quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Compreendendo a mediocridade de nossa mente



Um dos problemas graves, sobre que quase todos já devemos ter refletido, é o referente ao controle da mente; porque, pode-se ver que, sem um profundo, racional e equilibrado controle da mente, não pode haver a conservação da energia, essencial para se fazer qualquer coisa e, principalmente, quando se trata da chamada busca — busca da Verdade, da Realidade, de Deus, etc. É sabido, penso eu, que esta estabilidade da mente é necessária para se poder penetrar os problemas fundamentais que uma mente superficial é incapaz de atender. E, no entanto, a dificuldade está em como controlar a mente, não achais? Muitos sistemas de disciplina, várias seitas religiosas e comunidades monásticas sempre têm preconizado o controle absoluta da mente; e nesta tarde pretendo investigar se é possível tal coisa e como pode ser criada essa absoluta estabilidade mental. Estou empregando a palavra “absoluto” no sentido correto, no significado de controle completo, total, da mente. Como disse, é muito importante haver essa estabilidade, porque nesse estado não há conflito, não há dissipação, nem distração de espécie alguma; por conseguinte, ela gera uma energia extraordinária, e essa mente, achando-se perfeitamente equilibrada, é capaz de profunda e radical penetração.

Ora, pode uma mente medíocre, por mais que controle, que domine e discipline a si mesma, tornar-se estável? Em geral, a nossa mente é estreita, limitada, cheia de preconceitos, vulgar, e uma mente vulgar está sempre ocupada com coisas superficiais, com um serviço, com disputas, ressentimentos, cultivo de virtudes, tagarelices, sua própria evolução e seus próprios problemas. E pode essa mente, por mais que controle e discipline a si mesma, tornar-se livre para poder ser estável? Porque, sem liberdade, é bem de ver que a mente não pode ser estável.

Isto é, a mente que está a lutar por sucesso, por um resultado, a procurar no escuro uma coisa que não pode possuir, é essencialmente estreita, condicionada, limitada e, por causa desse próprio esforço, inferior; e, por mais que ela tente tornar-se estável pelo controle de si mesma, pode essa mente gerar aquela energia essencial oriunda de uma estabilidade profunda, fundamental, ou só criará mais uma série de limitações, mais mediocridade? Espero vos esteja mostrando com clareza o problema.

Se minha mente é nacionalista, se ela está acorrentada por inumeráveis crenças, superstições, temores, presa nas redes da inveja, de ressentimentos, da crueldade por palavras, por gestos ou pensamentos — essa mente, por mais que se esforce para pensar em algo além de si própria, permanecerá limitada. O problema, pois, é de como quebrar esse estado de mediocridade da mente, não achais? Esta é uma das questões fundamentais, e se ela está clara, agora, podemos continuar, para descobrir o que significa ter um controle completo da mente.

Para se descobrir o que é a Verdade, o que é Deus — ou o nome que quiserdes dar — necessita-se evidentemente de enorme energia, e, na busca dessa energia, praticamos toda a sorte de absurdos. Ou nos recolhemos aos mosteiros, ou nos tornamos maníacos de regimes alimentares ou procuramos controlar nossas paixões e apetites, esperando, desse modo, canalizar a energia e achar algo além da mente. Afinal, é isto que a maioria de nós está tentando fazer, de diferentes maneiras. Estamos procurando controlar nossos pensamentos, nossos desejos, cultivar virtudes, prestar atenção às nossas palavras, nossos atos, etc., com a intenção de nos tornarmos cidadãos bons, respeitáveis, ou com a esperança de canalizar toda essa extraordinária vitalidade do desejo, a fim de descobrirmos o que existe além. Mas, por mais que lutemos, não poderemos descobrir tal coisa, enquanto não compreendermos a mediocridade de nossa mente. Quando a mente medíocre busca a Deus, o seu Deus será também medíocre, é claro; sua virtude será mera respeitabilidade. Assim, é possível quebrar essa mediocridade? Está clara a questão? Bem, então continuemos.

Nossa mente é medíocre, invejosa, gananciosa, medrosa, quer o admitamos, quer não. Ora, que é que faz a mente medíocre? Sem dúvida, a mente é estreita, limitada, superficial, medíocre, enquanto é gananciosa. Poderá renunciar às coisas mundanas e se tornar gananciosa de sapiência, de sabedoria — mas continuará medíocre, porque no seu esforço aquisitivo ela desenvolve a vontade de conseguir, de ganhar, e essa própria vontade de conseguir constitui sua mediocridade.

Posso dizer agora alguma coisa a respeito da atenção? A atenção é muito importante, mas a atenção é de todo diferente da concentração ou absorção numa coisa. Uma criança se absorve num peão; o brinquedo a atrai, e ela lhe dá a sua mente. Isto é o que acontece, não é verdade? O objeto atrai a mente, absorve a mente, ou então, a mente absorve o objeto. Se estais interessado numa certa coisa, o objeto de vosso interesse é tão atraente, que vos absorve; ao passo que, se deliberadamente vos concentrais numa coisa, o que é outra forma de absorção, então sois vós que absorveis o objeto, não é exato?

Ora, eu estou falando de coisa completamente diferente. Refiro-me a uma atenção que não há objeto de espécie alguma, em que não há luta, nem conflito, uma atenção em que nem vos deixais absorver, nem procurais concentrar-vos em coisa alguma. Quando escutais o que se está falando aqui, estais procurando compreender e vosso escutar tem um objeto; por isso há esforço, tensão, e não uma atenção livre de toda tensão. Isto é um fato, não é? Se desejais escutar uma coisa, não deve haver tensão nenhuma, nenhum esforço, nenhum objeto que atraia a vossa atenção e vos absorva, porque, de outro modo, estais apenas sendo hipnotizados pelas palavras que estais ouvindo, por uma personalidade, uma estultícia qualquer. Se observardes atentamente esse processo de absorção, vereis que nele há sempre conflito, tensão, esforço para se alcançar alguma coisa; ao passo que, na atenção, não há nenhum objeto especial, estais apenas ouvindo, assim como se ouve uma música distante ou as notas de uma canção. Nesse estado estais completamente sem tensão, atento, não há esforço algum.

Assim, pois, se posso sugeri-lo, procurai estar atentos, enquanto aqui estais a escutar o que se está dizendo. O que estou dizendo poderá ser difícil e talvez novo, e portanto causar certa perturbação; mas se fordes capazes de escutar com aquela atenção livre de tensão, não ficareis mentalmente agitados, embora possais sentir-vos perturbados num sentido diferente, o que talvez seja bom. O que estou dizendo é uma coisa que muito importa compreender.: Estou dizendo que a mente deve ser completamente estável. Mas, essa estabilidade não pode efetivar-se quando a mente se esforça para se tornar estável, porque a mente, a promotora do esforço, é, por natureza, limitada, insignificante. Pode a mente possuir conhecimentos enciclopédicos, ser capaz de discussões sutis e possuir vasta acumulação de técnica, mas permanecerá essencialmente limitada enquanto tiver suas bases no senso de aquisição e, por conseguinte, no cultivo da vontade, isto é, enquanto existir nela o “eu”, a entidade que adquire, que faz esforço, que guarda e acumula. A mente poderá pensar em Deus, disciplinar a si mesma, tentar controlar os seus vários desejos, a fim de se tornar virtuosa, a fim de possuir mais energia para a busca da Verdade, etc.; mas, essa mente estreita, limitada, nunca poderá ser livre e, portanto, estável.

Nosso problema, por conseguinte, é de como quebrar essa limitação mental. Está clara a questão? Se está clara, o que vos cabe então fazer? Vê-se a necessidade de uma mente muito estável, profunda, tranquila, uma mente perfeitamente controlada — mas não controlada por uma entidade que diz “Preciso controla-la”. Compreendeis? Isto é, percebo a importância de se ter uma mente estável. Pois bem. Como criar essa estabilidade? Se outra parte da mente disser: “Preciso ter uma mente estável”, criará conflitos, lutas para controlar e subjugar, não é verdade? Uma parte da mente dita à outra parte, tentando impedi-la de divagar, controlando-a, moldando-a, disciplinando-a, reprimindo várias formas de desejo; e temos, assim, um conflito incessante, não é exato?

Ora, a mente que se acha em conflito, é, na sua própria essência, limitada, porque o seu desejo é adquirir alguma coisa. Desejando adquirir uma mente estável, dizeis: “Tenho de controlar a minha mente, moldá-la, repelir todos os desejos em conflito”; mas, enquanto existir em nosso pensar esse processo dual, tem de haver conflito, e esse próprio conflito denota limitação, porque é produto do desejo de ganhar alguma coisa. Assim, pode a mente obliterar, esquecer de todo o processo de aquisição, de adquirir uma mente estável, a fim de achar Deus ou o que quer que seja? Isto é, podeis enquanto estais ouvindo, perceber, imediatamente, a verdade do que se está dizendo? Estou dizendo que é necessária completa e absoluta estabilidade da mente, e que qualquer tentativa para se conquistar tal estado indica que a mente está dividida e está a dizer: “Ótimo! Preciso de estabilidade, deve ser uma coisa maravilhosa”; em vista disso, começa a esforçar-se para alcançar esse estado, recorrendo à disciplinas, controles, várias formas de sanção, etc. Mas, se a mente for capaz de escutar a verdade daquela asserção, perceber a verdade daquela asserção, perceber a absoluta necessidade de controle completo, vereis então que não há mais esforço algum para se alcançar um estado.

Isto é difícil demais? Receio que o seja, porque, em geral, nós pensamos em termos de esforço, havendo sempre uma entidade que faz esforço, visando a um resultado, e por esta razão há conflito. Ouvis a asserção de que a mente deve ser absolutamente estável, controlada ou lestes e refletistes sobre isto e dizeis: “Preciso alcançar esse estado”, e procurais então alcançá-lo por meio de controle, de disciplina, meditação, etc. Nesse processo há esforço, ajustamento, observância de padrão, criação da autoridade, e as muitas complicações daí resultantes. Ora, todo esforço para alcançar um resultado, todo desejo de adquirir um estado, torna a mente limitada, e essa mente nunca poderá ser livre, para ser estável. Se se perceber bem claramente a verdade a esse respeito, não existe então uma estabilidade absoluta da mente? Compreendeis?

Por outras palavras: Vê-se bem claro ser necessário energia para qualquer espécie de ação. Mesmo se desejais ser um homem rico, tendes de devotar a vossa vida a esse fim, nele concentrar toda a vossa energia. E para se achar aquilo que está além das atividades, dos movimentos da mente — o que implica extraordinária profundeza de autoconhecimento — a energia concentrada é uma necessidade essencial. Ora, como se pode gerar essa energia concentrada?  

Reconhecendo que temos necessidade dela, dizemos: “Tenho de controlar meu temperamento, tomar alimentos adequados, evitar os excessos sexuais, refrear minhas paixões, apetites, desejos” — isto é, estamos sempre a escapar por tangentes. Tudo isso são tangentes, porque no centro, somos muito pobres. Enquanto a mente está a pensar em termos de adquirir alguma coisa, alcançar resultados, é ambiciosa, e a mente ambiciosa tem de ser, por natureza, limitada e superficial. Essa mente, tal como a do homem mundano, ambicioso, tem, sem dúvida nenhuma, uma certa carga de energia; mas nós estamos interessados numa coisa que exige energia muito mais profunda, mais ilimitada, e uma total ausência de “ego”.

Temos sido condicionados, através de séculos — religiosa, social e moralmente — para controlar, moldar a nossa mente de acordo com um certo padrão, ou seguirmos certos ideais, a fim de conservarmos a nossa energia; e pode a mente libertar-se dessas coisas, sem esforço algum, e entrar no mesmo instante num estado de tranquilidade total, completa estabilidade? Tal estado não está sujeito a distração de espécie alguma. Só há distrações, quando queremos seguir uma certa direção. Quando uma pessoa diz: “Tenho de pensar nisto, e em nada mais” — então, tudo o mais constitui distração. Mas se estamos atentos, completamente, com aquela atenção que não se fixa em objeto algum — já que não existe mais processo de aquisição, exercício da vontade, visando a um resultado — então a mente se verá num estado de extraordinária estabilidade, tranquilidade interior; e só a mente tranquila é livre, para descobrir ou deixar manifestar-se a Realidade.

Krishnamurti – Realização sem esforço – pág. 62 à 68 – 20 de agosto de 1955       

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