm, certas ideias já firmadas, e eu, ideias contrárias, é óbvio, não há ponto de contato entre nós. Por isso, considero muito importante, estabelecermos desde já a relação correta entre nós. Eu não sou guru de vocês, nem tão pouco um líder; portanto, vocês não precisam me venerar. Não creio que o nosso problema, ou a crise em que nos achamos atualmente possa, de algum modo, se dissolver, se seguimos um líder político ou religioso, ou um guru. Como disse, faz-se necessária uma revolução fundamental, e não meramente uma substituição de ideias, no nível superficial.

Por conseguinte, não deve ser muito importante compreender-se claramente o que vou dizer e o que já disse? Porque não vou convencer vocês a respeito de coisa alguma. Não estou fazendo propaganda. É com toda franqueza que o digo: não estou aqui para convencer vocês de nenhuma ideia, em especial. Convicção supõe o “processo” de rejeição e aceitação, confirmação ou negação; e tal não é meu intento, em absoluto. O que estamos tentando fazer é descobrir a verdadeira solução, a solução correta de todos os nossos problemas. Apenas se pode encontrar a solução correta quando não estamos “projetando” nenhuma ideia determinada, quando não estamos meramente aceitando certa tese e renunciando ao nosso próprio pensar. Quer dizer, se não pensamos corretamente, todas as nossas ações nos levarão, por força, a uma maior confusão. O que nos interessa, pois, não é a projeção ou aceitação de ideias, mas como pensarmos corretamente, todos juntos (isto é, em relação uns com os outros), como descobrirmos juntos a maneira de atender corretamente aos problemas com os quais nos deparamos. Não estou empregando o termo “corretamente” como oposto. Só há uma maneira de pensar; não “a maneira correta” ou “incorreta”. Verificaremos se é de algum modo possível seguir um pensamento e descobrir a Verdade que ele encerra, a verdade contida no respectivo problema.

Vocês não acham importante diferenciar entre “ouvir” e “escutar”? (...) Vocês não acham que há diferença entre “ouvir” e “escutar”? No escutar não há aceitação nem rejeição; escutamos para compreender. Escutamos a outra pessoa para compreender o que ela deseja nos transmitir, compreende-lo não apenas no nível verbal, mas em níveis mais profundos do entendimento. Porém, estamos nos negando a escutar, quando só queremos fazer objeções ou interpor nossas próprias ideias, em vez de procurarmos realmente compreender o que nos é dito. Afinal, temos nossas opiniões, e achamos desnecessário escutá-lo; mas, se soubermos escutar sem interpretação e sem tradução, se soubermos realmente escutar, talvez haja então possibilidade daquela radical revolução no nível inconsciente, única revolução verdadeiramente desejável.

Temos incontáveis problemas; e quanto mais pensamos neles, conscientemente, tentando resolvê-los, tanto mais crescem as complicações e se multiplicam os problemas. Uma vez que estamos tratando de problemas não originados na mente superficial, mas resultantes de lutas, conflitos, ambições, agitações que se processam nas profundezas inconscientes, sem que ocorra uma transformação radical e fundamental naquele nível profundo, pouquíssimo valor terá qualquer reforma de remendos que se fizer no nível superficial — no terreno econômico, social, político, etc. Pode-se ver que as revoluções não nos alteram fundamentalmente o processo do viver. A transformação que se opera no nível consciente não passa de uma simples continuidade modificada, pois nesse nível a mente opera de modo superficial, calculando, julgando, pensando; mas esse “processo” de calcular, pesar e julgar é a continuidade de uma coisa condicionada; por conseguinte, por esse meio não se resolve o problema de modo nenhum; o que se faz é apenas modifica-lo, alterar a sua direção; todavia, a nova direção é confusa, do mesmo modo.

Enquanto quisermos resolver os nossos problemas no nível superficial, com ideia contra ideia, argumento contra argumento, lógica contra lógica — tudo isso reações da mente superficial — é bem óbvio que os resultados que a mente obterá serão produto de pensamento condicionado. Nesse “processo”, por conseguinte, não há revolução psicológica, profunda, fundamental. Creio que o mais importante atualmente não é a revolução do nível superficial, mas a revolução do inconsciente, profundo, porque vivemos muito mais nesse nível, e nosso ser está lá mais do que no nível superficial.
Assim sendo, vocês não acham importante que escutemos de maneira que o inconsciente absorva — se posso assim me expressar — o que nos é transmitido, e a revolução, por conseguinte, não seja uma revolução consciente? Considero muito importante que se escute de maneira tal que a transformação seja inconsciente, e que tenhamos uma nova perspectiva da vida não fundada na ação consciente deliberada, mas na revolução não produzida pelo “processo” deliberado do pensamento.

Afinal, nós temos tantos problemas, em diversos níveis — problemas econômicos, sociais, religiosos; o problema do amor, da morte, o problema das relações, da miséria, o que é Deus, se há continuidade, o que é imortalidade, o que é aquele estado de “atemporalidade”, o que é criação, etc., etc. temos problemas inumeráveis e sempre nos aplicamos a eles com a intensão de resolvê-los com nossa mente consciente, nossa mente comum, a mente que tem pensamentos, a mente que é resultado do tempo, resultado da tradição, da chamada educação (que é o processo de “nos condicionar” numa determinada ideia, atividade ou padrão — comunista, socialista, capitalista, católico, etc.) e com esse condicionamento queremos resolver os nossos inúmeros problemas; mas, é bem óbvio, uma mente condicionada não pode resolver tais problemas.

Necessitamos de uma solução inteiramente diferente, de uma revolução diferente — de natureza psicológica, interior, fundamental. Isso, parece-me, só será possível quando vocês souberem escutar não só a mim, mas a todas as coisas: a conversação que se trava próximo de vocês, o diálogo que vocês têm com suas esposas, seus maridos, seus filhos, seus patrões, as conversas de trem, de ônibus, as falas do mendigo, a melodia de uma canção, o canto dos pássaros, o som das ondas. Se souberem escutar sem interpretação, sem tradução, haverá então a possibilidade de se realizar a revolução inconsciente.

Acho que nos sias atuais, o mais necessário que se faz é esta revolução — e não uma série de líderes, não um determinado sistema político. Porque todos os líderes falharam completamente; porque os sistemas que eles advogavam, ou que criaram, são o produto da mente condicionada e seus resultados serão sempre condicionados — de modo que nunca mais sairemos da rede de problemas em que nos vemos embaraçados. Esse caminho não conduz à felicidade humana, à ação humana criadora, ao descobrimento do que é verdadeiro.

O descobrimento do que é verdadeiro não se efetua por meio de esforço consciente. Se compreendermos isso verdadeiramente, chegaremos ao estado em que a mente reconhecerá a sua incapacidade de atender aos nossos problemas. Então talvez se apresente a nós a possibilidade de descobrirmos uma nova fonte de ação, uma fonte diferente, cujo descobrimento nos habilitará a encontrar uma nova maneira de pensar, de sentir, de existir.

Nossos problemas não são individuais — porque não existe a entidade “indivíduo”. O indivíduo — vocês — pode ter nome diferente, corpo diferente, viver em casa separada; mas o conteúdo da mente de vocês é o mesmo conteúdo da minha mente. O que vocês pensam eu penso; vocês são ambiciosos, e eu também; o que vocês são, eu sou, e também é o vizinho de vocês. Temos um problema coletivo e não individual. Vocês, como indivíduo “condicionado” dentro de certo sistema de ideias, não podem resolver este problema da existência; ele só será resolvido quando vocês e eu o estudarmos juntos, e não separadamente. A ação coletiva só poderá fazer efeito, só poder se realizar quando houver pensamento que não seja coletivo.  Mas, como já sabemos, a ação coletiva implica atualmente pensamento coletivo; pensamento coletivo é pensamento condicionado; e é isso o que nos interessa em virtude de toda espécie de propaganda, da educação, da compulsão... Fazem vocês pensarem coletivamente, tradicionalmente — quer seja uma nova tradição, quer velha; fazem que vocês se ajustem, pensem segundo uma norma coletiva, esperando que desse modo vocês produzam ação coletiva; mas não é possível ação coletiva, visto que pensamento coletivo é sempre pensamento condicionado.

(...) Entretanto, deve haver uma maneira de agir que não seja a de vocês ou a minha, que não seja a do comunista, do socialista, do católico, do cristão, do hinduísta, do budista; tal é a maneira de agir que resulta do descobrimento da Verdade. O descobrimento da Verdade não depende de vocês e de mim, da mente condicionada de vocês ou da minha mente condicionada. O descobrimento da Verdade ocorrerá apenas quando vocês e eu reconhecermos a nossa mente condicionada, o nosso estado condicionado.

Se vocês e eu pudermos descobrir o que é a Verdade, desse descobrimento virá a ação coletiva. Mas o pensar coletivo não conduz à ação coletiva, e sim, somente ao sofrimento em escala maior, como de fato está ocorrendo atualmente.  

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