“O que quer dizer com ação
total?”
Para compreender a ação total,
temos de explorar a divisão entre o pensador e seu pensamento.
“Existe um observador que está
acima tanto do pensador quanto de seu pensamento, não acha? Eu sinto que há.
Por um único momento de êxtase, experimentei tal estado.”
Essas experiências resultam de
uma mente que foi moldada pela tradição, por mil influências. As visões
religiosas de um cristão serão bastante distintas das visões de um hindu ou
muçulmano, já que todas, essencialmente, se baseiam no condicionamento
particular daquela mente. O critério da verdade não é a experiência, mas o
estado em que nem o experimentador nem a experiência existem mais.
“Você fala do estado de samadhi?”
Não, senhor; ao usar essa palavra
você está apenas citando a descrição da experiência do outro.
“Mas não existe um observador
acima e além do pensador e de seu pensamento? Definitivamente, sinto que é
assim.”
Começar com uma conclusão põe um
fim a todo o pensar, não é?
“Mas não se trata de uma
conclusão, senhor. Eu sei, senti a verdade disso.”
Aquele que diz que sabe, na
verdade, não sabe. O que você sabe ou sente ser verdadeiro é o que lhe foi
ensinado; outro, que por acaso foi ensinado de modo diferente pela sociedade,
por sua cultura, afirmará com igual confiança que seu conhecimento e
experiência lhe mostram que não há um observador final. Ambos, o crente e o
descrente, estão na mesma categoria. Ambos começam com uma conclusão, e com
experiências baseada em seu condicionamento, não é assim?
“Quando você coloca dessa forma,
realmente parece que permaneci equivocado o tempo todo, mas ainda não estou
convencido.”
Não estou tentando provar que
você está equivocado, nem convencê-lo de nada; apenas estou destacando certos
aspectos para que você os examine.
“Após consideráveis leituras e
estudos, imagino que já examinei de modo bastante abrangente a questão do
observador e do observado. A mim, parece que, se o olho vê a flor, e a mente
observa através do olho, portanto, além da mente, deve haver uma entidade que está consciente de todo o
processo, ou seja, da mente, do olho e da flor.”
Vamos investigar o tema sem
definições, pressa ou dogmatismo. Como surge o pensamento? Há a percepção, o
contato, a sensação, e daí o pensamento, baseado em memória, diz: “Isto é uma
rosa.” O pensamento cria o pensador; o que dá origem ao pensador é o processo
do pensar. O pensamento vem primeiro; depois o pensador, e não o contrário. Se
não percebemos que isso é um fato, seremos levados a todo tipo de confusão.
“Mas existe uma divisão, um
hiato, estreito ou amplo, entre o pensador e o pensamento; esse fato não
indicaria que o pensador surge primeiro?”
Vejamos. Ao perceber que é
impermanente, inseguro, e ao desejar a permanência e a segurança, o pensamento
gera o pensador, e, em seguida, empurra o pensador para níveis cada vez mais
altos de permanência. Portanto, há um aparente hiato entre o pensador e o
pensamento, entre o observador e o observado; mas todo o processo ainda
pertence à esfera do pensamento, não é verdade?
“Senhor, o que quer dizer é que o
observador não tem realidade, que é tão impermanente quanto o pensamento? Mal
posso acreditar nisso.”
Você pode chamá-lo de alma,
Atman, ou qualquer outro nome que queira, mas o observador ainda é o produto do
pensamento. Enquanto o pensamento estiver ligado de alguma forma ao observador,
ou este estiver no controle, moldando o pensamento, ele ainda estará dentro do
campo do pensamento, dentro do processo do tempo.
“Como minha mente objeta a isso!
E, mesmo assim, sem querer, estou começando a ver que é um fato; e se é um
fato, então só há o processo do pensar, e nenhum pensador.”
É isso, não é mesmo? O pensamento
gera o observador, o pensador, o censor consciente ou inconsciente que está
perpetuamente julgando, condenando, comparando. É esse observador que está
sempre em conflito com seus pensamentos, sempre se esforçando por guia-los.
“Por favor, vá um pouco mais
devagar; realmente quero avançar o assunto passo a passo. Você está indicando
que todas as formas de esforço, nobres ou ignóbeis, resultam dessa divisão
artificial e ilusória entre o pensador e seus pensamentos. Mas está tentando
eliminar o esforço? O esforço não é necessário para qualquer mudança?
Logo abordaremos esse assunto.
Nós vimos que só existe o pensar, que inventa o pensador, o observador, o
censor, o controlador. Entre o observador e o observado existe o conflito do
esforço de um para ultrapassar ou, ao menos, modificar o outro. Esse esforço é
vão, jamais pode produzir mudança fundamental no pensamento, porque o pensador,
o censor, é, em si mesmo, parte daquilo que deseja mudar. Uma parte da mente
não tem a menor possibilidade de transformar outra parte, que não passa de uma
continuação de si mesma. Um desejo pode, e muitas vezes consegue, superar outro
desejo. Mas o desejo vitorioso gera outro desejo ainda, que por sua vez se
torna o perdedor ou o vencedor, e assim o conflito da dualidade se põe em
movimento. Não há movimento. Não há fim para esse processo.
“A mim parece que você está
dizendo que é somente por meio da eliminação do conflito que há possibilidade
de mudança fundamental. Não compreendo muito bem. Poderia tratar um pouco mais
disso?”
O pensador e seu pensamento são
um processo unitário, nenhum deles tem uma continuidade independente; o
observador e o observado são inseparáveis. Todas as qualidades do observador
estão contidas em seu pensamento; se não há pensamento, não há observador, não
há pensador. Isso é um fato, não é?
“Sim, até aí, entendi.”
Se a compreensão é apenas verbal,
intelectual, ela tem pouco significado. É preciso haver uma experiência real do
pensador e de seu pensamento como um só, uma integração de ambos. Desse modo,
há apenas o processo do pensar.
“O que quer dizer com o processo
do pensar?”
É a forma ou a direção na qual o
processo foi posto em movimento: pessoal ou impessoal, individual ou coletivo,
religioso ou mundano, hindu ou cristão, budista ou muçulmano e assim por
diante. Não há pensador que seja muçulmano, mas apenas o pensar que recebeu um
condicionamento muçulmano. O pensar é o resultado do próprio condicionamento. O
processo ou maneira de pensar deve, inevitavelmente, gerar conflito, e quando é
feito um esforço para superar esse conflito por diversos meios, ele apenas
constrói outras formas de resistência e conflito.
“Isso está claro — ou pelo menos
acho que sim.”
Essa forma de pensar deve cessar
por completo, pois gera confusão e infelicidade. Não há forma de pensar melhor
ou mais nobre. Todo pensamento é condicionado.
“Parece que você está insinuando
que somente quando o pensamento cessa é que ocorre uma mudança radical. Mas
isso é verdade?”
O pensamento é condicionado. A
mente, por ser o armazém das experiências, memórias, das quais o pensamento se
origina, é, em si mesma, condicionada; e qualquer movimento da mente, em
qualquer direção, produz os próprios resultados limitados. Quando a mente se
esforça para se transformar, apenas constrói outro padrão, diferente, talvez,
mas ainda um padrão. Todo esforço da mente em se libertar é a continuação do
pensamento; pode estar num nível mais elevado, mas ainda se encontra no próprio
círculo, o círculo do pensamento, do tempo.
“Sim, senhor, estou começando a
entender. Por favor, prossiga.”
Qualquer movimento de qualquer
tipo por parte da mente apenas dá força à continuidade do pensamento, com suas
buscas invejosas, ambiciosas, acumulativas. Quando a mente está totalmente
desperta para esse fato, assim como fica completamente alerta para uma cobra
venenosa, então você vê que o movimento do pensamento chega ao fim. Só assim há
uma revolução total, e não a continuidade do velho sob uma forma diferente.
Esse estado não deve ser descrito; aquele que descreve não está ciente dele.
“Realmente, acho que entendi não
apenas suas palavras, mas a implicação total daquilo que vem dizendo. Se, de
fato, entendi ou não, será revelado em minha vida cotidiana.”
Krishnamurti