segunda-feira, 16 de maio de 2011

SOBRE O SABER E A ESPECIALIZAÇÃO

SOBRE O SABER E A ESPECIALIZAÇÃO

O PROBLEMA do saber e da especialização parece-me muito importante. Consideremo-lo e vejamos se a mente, educada na especialização e no conhecimento pode ser livre para investigar e descobrir se nada mais existe além daquilo que lhe é conhecido; se pode perceber a onde o conhecimento nos está levando, e o significado da especialização.
Há muitos ramos do saber, e cada dia se põem ao nosso dispor, numa escala formidável, novos e copiosos conhecimentos. A onde nos está levando tudo isso? Qual é a função do saber? Vê-se que o saber está essencialmente num certo nível do nosso viver consciente ou inconsciente, da nossa existência. Pode esse saber ser um obstáculo à investigação mais profunda, à compreensão do inteiro significado da existência? Por exemplo, eu posso, como indivíduo, saber construir uma ponte. Pode esse conhecimento produzir uma mudança radical na minha maneira de pensar? O que ele pode produzir é uma modificação ou ajustamento superficial. Mas, que é necessário, na atual crise do mundo: um mero ajustamento superficial ou uma revolução radical? A mim me parece que a revolução nascida de qualquer sistema determinado de ação não é revolução, absolutamente, e que, se desejamos criar uma nova geração, com uma nova mentalidade, precisamos descobrir qual é a função do saber.
Que é o saber? — não estou pedindo o significado ou a definição do dicionário. O saber não significa cultivo da memória numa dada especialidade? Não significa o desenvolvimento da faculdade de acumular conhecimentos, para serem utilizados para um determinado fim? Sem a ciência, evidentemente, é quase impossível a existência moderna. Pode o saber, que é cultivo da memória, acumulação de conhecimentos e emprego desses conhecimentos para fins especiais — a cirurgia, a guerra, o desconhecimento de novos fatos científicos, etc., etc. — pode o saber constituir um obstáculo à perfeita compreensão da sociedade humana?
Como disse, o saber pode ser de notável utilidade num nível especial. Mas, se não compreendemos o processo total da existência humana, não será esse saber um obstáculo à paz humana? Por exemplo: temos suficientes conhecimentos científicos para dar alimentação e teto a toda a humanidade. Por que razão não se põe isso em prática? Não é um problema que interessa à maioria de nós? Não está este problema impedindo que se tome na devida consideração a questão do bom entendimento e da paz entre os homens?
Que é que impede a abolição da guerra, o fornecimento de alimentos, de roupas, de morada a todos os homens? Certamente não é o saber, e, sim, uma coisa de todo diferente. É o nacionalismo e os interesses de toda ordem – capitalistas, comunistas, ou de determinado grupo religioso — é tudo isso que está impedindo a união dos homens. A menos que haja uma transformação radical da nossa maneira de pensar, o saber continuará a ser utilizado para a destruição do homem. Que estão fazendo as nossas sapientes Universidades, acadêmicas e espirituais? Estão a produzir, a gerar, uma revolução fundamental em nossos corações e em nossas mentes? O ponto fundamental parece-me ser este e não a constante acumulação de mais conhecimentos e mais saber.
Pode realizar-se uma revolução total, mercê do conhecimento, que, afinal de contas, é o desenvolvimento contínuo da mente, por meio da memória? Posso conhecer muitos fatos, saber as distâncias entre os vários planetas, saber operar aviões a jato; mas esse saber, esses conhecimentos podem produzir uma mudança radical do meu pensar? Se não pode, que produzirá ele então? Este problema não interessa à maioria de nós? Queremos paz, neste mundo, queremos acabar com a inveja entre os indivíduos humanos, na sua busca de poder, desejamos pôr fim às guerras. Como consegui-lo?
A mera acumulação de conhecimentos pode acabar com as guerras, ou o que se necessita é uma revolução radical em nosso pensar? Pode, o pensar, produzir essa revolução? Não sei se já tendes considerado qual desses pontos; mas a mim me parece que uma revolução baseada em determinado padrão de pensamento não é revolução, em absoluto. Bem considerado, pensar é a reação a uma determinada condição, reação a um “desafio”, de acordo com um determinado “fundo” (background). Reajo ao desafio de acordo com meu condicionamento, meu próprio “fundo” (background): meu preparo, minha educação de cristão, hinduísta, muçulmano, etc. Como pode desaparecer esse “fundo”, esse condicionamento, esse peculiar padrão de ação, e nascer uma nova maneira de pensar? Não é um problema que interessa à maioria de nós? Por que nenhuma revolução radical é possível, a menos que se dê a quebra completa do condicionamento, do padrão do nosso pensar, orientado em determinado sentido.
O saber, a acumulação de conhecimentos sobre fatos, pode produzir a quebra do meu condicionamento? Entretanto, é isto o que estamos fazendo; cuidamos tão-somente de acumular conhecimentos, saber, de exercitar a memória. Isso é importante, no seu nível próprio. Pode-se conhecer ou, buscar pela investigação, obter conhecimentos relativos à consciência total do homem pelo método psicológico de auto-revelação — quase todo ele intelectual, verbal — ou seja, pela especialização. Pode isso, porém, produzir a transformação fundamental? Eu acho que a mera instrução e saber não pode operar nenhuma transformação radical. Deve haver um outro fator totalmente diverso; e esse fator é a compreensão do processo da consciência, do processo da mente, sempre a acumular, a entesourar conhecimentos.
Porque vivemos acumulando conhecimentos? Fazemo-lo para alcançar a segurança, que aliás é essencial num nível da nossa existência. Pensam alguns que o conhecimento é meio de descobrimento. Pode-se descobrir com o conhecimento? O conhecimento não impede o descobrimento? Como pode a mente descobrir coisas novas, se, na sua totalidade, ela só está preparada para juntar conhecimentos, saber? Não deve a mente examinar esta questão, sem estar ancorada em coisa alguma, em nenhuma crença, nenhum conhecimento? A mente que possui conhecimentos, que possui saber, deve ficar livre deles, para que possa descobrir; do contrário, nada descobrirá.
Afinal, em todos nós há um conflito entre o consciente e o inconsciente, entre os hábitos superficiais de pensamento e o processo oculto, dos “motivos”, dos desejos, das ansiedades e temores. Estamos acumulando conhecimentos e saber, no nível superficial, sem alterarmos fundamentalmente os níveis mais profundos da nossa consciência. A coisa mais importante, na crise atual, é que a revolução se realize no nível inconsciente, e não meramente no nível consciente. É impossível a revolução no nível inconsciente quando o consciente não faz outra coisa, senão cultivar a memória. Não é este o problema de todos nós, i. é., como produzir uma revolução profunda em nós mesmos?
O indivíduo, afinal de contas, é o homem; o resto do mundo não é diferente de vós nem de mim; e é só o indivíduo quem pode produzir a transformação radical. Mostra a História que foram sempre uns poucos indivíduos, diferentes dos outros na sua conduta de vida, que operaram modificações na sociedade.
A não ser que, individualmente, nos transformemos profundamente, fundamentalmente, nenhuma possibilidade vejo de se ter a paz, a tranqüilidade no mundo.
Como pode o indivíduo — vós e eu — transformar-se radicalmente, no profundo nível inconsciente? — exeqüível isso pela prática de um ideal ou virtude? O cultivo de determinada virtude não tem por efeito, meramente, tornar mais forte aquela consciência que está nutrindo o processo acumulativo da memória, tornar mais forte o “eu”, o “ego”? A prática de uma idéia ou ideologia não é também uma forma de fortalecer o “eu”, o “ego”, com o inevitável conflito interior e exterior, que é a causa fundamental de todas as guerras?
Pode haver revolução no “eu” pela ação da vontade? Não sei se já exercitastes a vossa vontade com o fim de produzir modificação. Se o fizestes, deveis ter notado que a ação do “eu” está sempre no nível consciente e nunca no nível inconsciente; mas a simples alteração ou exercício da vontade no nível consciente jamais produzirá revolução alguma, alteração, transformação radical de nossos hábitos de pensamento. Não é, pois, importante investigarmos, cada um de nós, como a mente funciona; investigar não de acordo com uma dada filosofia, mas observando as “maneiras” da nossa mente em ação, o nosso comportamento na vida, para que, com a compreensão da mente superficial, possamos descer abaixo da superfície e compreender a mente total?
Como disse no domingo passado, a menos que se produza a integração do pensador e do pensamento, o pensador se servirá do pensamento, da razão, da filosofia, da acumulação de saber, como meio de engrandecimento individual ou coletivo, ou como instrumento de propaganda de uma dada ideologia. Muito importa, pois, que todos aqueles que sentem muito interesse por estas questões, descubram o modo de realizar a total integração do homem. Isso, obviamente, não se pode fazer mediante qualquer forma de compulsão ou persuasão, nem mediante processos disciplinares, nem pela ação da vontade; porque tudo isso — se observarmos bem — se acha no nível superficial. Nosso problema é então este: como poderá realizar-se a transformação total do nosso ser? Já o tentamos por meio da autoridade, da compulsão, do ajustamento, da imitação. Se compreendermos a verdade relativa à compulsão, à disciplina, à imitação ou ajustamento, a mente superficial se tornará livre desses processos compulsórios e imitativos e se tornará tranqüila. Então todos os processos inconscientes poderão projetar-se na mente consciente; e, nessa projeção, temos a possibilidade de descobri-los, compreendê-los e libertar-nos deles.
Sempre que há compreensão dos fatos profundos da vida, a mente está, invariavelmente, tranqüila; não está fazendo esforço algum para compreender. E só quando a mente está de todo tranqüila, se oferece a possibilidade de uma compreensão capaz de operar a revolução radical em nossa vida.
Krishnamurti – Debates sobre educação com alunos e professores em Banaras, Índia – 1954


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