terça-feira, 9 de julho de 2013

Muitos são independentes, mas raros são livres

Desejo examinar com vocês o problema da liberdade. É um problema muito complexo, que requer profundo estudo e compreensão. Muito se fala em liberdade — liberdade religiosa e liberdade de o indivíduo fazer o que deseja. Sobre esta questão volumes têm sido escritos por homens eruditos. Mas eu penso que podemos considera-la de maneira muito simples e direta, e chegar, talvez, à solução verdadeira. Não sei se vocês já pararam alguma vez para contemplar o maravilhoso esplendor do poente, à hora do entardecer, com a lua surgindo, timidamente, acima das árvores. Muitas vezes, nessa hora, o rio se mostra muito manso e, então, tudo se reflete em sua superfície: a ponte e o trem que a atravessa, a lua ainda tenra e, em pouco, com o escurecer, as estrelas. Tudo isso é verdadeiramente belo. E para poderem observar, dar toda a atenção de vocês a algo que é belo, deve a mente de vocês estar livre de preocupações, não acham? Não deve estar ocupada com problemas, com tribulações, com especulações. É só com a mente muita tranquila que se pode observar realmente, porque, então, a mente é sensível à beleza extraordinária. E talvez tenhamos aqui a chave do nosso problema da liberdade.

Pois bem: o que significa ser livre? Consiste a liberdade em vocês poderem fazer o que lhes convém, em irem aonde lhes agrada, em pensar o que quiserem? Isso vocês o fazem de qualquer maneira. A mera consciência de se ter independência significa liberdade? Muita gente neste mundo é independente, mas pouquíssimos são livres. Liberdade implica uma grande soma de inteligência, não? Ser livre é ser inteligente, mas a inteligência não nasce só pelo desejo de sermos livres; nasce ao começarem a compreender, no seu todo, o ambiente, as influências sociais, religiosas, paternas e tradicionais que continuamente lhes envolvem. Mas, para compreenderem todas essas influências — a influência dos seus pais, do governo, da sociedade, do meio cultural a que pertencem, de suas crenças, seus deuses e superstições, da tradição a que impensadamente se ajustam — para compreenderem todas essas influências e delas se livrarem, vocês necessitam de profundo discernimento; mas vocês, em geral, se submetem a elas porque interiormente sentem medo. Vocês têm medo de não alcançar uma boa situação na vida, medo do que possa dizer o sacerdote da sua seita, medo de não seguir a tradição, de não fazer o que é “correto”. Mas a liberdade é, com efeito, um estado mental em que não existe medo ou compulsão, nem ânsia de segurança.

Não desejamos, quase todos nós, estar em segurança? Não desejamos ser considerados “maravilhosos”, que nos admirem a formosura, a superior inteligência? Do contrário, não acrescentaríamos letras aos nossos nomes. Tais coisas inspiram-nos confiança em nós mesmos, fazem-nos sentir que somos “importantes”. Todos desejamos ser famosos; mas, no momento em que desejamos ser algo, já não somos livres.

Vejam isso, por favor, pois, com efeito, aí vocês têm o fio que os levará à compreensão do problema da liberdade. Quer neste mundo de políticos, de poder, posição, autoridade, quer no chamado mundo espiritual, em que cada um aspira a ser virtuoso, nobre, modelo de santidade — no momento em que desejam ser alguém, já não são livres. Mas o homem ou mulher que percebe que tudo isso é absurdo, cujo coração é “inocente” e, por conseguinte, não está sendo movido pelo desejo de ser alguém — é um ente livre. Se compreenderem isso em sua simplicidade, verão também sua extraordinária beleza e profundeza.

Afinal de contas, os exames têm esta finalidade: dar-lhes uma posição, tornar-lhes alguém. Títulos, posição, conhecimentos, servem-lhes de estímulo a ser algo. Não ouvem dizer a seus pais e mestres que vocês devem alcançar certa posição na vida, que devem ter êxito como seu tio ou seu avo? Ou vocês mesmos tratam de imitar o exemplo de certo herói, se igualarem aos Mestres, aos santos; por isso nunca são livres.

Quer vocês sigam o exemplo de um Mestre, santo, instrutor, parente, quer observem uma certa tradição, tudo isso implica, da parte de vocês, uma necessidade de ser algo; e é só quando vocês compreendem este fato, que há liberdade.

A função da educação é lhes ajudar, desde criança, a não imitar ninguém e serem sempre vocês mesmos. Mas isto é dificílimo: serem sempre o que são — feio ou belo, invejoso ou ciumento — compreendê-lo. O serem vocês mesmos é muito difícil, porque vocês pensam que o que são é desprezível e que seria maravilhoso se pudessem converter o que são em algo nobre; mas isso nunca acontecerá. Se, entretanto, vocês olham o que realmente são, e o compreendem, então, nessa própria compreensão, há transformação. A liberdade, pois, consiste, não em tentarem se tornar algo diferente do que são, nem em fazerem o que acaso desejam fazer, nem em seguirem a autoridade da tradição, de seus pais, de seu guru, porém, sim, em compreenderem o que vocês são a cada instante.

Mas, vocês não são educados para isso; a educação de vocês lhes estimula a se tornarem isto ou aquilo — mas isso não é compreensão de si mesmo. O “eu” de vocês é uma coisa sobremodo complexa, não é meramente a entidade que vai à escola, que briga, que joga, que tem medo, mas é também algo que está oculto, que não é evidente. Compõe-se, não apenas de tudo o que vocês pensam, mas também de todas as coisas que foram inculcadas em suas mentes por outras pessoas. Por livros, pelos jornais, por seus líderes ou guias; e só é possível compreender tudo isso quando não desejam ser alguém, quando não imitam, não seguem ninguém — o que, com efeito, significa estar em revolta contra esta tradição de “vir a ser algo”. Esta é a única revolução verdadeira, conducente a uma extraordinária liberdade. Cultivar essa liberdade é a verdadeira função da educação.

Seus pais, seus mestres, e seus próprios desejos os querem identificados com isto ou aquilo, para serem felizes, terem segurança. Mas, para serem inteligentes, não devem se libertar de todas as influências que lhes escravizam e esmagam?

A esperança de um novo mundo está naqueles de vocês que começarem a ver o que é falso e a se revoltarem contra o falso, não apenas verbalmente, porém realmente. E esta é a razão porque devem buscar a educação correta; pois, só crescendo em liberdade, poderão criar um novo mundo não baseado na tradição ou moldado de acordo com o temperamento de certo filósofo ou idealista. Mas não haverá possibilidade de liberdade enquanto estiverem meramente tentando se tornar alguém ou imitando um exemplo nobre.

Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano 

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