sábado, 16 de fevereiro de 2013

Quem é a entidade que está "vivendo com o medo"?

Quem é a entidade que está "vivendo com o medo", seguindo-o, observando-o? Quem é o observador e que está ele a observar?... Quem é o observador, quem é que está vivendo, a observar, e a tomar nota de todos os movimentos das diferentes formas de medo, e ao mesmo tempo consciente do fato central — do medo? É o observador uma entidade morta, um ser estático? Não esteve ele a acumular uma enorme quantidade de conhecimentos e informações a respeito de si próprio, a aprender tantas coisas, a ter tantas experiências; e toda essa experiência e conhecimento, essa infinita variedade de solidão e de sofrimento, o passado — tudo isso não é "coisa morta", memória? Não é uma coisa morta que observa e vive com o movimento do medo? O observador é o passado estático, morto, ou é uma coisa viva? Qual a resposta? Sois a entidade morta que observa o que é vivo? Ou sois uma entidade viva a observar uma coisa viva? No observador existem os dois estados. Quando observais uma árvore, vós a observais com o conhecimento botânico dessa árvore e observais também o movimento vivo da árvore, o vento a soprar por entre os ramos, a agitar as folhas e o tronco. Ela é uma coisa viva e estais a olhá-la com o conhecimento acumulado a respeito dessa árvore; e esse conhecimento é "coisa morta". Ou estais a olhá-la sem nenhum conhecimento acumulado e, portanto, vós, como entidade viva, estais olhando uma "coisa viva". O observador é tanto o passado como o presente vivo; o observador é o passado a tocar o presente vivo.


Vejamos a coisa mais de perto. Quando vós, o observador, olhais para a vossa esposa, vosso amigo, estais a observar com as memórias de ontem, estais consciente de que o passado está contaminando o presente, ou estais observando como se não existisse nenhum ontem? O passado está sempre a projetar sua sombra no presente, a memória do passado: o que "ela" me disse, o que "ele" me disse: o prazer, a lisonja ontem fruída, o insulto ontem sofrido. Essas memórias tocam e desfiguram o presente. O observador é passado e presente, é um ente meio-morto, meio-vivo, e é neste estado de vida-morte que ele olha.
 
Existe um observador não pertencente ao passado nem ao presente, considerados como tempo? Que existe o observador que vem do passado, está bastante claro — a imagem o símbolo, a ideia, as ideologias, etc. — o passado. Entretanto, ao mesmo tempo ele está ativamente presente, ativamente examinando, olhando, observando, escutando. Esse escutar, esse olhar é influenciado pelo passado, e o observador se encontra ainda dentro do campo do tempo. Quando ele observa o objeto — o medo ou outra coisa qualquer — dentro do campo do tempo, não está vendo a totalidade do medo. Ora, pode o observador "passar além", de modo que (ele) não seja passado nem presente: seja a coisa observada, a "coisa viva"? Esta é a verdadeira meditação.
 
É muito difícil exprimir em palavras a natureza daquele estado mental no qual existe não só o passado, como observador, mas também o observador que está observando, escutando, porém com um capítulo, uma raiz no passado. Por isso que o observador vive no passado e no presente (que é influenciado pelo passado), existe a divisão entre "observador" e a "cosia observada". Essa divisão, esse espaço, esse intervalo de tempo entre o observador e a cosia observada, só pode terminar quando existe uma outra "qualidade" não pertencente ao tempo, não pertencente ao passado nem ao presente; porque só então o observador é a coisa observada — o que não constitui um processo de identificação com a coisa observada.
 
(...) É necessário compreender o observador e não a coisa observada, que tem muito pouco valor. O medo tem, com efeito, insignificante valor, quando nele refletimos; o que tem valor é a maneira como olhamos o medo, o que fazemos ou o que não fazemos com o medo. A análise, a pesquisa da causa do medo, o eterno indagar, perguntar, sonhar — tudo isso constitui o observador; portanto, a compreensão do observador tem mais valor do que a compreensão da coisa observada. Quando se olha o observador — que é "nós mesmos" — vemos não só que esse "nós mesmos" é do passado, constituído que é de memórias mortas, esperanças, "culpa", saber, mas também que todo o saber se acha no passado. Quando digo "Conheço-te", isso significa que te conheço como ontem eras; não te conheço realmente agora. "Nós mesmos" é o passado; vivemos no presente contaminado pelo passado, sob a sombra do passado, enquanto o amanhã nos aguarda. Isso também faz parte do observador, está compreendido no campo do tempo — tempo no sentido de ontem, hoje e amanhã. Eis tudo o que sabemos, e nesse estado mental, de observador, olhamos o medo, o ciúme, a guerra, a família — aquela entidade enclausurante chamada "família". Com isso vivemos. O observador está sempre a tentar resolver o problema da coisa observada, a qual é o desafio, o novo, estamos sempre a traduzir o novo nos termos do "velho"; e vemos-nos, perpetuamente, até o fim da vida, em conflito.
 
Não é possível compreender intelectualmente, verbalmente, por meio de argumentos ou explicações, um estado mental no qual o observador já não tenha espaço entre si e a coisa observada; no qual o passado não esteja mais a interferir, em nenhum momento. Entretanto, é só então que o observador é a coisa observada e que o medo termina totalmente. Enquanto existe medo, não há amor. Que é o amor? Há inúmeras explicações do amor: sexo, pertencer a alguém, não ser dominado por alguém, ser nutrido psicologicamente por outrem, tudo o que se pensa em torno do sexo. É isso o que, em geral, se entende por "amor"; mas nesse amor há sempre ansiedade, ciúme, "culpa". Ora, onde existe um tal conflito, não existe amor. Isso não é um aforismo para decorar, porém um fato que devemos observar por nós mesmos. O que quer que façamos, enquanto existir o medo, enquanto existir qualquer forma de ciúme, de ansiedade, não haverá possibilidade de amar. O amor nada tem em comum com o prazer e o desejo; o prazer anda de par com o medo e, é bem óbvio, a mente que vive com medo estará, sempre e necessariamente, a buscar o prazer. O prazer só tem o efeito de aumentar o medo. Vemo-nos, pois, aprisionados num círculo vicioso. Pelo percebimento desse circulo vicioso, pelo observá-lo, pelo "viver com ele", sem jamais procurar saída (pois o círculo vicioso não se rompe pelo simples fato de fazermos alguma coisa em relação a ele), quebrá-lo-eis. Não há então prazer; não há desejo ou medo; há então uma coisa que se chama "amor".
 
Krishnamurti – Saanen, 20 de julho de 1967
Extraído do livro: Como viver neste mundo - ICK





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