quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Como pode o “eu”, libertar-se de sua própria sombra?

da-solidao-a-plenitude-humanaPergunta: Dizeis que o passado deve deixar de existir, para que o desconhecido possa existir. Tudo tentei para libertar-me de meu passado, mas minhas lembranças perduram e me observam inteiramente. Significa isso que o passado tem existência independente de mim? Se não, tende a bondade de mostrar-me como viver livre dele?
 
Krishnamurti: Antes de mais nada, o passado é diferente do “eu”? O pensador, o observador, o experimentador é diferente do passado? O passado é memória, são todas as experiências do indivíduo, todas as suas ambições, o resíduo racial, a tradição, os valores culturais, as influências sociais —tudo isso constitui o passado, a memória. Quer estejamos conscientes de sua existência, quer não, ele existe. Ora, todo esse conjunto é diferente do “eu”, que diz: “Desejo libertar-me do passado”?
 
Tende a bondade de acompanhar-me com paciência. Existe essa continuidade da memória, muito vasta e muito profunda, a qual, a todas as horas, está reagindo aos desafios. Essa memória é diferente do “eu” ou é “eu”? Entendeis? Se não existisse nome, relação com a família, o passado, a raça, etc., haveria “eu”? Haveria “eu”, haveria pensador, se não houvesse pensamento? Ou achais que, acima do “eu”, existe o Atman, uma entidade independente, sempre vigilante? Se existe essa entidade independente, nesse caso a mente, porque é dependente é incapaz de conhecê-la. Estais seguindo? A mente, que ao mesmo tempo depende do passado e dele resulta, disse que existe o Atman, que observa do alto, que´é livre, independente; mas, sem dúvida, foi a mente dependente que disse tal coisa; portanto, isso a que ela chama Atman faz parte dela própria, está dentro da esfera da memória, da tradição. Isso é bastante claro, não? Pela tradição, pela repetição, pela leitura, etc., sois educados parar crer que há uma coisa que é independente do “eu”, uma cosia que transcende a memória; mas um homem que foi educado na Rússia, dirá que tal coisa não existe, que é puro disparate, que só há “eu”. Assim, todos somos produtos de nossa educação, estamos condicionados por nosso passado, pelo meio cultural em que vivemos, pelas influências religiosas, políticas e sociais sob as quais fomos criados; e presumir, postular, supor que há algo superior a esse “eu” — embora tal coisa possa existir — é pensar de maneira muito infantil, imatura, e é isso que tem causado tanta confusão e tantos sofrimentos.
 
Não há, pois, nenhum “Eu” separado do passado. O “eu” é o passado, é a qualidade, a virtude, a experiência, o nome, as relações de família, as várias tendências, conscientes e inconscientes, a herança racial — tudo isso constitui o “eu”, e a mente não está separada dele. A alma, o Atman faz parte da mente, porque foi a mente que inventou estas palavras.
 
O problema, portanto, é este: Como pode a mente, que é resultado do passado, libertar-se de sua própria sombra? Compreendeis? Como pode a mente, que é todo o conjunto de memória, libertar-se do passado? Está correta esta pergunta, senhores? Acho-a incorreta. O mais que a mente pode fazer é estar cônscia do passado, estar cônscia de como toda reação, toda “resposta” provém do passado — estar totalmente cônscia, sem o desejo de nada alterar, sem escolher, do passado, o que é bom e rejeitar o que é mau. Se a mente luta pra destruir, esquecer ou alterar o passado, ela se separa do passado, criando assim uma dualidade e, portanto, conflito; e justamente esse conflito é que produz a deterioração da mente. Mas se, ao contrário, a mente perceber a totalidade de sua memória, ficando simplesmente cônscia dessa totalidade, vereis acontecer algo extraordinário. Sem esforço nenhum, o passado findou.
 
Experimentai-o, não porque eu o estou dizendo mas porque assim, o vereis por vós mesmo. Uma mente que é resultado do passado não pode libertar-se do passado por seu próprio esforço. O mais que pode fazer é tornar-se cônscia de suas reações, cônscia de como guarda ressentimentos, para depois perdoar; como acumula, para depois renunciar; como escolhe, para depois tornar-se confusa. A mente que escolhe é uma mente confusa. Ficai cônscios de tudo isso, para verdes como a mente se tornará surpreendentemente tranquila. Não há mais escolha, então, porque a mente percebe a falácia de fazer algo para libertar-se do passado. Desse percebimento resulta, não uma libertação do passado, mas um sentimento de liberdade, que faz o passado deixar de existir.
 
Krishnamurti — 5ª Conferência em Bombaim, 18 de março de 1956
Extraído do livro: Da Solidão à plenitude humana

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