Como é necessário para a mente
expurgar-se de todo pensamento, estar constantemente vazia. Não ser esvaziada,
mas estar simplesmente vazia; morrer para todo pensamento, para todas as
lembranças de ontem e da hora vindoura! É simples morrer e é difícil continuar;
pois continuidade é o esforço de ser ou não ser. Esforço é o desejo, e desejo só pode morrer quando a mente deixa de
adquirir. Como é simples apenas viver! Mas isso não é estagnação. Há grande
felicidade em não querer algo, em não ser algo, em não ir a algum lugar. Só quando a mente se expurga de
todo pensamento existe o silêncio da criação. A mente não estará tranquila
enquanto estiver viajando a fim de chegar. Para a mente, chegar é ter sucesso,
e o sucesso é sempre igual, quer no inicio ou no fim. Não haverá expurgo da
mente se ela estiver tecendo o padrão de seu próprio vir a ser.
Ela disse que sempre fora ativa,
de um modo ou de outro, com seus filhos, nas questões sociais ou nos esportes;
mas por trás dessa atividade sempre existiu o tédio, opressor e constante. Ela
estava entediada com a rotina da vida, com o prazer, a dor, a bajulação e tudo
mais. O tédio era como uma nuvem que
estava suspensa sobre sua vida desde que conseguia se lembrar. Ela tentara
fugir dele, mas cada novo interesse logo se tornava um tédio a mais, um enfado
mortal. Ela lera bastante e tivera as perturbações habituais da vida em
família, mas, durante isso tudo, houve esse tédio exaustivo. Não tinha nada a
ver com sua saúde, pois ela estava muito bem.
Por que você acha que fica
entediada? Isso resulta de alguma frustração, de algum desejo fundamental que
foi frustrado?
“Não em particular. Houve algumas
obstruções superficiais, mas nunca me incomodaram; ou, quando o fizeram, tratei
delas de forma bem inteligente e jamais me senti desconcertada. Não acho que
meu problema seja frustração, pois sempre fui capaz de conseguir o que queria.
Não quis coisas inacessíveis, e sempre fui sensata em minhas necessidades; mas,
apesar disso, havia essa sensação de tédio com tudo, com minha família e com
meu trabalho.”
O que você quer dizer com tédio?
Você quer dizer insatisfação? É porque nada lhe deu total satisfação?
“Não exatamente isso. Eu sou tão
insatisfeita quanto qualquer pessoa normal, mas tenho conseguido resignar-me
com as insatisfações inevitáveis.”
No que você está interessada? Há
algum interesse profundo em sua vida?
“Não especialmente. Se eu tivesse
um interesse profundo, jamais ficaria entediada. Sou naturalmente uma pessoa
animada, eu lhe asseguro, e se eu tivesse um interesse, não o abandonaria com
facilidade. Tive muitos interesses intermitentes, mas todos levaram no final a
essa nuvem de tédio.
O que você quer dizer com
interesse? Por que há essa mudança de interesse para tédio? O que significa
interesse? Você está interessada naquilo que lhe agrada, que lhe traz
satisfação, não é? O interesse não é um processo de aquisição? Você não teria
interesse em coisa alguma se não obtivesse algo disso, não é? Há interesse
sustentado enquanto você está adquirindo; aquisição é interesse, não é? Você
tentou obter satisfação em tudo com que entrou em contato; e, depois de usá-lo
por completo, naturalmente sentiu-se entediada daquilo. Cada aquisição é uma
forma de tédio, de cansaço. Nós queremos mudar de brinquedos; assim que perdemos
interesse em um, recorremos a outro, e há sempre um novo brinquedo a qual
recorrer. Nós recorremos a algo a fim de adquirir; há aquisição no prazer, no
conhecimento, na fama, no poder, na eficiência, em ter uma família e assim por
diante. Quando não há nada mais para adquirir em uma religião, em um salvador,
perdemos o interesse e recorremos a outra coisa. Alguns adormecem em uma
organização e jamais acordam, e aqueles que realmente acordam acabam
adormecendo novamente ao ingressar em outra. Esse movimento de aquisição é
chamada de expansão do pensamento, de progresso.
“O interesse é sempre aquisição?”
De fato, você tem interesse em
alguma coisa que não lhe dê algo em troca, quer seja uma brincadeira, um jogo,
uma conversa, um livro ou uma pessoa? Se uma pintura não lhe proporciona algo,
você a ignora; se a pessoa não o estimula ou perturba de algum modo, se não há
prazer ou dor em um relacionamento particular, você perde o interesse, você
fica entediada. Você não percebeu isso?”
“Sim, mas nunca olhei para isso
desse modo antes.”
Você não teria vindo até aqui se
não quisesse algo. Você quer livrar-se do tédio. Como não posso lhe oferecer
essa libertação, você se sentirá entediada novamente; mas, se pudermos entender
juntos o processo da aquisição, do interesse, do tédio, talvez então haja
libertação. A libertação não pode ser adquirida. Se você adquiri-la, logo
ficará entediada com ela. A aquisição não torna a mente insensível? A
aquisição, positiva ou negativa, é um fardo. Assim que você adquire, perde o
interesse. Ao tentar possuir, você está alerta, interessada; mas a posse é um
tédio. Você pode querer possuir, mas a busca por mais é só um movimento em
direção ao tédio. Você tentará várias formas de aquisição e, enquanto houver o
esforço de adquirir, haverá interesse; mas sempre existe um fim à aquisição e
assim sempre existe tédio. Não é isso que tem acontecido?
“Suponho que sim, mas não
compreendi o total significado disso.”
Isso virá logo. As posses tornam
a mente enfadada. A aquisição, quer de conhecimento, de propriedade, de
virtude, cria insensibilidade. A natureza da mente é adquirir, absorver, não é?
Ou melhor, o padrão que ela criou para si mesma é o de reunir; e nessa mesma
atividade a mente está preparando o próprio enfado, o próprio tédio. Interesse,
curiosidade é o inicio da aquisição, que logo se torna tédio; e a ânsia de
livrar-se do tédio é outra forma de posse. Assim, a mente vai de tédio a
interesse, e a tédio de novo, até que ela esteja inteiramente cansada; e essas
sucessivas ondas de interesse e cansaço são consideradas existência.
“Mas como alguém se liberta de
adquirir sem mais aquisição?”
Somente permitindo que a verdade
do processo total de aquisição seja experienciado e não tentando ser não
aquisitivo, desapegado. Ser não aquisitivo é outra forma de aquisição que logo
se torna exaustiva. A dificuldade, se podemos usar essa palavra, não está no
entendimento verbal do que foi dito, mas em experienciar o falso como falso.
Ver a verdade no falso é o inicio da sabedoria. A dificuldade é a mente ficar
quieta; pois a mente está sempre preocupada, está sempre atrás de algo,
adquirindo ou negando, buscando e encontrando. A mente nunca está quieta; ela
está em constante movimento. O passado, ao fazer sombra ao presente, cria o
próprio futuro. É um movimento no tempo, e quase nunca há um intervalo entre os
pensamentos. Um pensamento segue o outro sem uma pausa; a mente está sempre se
aguçando e, portanto, desgastando-se. Se um lápis for apontado o tempo todo,
logo não sobrará nada dele; de modo semelhante, a mente utiliza-se
constantemente e fica esgotada. A mente está sempre temendo chegar ao fim. Mas
viver é um fim a cada dia; é morrer para todas as aquisições, lembranças,
experiências, para o passado. Como pode existir vida se existir experiência? A
experiência é conhecimento, lembrança; e a lembrança é um estado de
experienciação? No estado de experienciaçao, há lembrança do experienciador? A
expurgação da mente é viva, é criação. A beleza está na experienciaçao, não na
experiencia infeliz; pois experiencia é sempre passado e o passado não é
experienciaçao, não é o vivo. A expurgação da mente é a tranqüilidade do
coração.
Krishnamurti – Comentários sobre
o viver