Nós, em geral, gostamos de conversas fúteis; e as conversas fúteis são extraordinariamente estimulantes, quer se trate de Mestres e devas, quer se trate de nossos vizinhos. Quanto mais embotados estamos, tanto mais adoramos uma conversa fútil. Quando estamos enfadados da tagarelice social, desejamos tagarelar a respeito de algo superior. Estamos interessados, não no problema da desigualdade, mas, sim, nas guloseimas servidas nas conversas sobre estranhas entidades que não vemos, que nos proporcionam um meio de fugirmos à nossa superficialidade. Afinal de contas, os Mestres e o devas são nossa própria projeção; quando os seguimos, estamos seguindo nossas próprias projeções. Se eles nos dissessem: “Abandonai o vosso nacionalismo, vossa sociedades, não sejais ganancioso, não sejais cruel”, trataríamos imediatamente de substituí-los por outros que nos dessem satisfação. Vós desejais que eu vos ajude a entrar em contato com os Mestres. A dizer a verdade, não tenho nenhum interesse pelos Mestres. Fala-se muito a respeito deles, e isso se tornou um meio engenhoso de explorar os outros. Criamos uma confusão no mundo, e queremos, agora, que um irmão mais velho venha ajudar-nos a sair dela. Há muita mistificação nisso. A divisão entre Mestre e discípulo, a ascensão da escala hierárquica do sucesso – isso é verdadeiramente espiritual? Toda essa idéia de transformação hierárquica, de luta para nos tornarmos o que chamamos espiritual, para alcançarmos a libertação – é espiritual isso? Quando nossos corações estão vazios, enchemos com as imagens de Mestres, o que significa que não existe amor. Quando amamos alguém, não temos o sentimento de igualdade ou desigualdade. Por que vos ocupais tanto com a questão dos Mestres? Os Mestres são importantes para vós, por causa da vossa noção da autoridade, e vós atribuis autoridade, porque vos agrada; isso é auto-lisonja.
O problema da desigualdade é mais fundamental do que o desejo de entrar em contato com os Mestres. Há desigualdade de capacidade, de pensamento, de ação – desigualdade entre o gênio e o ignorante, entre o homem livre e o que está preso a uma rotina. Já se tem tentado quebrar essa desigualdade, com revoluções de toda espécie, no processo das quais outras desigualdades foram criadas. O problema é como transcender a noção da desigualdade, do inferior e do superior. Isso é espiritualidade verdadeira - e não a busca de Mestres, que implica a manutenção da noção da desigualdade. O problema não é de como implantar igualdade, visto que a igualdade é uma impossibilidade. Vós sois inteiramente diferente de outro. Sois mais perspicaz, muito mais esperto do que outro; tem uma canção no vosso coração, o outro tem o coração vazio, e para ele uma folha morta é uma folha morta, que se lança ao fogo. Algumas pessoas são dotadas de capacidade extraordinária, são ágeis e eficientes. Outros são tardos, obtusos, desatentos. É um nunca acabar de diferenças físicas e psicológicas, e não podemos anulá-las - isso é uma impossibilidade. O mais que podemos fazer é proporcionar uma oportunidade aos de pouca inteligência, em vez de dar-lhes pontapés, e explorá-los.
O problema, pois, não é de como entrar em contato com Mestres e devas, e, sim, de como transcender a noção de desigualdade; a busca de contato com Mestres é ocupação de indivíduos extremamente obtusos. Quando conheceis a vós mesmo, conheceis o Mestre. Um Mestre verdadeiro não pode ajudar-vos, porque vós mesmos tendes de compreender-vos. Vivemos em busca de Mestres falsificados; buscamos conforto, segurança, e projetamos a espécie de Mestre que desejamos, esperando que esse Mestre nos dê tudo o que desejamos. Uma vez que não existe essa coisa chamada conforto, o problema é muito mais fundamental, isto é, trata-se de transcender essa noção de desigualdade. Sabedoria não é a luta para “vir a ser” mais e mais.
Ora bem, é possível transcender a noção de desigualdade? Porque a desigualdade existe, incontestavelmente. Que acontece quando não negamos a desigualdade, quando não nos chegamos a ela com preconceito na mente, mas a encaramos diretamente? Há o arraial sórdido e há também a casa bonita e limpa: um e outro são o que é. Qual a vossa atitude diante do feio e do belo? Disso depende a solução. Com o belo quereis identificar-vos, e o feio afastais para o lado. Para o que é inferior não tendes consideração alguma, mas para com o superior vos portais com a maior consideração e atenção. Nossa atitude é de identificação com o superior, e de rejeição do inferior; olhamos para cima, rastejando e para baixo com menosprezo.
A desigualdade só pode ser transcendida quando compreendemos a nossa atitude perante ela. Enquanto resistirmos ao feio e nos identificarmos com o belo, será inevitável toda esta miséria. Mas se consideramos a desigualdade com uma atitude isenta de condenação, de identificação, ou de julgamento, então nossa reação é de todo diferente. Experimente e verá como se opera uma extraordinária transformação em sua vida. A compreensão do que é traz o contentamento – que não é o contentamento da estagnação, o contentamento causado pela posse de bens, pela posse de uma idéia, de uma mulher. O contentamento é o estado em que procuramos conhecer o que é, tal como é, sem nenhuma barreira de permeio. Só então existe amor, o amor que destrói a noção de desigualdade; e esta é a única coisa que é revolucionária, o único fator de transformação. Uma vez que não possuímos aquela chama da revolução, enchemos os corações e a s mentes com idéias de revolução da esquerda ou da direita,de modificação do que foi. Daí nada há que esperar. Quanto mais reformamos, maior se torna a necessidade de novas reformas.
Não é de importância saber a maneira de entrar em contato com os Mestres, porque eles nenhuma significação tem na vida. O que importa é compreendermos a nós mesmos, pois o Mestre é uma ilusão. Pela vossa falta de compreensão própria, está criando cada vezmais infelicidade no mundo. Olhai o que está acontecendo no mundo, e vê a estreiteza espirtual que ostentam os zelosos devotos da paz, dos Mestres, do amor e da fraternidade. Estão todos empenhados em vosso próprio proveito, embora o disfarceis com belas palavras. Desejais que os Mestres vos ajudem a vos tornardes mais glorificados e mais egocêntricos.
Sei que já respondi a esta mesma pergunta em ocasiões diferentes e de maneiras diferentes. Sei também que, apesar de tudo o que digo, vós ireis executar os vossos rituais e fazer ressoar as vossas espadas, pelo rei e pela pátria. Não desejais compreender e resolver o problema da desigualdade. Já me tem escrito cartas, dizendo: “Sois muito ingrato para os Mestres, que vos educaram”. É fácil dizer tais coisas. São palavras ocas. Cada um deve descobrir por si próprio que nenhum Mestre pode ajudá-lo. É ingratidão perceber aquilo que é falso e declará-lo falso? Quereis que eu seja grato à vossa idéia, à vossa formulação de um Mestre; e quando vossas idéias estão perturbadas, chamai-me de ingrato. O problema não é o de mostrar gratidão para com os Mestres, mas sim o de compreendermos a nós mesmos.
Há uma grande alegria no compreendermos e descobrirmos o que somos, o integral conteúdo de nós mesmos, minuto por minuto. O auto-conhecimento é o começo da sabedoria. Sem auto-conhecimento nada podeis conhecer – ou se conheceis algo, dele fareis mau uso. Seguir o Mestre é fácil; mas ter auto-conhecimento, observar passivamente cada pensamento e cada sentimento, isso não é fácil. Não podeis observar, se há julgamento ou identificação; porque a identificação e o julgamento impedem a compreensão. Se observais passivamente, a coisa que observais começa a desdobrar-se, e há então compreensão, a qual se renova momento por momento.
Krishnamurti - O que estamos buscando?