segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A sociedade está se desintegrando, quer você goste ou não

A sociedade está se desintegrando, quer gosteis, quer não; ela está se despedaçando porque temos seguido a autoridade. Portanto, averiguemos isso.

Por que seguimos a outrem? Este é um problema muito complexo e, por conseguinte, devemos abeirar-nos dele cautelosa, judiciosa e pacientemente. Ele compreende o problema do conhecimento, isto é, o problema da aceitação da autoridade de um possui conhecimento, na suposição de que vós não sabeis e ele sabe. Admitimos a autoridade do médico e a autoridade civil que nos manda "conservar a direita", na estrada. Se não tiverdes o bom senso de obedecer à regra geral de trafegar pelo lado direito da estrada, acabareis num posto policial. Assim, em certas coisas, importa obedecer à autoridade normal. Se desejo construir uma ponte, não posso rejeitar os conhecimentos acumulados através dos séculos; isso seria absurdo. Não nos referimos a essa espécie de autoridade. Referimos-nos à autoridade existente num nível completamente diferente: a autoridade do instrutor, do guru, que diz que sabe e é seguido pela pessoa que não sabe e deseja ser conduzida à Realidade. Fique, pois, bem claro, que é sobre essa autoridade que estamos falando, não a autoridade do conhecimento positivo, acumulado durante séculos, na medicina ou qualquer outro ramo científico. Rejeitar tudo isso seria muita insensatez. estamos falando da autoridade que vós criastes na pessoa que afirma conhecer Deus, a Verdade, e poder conduzir-vos a essa realidade. O problema está, portanto, claro, não? Nos referimos à autoridade espiritual, se posso empregar o termo "espiritual" sem ser mal entendido; a autoridade do guru que sabe, em sua relação com o discípulo que não sabe.

Quando o guru diz que sabe, que significa isso? Significa que ele "experimentou" Deus, a Verdade, a paz perfeita, etc.; ele "sabe" e vós "não sabeis" e por isso o seguis, esperando que vos leve àquela realidade. Eis como criamos a chamada autoridade espiritual.

Agora, por favor, prestai atenção. Que entendemos por "saber"? Quando eu digo "sei", que significa isso? Só posso conhecer uma coisa já acabada. Entendeis? Só posso saber o que já se passou; e quando um guru diz que sabe, ele só conhece o passado, o que experimentou; e o que ele experimentou é sempre estático, coisa morta, sem vida. A Verdade, Deus, não pode ser conhecida; não podeis conhecer ou experimentar, porque no momento em que dizeis: "Sei, experimentei", não sabeis. Só podeis conhecer o que passou, e o que passou não tem validade, já não é a verdade. Quando o instrutor vos diz que vos ajudará a alcançar a Verdade, a Realidade, só poderá ajudar-vos a alcançar algo que está fixado na esfera do tempo e que, portanto, não é verdadeiro.

Senhores, escutai. Não aceiteis o que estou dizendo. Vede a verdade respectiva, e o percebimento dessa verdade vos libertará.

Pensamos que a Verdade, Deus, é um ponto fixo no tempo; ela está "ali", e para alcançarmos, para percorrermos a distância intermediária, dizemos que necessitamos de tempo. O que chamamos "realidade" está fixado num ponto e, portanto, podemos seguir um caminho para lá — ou, melhor, muitos caminhos, os caminhos das várias religiões, seitas, crenças. Mas a realidade não pode situar-se num ponto fixo; ela é imensurável, viva, atemporal; não tem existência nos termos que conhecemos. Dela só é possível nos aproximarmos quando a mente já não está aprisionada na esfera do tempo; assim sendo, nenhum guru, nenhum livro, nenhuma sistema de meditação vos pode levar a ela. A mente deve estar de todo livre das pretéritas compulsões, deve achar-se imóvel, completamente silenciosa, não mais investigando com o fim de pôr-se em segurança, de ser feliz, de realizar algo. Eis porque o homem verdadeiramente religioso não segue nenhuma autoridade, dogma, tradição ou crença. Tradição, crença, dogma, autoridade, tudo isso se encontra na esfera do tempo, e a mente aprisionada nessa esfera nunca descobrirá o que é atemporal. Libertar a mente do tempo é um processo imenso, porque a mente é resultado do tempo, resultado de inúmeras influências, memórias; e essa mente pode estar livre do passado? Enquanto a mente não se libertar do passado, não poderá descobrir o que é verdadeiro.

Os entes humanos, porque sofrem, porque se veem perdidos em meio à sua confusão, recorrem a outrem e esperam encontrar uma resposta, um sentimento de conforto, um abrigo seguro; e encontram esse abrigo, porque assim desejam, mas esse abrigo seguro não é Deus, não é a Verdade. É coisa feita pela mente, construída pelo homem, e o que foi feito pode ser desfeito. Eis porque tanto importa compreenderdes a vós mesmos. O autoconhecimento é o começo da sabedoria. Mas o "eu" é uma entidade muito complexa, e o conhecimento próprio não é simples questão de lerdes um livro, de praticardes um insensato método de introspecção, e depois dizerdes: "Aprendi tudo a meu respeito". Isso não traz autoconhecimento. Os movimentos do "eu" devem ser descobertos momento por momento, e não mediante acumulação. Observai como vossa mente opera, o que pensais, vossos impulsos, vossas compulsões, vossos motivos ocultos — ficai cônscio de tudo isso, de instante a instante, e, em seguida, libertai vossa mente dessa maldição que é a autoridade, de todos os livros, de todos os guias, políticos ou outros, porque todos eles são ambiciosos como vós. Os ambiciosos, os que têm êxito, nunca criarão o novo mundo. O novo mundo só pode ser criado pelo homem já livre da ambição, do desejo de êxito, livre de todos os dogmas e crenças — e isso significa: livre de si próprio, de seu "ego", seu "eu". Só com essa revolução religiosa, e nunca com a revolução econômica, poderá vir à existência o Novo Mundo.

Krishnamurti — 10 de outubro de 1956

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