Enquanto
existir a divisão entre o pensador e o pensamento, haverá conflito. Enquanto
existir tal divisão haverá necessariamente medo. O pensador procura então
controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo , livrar-se dele. Por
conseguinte, está sempre a considerá-lo como coisa separada dele próprio e, por
esta razão, nunca se liberta do medo. Temos aqui, outrossim, uma das causas
principais: da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre observador e a
coisa observada, há contradição, separação: o medo lá ele cá. E observando o
medo, o observador deseja livrar-se dele; por conseguinte, tenta todos os
métodos de libertar-se do medo.
Se
não há pensador, porém apenas o estado de medo – o estado de medo, e não a
entidade que sente medo – é possível então compreender o medo, examiná-lo. É o
que agora farei rapidamente.
Que
realmente é o medo – o medo psicológico? É um estado em que, psicologicamente,
se está consciente de um perigo: o perigo de perder a esposa, de perder um
emprego, etc. Psicologicamente, que é esse medo? É o tempo, sem dúvida. Se não
houvesse o tempo, não haveria medo. Por isso que posso pensar numa certa coisa
– pensar no perigo, pensar em perder o emprego, pensar na morte, pensar no
intervalo entre a realidade atual e o que poderá acontecer – esse lapso de
tempo constitui a causa do medo. Se não houvesse tempo, se não houvesse amanhã, correspondente ao
pensamento “Que irá acontecer amanhã?”, se a mente se ocupasse tão somente com
o real estado de medo, que aconteceria então? Há o tempo cronológico, marcado
pelo relógio. Mas, se não há tempo psicológico – não só o tempo referente ao
dia de ontem – isto é, se o pensamento não se ocupa com o que irá acontecer
amanhã ou não volta ao que já aconteceu, para relacioná-lo com o presente –
vemo-nos então, não em presença do medo, porém apenas em presença de um estado.
Se
vos tendes observado, sabei o que realmente ocorre quando sentis medo, quando
existe perigo psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo que se
descubra o que eu sou. Se isso se descobrisse, eu poderia perder minha reputação,
minha posição, etc. Assim sendo, cubro-me com uma máscara. E atrás dessa máscara
há sempre ansiedade, sentimento de culpa, o sentimento da necessidade de estar
sempre atento, para nunca tirar a máscara e deixar ver o que atrás dela se
esconde. Esse é o meu estado, que me inspira medo. Pois bem. Que está
ocorrendo? Não estais suficientemente interessado em minha pessoa para
arrancar-me a máscara e olhar. Porque tendes também vossas próprias máscaras –
muitas delas - isso não vos interessa.
Mas, eu estou pensando que podeis olhar. Esse “podeis” refere-se ao futuro; e o
passado representa algo que pratiquei e que podeis descobrir. Estou todo
enredado no tempo; e nesse tempo – que pode ser uma fração de segundo, ou um
dia, ou dez anos - nesse tempo está o
pensamento enredado. O pensamento o criou -
o pensamento de poderdes olhar o que se oculta atrás de minha máscara. É, pois, o pensamento que cria o medo, e o medo
existe por causa do tempo. Não há fugir, não há dizer: “Não terei medo do tempo”.
Tendes de compreender esse sutilíssimo processo.
Outrossim
se investigardes suficientemente esta questão, descobrireis também que,
realmente, verdadeiramente, nunca experimentais esse estado de medo. Não é o
mesmo estado de quem se vê, fisicamente, na borda de um precipício ou frente a
frente com um réptil venenoso. O sentimento de medo é então imediato, e requer
uma reação imediata. Mas a maioria de nós provavelmente nunca olhou face a face o estado de medo, porque só o atingimos
através de palavras, e são estas que geram o medo. Tomemos por exemplo, a
palavra “morte”. Não vou falar a respeito de morte; deste assunto trataremos
noutra reunião. Estou me referindo a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo”,
etc. A palavra representa um papel de extraordinária importância em nossa vida.
A palavra “morte” evoca toda sorte de imagens e temores: a palavra ou o símbolo,
ou coisa que vistes na rua – o transporte de um defunto, que é um símbolo. A
palavra, como vemos, gera o medo.
Tratai,
pois, de compreender o que está
implicado nesse extraordinário processo do medo: palavra, tempo, ideal,
disciplina, ajustamento, e essa separação entre experimentador e coisa
experimentada. Vereis que tudo isso está implicado, quando começardes a
investigar o medo; e tendes de compreendê-lo totalmente, e não por fragmentos.
E, se chegastes até aí, tendes de descer muito mais fundo ainda, pois precisais
investigar de modo completo a questão do consciente e do inconsciente.
A
maioria de nós vive na superfície. Todas as nossa atividades, toda a nossa
rotina, todas a nossas sensações se acham na superfície. Nunca penetramos,
nunca sondamos as profundezas de nossa consciência, a fim de compreendê-las. E,
para compreender, deve a mente superficial, que está sempre ativa, quietar-se
completamente.
A mente
precisa libertar-se totalmente do medo, porque, se há qualquer sombra de medo,
em qualquer nível inexplorado, oculto, da consciência, esse medo projetará uma
ilusão obscurante. A mente que deveras deseja compreender o que é verdadeiro,
real - o extraordinário estado da mente
que compreende essa coisa chamada Verdade – não deve ter, psicologicamente,
medo de espécie alguma. Há o medo instintivo, que é perfeitamente natural. Esse
medo é necessário; se não existe, o indivíduo é neurótico. Trata-se da reação
normal de uma mente sã. Mas estamos falando sobre o medo psicológico, que é um
estado neurótico. A mente que deseje deveras compreender, que deseje empreender
uma viagem de exploração e profunda compreensão dessa coisa extraordinária que
se chama Realidade – onde não há medida, tempo, ilusão, imaginação – deve estar
completamente livre do medo. Essa mente, por conseguinte, nunca estará vivendo
no passado e nem no futuro. Mas não vos apresseis a interpretá-la como uma
coisa que está vivendo no presente, na maneira como o entendem certos filósofos
de grande fama, filósofos desiludidos, que preconizam viver completamente no
presente, aceitar tudo – o bom, o mau, o indiferente – no presente, nele viver
e dele tirar o melhor proveito possível. Não é necessário citar o nome dessa
filosofia a que estou aludindo. Já disse o suficiente a seu respeito; sabemos o
que ela é.
Assim,
pois, a mente que está bem consciente de tudo o que se relaciona com o medo, não
se interessa pelo passado; mas, quando o passado se apresenta, sabe o que tem de fazer, sem dele
se servir como um degrau para o futuro. Essa mente, por conseguinte está vivendo no presente
ativo e, portanto, compreende cada movimento de pensamento, de sentimento, de
medo, logo que se manifesta. Muito há que aprender. Não há fim ao aprender. Por
conseguinte, não há nele medo, desespero, ansiedade. Deveis entranhar-vos disso
completamente, para que nunca vos vejais envolvido nas coisas que foram feitas
no passado ou que serão feitas no futuro, envolvido no tempo como pensamento. Só
a mente que se esgotou de todo esse medo, pode estar vazia. Nesse estado de
vazio, pode-se compreender o que é supremo, o que não tem nome.
Krishnamurti - Madrasta 1964