terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O medo psicológico


Enquanto existir a divisão entre o pensador e o pensamento, haverá conflito. Enquanto existir tal divisão haverá necessariamente medo. O pensador procura então controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo , livrar-se dele. Por conseguinte, está sempre a considerá-lo como coisa separada dele próprio e, por esta razão, nunca se liberta do medo. Temos aqui, outrossim, uma das causas principais: da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre observador e a coisa observada, há contradição, separação: o medo lá ele cá. E observando o medo, o observador deseja livrar-se dele; por conseguinte, tenta todos os métodos de libertar-se do medo.

Se não há pensador, porém apenas o estado de medo – o estado de medo, e não a entidade que sente medo – é possível então compreender o medo, examiná-lo. É o que agora farei rapidamente.
Que realmente é o medo – o medo psicológico? É um estado em que, psicologicamente, se está consciente de um perigo: o perigo de perder a esposa, de perder um emprego, etc. Psicologicamente, que é esse medo? É o tempo, sem dúvida. Se não houvesse o tempo, não haveria medo. Por isso que posso pensar numa certa coisa – pensar no perigo, pensar em perder o emprego, pensar na morte, pensar no intervalo entre a realidade atual e o que poderá acontecer – esse lapso de tempo constitui a causa do medo. Se não houvesse tempo,  se não houvesse amanhã, correspondente ao pensamento “Que irá acontecer amanhã?”, se a mente se ocupasse tão somente com o real estado de medo, que aconteceria então? Há o tempo cronológico, marcado pelo relógio. Mas, se não há tempo psicológico – não só o tempo referente ao dia de ontem – isto é, se o pensamento não se ocupa com o que irá acontecer amanhã ou não volta ao que já aconteceu, para relacioná-lo com o presente – vemo-nos então, não em presença do medo, porém apenas em presença de um estado.

Se vos tendes observado, sabei o que realmente ocorre quando sentis medo, quando existe perigo psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo que se descubra o que eu sou. Se isso se descobrisse, eu poderia perder minha reputação, minha posição, etc. Assim sendo, cubro-me com uma máscara. E atrás dessa máscara há sempre ansiedade, sentimento de culpa, o sentimento da necessidade de estar sempre atento, para nunca tirar a máscara e deixar ver o que atrás dela se esconde. Esse é o meu estado, que me inspira medo. Pois bem. Que está ocorrendo? Não estais suficientemente interessado em minha pessoa para arrancar-me a máscara e olhar. Porque tendes também vossas próprias máscaras – muitas delas  - isso não vos interessa. Mas, eu estou pensando que podeis olhar. Esse “podeis” refere-se ao futuro; e o passado representa algo que pratiquei e que podeis descobrir. Estou todo enredado no tempo; e nesse tempo – que pode ser uma fração de segundo, ou um dia, ou dez anos -  nesse tempo está o pensamento enredado. O pensamento o criou -  o pensamento de poderdes olhar o que se oculta atrás de  minha máscara. É,  pois, o pensamento que cria o medo, e o medo existe por causa do tempo. Não há fugir, não há dizer: “Não terei medo do tempo”. Tendes de compreender esse sutilíssimo processo.
Outrossim se investigardes suficientemente esta questão, descobrireis também que, realmente, verdadeiramente, nunca experimentais esse estado de medo. Não é o mesmo estado de quem se vê, fisicamente, na borda de um precipício ou frente a frente com um réptil venenoso. O sentimento de medo é então imediato, e requer uma reação imediata. Mas a maioria de nós provavelmente nunca olhou face a  face o estado de medo, porque só  o atingimos através de palavras, e são estas que geram o medo. Tomemos por exemplo, a palavra “morte”. Não vou falar a respeito de morte; deste assunto trataremos noutra reunião. Estou me referindo a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo”, etc. A palavra representa um papel de extraordinária importância em nossa vida. A palavra “morte” evoca toda sorte de imagens e temores: a palavra ou o símbolo, ou coisa que vistes na rua – o transporte de um defunto, que é um símbolo. A palavra, como vemos, gera o medo.

Tratai,  pois, de compreender o que está implicado nesse extraordinário processo do medo: palavra, tempo, ideal, disciplina, ajustamento, e essa separação entre experimentador e coisa experimentada. Vereis que tudo isso está implicado, quando começardes a investigar o medo; e tendes de compreendê-lo totalmente, e não por fragmentos. E, se chegastes até aí, tendes de descer muito mais fundo ainda, pois precisais investigar de modo completo a questão do consciente e do inconsciente.

A maioria de nós vive na superfície. Todas as nossa atividades, toda a nossa rotina, todas a nossas sensações se acham na superfície. Nunca penetramos, nunca sondamos as profundezas de nossa consciência, a fim de compreendê-las. E, para compreender, deve a mente superficial, que está sempre ativa, quietar-se completamente.

A mente precisa libertar-se totalmente do medo, porque, se há qualquer sombra de medo, em qualquer nível inexplorado, oculto, da consciência, esse medo projetará uma ilusão obscurante. A mente que deveras deseja compreender o que é verdadeiro, real -  o extraordinário estado da mente que compreende essa coisa chamada Verdade – não deve ter, psicologicamente, medo de espécie alguma. Há o medo instintivo, que é perfeitamente natural. Esse medo é necessário; se não existe, o indivíduo é neurótico. Trata-se da reação normal de uma mente sã. Mas estamos falando sobre o medo psicológico, que é um estado neurótico. A mente que deseje deveras compreender, que deseje empreender uma viagem de exploração e profunda compreensão dessa coisa extraordinária que se chama Realidade – onde não há medida, tempo, ilusão, imaginação – deve estar completamente livre do medo. Essa mente, por conseguinte, nunca estará vivendo no passado e nem no futuro. Mas não vos apresseis a interpretá-la como uma coisa que está vivendo no presente, na maneira como o entendem certos filósofos de grande fama, filósofos desiludidos, que preconizam viver completamente no presente, aceitar tudo – o bom, o mau, o indiferente – no presente, nele viver e dele tirar o melhor proveito possível. Não é necessário citar o nome dessa filosofia a que estou aludindo. Já disse o suficiente a seu respeito; sabemos o que ela é.

Assim, pois, a mente que está bem consciente de tudo o que se relaciona com o medo, não se interessa pelo passado; mas, quando o passado se  apresenta, sabe o que tem de fazer, sem dele se servir como um degrau para o futuro. Essa mente,  por conseguinte está vivendo no presente ativo e, portanto, compreende cada movimento de pensamento, de sentimento, de medo, logo que se manifesta. Muito há que aprender. Não há fim ao aprender. Por conseguinte, não há nele medo, desespero, ansiedade. Deveis entranhar-vos disso completamente, para que nunca vos vejais envolvido nas coisas que foram feitas no passado ou que serão feitas no futuro, envolvido no tempo como pensamento. Só a mente que se esgotou de todo esse medo, pode estar vazia. Nesse estado de vazio, pode-se compreender o que é supremo, o que não tem  nome.

Krishnamurti - Madrasta 1964

Participe do nosso grupo no Facebook

Participe do nosso grupo no Facebook
Grupo Jiddu Krishnamurti
Related Posts with Thumbnails

Vídeos para nossa luz interior

This div will be replaced