“Sou casada e mãe de vários filhos, mas jamais senti amor. Estou começando a imaginar se isso realmente existe. Nós conhecemos sensações, paixões, emoções e prazeres que satisfazem, mas me pergunto se conhecemos o amor. Freqüentemente dizemos que amamos, mas há sempre uma reserva. Fisicamente podemos não ter reservas, podemos nos entregar completamente no início; mas mesmo aí há uma reserva. A doação é um presente dos sentidos, mas aquilo que pode doar está adormecido, distante. Nós nos encontramos e nos perdemos na fumaça, mas isso não é a chama. Por que não temos a chama? Por que a chama não queima sem fumaça? Pergunto-me se nós nos tornamos inteligentes demais, sabidos demais para possuirmos aquele perfume. Suponho que eu seja culta demais, moderna demais e estupidamente superficial. Apesar da conversa inteligente, suponho que eu seja realmente estúpida.”
Mas será uma questão de estupidez? Será o amor um ideal brilhante, inatingível que se torna atingível somente se as condições forem satisfeitas? O indivíduo tem tempo para satisfazer todas as condições? Falamos sobre beleza, escrevemos sobre ela, pintamo-la, dançamo-la, pregamo-la, mas não somos belos nem conhecemos o amor. Nós conhecemos apenas palavras.
Estar aberto e vulnerável é ser sensível; onde houver uma reserva, haverá insensibilidade. O vulnerável é o inseguro, liberto de amanhã; o aberto é implícito, o desconhecido. Aquilo que é aberto e vulnerável é belo; o fechado é estúpido e insensível. A estupidez, assim como a inteligência, é uma forma de autoproteção. Nós descobrimos essa porta, mas mantemos aquela porta fechada, pois queremos a brisa fresca somente por uma abertura particular. Jamais vamos lá fora ou abrimos todas as portas e janelas ao mesmo tempo. A sensibilidade não é uma coisa que você acaba conseguindo. O estúpido jamais pode se tornar sensível; o estúpido sempre será estúpido. A estupidez jamais pode se tornar inteligente. A tentativa de se tornar inteligente é estúpida. Essa é uma de nossas dificuldades, não é? Estamos sempre tentando nos tornar algo – e o entorpecimento continua.
“Então , o que se pode fazer?”
Não faça nada mas seja o que você é, insensível. Fazer é evitar o que é, e evitar o que é, é a forma grosseira de estupidez. O insensível não pode se tornar sensível; tudo que pode fazer é perceber o que é, para deixar que a história do que é se desenrole. Não interfira com a insensibilidade, pois aquele que interfere é o insensível, o estúpido. Ouça e ele lhe contará sua história; não traduza ou aja, mas ouça sem interrupções ou interpretações até o fim. Somente aí haverá ação. O fazer não é importante, mas o ouvir é.
Para dar, precisa haver o inesgotável. A reserva que dá é o medo do fim, e só existe o inesgotável no fim. Dar não pertence ao fim. Dar é do muito e do pouco; e o muito ou o pouco é o limitado, a fumaça, o toma-lá-dá-cá. A fumaça é desejo como ciúme, raiva, decepção; a fumaça é o medo do tempo; a fumaça é memória, experiência. Não existe dar, mas somente propagação da fumaça. A reserva é inevitável, pois não há nada para dar. Compartilhar não é dar; a consciência de compartilhar ou dar acaba com a comunhão. A fumaça não é a chama, mas nós a tomamos pela chama. Perceba a fumaça, aquilo que é, sem soprá-la para longe para ver a chama.
“É possível possuir essa chama ou é somente para poucos?”
Se é para poucos ou muitos não é o ponto, é? Se buscamos esse caminho, ele só poderá levar à ignorância e à ilusão. Nosso interesse é na chama. Você pode ter aquela chama, aquela chama sem fumaça? Descubra; observe a fumaça silenciosa e pacientemente. Você não pode dispersar a fumaça, pois você é a fumaça. Quando a fumaça se for, a chama virá. Essa chama é inesgotável. Tudo tem um início e um fim, é logo exaurido, esgotado. Quando o coração está vazio das coisas da mente e a mente está vazia de pensamento, então há amor. Aquilo que está vazio é inexaurível.
A batalha não é entre a chama e a fumaça, mas entre as diferentes reações na fumaça. A chama e a fumaça jamais podem estar em conflito. Para estar em conflito elas precisam estar em um relacionamento; e como pode haver um relacionamento entre elas? Uma está presente quando a outra não está.
Krishnamurti