segunda-feira, 8 de julho de 2013

Porque a mente divide?

Interrogante: Por que razão o homem dividiu a sua existência em compartimentos diferentes — o intelecto e as emoções? Cada um desses compartimentos parece independente do outro. Na vida, essas duas forças motoras são muitas vezes tão contraditórias  que parecem dilacerar a própria estrutura de nosso ser. Harmonizá-las, de modo que o homem possa atuar como uma entidade total, foi sempre um dos principais alvos da vida. E, além dessas duas coisas, existentes no próprio homem, há uma terceira: o ambiente, em constante mutação. E, assim, as duas contradições existentes no homem ficam também em oposição à terceira, aparentemente exterior a ele. Diante desse problema tão confuso e contraditório, e tão vasto, o intelecto inventa uma força atuante externa, chamada Deus, para harmonizar as contradições. E o resultado é uma complicação maior ainda. Só há, na vida, este único problema.

Krishnamurti: Você parece se deixar arrebatar por suas próprias palavras. Para você, se trata realmente de um problema, ou você o está inventando para termos uma palestra interessante? Se ele foi inventado para fins de discussão, não tem, então, conteúdo real. Mas, se é um problema real, podemos, então, examiná-lo a fundo. Esta é uma situação verdadeiramente complexa: o interior se dividindo em compartimentos e, além disso, se separando do ambiente. E, mais ainda, dividindo o ambiente, a que chama “sociedade”, em classes, raças e grupos econômicos  nacionais, geográficos. É isso, de fato, o que se observa no mundo; e chamamos isso “viver”. Não tendo possibilidade de resolver este problema, inventamos uma superentidade, uma força atuante que, assim esperamos, criará a harmonia, a coesão, dentro em nós e entre nós. Esse fator de coesão, a que chamamos religião, cria, por sua vez, mais um fator de divisão. Por conseguinte, a questão se torna esta: o que poderá criar uma completa harmonia no viver, na qual não haja divisões, mas, sim, um estado em que o intelecto e o coração sejam, juntos, a expressão de uma entidade total? Essa entidade não é um fragmento.

Interrogante: Concordo com você, mas como realizar isso? É essa a harmonia a que o homem sempre aspirou e que sempre buscou em todas as religiões e todas as utopias políticas e sociais.

Krishnamurti: Você está perguntando “como”? O “como” é o grande erro. É o fator segregador. Existe o meu “como”, o seu “como”, e o “como” de outrem. Assim, se nunca empregássemos essa palavra, estaríamos investigando verdadeiramente e não buscando um método para alcançarmos um determinado resultado. Você pode, pois, afastar de todo essa ideia de “receita” e de resultado? Se você pode definir um resultado, já o conhece e, por conseguinte, ele é condicionado e não livre. Se jogarmos fora a “receita”, seremos então capazes de investigar se há alguma possibilidade de se estabelecer um todo harmônico, sem inventarmos nenhum agente exterior, porque todos os agentes exteriores, existentes no ambiente ou acima do ambiente, só servem para aumentar o problema.

Em primeiro lugar, é a mente que se divide em sentimento  intelecto e ambiente; é a mente que inventa o agente exterior; é a mente que cria o problema.

Interrogante: Essa divisão não se encontra apenas na mente. Ela é mais forte ainda nos sentimentos. Os muçulmanos e os hinduístas não acreditam estarem separados: eles se sentem separados — e é esse sentimento que, com efeito, os separa e os faz se destruírem uns aos outros.

Krishnamurti: Exatamente: o pensar e o sentir são uma só coisa; sempre, desde o começo, foram uma só coisa, e é isso, precisamente, o que estou dizendo. Nosso problema, por conseguinte  não é a integração dos diferentes fragmentos, mas, sim, a compreensão desta mente e deste coração que são uma só coisa. Nosso problema não é de como acabarmos com as classes, ou como construir melhores utopias, ou formar melhores líderes políticos ou novos instrutores religiosos. Nosso problema é a mente. Chegar a este ponto, não teoricamente, porém vê-lo realmente, é a mais elevada forma de inteligência. Porque, então, você não pertence a nenhuma classe ou grupo religioso  não é então muçulmano, hinduísta, judeu ou cristão. Temos, portanto, ágora, só um problema: Porque a mente divide  Ela não só divide suas próprias funções em sentimentos e pensamentos, mas também separa a si própria, como “eu”, do “você”, e separa o “nós” do “eles”. A mente e o coração são uma só unidade. Não o esqueçamos. Lembre-se disso, sempre que eu usar a palavra “mente”. Nosso problema é: Porque a mente divide?

Interrogante: Sim, é este.

Krishnamurti: A mente é pensamento. Toda a atividade do pensamento é de separação, fragmentação. O pensamento é reação da memória, que é o cérebro. O cérebro tem de “reagir” quando percebe um perigo. Isso é inteligência; mas esse mesmo cérebro foi, de alguma maneira, condicionado para não perceber o perigo da divisão. Suas ações são válidas e necessárias no domínio dos fatos. Do mesmo modo, ele atuará quando perceber o fato de que a divisão e a fragmentação lhe são perigosas. Isto não é uma ideia, ideologia, princípio ou conceito — coisas absurdas e “separativas”: é um fato. Para ver o perigo, o cérebro deve estar muito desperto e vigilante — todo ele, e não apenas um segmento dele.
Interrogante: Como manter desperto o cérebro inteiro?

Krishnamurti: Já dissemos que não há “como”, porém, tão-só, ver o perigo; é este o ponto que se precisa compreender. O ver não é um resultado de condicionamento ou de propaganda  o ver se verifica com o cérebro inteiro. Quando o cérebro está completamente desperto, a mente se torna silenciosa. Se o cérebro está completamente desperto, não há fragmentação, nem separação, nem dualidade. A natureza desse silêncio é sobremodo importante. Pode-se silenciar a mente por meio de drogas e artifícios de toda espécie, mas tais artifícios geram várias outras formas de ilusão e de contradição. Esse silêncio é a mais alta forma da inteligência, que não é pessoal, nem impessoal  nem sua, nem minha. Anônimo, ele é integral, imaculado  Não pode ser descrito porque não tem nenhuma qualidade  Ele é percebimento, ele é atenção, ele é amor, ele é o Supremo. O cérebro deve estar de todo desperto; só isso. Assim como um homem perdido na floresta deve se conservar alertado a fim de sobreviver, assim também o homem que se vê perdido na floresta do mundo deve se manter sumamente vigilante, para viver completamente.

Krishnamurti — A Luz que não se apaga

Participe do nosso grupo no Facebook

Participe do nosso grupo no Facebook
Grupo Jiddu Krishnamurti
Related Posts with Thumbnails

Vídeos para nossa luz interior

This div will be replaced