Ele era um homem muito velho, com
a barba branca, e o seu corpo magro mal estava coberto pelo hábito cor de
açafrão de um saniasi. Tinha modos e
fala tranqüilos, mas seus olhos eram repletos de tristeza — a tristeza de uma
busca em vão. Com a idade de 15 anos, ele deixou a família e renunciou ao
mundano, e por muitos anos vagou por toda a Índia, visitando ashrams, estudando, meditando, buscando
sem cessar. Ele morou por algum tempo no ashram
do líder político-religioso que trabalhara extenuamente pela liberdade da
Índia, e viveu em mais outro, ao sul, onde os cânticos eram agradáveis. No
salão onde um homem santo vivia silenciosamente, ele também buscara em
silêncio, entre muitos outros. Ele esteve em ashams da costa leste à costa oeste, investigando, questionando,
discutindo. No extremo norte, na neve e nas gélidas cavernas, ele também
passou; e meditara o sofrimento físico e fez longas peregrinações a templos
sagrados. Era versado em sânscrito, e se deleitara em cantar enquanto
peregrinava de um lugar a outro.
“Busquei a Deus de todas as
maneiras possíveis desde a idade de 15 anos, mas não O encontrei, e agora já
passo dos 70. Venho a você como fui a outros, na esperança de encontrá-lo.
Preciso encontrá-lo antes de morrer; a não ser, que Ele seja apenas mais um dos
muitos mitos da humanidade.”
Se me permite perguntar, senhor,
acha que o imensurável pode ser
encontrado na busca por Ele? Seguindo diferentes caminhos, por meio de
disciplina e autoflagelaçao, do sacrifício e do serviço devoto, aquele que
busca encontrará o eterno? Certamente, senhor, não importa se o eterno existe
ou não, e podemos investigar a verdade disso mais tarde; o que é importante é
compreender por que buscamos, e o que estamos buscando. Por que buscamos?
“Eu busco porque, sem Deus, a
vida tem pouquíssimo significado. Eu O busco devido à tristeza e à dor. Eu O
busco porque quero paz. Eu O busco porque Ele é o permanente, o imutável; porque existe a morte, e Ele é imortal. Ele é
ordem, beleza e bondade, e por essa razão eu O busco.”
Ou seja, estando em agonia pelo
impermanente, buscamos cheios de esperança aquilo que chamamos de permanente. A
razão de nossa busca é encontrar conforto no ideal do permanente, mas esse
ideal nasce da impermanência, brota da dor da mudança contínua. O ideal é
irreal, enquanto a dor é verdadeira; mas, ao que parece, não compreendemos o
fato da dor, e nos apegamos ao ideal, à esperança da ausência de dor. Daí nasce
em nós a dualidade entre fato e ideal, com seu conflito infindável entre o que
é e o que deveria ser. A razão de nossa busca é escapar da impermanência, da
dor, em direção àquilo que a mente acredita ser o estado de permanência, de
êxtase perpétuo. Mas esse pensamento em si já é impermanente, pois nasce da
dor. O oposto, independente do quão elevado, contém a semente do próprio
oposto. Nossa busca, portanto, é apenas o anseio por escapar do que é.
“Quer dizer que temos de parar de
buscar?”
Se dispensarmos nossa atenção
integral à compreensão do que é, então a busca, como a conhecemos, talvez não
seja necessária, de modo algum. Quando a mente está livre da dor, que necessidade
tem de buscar a felicidade?
“É possível que a mente se
liberte da dor?”
Concluir que ela pode ou não se
libertar significa colocar um fim a todo o questionamento e compreensão. Temos
de dedicar nossa atenção total à compreensão da dor, e não podemos fazê-lo se
estivermos tentando escapar dela, ou se nossa mente estiver ocupada em buscar
sua causa. Deve haver total atenção, e não uma preocupação oblíqua.
Quando a mente não busca mais,
quando cessa de gerar conflito por meio de suas faltas e anseios, quando está
silente em compreensão, somente então pode haver o imensurável.
Krishnamurti – Comentários sobre o viver