quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Sobre o homem culto

Um guru muito conhecido veio vê-lo mais uma vez. Estavam sentados num formoso jardim rodeado de muros; o verde gramado se achava muito bem cuidado; havia rosas, cheiro de ervilhas, brilhantes calendulas amarelas e outras flores do norte oriental. O muro e as árvores mantinham afastado o ruído dos poucos automóveis que passavam; o ar estava impregnado com o perfume de muitas flores. Ao anoitecer, uma família de chacais resolvia sair do oculto refúgio que tinha abaixo de uma árvore; haviam cavado um grande buraco onde a mãe tinha seus três filhotes. Formavam um grupo de saudável aspecto, e em seguida, depois do crepúsculo, a mãe saía com eles mantendo-se próxima das árvores. Detrás da casa havia lixo e mais tarde iriam recolhê-lo. Também vivia uma família de mangustos; todo entardecer, a mãe, com seu focinho rosado e sua larga e grossa cauda, saía do esconderijo seguida por seus dois filhotes, um atrás do outro; encostados ao muro, também se dirigiam à parte traseira da cozinha onde algumas vezes lhes deixavam coisas. Eles mantinham o jardim livre de cobras. Jamais parecia haverem-se cruzado com os chacais, porém se o fizessem, se deixariam mutuamente em paz.

O guru havia anunciado uns dias antes que desejava fazer uma visita. Chegou, e mais tarde vieram em seguida seus discípulos. Tocaram seus pés como um sinal de grande respeito. Queriam também tocar os pés do outro homem, porém ele não quis que o fizessem; explicou-lhes que isso era degradante, porém a tradição e a esperança do céu eram demasiado fortes neles. O guru não quis entrar na casa, já que havia feito votos de não entrar jamais num lugar de pessoas casadas. O céu estava intensamente azul nessa manhã e as sombras eram grandes.

“Você nega ser um guru, porém é um guru de gurus. Tenho lhe observado desde sua juventude, e o que você disse é uma verdade que muito poucos compreenderam. Para muitos, nós somos necessários, de outro modo estariam perdidos; nossa autoridade salva ao homem simples. Nós somos os intérpretes. Temos tido nossas experiências, sabemos. A tradição é um resguardo, e são somente uns poucos os que podem permanecer sós e ver a realidade desnuda. Você se encontra entre os bem-aventurados, porém nós devemos marchar com a multidão, cantar seus cantos, respeitar os nomes sagrados e borrifar água benta, o qual não quer dizer que sejamos inteiramente hipócritas. Eles necessitam ajuda e nós estamos aqui para lhes dar. Qual é, se me permite perguntar-lhe, a experiência dessa realidade absoluta?” Os discípulos estavam indo e vindo, sem interesse na conversa e indiferentes ao que lhes rodeava, à beleza da flor e da árvore. Alguns deles vieram sentar-se no pasto para escutar, esperando não serem demasiadamente perturbados. Um homem culto é um homem descontente com sua cultura.

A Realidade não é para ser experimentada. Não há atalho que conduza a ela e nenhuma palavra pode assinalá-la; não é algo que possa buscar-se e encontrar-se. O encontrar depois de buscar é a corrupção da mente. A mera palavra verdade não é a verdade; a descrição não é o descrito.

“Os antigos tem falado de suas experiências, de sua bem-aventurança na meditação, de sua superconsciência, de sua realidade sagrada. Se é lhe permitido perguntar: Devemos descartar tudo isto e o exaltado exemplo daqueles seres?” Qualquer autoridade na meditação é a negação completa desta. Todo o conhecimento, os conceitos, os exemplos não tem lugar na meditação. A completa eliminação do meditador, do experimentador, do pensador, é a essência mesma da meditação. Esta liberdade é o ato cotidiano da meditação. O observador é o passado, seu terreno é o tempo, seus pensamentos, suas imagens, suas projeções, estão presas ao tempo. O conhecimento é tempo, e a libertação a respeito do conhecimento é o florescer da meditação. Não existe sistema algum e, portanto, não há direção alguma para a verdade ou para a beleza da meditação. Seguir o outro, seguir seu exemplo, suas palavras, é expulsar a verdade. Só no espelho da relação você vê realmente o rosto do que é. O que vê é o visto. Sem a ordem que a virtude traz consigo a meditação e as intermináveis afirmações dos outros carece em absoluto de significado algum; são completamente improcedentes. A verdade não tem tradição, não pode ser transmitida.

Com o sol, o aroma das ervilhas era muito mais intenso. 

Autor: Krishnamurti, 12 de Outubro de 1973

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