Voávamos suavemente a trinta e sete mil pés de altura e o avião estava repleto. Havíamos passado o mar e nos aproximávamos da terra; ambos, o mar e a terra, estavam muito abaixo de nós, os passageiros nunca pareciam deixar de falar ou de beber ou de folhear as páginas duma revista; depois projetaram um filme. Constituíam um grupo muito barulhento que devia ser alimentado e entretido; dormiam, roncavam e estavam de mãos dadas. Massas de nuvens que se estendiam de horizonte a horizonte, prontamente cobriram completamente a terra, o espaço, a profundidade e também o ruído da fala. Entre a terra e o avião se viam intermináveis nuvens brancas e acima estava o delicado céu azul. No assento junto à janela ele se achava intensamente desperto observando a forma cambiante das nuvens e a branca luz que se refletia sobre elas.
Tem a consciência alguma profundidade, ou somente uma agitação superficial? O pensamento pode imaginar sua profundidade, pode afirmar que a consciência é profunda ou pode considerar só as ondas da superfície? O pensamento mesmo, tem alguma profundidade? A consciência está cheia de seu conteúdo, seu conteúdo é sua total limitação. O pensamento é a atividade do externo; em certos idiomas, ‘pensamento’ quer dizer ‘o de fora’. A importância que lhe é dada às camadas ocultas da consciência segue estando na superfície, não tem profundidade alguma. O pensamento pode dar-se a si mesmo um centro como o ‘ego’, o ‘eu’ e esse centro não tem em absoluto nenhuma profundidade; as palavras, por aguda e sutilmente que tem sido elaboradas, não são profundas. O ‘eu’ é uma fabri¬cação do pensamento – em palavra e em identificação. O ‘eu’ que busca profundidade na ação, na existência, não tem significado algum; todos seus intentos de estabelecer uma profundidade na relação, terminam nas multiplicações de suas próprias imagens; o ‘eu’ con¬sidera que as sombras dessas imagens são profundas. As atividades do pensamento carecem de profundidade; seus prazeres, seus temores, sua dor estão na superfície. A mesma palavra ‘superfície’ indica que há algo debaixo, ou um grande volume de água ou muito pouca profundidade. Mente superficial ou mente profunda, são palavras do pensamento, e o pensamento em si mesmo é superficial. O volume que existe detrás do pensamento é a experiência, o conhecimento, a memória, as coisas que se foram, as que só são para recordar-se, as coisas sobre as quais se pode ou não se pode atuar.
Muito abaixo de nós, distante sobre a terra, corria um rio, enroscando em amplas curvas entre granjas espaçadas aqui e lá, e nos sinuosos caminhos havia formigas que reptavam. As montanhas estavam cobertas de neve, e os vales luziam verdes e cheios de sombras profundas. O sol se achava diretamente frente a nós e descia penetrando no mar à medida que o avião aterrizava entre a fumaça e os ruídos de uma cidade em expansão.
Existe profundidade na vida, na existência? Existe em absoluto? É superficial toda relação? Pode alguma vez o pensamento descobrir isto? O pensamento é o único instrumento que o homem tem cultivado e aguçado, e quando este instrumento é negado como meio para compreender a profundidade da vida, então a mente busca outros meios. Levar uma vida superficial, prontamente se torna fatigante, aborrecida, sem significado algum, e disto emerge a constante perseguição do prazer, os temores, o conflito e a violência. Ver os fragmentos que o pensamento tem criado e suas atividades, ver isso como uma totalidade, é o cessar do pensamento. A percepção do total é possível somente quando o observador, que é um dos fragmentos do pensamento, não se acha ativo. Então a ação é relação e jamais conduz para o conflito e a dor.
Só o silêncio tem profundidade, como o amor. O silêncio não é o movimento do pensar, nem o é o amor. Só então as palavras, as profundas e as superficiais, perdem seu significado. Não há medida para o amor, nem o há para o silêncio. O que é mensurável, é pensamento e tempo o pensamento é tempo. A medida é necessária, porém quando o pensamento a leva para a ação e para as relações, começam então o mal e a desordem. A ordem não é mensurável, só o é a desordem.
O mar e a casa estavam tranqüilos, e atrás deles os morros, com as flores silvestres da primavera, permaneciam silenciosos.
13 de Outubro de 1973
Autor: Krishnamurti