terça-feira, 16 de agosto de 2011

Codependência espiritual

Se a mente não estiver lúcida, cheia de saúde e de energia, não pode estar naquele estado de meditação que é absolutamente essencial para descobrir essa Realidade que está para além de todo o pensamento, para além de todo o desejo. Qualquer forma de dependência psicológica, qualquer espécie de fuga, através da bebida, através de drogas, numa tentativa para tornar a mente mais sensível, apenas a entorpece e a deforma. Quando abandonamos tudo isso - o que temos de fazer se somos realmente sérios - ficamos em face do que é viver interiormente só. Não se está então dependente de nada, nem de ninguém, de nenhuma droga, de nenhum livro, de nenhuma crença. Só então a mente não tem medo, só então se pode perguntar qual é a finalidade da vida. E se chegarmos a esse ponto, faremos a pergunta? A finalidade da vida é viver - não no caos completo e na confusão a que chamamos vida - mas viver de um modo inteiramente diferente, viver uma vida plena, completa, e viver dessa maneira hoje. É esse o verdadeiro significado da vida - que não é viver como um herói, mas viver interiormente de modo completo, sem medo, sem luta, sem toda esta miséria.

Só uma mente livre pode encontrar aquela imensidão extraordinária que não é invenção da própria pessoa, nem de algum filósofo, guru ou líder. Uma mente equilibrada é sábia, e não moldada por juízos e opiniões. O grande problema está em que adoramos os ídolos criados por nós, e assim nos tornamos mais e mais confusos e cansados... A idolatria de "mestres", "salvadores" e “líderes”, o futuro como meio de autopromoção, etc. Na tentativa de fugir da sua própria monotonia, o "eu" procura por atividades, sensações e excitações interiores e exteriores, as quais são substitutos para a ausência de eu. Nestes substitutos, ele espera perder-se. Muitas vezes, sai-se bem, mas o sucesso só serve para lhe aumentar o tédio. Vai buscando substituto após substituto, com cada um deles a criar problemas, conflitos e sofrimento. Persegue-se, interiormente e exteriormente, o esquecimento de si mesmo; uns voltam-se para as atividades religiosas, outros, para o trabalho e atividades. Mas é impossível esquecer o "eu". O barulho que se faz interiormente ou exteriormente poderá abafar o "eu", mas este não tarda a surgir, sob forma diferente, com outra máscara; pois tudo o que se reprime acaba por encontrar um meio de se libertar. O esquecimento de si mesmo através da bebida ou do sexo, pela idolatria ou pelo saber, leva à dependência; e tudo o que cria dependência, cria problemas. Se para nos libertarmos, se para nos esquecermos, se para sermos felizes dependemos de “drogas receitadas ou não”, de "Mestres" - os "Mestres" ou as drogas tornam-se o nosso problema. A dependência gera a inveja, o medo, o desejo de possuir; e então o medo e o modo de o dominar transformam-se para nós num terrível problema. Ao buscarmos a felicidade criamos problemas, e deles ficamos prisioneiros.

A felicidade conseguida por intermédio de uma qualquer coisa ou pessoa, tem de gerar inevitavelmente conflito, pois deste modo os meios tornam-se muito mais significativos e importantes do que a própria felicidade. Se a minha felicidade depende daquele grupo, o grupo torna-se importantíssimo para mim e tenho de o defender dos outros. Nessa luta, a felicidade que antes eu achava na beleza do grupo é esquecida completamente, perde-se, e só me resta o grupo. O grupo, em si, é de pouco valor; mas eu atribui-lhe um valor extraordinário por ser um meio para a minha felicidade. Assim, o meio torna-se substituto da felicidade.

Quando o meio pelo qual obtenho a minha felicidade é uma pessoa, então o conflito e a confusão, o antagonismo e a dor são muito maiores. Se as relações estão simplesmente baseadas no uso, haverá um outro tipo de relação não superficial entre as partes? Se me sirvo de alguém para conseguir a minha felicidade, estarei de fato em relação? Estar em relação significa estar em comunhão com outro em diferentes níveis; e existirá essa comunhão quando o outro me serve de instrumento para a minha felicidade? Nessa utilização do outro, não estarei eu à procura de isolamento, no qual penso ser feliz? A este isolamento chamo "relacionamento"; mas o que realmente se passa é que não há nenhuma comunhão neste processo. Só pode existir comunhão quando não existe medo; e acontece a corrosão do medo e do sofrimento onde há utilização do outro e dependência psicológica. Como nada pode viver em isolamento, todas as tentativas feitas pela mente para se isolar, só a levam à frustração e ao sofrimento. Para escapar a este sentimento de vazio, procuramos encher-nos de ideais, de pessoas, de coisas; e voltamos ao princípio de onde partimos: à busca de substitutos.

Inconscientemente, muitos de nós, prestamos culto ao sofrimento, idealizamo-lo e com ele vamos vivendo, tentando encontrar respostas para o mesmo, através da ação do intelecto, sem perceber que o intelecto, por si só, não resolve problema nenhum. Poderá explanar problemas - e qualquer pessoa inteligente é capaz disso - mas a explicação, por mais erudita, por mais subtil que seja, não é a realidade. De nada serve explicar a um homem cheio de fome os excelentes alimentos que existem; isso para ele não vale nada. Os intelectuais criam uma finalidade ideológica, de acordo com a qual procuramos viver. E, não sendo capazes de resolver esses problemas, voltamo-nos para o passado; para a nossa juventude ou para a cultura tradicional, conforme a raça, o país, etc. Quanto mais urgente se torna o problema, tanto mais nós fugimos para alguma explicação ideológica vinda do passado ou relativa ao futuro; e ficamos aprisionados nessa armadilha.

Ao que parece, há pouca gente verdadeiramente séria. Por palavra "sério" entendo a capacidade de examinar um problema até ao fim, e resolvê-lo. Resolvê-lo, não de acordo com as inclinações pessoais ou o temperamento de cada um, ou segundo a pressão do ambiente, mas deixando tudo isso de parte e investigando até ao fim a verdade relativa a uma dada questão. Essa seriedade parece bastante rara. Para que possa ser resolvido um problema básico, temos de ter essa seriedade e ainda uma certa capacidade de percebimento, de atenção, porquanto ninguém pode resolvê-los por nós.

Evidentemente, que nem as velhas religiões, nem organizações bem planejadas e aperfeiçoadas por uma determinada autoridade ou sacerdote - nada nem ninguém desta categoria pode ajudar-nos; são coisas obviamente sem significação. Pode observar-se em todo o mundo que a chamada “nova geração” está atirando aos ventos todas essas coisas sem sentido - igrejas, deuses, crenças, dogmas, rituais. Para o homem sensato essas autoridades perderam toda a importância. É claro que não tem sentido dependermos de qualquer espécie de autoridade quando o mundo se acha em tal estado de confusão e de sofrimento; principalmente da autoridade organizada num plano religioso, com as respectivas sanções.

Não se pode confiar em ninguém, nem em “Salvadores”, nem em Mestres - em nenhuma pessoa, incluindo este que vos fala. E, depois de termos posto de lado totalmente todos os livros, filosofias, santos, anarquistas, gurus, líderes, vemo-nos frente a frente conosco mesmos, tais como somos. Não há filosofia, literatura dogmas, rituais, capazes de pôr fim à emoção-violenta e ao sofrimento. Precisamos reconhecer isso, antes de passarmos adiante. Quanto mais sério o indivíduo é, e quanto mais urgente é o problema, essa própria urgência recusa a autoridade que tão facilmente aceitamos.

Permitam-me sugerir-lhes que não se limitem a ouvir palavras; palavras são palavras e pouco significam. Semanticamente, podemos penetrar-lhes o significado, mas a palavra não é a coisa, a explicação não é o fato - o que é. Qualquer um está sujeito a cair na armadilha verbal, e ficar escutando, infinitamente, só palavras. Palavras são cinzas, não têm sentido profundo. Mas se ouvirem para além das palavras, se se observarem como realmente são; se se observarem, não egocentricamente, não introspectiva ou analiticamente, mas apenas observando o que efetivamente acontece, descobrirão então, pessoalmente, não só a violência superficial (a cólera, o desejo de posição, etc.) mas também a emoção-violenta profundamente enraizada.

Podemos arranjar tempo para analisar toda a estrutura emocional e intelectual do nosso ser; analisá-la passo a passo, como fazem os analistas, na esperança de estabelecer uma relação normal entre o indivíduo e a sociedade; ou podemos ver que somos violentos e compreender diretamente a causa dessa violência. Assim sabemos qual é essa causa. Mas ver todas e cada uma das formas de violência exige tempo; destrinçar a violência, completamente, em todas as suas formas, é um trabalho de meses, de anos. Esse processo parece-me absurdo. É como um homem ser violento e tentar ser não violento e, enquanto o está tentando, continuar a semear os germes da violência. A questão, pois, é se somos capazes de ver instantaneamente a coisa no seu todo, e resolvê-la imediatamente. É disso que se trata realmente, e não de proceder pouco a pouco, dia após dia, mês após mês. Essa é uma tarefa terrível, desanimadora, interminável, exigindo uma mente meticulosa, analítica, capaz de dissecar, de ver cada aspecto e não perder uma só particularidade - pois, perdendo-se alguma particularidade, o quadro sai todo errado. Isso não só exige tempo, mas encerra também um conceito que formamos sobre o que é "ser livre da violência". Esse conceito, esse pensar de que nos servimos para tentarmos libertar-nos da violência, cria, de fato, violência; a violência é criada pelo pensamento. A questão, pois, é esta: É possível perceber a coisa na sua totalidade, imediatamente? - não intelectualmente, porque, se ela é formulada como um problema intelectual, não se encontra nenhuma solução e a pessoa acaba suicidando-se, como o fazem muitos intelectuais - suicidando-se de fato ou inventando uma teoria, uma crença, um dogma, um conceito e ficando escravos dele (o que é também uma forma de suicídio), ou voltando às velhas religiões, tornando-se católico, protestante, evangélico, hinduísta, adeptos de filosofias Orientais, etc.

A questão, pois, é se há possibilidade de ver a coisa na sua totalidade, imediatamente e, com esse ato de ver, pôr-lhe fim? Ninguém pode responder a esta pergunta senão vós mesmos - isto é, quando a ela respondem sem dependerem de qualquer autoridade, de quaisquer conceitos intelectuais ou emocionais, quaisquer fórmulas ou ideologias. Mas, como dissemos, isso exige muita seriedade e uma grande observação - observação, quando estamos sentados num carro, vendo tudo à nossa volta; observação daquilo que está à nossa frente, a mover-se, a transformar-se; observação, sem motivo algum, de todas as coisas tal como são. O que é tem muito mais importância do que o que "deveria ser". Como resultado desse empenhamento, dessa atenção, talvez venhamos a saber o que é adquirir a capacidade de amar.

Deixai-me sugerir-vos que não aceiteis o que o "escritor" está a dizer; ele não tem qualquer autoridade, não é vosso instrutor nem vosso guru; porque, se o fosse, então seríeis seu seguidor, e ser seguidor é destruir-se a si próprio e também aquele que se está a seguir. Estamos a tentar descobrir a verdade a respeito da codependência espiritual, para que a mente se liberte definitivamente dela, ficando portanto interiormente livre de toda a codependência psicológica em relação a outrem. Se tudo isto está bem claro, podemos então prosseguir; e cada um de vós poderá descobrir, por si mesmo -- e não através do "escritor", das suas palavras, idéias ou pensamentos -- se a mente pode libertar-se completamente da codependência espiritual. A sabedoria, a sagacidade, não está nos livros, nem no conhecimento acumulado da experiência dos outros. Seguramente, a sabedoria vem-nos no autoconhecimento, na autodescoberta da estrutura total de nós mesmos. Na compreensão de nós mesmos reside o fim do sofrimento psicológico e também o começo da sabedoria. Como pode a mente ser sábia quando está prisioneira do sofrimento e do medo? Só quando o sofrimento psicológico -- que também é medo -- acaba, existe a possibilidade de se ser sábio.

Se compreenderem a Verdade e não seguirem indivíduos verão que cada um de vocês é um discípulo da Verdade. A Verdade não dá esperança; ela dá compreensão. Não há compreensão no culto à personalidade. Continuo a afirmar que todas as cerimônias são desnecessárias para o crescimento espiritual. Se quiseres procurar a Verdade, precisam sair, ir para bem longe das limitações da mente e do coração humanos e lá descobri-la - e esta Verdade está dentro de vocês. Não é mais simples ter a própria vida como meta do que ter mediadores, gurus, líderes, que inevitavelmente diminuirão a Verdade e, portanto, a trairão?

As idéias ou teorias não transformam de fato a mente e o coração. Não há persuasão, não há castigo ou recompensa que possa impedir a astúcia da mente e a crueldade do coração. Não há crença ou dogma capaz de dissuadir a mente, fazê-la abandonar o curso que está seguindo, para alcançar aquilo que deseja. E seria lamentável se cada um de nós saísse destas reuniões levando uma taça cheia de cinzas - de meras idéias e palavras, que nenhuma transformação produzem. E a transformação só é possível quando percebemos ou vemos o fato real.

Muito temos discutido, analisado, citado, argumentado pró ou contra; entretanto, continuamos exatamente como éramos: embotados, insuficientes, insensíveis, completamente absorvidos em nossos próprios compromissos e problemas. E não há quantidade de re­flexão, de ansiedade ou de temor que possa dissolver nossos problemas. Não nos interessam idéias; promoção não revela o fato, e você tem que compreender o fato. Nem o templo, nem o livro, nem o guru, nem o líder, pode lhe ensinar a olhar; mas você tem que olhar por si mesmo, tem que ser sua própria luz; e para ser sua própria luz você não deve seguir ninguém. Não existe nenhuma autoridade quando você é uma luz para si mesmo - você não tem nenhum guru, nenhum líder, você não é um seguidor. Quando você é uma luz para si mesmo, você é uma entidade criadora, e a criação não pode ocorrer se existe qualquer forma de preguiça. A preguiça é a essência da autopiedade. Somos preguiçosos, indolentes, dados a pensar de maneira descuidada, sem nenhuma precisão. Nossa mente está tão confusa como nosso coração e igualmente embotada. E, para compreender a preguiça - não como livrar-se da preguiça - temos que aprender sobre ela; não vamos acumular conhecimentos sobre a preguiça, conhecimentos que se tornam meramente verbais. O aprender implica investigação. E, para investigar, a mente deve estar livre para descobrir; e não há liberdade, se você apenas consente, concorda ou nega, ou se defende atrás de uma barreira de palavras e conclusões.

Essas coisas são distrações que impedem a clareza necessária ao aprender. Isso concerne especialmente àqueles que vivem sujeitos a várias formas de liderança e autoridade, e que facilmente deslizam para a letargia mental, para a preguiça, que facilmente aceitam atitudes e valores. Assim, temos que perceber que, para aprender, deve haver liberdade para investigar.

Como disse, a essência da preguiça é a autopiedade. Vou entrar mais profundamente nesta afirmação porque se não compreendermos esse problema, esta questão da autopiedade, não compreenderemos o que se segue, ou seja, o sofrimento. Ser indolente é correto, é bom no sentido de não estarmos incessantemente ativos, como formigas, ou sempre fazendo alguma coisa, como um macaco. A mente da maioria de nós está constantemente ocupada com alguma coisa: palavras, problemas, idéias, assuntos; sempre a tagarelar consigo mesmo, nunca inativa, indolente, quieta — sempre sob tensão. E a mente que não é indolente - que não é preguiçosa, mas tem aquela placidez e sua essencial suavidade - percebe num clarão o que é verdadeiro. Essa inatividade, essa indolência, essa consciência de um lazer infinito não deve ser confundida com conforto. A mente que tem lazer é uma mente excepcional, porquanto não está envolvida na rede da ação, não está perenemente a tagarelar consigo mesma ou a respeito de alguma coisa. Assim, existe uma qualidade de lazer, de quietude, um senso de indiferença que é necessário. Mas esse senso de quietude - esse senso de ilimitado vazio, em que pode ocorrer um lampejo do real - só é possível quando compreendemos não só a indolência do corpo, mas também a indolência com que aceitamos idéias, pensamentos, asserções e conclusões, que então se tornam rotinas que ficamos seguindo - como um bonde sobre trilhos. E não sabemos, nem sequer estamos cônscios desses trilhos, dessas rotinas. Isso é indolência: não saber, não estar cônscio de que seu pensamento, seu sentimento e suas atividades “correm” perpetuamente pelos mesmos trilhos, pelas mesmas rotinas. Aquilo que você pensou aos vinte e cinco ou trinta anos hoje você ainda pensa - não há alteração, não há rompimento, não há nada novo, nada fresco.

Assim, é importante compreender o processo da mente que se tornou preguiçosa. Há preguiça quando há ajustamento, estabilização num “cantinho” que você fixou para si mesmo e para sua família e onde você se sente seguro, emocional e mentalmente; sentindo que você alcançou um certo resultado e felicitando-se pelo seu êxito. Isso indica que você chegou a um ponto em que se sente bem seguro, livre de toda perturbação – aí então começa a preguiça. E é essa preguiça que é a essência da autopiedade.

Você sabe o que quero dizer por “autopiedade”? Autopiedade significa o íntimo sentimento de não poder contar com ninguém; ter esse íntimo sentimento de estar abandonado, desprezado, de não ser amado, embora ame; de ser fracassado, de sentir que é necessário ter algum êxito; de ser isto ou aquilo - a interminável afirmação do próprio eu. Em suas lágrimas, em suas felicidade, em sua frustração, em sua agonia está o fio - o fio inquebrável - da autopiedade atravessando toda a sua vida; e isso é indolência. Foi aí que você começou a se submeter, a se estabilizar, a engordar mentalmente. E todos buscam segurança nessa indolência. E, uma vez estabelecido esse sentimento de segurança psicológica, deste centro a pessoa age, a pessoa é, aí está sua vida.

Por favor, como eu disse, não apenas escute as palavras, mas observe sua própria mente, seu próprio estado de consciência; veja em que grau de exatidão as palavras representam o seu próprio estado; observe sua própria mente em funcionamento. Então o que foi dito terá significação; mas, se você está somente confiando nas palavras, então você está vazio, e sua taça jamais se encherá, ainda que você possa ficar buscando por toda a eternidade. Assim, escutar é, realmente, a observação de sua mente; ver é, realmente, observar o movimento de seu próprio pensamento. Porque é o pensamento, a palavra, que o impede de escutar, de ver. E se você quer compreender todo o problema do sofrimento, o problema da ação, você tem que compreender a autopiedade.

Você está experimentando os meus ensinamentos ou você está experimentando você mesmo? Espero que veja a diferença. Se você está experimentando o que estou dizendo, então você deve chegar ao “E agora?” porque então você está tentando atingir um resultado que você pensa que eu tenho. Você pensa que eu tenho algo que você não tem, e que se você experimentar o que estou falando, você também vai ter isso – o que é o que a maioria de nós faz. Abordamos essas coisas com uma mentalidade comercial – farei isso para obter aquilo. Vou adorar, meditar, sacrificar a fim de conseguir algo.

Agora veja, você não está praticando os meus ensinamentos. Eu não tenho nada a dizer. Ou melhor, tudo o que estou dizendo é: Observe a sua própria mente, veja até onde a mente pode chegar; portanto, você é importante, não os ensinamentos. É importante para você descobrir os caminhos do seu próprio pensamento e o que esse pensamento implica, como estive tentando assinalar nessa manhã. E se você estiver realmente observando o seu próprio pensamento, se estiver percebendo atentamente, experimentando, descobrindo, deixando passar, morrendo a cada dia para tudo o que você juntou, então você nunca irá colocar a questão: “E agora?”

Veja, confiança é inteiramente diferente de autoconfiança. A confiança que vem quando você está descobrindo de momento a momento é inteiramente diferente da autoconfiança que surge da acumulação de descobertas – o que se torna conhecimento e lhe dá importância. Você vê a diferença? Portanto o problema da confiança desaparece completamente. Há somente o constante movimento de descoberta, o constante ler e entender – não a leitura e entendimento de um livro -, mas de sua própria mente, essa total e vasta estrutura da consciência. Então você não está de forma alguma buscando um resultado. É somente quando você está buscando um resultado que você diz: “Eu fiz essas coisas todas e não obtive nada, e perdi a confiança. E agora?” Ao passo que se você estiver examinando, entendendo os caminhos de sua própria mente sem buscar uma recompensa, um fim, sem a motivação do ganho, então existe autoconhecimento, e você vai ver uma coisa maravilhosa que vem a partir daí.

A verdade é a harmonia desse self que é a vida. Agora, para ela não pode haver nenhum caminho. Como poderia haver? Para a revelação desse self não pode haver nenhum caminho. Tudo - cada experiência, cada sentimento, cada movimento que existe dentro do self, cada sombra, cada sofrimento, cada prazer – engrandece a alma. Não pode haver caminho. Mais uma vez você irá me perguntar: “Mas e aquele caminho que nos foi falado?” Eu não estou interessado nele. O homem é livre – por favor comece por essa base – e ele deve desenvolver a sua liberdade na sua maneira única, assim ele não pode trilhar o caminho de ninguém mais. Eu não espero que você concorde comigo. Mas examine, sem ser preconceituoso, o que eu digo: que, para o desenvolvimento da alma, não pode haver caminho. Se essa é a verdade – e eu mantenho que é, o que é liberdade, o que é equilíbrio e bom senso – então a verdade é uma terra sem caminho, e se você se aproxima dela por qualquer caminho, não é a verdade. Ela desafia qualquer caminho porque você aproxima-se dela através da limitação.

Não, não vou ser apanhado nos seus caminhos. Não é a consumação de todos os caminhos; todos os caminhos são limitações, assim eu não quero usar essa palavra. Em sua mente, tudo tem uma limitação - e, se você se aproxima dela através da limitação, você não irá entender o ilimitado; mas ao desenvolver a sua maneira única, o seu próprio entendimento – o entendimento de cada um deve ser o mesmo, eventualmente, porque o self de cada um é o mesmo – você irá conseguir.

Cada um deve desenvolver seu próprio caminho, sua singularidade, sua própria maneira. Não posso dizer que existe um caminho estabelecido, traçado para cada um. Isso iria significar que você seria um prisioneiro nesse caminho. Você até pode ter uma experiência através de outra pessoa, se você é espiritualmente desenvolvido em emoção e grande inteligência, mas você terá que tomar cuidado para não se iludir. Você terá que quebrar essa limitação para descobrir a verdade. Contar com os outros é inteiramente fútil; eles não podem trazer-nos a paz. Nenhum líder irá dar-nos a paz, nenhum governo, nenhum exército, nenhum país. O que trará a paz é a transformação interior, que levará à ação exterior. A transformação interior não significa isolamento ou retraimento da ação exterior. Pelo contrário, só pode haver ação correta quando há pensar correto, quando há autoconhecimento. Se você não conhece a si mesmo, não há paz. Só terá paz quando você compreender o perigo, quando compreender sua responsabilidade, quando você não deixar a tarefa a cargo de outra pessoa. Se você compreender o sofrimento, se reconhecer a necessidade de ação imediata, inadiável, haverá então de transformar a você mesmo. Só virá a paz quando você for pacífico, quando você viver em paz com o seu próximo.

Assim, de quem você está aprendendo? Dos livros? Do líder? Do guru? E talvez, se a sua mente é brilhante, pelo observar? Até agora parece que você está aprendendo do que vem de fora: aprendendo, acumulando conhecimento e a partir desse conhecimento você está agindo, estabelecendo uma carreira e assim por diante. Se você está aprendendo de si mesmo – ou melhor, se você está aprendendo observando a si mesmo, seus preconceitos, suas conclusões definitivas, suas crenças, se você está observando as sutilezas do próprio pensamento, sua vulgaridade, sua sensibilidade, então você se torna o que ensina e o que é ensinado. Então você não depende de ninguém interiormente, de nenhum livro, de nenhum especialista – embora, é claro que se você está se sentindo mal com algum tipo de doença, você deve ir a um especialista, isso é natural, isso é necessário. Mas depender de outra pessoa, não importa quão excelente ela seja, o impede de aprender sobre si mesmo e o que você é. E é muito, muito importante aprender o que você é, porque o que você é produz essa sociedade que é tão corrupta, imoral, onde a violência se espalha enormemente, essa sociedade que é tão agressiva, cada um buscando seu próprio sucesso, sua própria maneira de preenchimento. Aprender o que você é não através dos outros, mas pelo observar a si mesmo, sem condenar, sem dizer “Isto é assim mesmo, eu sou assim, não posso mudar” e continuar. Quando você observa a si mesmo sem nenhuma forma de reação, de resistência, então o próprio observar atua; como uma chama, ele queima toda a estupidez, todas as ilusões que a pessoa tem.

Assim, aprender se torna importante. Um cérebro que cessa de aprender se torna mecânico. É como um animal amarrado em uma estaca que pode se mover apenas de acordo com o comprimento da corda, a correia que está amarrada na estaca. A maioria de nós está amarrada a uma estaca peculiar de nós mesmos, uma estaca e uma corda invisíveis. Você se movimenta dentro das dimensões da corda e é muito limitado. É como um homem que fica pensando em si mesmo o dia inteiro, sobre seus problemas, seus desejos, seus prazeres e o que ele gostaria de fazer. É conhecida essa constante ocupação consigo mesmo. É muito, muito limitada. E essa própria limitação engendra várias formas de conflitos e infelicidades. Aprender, observar a ponto de não haver nenhum lugar que não tenha sido descoberto, observado em si mesmo. Isso é realmente ser livre e autônomo do seu próprio condicionamento particular. O mundo é dividido pelos condicionamentos. Aprender liberta o cérebro e o pensamento do prestígio, da posição, do status. Aprender traz igualdade entre os seres humanos.

Quando existe uma continuidade, uma tradição, formada pelo conhecimento e passada de geração a geração, então o passado, que é a acumulação do conhecimento, obscurece o real presente vivo. Quando o conhecimento se torna uma rotina, mecânico, ele torna o cérebro limitado, rígido e insensível. Conhecimento não é beleza, mas o conhecimento é necessário para perfurar um poço. Se deixarmos o conhecimento ser a única autoridade, e esperarmos uma ascensão através do conhecimento, então estamos vivendo em uma ilusão fatal. Estamos dizendo que o conhecimento tem seu lugar na vida cotidiana, mas o quando o conhecimento é a única substância da nossa vida, então nossa vida deve estar confinada à atividade mecânica.

Vivemos de palavras e as palavras se tornam nossa prisão. As palavras são necessárias para nos comunicarmos, mas a palavra nunca é a coisa. O real não é a palavra, mas a palavra se torna toda importante quando ela toma o lugar do que é. Você pode observar esse fenômeno quando a descrição se transformou na realidade, ao invés da coisa em si - o símbolo que adoramos, a sombra que seguimos, a ilusão do líder à qual nos agarramos. E assim as palavras, a linguagem, moldam as nossas reações. A linguagem torna-se a força que nos compele - e nossas mentes são moldadas e controladas pela palavra. As palavras nação, estado, Deus, família - e assim por diante - cercam-nos com todas as suas associações e assim nossas mentes tornam-se escravas da pressão das palavras. A palavra impede a percepção verdadeira da coisa ou da pessoa porque a palavra tem muitas associações. Essas associações, que de fato são lembranças, distorcem não apenas a observação visual, mas também a psicológica. As palavras então transformam-se numa barreira ao livre fluxo da observação. Existe um esnobismo enraizado na maioria de nós, e ver o que as palavras tem feito em nosso pensar e, sem escolha, ficar atento a isso, é aprender a arte da observação - observar sem associação.

Agora veja, se você escuta alguém por anos, e você vê por si mesmo a beleza do que está sendo dito, então você quer escutar mais; então isso lhe abre portas nunca vistas por você antes. Mas se não é assim, então o que está errado? O que está errado com o orador que diz essas coisas, ou o que está errado com o ouvinte? Por que será que um homem ou uma mulher que tem ouvido o orador por tantos anos não está mudado? Nisso há grande sofrimento, não há? O que está errado? Será que você não é sério? Será que você não se importa? Ou será que aquilo que o orador está dizendo não tem valor em si mesmo? Não tem valor? Para determinar se tem ou não, você tem que investigar o que o orador está dizendo. E, para investigar, você deve ter a capacidade de escutar, você deve ser capaz de olhar, você tem que dar seu tempo para isso. Assim, é sua responsabilidade ou é responsabilidade do orador? É nossa responsabilidade mútua, não é? Nós dois temos que olhar. O orador pode apontar, mas você tem que olhar, você tem que entrar nisso, você tem que aprender. E se sua mente não é diligente, cuidadosa, mas negligente, se sua mente não está observando, altamente sensível, isso é com você. Significa que você tem que mudar seu jeito de viver; tudo tem que ser mudado para aprender um modo de viver que seja inteiramente diferente. E isso requer energia; você não pode ser preguiçoso, indolente.

Assim, desde que é nossa responsabilidade mútua - talvez mais sua que do orador – talvez, você não tem dado sua vida para isso. Estamos falando sobre vida – não sobre idéias, não sobre teorias, práticas, nem mesmo técnicas – mas olhar para essa vida inteira, que é a sua vida, e cuidar dela. E isso significa não desperdiçar sua vida. Você tem um tempo muito curto para viver, talvez dez, talvez cinqüenta anos, mas não o desperdice. Olhe, dê a sua vida para entender isso.

Quando ouço um líder, aprendo sobre o líder, eu não aprendo sobre mim mesmo. Portanto quando eu aprendo sobre mim mesmo através do líder eu não estou observando a mim mesmo, estou observando a imagem que o líder criou sobre mim. Então não me libertei do líder. Ao olhar para mim mesmo, eu estou aprendendo sobre mim mesmo. Eu acumulo conhecimento sobre mim mesmo e depois, com esse conhecimento, eu observo? – o que é o mesmo processo que olhar para mim mesmo através do líder. Assim, eu posso aprender sobre mim mesmo – mas sem nenhuma acumulação? Esse é o único jeito de aprender, porque esse “mim mesmo” está sempre se movendo, está tremendamente ativo o tempo todo, e não posso aprender sobre essa atividade através de algo estático, seja isso o conhecimento que acumulei sobre mim mesmo ou o conhecimento de um líder. Portanto tenho que estar livre, não só do líder, mas livre também do conhecimento que juntei sobre mim mesmo ontem.

Estamos condicionados para acreditar em algum Deus ...quando não se sabe, acredita-se!
É o prazer que buscamos, a todas as horas. Queremos prazer cada vez maior, e o prazer supremo, naturalmente, é o de "alcançar Deus". Na busca do prazer encontra-se o medo; transportamos durante a vida essa lúgubre carga do medo. Medo, aflição, pensamento, violência, agressão - todos se interrelacionam. Por conseguinte, compreendendo-se claramente uma dessas coisas, compreendem-se as demais.

Cada um tem de ser mestre e discípulo de si próprio -- não há nenhuma autoridade, há apenas compreensão... Temos de estar livres de toda a crença, o que quer dizer de todo o medo, para sabermos se existe uma Realidade, um estado intemporal.

Krisnamurti

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