terça-feira, 16 de agosto de 2011

Porque nos casamos?



Porque nos casamos? Em primeiro lugar, naturalmente, por força da necessidade biológica, do impulso sexual, que a sociedade legaliza pelo casamento. A sociedade deseja proteger a prole, não deseja que ela seja ilegítima, porque a sociedade tem horror aos filhos ilegítimos. Por isso, legaliza-se o casamento. De certo, não é esta a única razão por que nos casamos. Casamo-nos também por exigência psicológica. Precisamos de um companheiro ou companheira, alguém que eu possua, e domine, e chame “meu” ou “minha”. Posso fazer de minha mulher o que quiser, ela está subordinada ao homem — no nosso país; na América, não. Aqui o sistema matrimonial faz da mulher uma escrava, para ser protegida, dominada, governada, possuída. Não olheis para vossos vizinhos, senhores; vós todos estais compreendidos nisso. A mulher é uma coisa que se possui; assim como possuo bens, assim também possuo minha mulher. Possuo-a sexualmente e a domino exteriormente. Psicologicamente, a posse me dá conforto, me dá segurança: minha propriedade, minha esposa, meus filhos — todo esse horror. Tratamos seres humanos como tratamos as coisas materiais, sem consideração alguma; porque, no momento em que vos possuo legalmente, estais sob o meu domínio. Assim, a sociedade legaliza o casamento com o fim de perpetuar a raça, mantendo-a dentro de certos limites; mas psicologicamente, interiormente, posso fazer o que bem entender. E vós bem conheceis as coisas da vida, os horrores, as agonias, os sofrimentos dos que são casados e não se amam. Como pode haver amor quando há instinto de posse? E se não vos casais, que acontece? Tenho visto isso em vários países; há o que se chama união livre. Não vos mostreis chocados. A união livre, sem amor, constitui uma maneira muitos fácil de satisfazer o apetite sexual, com isenção de responsabilidades. Assim, sem o amor, tanto uma como outra coisa são horrorosas. Mas à sociedade não importa em absoluto se há amor ou não. Como, na maioria, vivemos tão concentrados, tão absortos em nossas atividades comerciais, em ganhar dinheiro, ou no que quer que seja; como somos impiedosos no comércio e cruéis no mundo, como é possível ter amor por alguém no lar? Não podeis, de um lado, explorar o vosso próximo, fazê-lo morrer de fome, sugar-lhe o sangue, e depois ir para casa e mostrar afeto para com vossa esposa. Não, Senhores, não podeis fazer as duas coisas. No entanto, é o que quereis fazer, e por isso não tendes amor. É por isso que o casamento, no mundo inteiro, é uma coisa horrenda.
            O casamento também é uma forma de perpetuação do “eu”. Desejo a continuidade, através dos meus filhos. Por conseguinte, os filhos se tornam muito importantes, não por eles próprios, mas por causa de minha continuidade — meu nome, minha classe, minha casta. Vós conheceis muito bem essa história. E, naturalmente, quando utilizais os vossos filhos só para a vossa continuidade própria, não existe amor. Como pode haver, se tendes mais interesse na vossa continuidade através deles, do que em amá-los, sejam eles o que forem. Por conseguinte, a tradição e o nome se tornam importantíssimos, porque são os meios de vos perpetuardes através de vossos filhos.
            Assim, para compreendermos este problema, descobrirmos o que ele encerra, cumpre estudá-lo, examiná-lo. Com o estudo surge a inteligência, e só a inteligência e o amor podem resolver este problema, e nunca a legislação. Possuir uma pessoa é como prostituí-la, isto é, a pessoa se torna importante, não por si, mas por que, dentro em mim, estou vazio, faminto, sou mau, insuficiente, pobre, e por isso utilizo outra pessoa — minha mulher, meu patrão ou qualquer outro — para cobrir o meu vazio interior. Por conseguinte, a pessoa possuída se torna importante como meio de fuga da minha própria solidão; e naturalmente torno-me ciumento, invejoso, quando a pessoa que me ajuda a fugir de mim mesmo, olha para outra. Assim, para compreender todo esse processo humano, que é extremamente complexo e sutil, requer-se inteligência. Inteligência é também amor, e não apenas intelecto; e não podemos ter amor se, por um lado, procedemos cruelmente em nossos negócios, na vida quotidiana, e por outro lado procuramos ser ternos, meigos e bondosos. Não podeis fazer as duas coisas, não podeis ser um homem rico e ambicioso e ao mesmo tempo amorável e carinhoso. Não podeis ser um magnata da indústria ou um político influente, e ao mesmo tempo compassivo. As duas coisas não andam juntas. Só quando há amor, compaixão — que é inteligência, a forma mais elevada de inteligência — é que pode ser resolvido este problema. Somos entes humanos, homens e mulheres; somos seres vivos, sensíveis, não somos capachos para sermos pisados, para sermos utilizados sexualmente ou mentalmente, para satisfação egoísta. No momento em que nos considerarmos uns aos outros como seres humanos, como indivíduos, não como algo para ser possuído, teremos então, a possibilidade de compreender e de transcender esse conflito existente entre dois cônjuges.

Krishnamurti – 21 de março de 1948 – Do Livro: Da Insatisfação à Felicidade

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