Interrogante: Não percebo como é possível viver-se num espaço vazio.
K: Minha senhora, está-me parecendo que nos estamos desentendendo. Lamento-o. Talvez isso se deva à minha escolha das palavras, que pode não ser boa como deveria ser, e talvez vós não compreendais exatamente o que entendo por "vazio". Mas, estávamos falando sobre criação.
Ouvi dizer que numa certa universidade estão ensinando o que chamam "composição criadora", "pintura criadora". Mas, pode-se ensinar a ser criador? A contínua prática de uma dada coisa pode dar nascimento ao espírito criador? Pode-se aprender de um professor a técnica de tocar violino, mas é bem óbvio que a técnica, por si só, não faz de um homem um gênio. Já quando um homem tem aquele espírito criador, este produzirá a técnica - e não vice-versa ( isto é, a técnica não pode produzir o espírito criador ). A maioria de nós pensa que, adquirindo a técnica, encontraremos a outra coisa ( o espírito criador ). Consideremos um exemplo muito simples, embora todos os exemplos sejam precários. Que é vida simples? Vida simples, dizemos, é ter poucas posses, comer muito pouco, ter minguados haveres, e abster-se de fazer isto ou aquilo. Na Ásia, um homem que anda de tanga e só toma uma refeição ao dia, é considerado um homem que vive vida muito simples; mas, interiormente, esse homem pode estar em ebulição, como um vulcão, ardendo em desejos, paixões, ambições. A vida simples desse homem é meramente uma ostentação exterior, que todos podem reconhecer e dizer "Que homem simples!" - Esse é o verdadeiro estado da maioria dos santos: exteriormente são muito simples, porém, interiormente, são homens ambiciosos que disciplinam a mente, que se obrigam a ajustar-se a um certo padrão, etc. Assim sendo, eu acho que a simplicidade deve, primeiro, vir de dentro, e não de fora. Analogamente, a criação não pode verificar-se por meio da expressão. Temos de estar no estado de criação, e não buscar a criação através da expressão. Achar-se no estado de criação é o descobrimento do Supremo, e isso só pode acontecer quando não há atividade do "eu" em nenhuma direção.
Voltando ao que disse aquela senhora, a respeito do vazio: Os mais de nós, embora exteriormente em relação uns com os outros, vivemos no isolamento; mas não é sobre esse isolamento que falo. Vazio é coisa totalmente diferente de isolamento. Deva haver vazio entre vós e mim, para que possamos ver um ao outro; deve haver espaço mediante o qual possais ouvir o que estou dizendo, e vice-versa. De modo análogo, deve haver espaço na mente; isto é, a mente não deve estar atravancada de tantas coisas, que nenhum espaço reste. Só quando há espaço dentro da mente - o que significa que a mente não está "cheia" de atividade egocêntrica - só então é possível saber o que é viver. Mas, viver no isolamento - isso não é possível.
Krishnamurti - A mente sem medo
Krishnamurti - A mente sem medo