Nesta tarde, desejo falar sobre a natureza do conflito e sobre a possibilidade de nos libertarmos totalmente de qualquer espécie de conflito. Por conflito, entendo a batalha perpétua, a inquietação, a ansiedade, desespero, angústia, os temores, os atritos, a luta existente interior e exteriormente, o sentimento de insegurança, a busca, pelos que se sentem inseguros, de um estado isento de perturbações, um estado de permanência. E temos também o conflito entre o consciente e o inconsciente, o conflito dos diferentes desejos, o conflito da ambição, o conflito do preenchimento, o conflito da frustração, o conflito que se torna maior quando temos o desejo de descobrir o verdadeiro. Porque, vivendo neste mundo e procurando ajustar-nos ao mundo e à ideia que estabelecemos como padrão, como ideal, estamos tornando maior o conflito.
(...) Em geral, buscamos uma espécie de segurança, porque nossa vida é um conflito infindável, desde o momento de nascermos até o momento de morrermos. A fastidiosa monotonia da vida e a ansiedade da vida; o desespero da existência; desejar ser amado, e não ser amado; a superficialidade, a vulgaridade, a agitação da existência diária — eis a nossa vida. Nessa vida, há perigo e apreensão; nada é certo; há sempre a incerteza do amanhã. Assim, consciente ou inconscientemente, andamos numa perene busca de segurança, desejando encontrar um estado permanente, primeiro no plano psicológico e, depois, no exterior; sempre, em primeiro lugar, o plano psicológico, e não o exterior. Desejais um estado permanente em que não sejais perturbado por coisa alguma, por nenhum medo, nenhuma ansiedade, nenhum sentimento de incerteza, nenhum sentimento de culpa. É o que deseja a maioria de nós. É o que busca a maioria de nós, tanto exterior como interiormente.
Exteriormente, desejamos ter ótimos empregos; somos educados, tecnologicamente, para funcionarmos mecanicamente num certo plano burocrático ou outro qualquer. E interiormente ansiamos a paz, o sentimento de certeza, de permanência. Em todas as nossas ações, quer estejamos agindo correta, quer incorretamente, queremos estar em segurança. Queremos que nos seja dito: isto é certo, isto é errado, não façais isto, fazei aquilo. Desejamos seguir um padrão, porque esta é a maneira mais fácil de viver — quer se trate de padrão estabelecido por vós mesmo, quer de padrão estabelecido por outro, pela sociedade, pelo guru ou por vossos próprios ideais e impressões. Existe, pois, essa constante exigência de segurança exterior bem como de segurança interior. A segurança interior se torna muito mais complicada, quando existe a autoridade de uma ideia.
Por ideia, entendemos o ideal, o padrão, o exemplo, a fórmula, o herói. É essa a permanência pela qual vivemos lutando. Por essa razão, há sempre uma distância entre o que é e o que deveria ser; e por essa razão, existe conflito. Quando a mente está em busca de segurança, necessitamos da autoridade — seja a autoridade da sociedade, da lei, seja a autoridade estabelecida na forma de um ideal ou de uma pessoa que irá nos dizer "o que se deve fazer" e "o que não se deve fazer". E, por derradeiro, buscamos a perfeita segurança em Deus. Eis o padrão que estamos seguindo há século e séculos.
O homem existe como homem, segundo se descobriu, há perto de dois milhões de anos. E há pinturas e outras coisas que nos indicam que o homem sempre viveu nesta constante apreensão; é uma corrente em cuja superfície o homem vem flutuando, sempre buscando, buscando e, em virtude dessa busca, estabelecendo a autoridade de um livro, de uma pessoa, de uma ideia. E isso ele vem fazendo conscientemente.
(...) O que realmente mais vos interessa é isto: exteriormente, segurança, dinheiro, posição, poder, conforto; e, interiormente, um inalterável estado livre de todas as ansiedades, e problemas, de toda ideia de perigo, iminente ou remoto. Assim é a nossa vida. Esse é o padrão de existência que aceitamos sem discutir. Quando nos vemos muito perturbados, procuramos escapar-nos, buscando o templo ou outras formas de fuga. Nunca questionamos, nunca investigamos em nós mesmos se fato existe segurança, no plano consciente ou no inconsciente. E vamos agora questionar isso. Podereis não gostar de fazê-lo, e oferecer resistência, pois não estamos acostumados a enfrentar as coisas, não estamos acostumados a olhar-nos assim como somos. Preferimos "ver" coisas inexistentes, ou imaginar coisas que deveriam existir. Mas agora vamos olhar o que na realidade existe — o que é.
Em primeiro lugar, há segurança interior, nas relações, em nossas afeições, em nossos modos de pensar? Existe aquela realidade final a que todo homem aspira, em que deposita suas esperanças, sua fé? Porque, no mesmo instante em que desejais segurança, inventais um deus, uma ideia, um ideal que vos dará o sentimento de segurança; mas isso pode não ter realidade nenhuma, ser mera ideia, reação, uma forma de resistência ao fato óbvio da insegurança. Por conseguinte, é necessário investigar essa questão sobre se existe alguma segurança, em qualquer nível que seja de nossa vida. Investigá-lo, primeiro, no plano interior: porque, se não houver segurança interiormente, nossa relações com o mundo serão de todo diferentes; não mais nos identificaremos com nenhum grupo, nenhuma nação, nenhuma família mesmo.
Por conseguinte, cumpre-nos em primeiro lugar investigar a questão de se existe permanência, se existe um "estado de segurança". Isso significa que devemos, vós e eu, estar dispostos a investigar-nos, com agrado, com facilidade, sem autoridade, tanto exterior como interior: a autoridade da sociedade, ou a autoridade que estabelecemos para nós mesmo mediante a experiência, ou a autoridade que a tradição nos impôs. Somos educados para obedecer, porque na obediência encontramos segurança. E, para poder descobrir se existe verdadeiramente alguma segurança, a pessoa deve estar completamente livre de toda espécie de autoridade. Muito importa compreender isso, porque todas as religiões sustentam que existe uma entidade espiritual, permanente, chamada "alma", "Atman", ou o nome que preferirdes. E aceitamos tal coisa à força de propaganda, de condicionamento, impelidos por nossos temores, nossas exigências de segurança. Aceitamo-la como uma realidade viva, confortante. E há todo um mundo que diz: Tal coisa não existe, é mera questão de crença, sem validade nenhuma. É o mundo comunista, que chamais ateísta, ímpio — como se fosseis muito pios, só pelo fato de terdes uma crença!
Assim, o homem que deseja investigar cabalmente essa questão da segurança, deve estar completamente livre de todas as formas de autoridade; não falo da autoridade da lei, da autoridade do Estado, porém da autoridade que a mente busca ou estabelece num livro, numa ideia, numa experiência, na vida. Tende a bondade de ir-me seguindo, consciente ou inconscientemente. Só a mente que está livre da autoridade, pode começar a investigar esse imenso problema da segurança. De outro modo, nem vós nem eu podemos estar em comunhão, e eu preciso dizer-vos que, psicologicamente, não existe segurança.
Se procurais a segurança em Deus, trata-se de uma invenção vossa. Estais projetando vosso desejo num símbolo que chamais "Deus", sem validade alguma. Precisais, pois, estar livre da autoridade, neste sentido. A mente busca a autoridade, estabelece a autoridade num ideal, numa fórmula, numa pessoa, numa igreja, numa certa crença, e trata de ajustar-se e de obedecer. Disso ela precisa estar livre, não só consciente mas também — mais difícil ainda — inconscientemente. A maioria das chamadas "pessoas cultas" não creem em Deus, porque não consideram muito importante isso; têm ótimos empregos ou regular fortuna, e a crença em Deus é uma simples ideia antiquada. Portanto, atiram-na pela janela e vão continuando à sua maneira. Mas, o investigar o inconsciente e livrar-se do impulso inconsciente a buscar a autoridade é muito mais dificultoso.
(...) Encontramos também muita segurança, psicologicamente, emocionalmente, na identificação com uma ideia, com uma raça, uma comunidade, um dado movimento. Isto é, ligamo-nos a uma certa causa, a um certo partido político, a uma certa maneira de pensar, a certos costumes, hábitos, rituais, tais como o hinduísta, o parsi, o cristão, o muçulmano, etc. Ligamo-nos a uma dada forma de existência, uma dada maneira de pensar; identificamo-nos com um grupo, uma comunidade, uma dada classe ou ideia. Essa identificação com a nação, com a família, com o grupo, a comunidade, confere-nos também uma certa ideia de segurança. Sentis-vos muito mais seguros quando dizeis "sou hindu", ou "sou inglês", ou "sou alemão", etc. Essa identificação nos proporciona segurança. Disso também é necessário estar-se consciente.
Assim, quando fazeis a vós mesmo a pergunta sobre se há ou não segurança, o problema se torna extremamente complexo se não compreendeis diretamente a questão, se não lhe conheceis todos os aspectos colaterais. Porque é o desejo de segurança — quando provavelmente nenhuma segurança existe — que gera o conflito. Se, psicologicamente, se percebe a verdade de que não existe segurança de espécie alguma, em nenhuma forma, em nenhum nível, já não há conflito. Tendes então o poder que a vida vos confere; sois ativo, criador, vulcânico em vossa ação, "explosivo" em vossas ideias; a nada estais preso. Estais vivo! E a mente que se acha em conflito não pode, evidentemente, viver na claridade, com infinito sentimento de afeição e compaixão. Para amar, necessita-se de uma mente extremamente sensível. Mas, não podeis ser sensível, se estais perpetuamente com medo, perpetuamente ansioso, na insegurança e, por conseguinte, em busca de segurança. É, obviamente, a mente que se acha em conflito está a gastar-se, como qualquer máquina sujeita a atrito; torna-se embotada, estúpida, entediada.
Assim, pois, em primeiro lugar: existe segurança? Vós é que tendes de descobri-lo, não eu. Eu digo que, psicologicamente, não há segurança de espécie alguma, em nenhum nível, em nenhuma profundidade. Mas isso não é para vós uma realidade. Se o repetis, dizeis uma mentira, porquanto isso não é verdadeiro para vós. Portanto, deveis descobrí-lo, já que se trata de um problema urgente, pois o mundo está mergulhado num caos, se acha em aterradoras condições de desespero, violência, brutalidade. Dizendo "o mundo", refiro-me ao mundo em que viveis — não à Rússia, à China ou à Inglaterra; refiro-me ao mundo que vos cerca — a família, as pessoas com quem tendes contato. Esse é o vosso mundo. Nesse mundo, se observardes profundamente, encontrareis imenso desespero, ansiedade, degeneração, imitação constante. E, para compreender a vida em toda a sua vastidão, em toda a sua beleza e profundidade — não uma profundidade imaginária, uma beleza imaginária, porém a verdadeira, palpitante, vital e pujante beleza da vida, da existência, do viver — deve vossa mente achar-se, toda inteira, em um estado no qual não subsista uma só arranhadura de conflito. Tendes, pois, de descobrir por vós mesmos, como agora estais fazendo. Se pensais que interiormente há segurança, ficareis vivendo num perpétuo estado de conflito. Ficareis vivendo num perpétuo estado de imitação, de obediência, de ajustamento e, por conseguinte, jamais sereis livre. E vossa mente deve estar completamente livre; do contrário não pode viver, não pode compreender. Se a mente não está livre, não pode ver a beleza de uma árvore ou a formosura de uma nuvem, ou a beleza de um sorriso, num rosto.
Krishnamurti —O Despertar da Sensibilidade