Ela
disse que pertencera a várias sociedades religiosas, mas que finalmente tinha
se fixado em uma. Trabalhara por ela como palestrante e divulgadora
praticamente pelo mundo inteiro. Disse que desistira da família, do conforto e
de muitas outras coisas por amor a essa organização; ela aceitara suas crenças,
suas doutrinas e preceitos, seguira seus líderes e tentara meditar. Tornou-se
muito respeitada tanto pelos membros, quanto pelos líderes. Agora, continuou,
tendo ouvido o que eu dissera sobre crenças, organizações, os perigos do
auto-engano e assim por diante, retirara-se dessa sociedade e de suas
atividades. Não estava mais interessada em salvar o mundo, mas agora se ocupava
de sua pequena família e de seus problemas. Tinha apenas interesse remoto no mundo
confuso. Era propensa à amargura, apesar de aparentemente boa e generosa, pois
disse que sua vida parecia desperdiçada. Após todo seu entusiasmo e trabalho
passados, onde ela estava? O que acontecera? Por que estava tão entediada e
abatida, e, na sua idade, tão preocupada consigo, com coisas insignificantes?
Com
que facilidade destruímos a delicada sensibilidade de nosso ser. A luta e o
esforço incessantes, as fugas e os medos ansiosos logo embotam a mente e o
coração; e a mente astuta rapidamente encontra substitutos para a sensibilidade
da vida. Divertimentos, família, política, crenças e deuses ocupam o lugar da
clareza e do amor. A clareza é perdida pelo conhecimento e pela crença, e o
amor pelas sensações. A crença traz clareza? O muro fortemente fechado da
crença traz compreensão? Qual a necessidade das crenças? Elas não atrapalham a
mente já abarrotada? A compreensão do
que é não exige crenças, mas percepção direta, que é estar diretamente
consciente, sem a interferência do desejo. É o desejo que provoca a confusão e
o antagonismo. O outro nome da crença é fé, e a fé é também o refúgio do
desejo.
Nós
recorremos à crença como um meio de ação. A crença nos proporciona aquela força
particular que vem por meio da exclusão; e como a maioria de nós está
preocupada com realizações, a crença se torna uma necessidade. Sentimos que não
podemos agir sem crença, porque é a crença que nos dá algo pelo qual viver,
pelo qual trabalhar. Para a maioria de nós, a vida não tem sentido, a não ser o
que é transmitido pela crença; a crença tem maior importância do que a vida.
Achamos
que a vida deve ser vivida no padrão da crença; pois sem um tipo de padrão como
pode haver ação? Assim, nossa ação é baseada na idéia ou é o resultado de uma
idéia; e a ação, então, não é tão importante quanto a idéia.
Podem
as coisas da mente, por mais brilhantes e sutis, sempre realizar a conclusão da
ação, uma transformação radical no ser de alguém e, assim, na ordem social? A
idéia é o meio para a ação? A idéia pode causar certa série de ações, mas isso é
simples atividade; e a atividade é totalmente diferente da ação. É nessa
atividade que o indivíduo fica preso; e quando a atividade para, por um motivo
ou outro, ele se sente perdido e a vida se torna sem sentido, vazia. Estamos
atentos a esse vazio, consciente ou inconscientemente,e, portanto, a idéia e a
atividade tornam-se completamente importantes. Preenchemos esse vazio com a
crença, e a atividade se torna uma necessidade embriagadora. Pelo bem dessa
atividade, nós nos sacrificamos; ajustamo-nos a qualquer incômodo, a qualquer
ilusão.
A
atividade da crença é confusa e destrutiva; ela pode, a princípio, parecer metódica
e construtiva, mas em seu curso há conflito e sofrimento. Todos os tipos de
crença, religiosas ou políticas, impedem o entendimento do relacionamento, e não
pode haver ação sem esse entendimento.
Krishnamurti